Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5455/17.1T9SNT.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA
SEGURANÇA SOCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: SEGURANÇA SOCIAL
Sumário: - Perante a comissão de crime previsto no RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias) aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/06, a suspensão da execução da pena de prisão está subordinada ao regime previsto no artigo 14.º, do mesmo diploma, determinando-se no seu n.º 1 que, aquela suspensão «é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa».
- Com a aposição da condição a que fica subordinada a suspensão pretende-se a reparação integral do prejuízo causado, mas também a razoabilidade da condição tem de ser necessariamente avaliada e ponderada a montante, isto é, antes da declaração de imposição.
- O que é de aplicação automática é a condição, não a suspensão, que demanda formulação de lógico juízo prévio; para que se verifique a im- Perante a comissão de crime previsto no RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias) aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/06, a suspensão da execução da pena de prisão está subordinada ao regime previsto no artigo 14.º, do mesmo diploma, determinando-se no seu n.º 1 que, aquela suspensão «é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa».
- Com a aposição da condição a que fica subordinada a suspensão pretende-se a reparação integral do prejuízo causado, mas também a razoabilidade da condição tem de ser necessariamente avaliada e ponderada a montante, isto é, antes da declaração de imposição.
- O que é de aplicação automática é a condição, não a suspensão, que demanda formulação de lógico juízo prévio; para que se verifique a imposição do condicionamento necessário é que antes se tenha optado exactamente pela suspensão, uma suspensão com contornos especiais, mas exactamente por isso a merecer maiores cuidados.
- O tribunal de recurso não tem poderes para reduzir o valor imposto como condição da suspensão da prisão, sob pena de violação do aludido art. 14.º, do RGIT, tendo aquele necessariamente de corresponder ao valor da indemnização devida ao ofendido ISS.IP, ou seja, tem de reflectir o montante das prestações ainda em dívida à Segurança Social.
posição do condicionamento necessário é que antes se tenha optado exactamente pela suspensão, uma suspensão com contornos especiais, mas exactamente por isso a merecer maiores cuidados.
- O tribunal de recurso não tem poderes para reduzir o valor imposto como condição da suspensão da prisão, sob pena de violação do aludido art. 14.º, do RGIT, tendo aquele necessariamente de corresponder ao valor da indemnização devida ao ofendido ISS.IP, ou seja, tem de reflectir o montante das prestações ainda em dívida à Segurança Social.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

IRELATÓRIO:

1. Sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum e perante tribunal singular, no Juízo Local Criminal de Sintra (J2) da Comarca de Lisboa Oeste, os arguidosJ , Ld.ª” e JA  , também demandados no correspondente pedido de indemnização civil contra eles formulado pelo assistente Instituto da Segurança Social, I.P.

*

Findo o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo (transcrição):

«Tudo visto e ponderado decido:

a)- Condenar a arguida J , Ld.ª", pela prática de um crime de abuso de confianca contra a Seguranca Social, previsto e punido pelos  artigos 6.°, 7.° e 107.°, n.º 1, por remissao para oartigo 105.°, n1, do R.G.I.T., na pena de 300 (trezentos) dias de multa,  à taxa diaria  de € 5 (cinco) euros,  perfazendo omontante global de € 1.500 (mil e quinhentos) euros;

b)- Condenar o arguido JA, como  autor  material e na forma consumada, pela prática de um crime de abusode confiança contra a Segurança Social, previsto e punivel, pelos artigos 6.° e 107.°, n.º 1, com referencia ao artigo 105.°, n.º 1, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

c)- Suspender a pena de prisao aplicada por 3 (três) anos, a contar do trânsito em julgado da sentenca, sujeita ao pagamento integral do montante apurado  e ainda em dívida, no referido período, tudo nos termos do disposto nos artigos 50.°, do Código Penal  e 14.°, n.º 1, do RGIT;

d)- Condenar os arguidos/demandados J , Ld.ª" e  JA   a pagarem ao demandante Instituto da Seguraa Social, I.P., a quantia de € 140.153,75 (cento e quarenta mil, cento e cinquenta e ts euros e setenta e cinco cêntimos), a titulo de indemnizacao devida por   danos patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral  pagamento e calculados de acordo com oartigo 3.°, n1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16/03, absolvendo do demais peticionado;

e)- Condenar cada um dos arguidos no pagamento das custas do processo, com a taxa de justica que se fixa em 3 UC, reduzida a metade em face da sua confissão, tudo nos termos do disposto nos artigos 344.°, 513.° e 514.° do  Codigo de Processo Penal e 8.°, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais  e tabela III anexa;

f)- Condenar os arguidos/demandados e demandante no pagamento das custas  civeis, na proporção dos respectivos condenação e decaimento, nos  termos   do  disposto no  artigo 527.° do CPC, aplicavel ex vi do artigo  523.° do CPP.»

2.O recurso:

2.1. Inconformado com o assim decidido, o arguido JA  interpôs o presente recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões:

a)- Discorda-se da pena aplicada ao ora recorrente, por se afigurar que a mesma é exagerada.

Se não, vejamos:

b)- Crê-se que não foram devidamente tidas em consideração as declarações do  ora recorrente, as quais consubstanciaram uma confissão integral e sem reservas que se afigurou merecedora de credibilidade;

c)- Sendo que uma melhor valoração da confissão se deveria reflectir na pena em que foi condenado;

d)- A intenção do ora recorrente nunca foi a de lesar o Instituto da Segurança Social, I.P. ou quem quer que fosse;

e)- Não se crendo que a culpa do ora recorrente seja suficiente para justificar os dois de prisão em que foi condenado, ainda que a pena tenha sido suspensa na sua execução;

f)-  Afigurando-se que a pena ultrapassa a medida da culpa;

g)- De acordo com o disposto no art. 71º, nº 1, do Código Penal, «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção»;

h)- Acrescentando o nº 2 queNa determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a)- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b)- A intensidade do dolo ou da negligência;
c)- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d)- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e)- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f)- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena».

i)- Ora, crê-se que nos presentes autos  não foram tidos  em  consideração os  elementos referidos nas alíneas c), d) e e) do mencionado nº 2 do art. 71º do CP;

j) Designadamente, o pagamento a prestações que tem vindo a cumprir, o qual já lhe permitiu abater a quantia de € 7.257,70 ao valor inicialmente devido;

k) E que continua a efectuar;

l) É certo que o ora recorrente já foi condenado anteriormente pela prática dos mesmos factos em penas de multa mas os processos anteriores reportam-se  todos ao mesmo período temporal que os presentes autos;

m) Pelo que não se pode considerar que o ora recorrente foi condenado anteriormente e continuou a praticar os mesmos factos e que o seu Certificado de Registo Criminal justifica agora uma pena de prisão;

n) O que, juntamente com o facto do ora recorrente já ter pago e continuar a pagar montante em prestações mensais, deveria ter sido melhor valorado;

o) Assim, afigura-se que a pena aplicada foi excessiva e ultrapassa a medida da culpa e que uma pena de multa realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da pena;

p) Seguindo, assim, o disposto no art. 70º do CP;

q) Assim, não se entende que tenham sido devidamente valoradas a sua confissão espontânea, integral e sem reservas, a sua vontade de regularizar a situação através dos pagamentos que, desde 2017, tem vindo a efectuar, bem como as causas que levaram à prática dos actos pelos quais foi condenado;

r) Aliás, entendeu o douto Tribunal  a quo que a ameaça de prisão basta para que o ora recorrente não pratique novos crimes;

s) Sendo  de  referir  que  os únicos  crimes pelos  quais o ora  recorrente  foi acusado  e foi condenado são os referidos na douta sentença recorrida, não tendo o arguido praticado qualquer outro crime desde então, ou anteriormente a estes;

t) O ora recorrente está familiar, social e profissionalmente inserido;

u) Tendo voltado a casar e já tem mais 2 filhos deste matrimónio;

v) Afigurando-se que a pena que devia ter sido aplicada ao ora recorrente é uma pena de multa, desde já se requerendo a substituição da pena em que foi condenado por uma pena de multa;

w) Sendo que face às actuais condições pessoais e económicas do ora recorrente, este não poderá pagar a totalidade da dívida à Segurança Social no curto prazo de 3 anos fixado pelo Tribunal a quo, apesar do esforço que o recorrente está a fazer para pagar as suas dívidas;

x) O referido prazo de suspensão é injusto, por ser demasiado curto e severo, face à sua manifesta e clara impossibilidade de pagar tal encargo no tempo fixado;

y) A falta de condições reais e sérias para efectuar o pagamento em dívida no prazo fixado de 3 anos, não pode deixar de ter consequências jurídicas, pela sua indiferença pela aplicação de justiça no caso concreto;

z) Pelo que a douta decisão em causa viola o princípio da razoabilidade (art. 51, nº 2 do CP), fixando uma condição impossível ou muito difícil de ser suportada pelo recorrente;

aa) Não se alcançando, assim, as finalidades inerentes à suspensão da execução da pena;

bb) Pelo que, caso não se entenda substituir a pena em que o ora recorrente foi condenado por uma pena de multa, a qual se afigura adequada e justa, deve ser dilatado para 5 anos o prazo de suspensão da execução durante o qual o ora recorrente deve pagar a sua dívida e, em simultâneo,  ser fixado  como valor em dívida  um valor mais reduzido  que  o ora recorrente possa, efectivamente, pagar no período fixado;

cc) Afigurando-se que,  face  às  suas  condições  financeiras,  dadas  como  provadas  e,  ao pagamento que conseguiu efectuar desde Novembro de 2017 até à data do julgamento, deverá ser fixada em € 35.000,00 a quantia a pagar no referido período de 5 anos;

dd) A douta decisão recorrida, ao entender diversamente, violou, designadamente e por erro de interpretação na apreciação da prova, os artigos 40º, 70º, 71º, 72º e 73º do CP e art. 127º do CPP, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que substitua a pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sujeita ao pagamento integral da quantia apurada e ainda em dívida, por multa nos termos do disposto no art. 105º do RGIT, ou, caso assim não se entenda, ser dilatado para 5 anos o prazo de suspensão da execução durante o qual o ora recorrente deve pagar a sua dívida e, em simultâneo, ser a mesma reduzida para a quantia de € 35.000,00, por forma a que o ora recorrente a possa, efectivamente, pagar, assim se fazendo a costumada Justiça!

*

2.2. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, concluindo do sentido modo:

1-A decisão recorrida não padece de qualquer vício, designadamente, os que o recorrente invoca, e é justa.

2-A pena aplicada ao arguido é acertada e justa, por adequada e proporcionada, como acertada e justa foi, igualmente, a decisão de suspender a execução da referida pena.

3-Parece-nos, em qualquer caso, que o Tribunal a quo devia ter concluído pela suspensão da execução da referida pena, pelo período de 5  e  não  apenas  3  anos,  também  por  forma  a  melhor  viabilizar  o cumprimento da condição de pagamento dos montantes em dívida, por parte do arguido.

Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, excepto no que tange ao peticionado alargamento do período de suspensão da execução da pena de prisão, de 3 para 5 anos.

*

3.Subidos os autos, neste Tribunal da Relação o Sr. Procurador-Geral Adjunto, manifestando concordância com os «fundamentos da resposta do MP», pugna igualmente  «pela improcedência do recurso e pela subsequente manutenção da decisão recorrida».

4.Cumprido o art. 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente juntou a resposta de fls. 371/372, reafirmando o que havia alegado na motivação do recurso.

5. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos a que se refere o art. 418.º, n.º 1, do CPP, teve lugar a conferência, cumprindo decidir.

***

II.FUNDAMENTAÇÃO:

1. Vejamos, em primeiro lugar, o teor da decisão recorrida no que concerne à matéria de facto (transcrição):

«Factos Provados

1.-A sociedade arguida é uma sociedade por quotas, registada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, desde 3/10/2001, cujo objecto social é a actividade hoteleira e similar, nomeadamente cafetaria e pastelaria;

2.-O arguido JA  é o gerente da sociedade arguida desde aquela data, não tendo ocorrido nunca renúncia do mesmo a tais funções;

3.-A sociedade arguida é contribuinte da Segurança Social registada com o n° …;

4.-Para o exercício da actividade que desenvolve, a sociedade arguida emprega diversos trabalhadores, inscritos na Segurança Social na qualidade de "trabalhadores por conta de outrem";

5.-Entre Fevereiro de 2009 a Julho de 2013, a sociedade manteve nos seus quadros os trabalhadores que são mencionados nos extractos de declarações de remunerações constantes de fls. 21 e seguintes, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas;

6.-Em data não concretamente apurada, mas anterior a Fevereiro de 2009, o arguido JA  , em representação e no interesse da sociedade arguida por si representada, tomou a decisão de deixar de efectuar a entrega à Segurança Social do valor que mensalmente era retido do vencimento dos trabalhadores da empresa e dos membros de órgãos estatutários com vista ao pagamento das respectivas quotizações à Segurança Social, por período de tempo indeterminado;

7.-Assim, desde Fevereiro de 2009 a Julho de 2013, a sociedade arguida deduziu da remuneração paga a cada um dos trabalhadores referidos em 5 e dos membros de órgãos estatutários as quantias destinadas a efectuar o pagamento da quotização dos mesmos na Segurança Social;

8.-Face à decisão tomada pelo arguido JA  , em representação e no interesse da sociedade arguida, no período temporal sito entre Fevereiro de 2009 a Julho de 2013 e de acordo com a repartição decorrente do quadro em seguida exposto, a sociedade arguida, representada pelo seu gerente e ora arguido, procedeu ao pagamento aos seus trabalhadores e membros de órgãos estatutários, a título de salários, de um total de € 1.752.048,98; desse valor o arguido reteve um total de € 147.411,45, destinados ao pagamento de contribuições devidas por esses trabalhadores e membros de órgãos estatutários à Segurança Social, repartidos no tempo da seguinte forma:

Mês de Referência
Total de Remunerações
Taxas
Montante
Quotizações
declaradas
Valor pago
Valor em
divida
Global
Contr.
Quotiz.
2009/02
24.775,11
1.500,00
34,75%
31,25%
23,75%
21,25%
11,00%
10,00%
2.725,26
150,00
1.437,60 1.287,67
150,00
Total/mês
26.275,11
2.875,26
1.437,60 1.437,67
2009/03
27.754,8534,75%
31,25%
23,75%
21,25%
11,00%
10,00%
3.053,03
150,00
1.601,49 1.451,54
150,00
1.500,00
Total/mês
29.254,85
3.203,03
1.601,49 1.601,54
2009/04
27.958,3634,75%23,75%11,00%
3.075,42
1.612,78 1.462,64
1.500,0031,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
Total/mês
29.458,36
3.225,42
1.612,78 1.612,64
2009/05 Total/mês24.229,3234,75%23,75%11,00%
2.665,23
1.407,60 1.257,63
1.500,0031,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
1.407,63
25.729,32
2.815,23
1.407,60
2009/06 Total/mês26.699,6834,75%23,75%11,00%
2.936,96
1.543,50 1.393,46
1.500,00
28.199,68
31,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
3.086,96
1.543,50 1.543,46
2009/07
25.055,9434,75%23,75%11,00%
2.756,15
1.453,10 1.303,04
1.500,0031,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
Total/mês
26.555,94
2.906,15
1.453,10 1.453,04
2009/08
27.109,41
34,75%23,75%11,00%
2.982,04
1.566,00
1.416,04
1.500,00
31,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
Total/mês
28.609,41
3.132,04
1.566,00
1.566,04
2009/09 Total/mês
25.292,69
34,75%23,75%11,00%
2.782,20
1.466,10
1.316,10
1.500,00
26.792,69
31,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
_
2.932,20
1.466,10
1.466,10
2009/10
27.003,91
34,75%23,75%11,00%
2.970,43
1.560,29
1.410,14
1.500,00
31,25%21,25%10,00%
150,00
'
150,00
Total/mês
28.503,91
3.120,43
1.560,29
1.560,14
2009/11
42.536,78
34,75%23,75%11,00%
4.679,05
2.489,50
2.189,54
3.000,00
31,25%21,25%10,00%
300,00
300,00
Total/mês
45.536,78
4.979,05
2.489,50
2.489,54
2009/12
25.760,95
34,75%23,75%11,00%
10,00%
2.833,70
150,00
2.197,31 636,39
150,00
1.500,00
31,25%21,25%
Total/mês
27.260,95
2.983,70
2.197,31 786,39
2010/01
24.679,05
34,75%23,75%11,00%
2.714,70
1.260,48 1.454,22
1.500,00
31,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
TotaUmês
26.179,05
2.864,70
1.260,48 1.604,22
2010/02
26.713,93
34,75%23,75%11,00%
2.938,53
1.358,97 1.579,56
1.500,00
31,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
Total/mês
28.213,93
3.088,53
1.358,97 1.729,56
2010/03
24.847,51
34,75%23,75%11,00%
2.733,23
1.268,57 1.464,66
1.500,00
26.347,51
31,25%21,25%10,00%
150,00
2.883,23
150,00
1.614,66
Total/mês
1.268,57
2010/04
28.543,17
34,75%23,75%11,00%
3.139,75
1.447,52 1.692,23
1.500,00
31,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
Total/mês
30.043,17
3.289,75
1.447,52 1.842,23
2010/05
25.465,18
34,75%23,75%11,00%
2.801,17
1.298,55 1.502,62
1.500,00
31,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
Total/mês
26.965,18
2.951,17
1.298,55 1.652,62
2010/06
29.316,06
1.500,00
34,75%
31,25%
23,75%
21,25%

10,00%
.................3224,77
150,00
1484,95
1.739,82
150,00
Total/mês
30.816,06
3.374,77
1.484,95 1.889,82
2010/07
23.819,17
34,75%
31,25%
23,75%
21,25%
11,00%
10,00%
2.620,11
150,00
1.046,52 1.573,59
- 150,00
1.500,00
Total/mês
25.319,17
2.770,11
1.046,52 1.723,59
2010/08
26.263,45
34,75%23,75%11,00%
2.888,98
1.148,09 1.740,89
1.500,00
31,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
Total/mês
27.763,45
3.038,98
1.148,09 1.890,89
2010/09
24.483,97
34,75%23,75%11,00%
2.693,24
1.074,16 1.619,08
1.500,00
31,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
Total/mês
25.983,97
2.843,24
1.074,16 1.769,08
2010/10
24.139,83
34,75%23,75%11,00%
2.655,38
1.059,86 1.595,52
1.500,00
31,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
Total/mês
25.639,83
2.805,38
1.059,86 1.745,52
2010/11
41.270,76
34,75%23,75%11,00%
4.539,78
1.828,32 2.711,46
3.000,00
31,25%21,25%10,00%
300,00
300,00
Total/mês
44.270,76
4.839,78
1.828,32 3.011,46
2010/12
25.482,10
34,75%23,75%11,00%
2.803,03
702,18 2.100,85
1.500,00
31,25%21,25%10,00%
150,00
150,00
Total/mês
26.982,10
2.953,03
702,18 2.250,85
2011/01
26.397,76
34,75%23,75%11,00%
2.903,75
723,61 2.180,14
1.500,00
29,60%20,30%-9,30%
139,50
139,50
Total/mês
27.897,76
3.043,25
723,61 2.319,64
2011/02
25.636,46
34,75%23,75%11,00%
2.820,01
931,90 1.888,11
1.501,01
29,60%20,30%9,30%
139,59
139,59
Total/mês
27.137,47
2.959,60
931,90 2.027,70
2011/03
28.718,99
34,75%23,75%11,00%
3.159,09
784,39 2.374,70
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
139,50
Total/mês
30.218,99
3.298,59
784,39 2.514,20
2011/04
33.640,35
34,75%23,75%11,00%
3.700,44
913,07 2.787,37
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
139,50
Total/mês
35.140,35
3.839,94
913,07 2.926,87
2011/05 Total/mês
30.816,92
34,75%23,75%11,00%
3.389,86
839,17 2.550,69
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
3.529,36
139,50
32.316,92
839,17 2.690,19
2011/06
34.705,32
34,75%23,75%11,00%
3.817,59
940,88 2.876,71
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
139,50
Total/mês
36.205,32
3.957,09
940,88 3.016,21
2011/07
35.791,42
34,75%23,75%
29,60%20,30%
11,00%
3.937,06
969,30
- ------
2.967,76
139,50
1.500,00
9,30%
139,50
Total/mês
37.291,42
4.076,56
969,30 3.107,26
2011/08
36.959,45
34,75%23,75%11,00%
4.065,54
999,85 3.065,69
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
139,50
Total/mês
38.459,45
4.205,04
999,85 3.205,19
2011/09
_..
Total/mês
33.352,46
34,75%23,75%11,00%
3.668,77
490,83 3.177,94
1.500,00
34.852,46
29,60%20,30%9,30%
139,50
3.808,27
490,83 139,50
3.317,44
2011/10
33.969,70
34,75%23,75%11,00%
3.736,67
499,61 3.237,06
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
3.876,17
499,61 139,50
3.376,56
Total/mês
35.469,70
2011/11
30.734,45
34,75%23,75%11,00%
3.380,79
453,73 2.927,06
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
139,50
Total/mês
32.234,45
3.520,29
453,73 3.066,56
2011/12
56.137,15
34,75%23,75%11,00%
6.175,09
430,29 5.744,80
3.000,00
29,60%20,30%9,30%
279,00
279,00
Total/mês
59.137,15
6.454,09
430,29 6.023,80
2012/01
33.347,25
34,75%23,75%
20,30%
11,00%
9,30%
3.668,20
139,50
253,85 3.414,35
139,50
1.500,00
29,60%
Total/mês
34.847,25
3.807,70
253,85 3.553,85
2012/02
31.788,06
34,75%23,75%11,00%
3.496,69
242,41 3.254,28
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
139,50
Total/mês
33.288,06
3.636,19
242,41 3.393,78
    2012/03
30.119,91
34,75%23,75%11,00%
3.313,19
230,17
3.083,02
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
139,50
Total/mês
31.619,91
3.452,69
230,17
3.222,52
    2012/04
31.936,37
34,75%23,75%11,00%
3.513,00
243,50
3.269,50
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
139,50
Total/mês
33.436,37
3.652,50
243,50
3.409,00
    2012/05
33.688,49
34,75%23,75%11,00%
3.705,73
256,34 3.449,39
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
139,50
Total/mês
35.188,49
3.845,23
256,34 3.588,89
    2012/06
32.166,10
34,75%23,75%11,00%
3.538,27
183,90
3.354,37
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
139,50
Total/mês
33.666,10
3.677,77
183,90 3.493,87
    2012/07
33.628,12
34,75%
29,60%
23,75%
20,30%
11,00%
9,30%
3.699,09
139,50
191,93 3.507,16
-
1.500,00
139,50
Total/mês
35.128,12
3.838,59
191,93 3.646,66
    2012/08
34.017,29
1.500,00
34,75%
29,60%
23,75%
20,30%
11,00%
9,30%
3.741,90
139,50
194,08
3.547,82
139,50
Total/mês
35.517,29
3.881,40
194,08 3.687,32
    2012/09
33.214,45
34,75%23,75%11,00%
3.653,59
189,68 3.463,91
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
139,50
Total/mês
34.714,45
3.793,09
189,68 3.603,41
    2012/10
33.775,28
34,75%23,75%11,00%
3.715,28
3.715,28
1.500,00
29,60%
---1
20,30%9,30%
139,50
139,50
Total/mês
35.275,28
3.854,78
0,00 3.854,78
    2012/11
30.921,50
34,75%23,75%11,00%
3.401,37
3.401,35
1.500,00
29,60%20,30%9,30%
139,50
139,50
Total/mês
32.421,50
3.540,87
0,00 3.540,85
    2012/12
55.503,68
34,75%23,75%11,00%
6.105,40
6.105,40
3.000,00
29,60%20,30%9,30%
279,00
279,00
Total/mês
58.503,68
6.384,40
0,00 6.384,40
    2013/01
32.202,33
1.500,00
34,75%
34,75%
23,75%
23,75%
11,00%
11,00%
3.542,26
165,00
3.542,25
165,00
Total/mês
33.702,33
3.707,26
0,00 3.707,25
    2013/02
33.110,45
1.500,00
34,75%
34,75%
23,75%
23,75%
11,00%
11,00%
3.642,15
165,00
3.642,16
165,00
Total/mês
34.610,45
3.807,15
0,00 3.807,16
    2013/03
32.717,55
34,75%23,75%11,00%
3.598,93
3.598,94
1.500,00
34,75%23,75%11,00%
165,00
165,00
Total/mês
34.217,55
3.763,93
0,00 3.763,94
    2013/04
31.078,36
34,75%23,75%11,00%
3.418,62
Ì 3.418,62
1.500,00
34,75%23,75%11,00%
165,00
165,00
TotaUmês
32.578,36
3.583,62
0,00
3.583,62
    2013/05
31.801,76
34,75%23,75%11,00%
3.498,19
3.498,21
1.500,00
34,75%23,75%11,00%
165,00
165,00
Total/mês
33.301,76
3.663,19
0,00 3.663,21
2013/06
33.581,18
34,75%23,75%11,00%
3.693,93
3.693,93
1.500,00
34,75%23,75%11,00%
165,00
165,00
Total/mês
35.081,18
3.858,93
0,00
3.858,93
2013/07
20.388,23
34,75%23,75%11,00%
2.242,71
2.242,70
1.500,00
34,75%23,75%11,00%
165,00
165,00
Total/mês
21.888,23
2.407,71
0,00
2.407,70
Total
global
1.752.048,98
191.687,39
44.275,93
147.411,45

9.-As quantias acima descritas, não foram, no entanto, entregues pela sociedade arguida junto da Segurança Social, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a cuja retenção respeitavam, prazo legalmente fixado para o pagamento, nem nos 90 dias que se lhe seguiram;

10.-Foram os arguidos notificados para, querendo, procederem ao pagamento de todas as quantias em dívida, ou fazerem prova de que o pagamento já ocorrera, no prazo de trinta dias;

11.-Decorrido tal prazo, os arguidos, ainda assim, não procederam à entrega aos serviços da Segurança Social das quantias já mencionadas;

12.-Durante o período decorrido entre Fevereiro de 2009 a Julho de 2013, o arguido JA  procedeu, assim, ao envio à Segurança Social do extracto de declaração de remunerações dos seus trabalhadores e de membros de órgãos estatutários e deduziu dos salários dos mesmos o correspondente à taxa de contribuição para a Segurança Social, de 11% e de 9.30% do vencimento, respectivamente, sem que tenham, no entanto, procedido às sucessivas entregas daquelas quantias deduzidas;

13.-O arguido actuou da forma supra descrita, sabendo as quantias retidas sobre o vencimento dos trabalhadores e dos membros de órgãos estatutários se destinavam a ser entregues à Segurança Social, para pagamento das quotizações dos mesmos devidas àquela entidade;

14.-O arguido não cumpriu com o dever de entrega de tais contribuições à Segurança Social, bem sabendo que tal lhes era exigível, tendo-se, assim, apropriado de um total de € 147.411,45;

15.-A sociedade arguida, através do seu legal representante, JA, deduziu dos salários dos seus trabalhadores e dos membros de órgãos estatutários, no período de Fevereiro de 2009 a Julho de 2013, um total de 147.411,45, a título de quotizações para a Segurança Social, não procedendo à sua entrega nos cofres daquela entidade;

16.-O arguido JA  , actuando como legal representante e no interesse da sociedade arguida, apesar de saber a que se destinavam tais quantias, deduzidas dos vencimentos dos trabalhadores e dos membros de órgãos estatutários da empresa, não efectuou a entrega das mesmas à Segurança Social;

17.-Os arguidos obtiveram, dessa forma, uma vantagem patrimonial indevida, em detrimento dos legais interesses da Segurança Social portuguesa;

18.- O arguido JA  , na qualidade de legal representante da "J., Lda" e no interesse da mesma, agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo ser a sua conduta acima descrita proibida e punida por lei criminal.

Do pedido de indemnização cível:

19.-O valor referido em 14. e 15. mostra-se parcialmente por liquidar.

Outros factos, com relevo para a decisão da causa:

20.-Actualmente o valor em dívida apurado quantifica-se em € 140.153,75.

21.-O arguido confessou os factos de forma livre, integral e sem reservas.

22.-O arguido JA  aufere cerca de € 700, mensais.

23.-Vive com a companheira, a qual é empresária por conta própria, auferindo vencimento no valor de cerca de € 800 e dois filhos comuns de 7 e 2 anos de idade e ainda um filho de anterior relacionamento de 19 anos de idade, estudante, cuja mãe não contribui.

24.-Vive em casa arrendada, suportando empréstimo bancário no valor de cerca de € 1250, mensais, tudo suportado com ajuda de familiares/filhos maiores de idade.

25.-O arguido tem o 12.° ano de escolaridade.

26.-O arguido já sofreu condenações:

a) Por sentença do Juízo Local Criminal de Cascais - Juiz 2, de 19/01/2016, transitada em julgado a 19/01/2016, pela prática, a 10/02/2013, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de admoestação (boletim n.° 1);

b) Por sentença do Juízo Local Criminal de Cascais - Juiz 1, de 22/06/2016, transitada em julgado a 07/09/2016, pela prática, a 15/05/2012, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 90 dias de multa (boletim n.° 2);

c) Por sentença do Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 4, de 25/10/2018, transitada em julgado a 26/11/2018, pela prática, em 12/2013, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na pena de 1 ano de prisão, substituída por 365 dias de multa (boletim n.° 3).

27.-A arguida já sofreu condenação por sentença do Juízo Local Criminal de Cascais - Juiz 2, de 19/01/2016, transitada em julgado a 19/01/2016, pela prática, a 10/02/2013, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de admoestação (boletim n.° 1).

Factos não provados

Inexistem, com relevo para a decisão da causa.

Consigna-se que não se fizeram constar dos factos provados e não provados os factos que, pese embora constem da contestação e do pedido de indemnização cível, por instrumentais da versão constante da acusação e provada ou por meramente conclusivos, se mostraram sem relevo.

Motivação da decisão de facto

Para responder à matéria de facto, o tribunal atendeu ao apurado em sede de audiência de julgamento, analisando global e criticamente, segundo as regras da experiência e da livre convicção do tribunal, nos termos do artigo 127.°, do Código de Processo Penal.

Foram tidos em conta os documentos juntos aos autos: certidão de fls. 4 e ss., extracto de declarações de remunerações a fls. 21 e ss., cópia de recibos de vencimento e de declarações de rendimentos de fls. 81 e ss., fls. 96 e ss. e fls. 111 e ss., documentos juntos em sede de contestação e Certificados do Registo Criminal.

A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, salvo quando a lei dispuser diferentemente.

A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, pois que, a prova livre tem pressupostos valorativos de obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

Quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de se dar a devida relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador. Na verdade, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.

Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também pelo tom de voz e postura corporal dos interlocutores e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram.

Trata-se de um acervo de informação não verbal e dificilmente documentável face aos meios disponíveis mas rica, imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

O juiz não é um mero receptor de tudo o que cada testemunha diz ou de tudo o que resulta de um documento e a sua apreciação funda-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos enformada por uma convicção pessoal.

Em processo penal não existe um verdadeiro ónus probatório em sentido formal, vigora o princípio da aquisição da prova articulado com os princípios da investigação e da verdade material e da presunção de inocência do arguido, os quais impõem que o tribunal construa os suportes da sua decisão por apelo aos meios de prova validamente produzidos e independentemente de quem os ofereceu, investigue e esclareça oficiosamente os factos em busca da verdade material e em caso de dúvida intransponível decida a favor do arguido.

Refira-se que o juiz não está processualmente obrigado a elencar todos os factos alegados mas apenas aqueles que têm interesse para a caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes e são indispensáveis para a escolha da pena e determinação da medida concreta da mesma.

De igual modo, o juiz não está processualmente vinculado a efectuar uma enumeração mecânica de todos os meios de prova constantes dos autos ou indicados pelos sujeitos processuais mas apenas a seleccionar e a examinar criticamente os que serviram para fundamentar a sua convicção positiva ou negativa, ou seja, aqueles que serviram de base à selecção da matéria de facto provada e não provada. Tal matéria é a que constitui objecto de prova e é juridicamente relevante para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da medida da pena aplicável (vide neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 30.6.1999, BMJ n°488, p. 272 e Ac. da Relação de Évora de 16.3.2004 proferido no âmbito do processo n° 1160/03.1).

A motivação da decisão de facto não pode, pois, constituir um substituto do princípio da oralidade e da imediação e transformar-se numa espécie de documentação da audiência.

É pois, à luz de tais princípios que se formou a convicção deste Tribunal e consequentemente se procedeu à selecção da matéria de facto positiva relevante dado que nenhuma matéria de facto negativa relevante se apurou.

Conjugadamente com os documentos supra referidos, tomaram-se em consideração as declarações prestadas pelo arguido, o qual, confessou os factos, aludindo ao circunstancialismo ocorrido e pagamentos efectuados.

Ouvida a testemunha BMH..., técnica superior do ISS, apenas para efeitos de apuramento do valor global em dívida, referiu o mesmo.

Ora, da conjugação de tais elementos documentais, prova testemunhal, que mereceu credibilidade, pelo conhecimento manifestado, bem como com as regras da experiência comum permitem concluir pelo dolo e consciência de ilicitude do arguido, pois que o mesmo, bem sabia que estava obrigado a entregar os valores devidamente retidos nas remunerações dos trabalhadores e não o fez, tal como o próprio assumiu.

A verdade objecto do processo não é uma verdade ontológica ou científica, é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directa ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto.

Face ao supra exposto, importa referir que, na dúvida, impera o princípio in dubio pro reu.

Trata-se de um princípio que pretende garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos do facto típico e ilícito que a suporta, assim como o dolo e negligência do seu autor. Isto é, à insuficiência da prova - que equivale à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência de determinado facto - deve dar-se como não provado o facto desfavorável ao arguido. Ou seja, é indicado ao juiz que valore a favor do acusado a prova dúbia (neste sentido, Cristina Líbano Monteiro, em Perigosidade de Inimputáveis e In Dubio Pro Reo, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, Stvdia Iuridica 24, pág. 11).

Este princípio traduz, assim, a convicção de que o Estado, através dos Tribunais, não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente, conforme esclarecedoramente defende Cristina Líbano Monteiro, ob. cit., pág. 166, e isto porque, são mais gravosas as consequências que podem decorrer de uma incorrecta fixação de factos em processo penal.

Quanto aos antecedentes criminais, teve o Tribunal em consideração o teor dos CRC's juntos aos autos, tendo sido consideradas as declarações do arguido quanto às suas condições pessoais.»
***

2.Quanto ao mérito do recurso:

2.1.- Perante o conteúdo das conclusões formuladas pelo recorrente no final da respectiva motivação, as quais delimitam e fixam o objecto do recurso, este restringe-se à escolha e medida concreta da pena, ao prazo de suspensão da execução da prisão e para pagamento da indemnização, bem como, ao montante que o arguido está obrigado a pagar como condição da suspensão.
2.2.- A decisão recorrida não padece de qualquer vício dos previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, nem existem nulidades de que cumpra neste momento conhecer, sendo certo que nenhuma foi alegada.
Na ausência de impugnação dos factos, devem estes considerar-se definitivamente fixados. O tribunal recorrido procedeu ao seu correcto enquadramento jurídico-criminal, ao concluir que o arguido cometeu um crime de abuso de confiança contra a segurança social, punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias. 
O tribunal recorrido, após uma exposição sobre os critérios de determinação da pena e finalidades desta, fundamentou do seguinte modo a escolha e a medida concreta da respectiva pena, quanto ao recorrente:
«…
A aplicação de qualquer pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa, devendo o juiz na operação de determinação da medida da pena conduzir-se por duas ideias fundamentais: a culpa e a prevenção, quer geral quer especial (art. 40° e 71° do actual Código Penal).

Várias são as orientações que procuram fornecer critérios para o juiz determinar concretamente a pena a aplicar ao agente, destacando-se, por um lado, a corrente que atribui à culpa o papel determinante e preponderante na determinação da medida concreta da pena (vide, entre outros, Eduardo Correia, Direito Criminal, Vol. I, p. 62 e ss, Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, II, p. 103 e ss, Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, nota ao art. 72°, Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 224 e ss, Ac. da RC de 17.1.96, CJ, Tomo I, p. 38, Ac. do STJ de 24.5.95, CJ, Tomo II, p. 210) e por outro lado, a orientação expendida por Figueiredo Dias (ob. citada, p. 227 a 231) que, em síntese, confere às finalidades preventivas o papel preponderante na determinação da medida concreta da pena, sendo as exigências de ressocialização do delinquente os factores decisivos, em último termo, da medida concreta da pena a aplicar.

São os critérios definidos por esta segunda tese que aplicaremos neste caso considerando, designadamente, o papel relevante que a prevenção especial de ressocialização assume no nosso ordenamento jurídico.

Nos termos do disposto no art. 70.° do Código Penal sempre que um crime seja punido com pena de multa e pena de prisão o tribunal deve dar prevalência à multa desde que a mesma realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Tendo o direito penal uma função exclusiva de preservação de bens jurídicos, as finalidades das penas serão sempre de carácter preventivo. Assim, a opção por uma pena de multa em detrimento de uma pena de prisão deve ser feita em função das exigências de prevenção geral e especial que a situação concreta oferece, quando estas se bastam com a aplicação da primeira.

No caso vertente, constata-se que as exigências de prevenção geral se revelam elevadas, uma vez que as contribuições são um meio prioritário na prossecução dos fins da Segurança Social e uma obrigação para todos os cidadãos, aliada à circunstância de as cifras negras serem assustadoras, com inerentes prejuízos para todos nós, já que a evasão e fraude fiscais constituem flagrante violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade contributivas.

Impõe-se, por isso, que tal fenómeno seja combatido de forma eficaz, verificando-se uma necessidade acrescida de dissuadir a prática desses factos pela generalidade das pessoas, de incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e, assim, impedir que a lei se transforme em letra morta e que se crie nos contribuintes uma percepção de impunidade que um Estado de Direito jamais pode permitir.

No que às exigências de prevenção especial respeita, se quadram acima da mediana, atenta a existência de averbamentos no(s) Certificado(s) de Registo Criminal.

Como tal, crê-se incontroverso que se justifica a opção por uma pena privativa da liberdade, pensando-se que uma pena não privativa, de multa, não bastará para satisfazer as finalidades que as penas perseguem, relativamente ao arguido JA  .

Realizada que está a opção da pena a aplicar ao arguido JA  , importa agora aferir da medida individual e concreta da mesma.

Nos termos do disposto no art. 71° do Código Penal, na determinação da pena o tribunal atenderá a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra o agente, considerando, designadamente, as enunciadas do n° 2 do mencionado preceito.

Milita em desfavor do arguido a existência de dolo directo, o grau de ilicitude do facto que é acima do mediano, atento o valor inicial e actualmente em dívida e o consequente prejuízo causado.

Assim sendo, ponderando, então, todo o circunstancialismo descrito, entende o Tribunal (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes), como justa, adequada e necessária a sua condenação pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, a pena de 2 anos de prisão.»

A opção pela pena de prisão, em detrimento da multa, ao abrigo do art. 70.º, do CP, não nos merece qualquer reparo, perante a gravidade e extensão da conduta ilícita apurada, que teve lugar durante cerca de quatro anos e meio, com um prejuízo para o ofendido que ficou perto dos cento e cinquenta mil euros, e as elevadas exigências de prevenção, geral e especial, conforme devidamente salientado na sentença, para cuja fundamentação remetemos. Pelas mesmas razões, entendemos que não é possível a substituição da prisao aplicada por multa, ao abrigo do disposto no artigo 45.º, do referido Código, porquanto, a execução daquela primeira pena impõe-se «pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes».

No que concerne à pena concretamente aplicada, o recorrente considera que a mesma é exagerada e ultrapassa a medida da culpa, tendo em conta a sua confissão integral e sem reservas, que não houve intenção de lesar o ISS.IP, que já abateu mais de sete mil euros à dívida e continua a fazer o pagamento em prestações e que está inserido familiar, social e profissionalmente.

Note-se que, apesar de o prejuízo global atingir 147 411,45 euros, o tribunal recorrido considerou que o crime cometido é simples, punível pelo n.º 1 do artigo 105.º,  sem a agravação do n.º 5 (valor suprior a 50 000,00 euros), tendo em conta o valor de cada uma das prestações não pagas, implicando uma continuação criminosa, conforme é descrito na página 16 da sentença (fls. 337 dos autos), preenchida por 54 condutas ilícitas autónomas, em que cada uma delas preenche os requisitos objectivos e subjectivos do aludido crime, realidade que traduz a prática de 54 crimes que foram reconduzidos a uma mesma unidade criminosa, ao abrigo do disposto no artigo 30.º, n.º 2, do CP, caso contrário, a tratar-se de um único crime, o valor relevante seria a globalidade do prejuízo causado, implicando que a respectiva subsunção dos factos fosse feita pelo n.º 5 do aludido artigo 105.º, do RGIT, em que a moldura da respectiva pena sobe, sendo de «prisão de um a cinco anos».

O crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação (art. 79.º, n.º 1, do CP). No caso presente, têm todas a mesma gravidade, apesar da diferença de valores entre as várias prestações, atingindo a de maior valor 6384,40 euros, na medida em que «os valores a considerar são os que … devem constar de cada declaração a apresentar à administração tributária», comforme se refere no n.º 7 do art. 105.º, ex vi art. 107.º, n.º 2, do RGIT.

O valor global do prejuízo, não contando para determinação da moldura abstracta da pena por estarmos perante um crime continuado, não pode deixar de ser tomado em consideração como elemento bastante relevante na determinação da pena concreta a fixar dentro daquela moldura, tal como o número das acções típicas levadas a cabo pelo arguido, que foram várias dezenas, o que aumenta substancialmente o grau de ilicitude e a  intensidade do dolo, que é directo.

É certo que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos apurados, assumindo espontaneamente a autoria dos mesmos, tendo pago até ao momento um pequeno montante da dívida, mantendo-se esta em 140 153,75 euros. Todavia, daqueles factos não resulta que esteja arrependido e, quanto à alegada boa inserção familiar, social e profissional, apenas podemos considerar o que decorre dos factos provados 22 a 25.
Tal como é referido pelo tribunal de primeira instância, a determinação daquela pena de prisão, dentro da moldura já referida, deverá resultar da aplicação dos critérios definidos nos arts. 40.º e 71.º, do Código Penal, citados na decisão proferida.

Das aludidas normas extrai-se que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedadee queem caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa(art. 40.º), acrescentando o art.º 71.º, n.º 1, que, «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».


Conforme tem sido salientado pela jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, a medida concreta da pena tem como parâmetros: a) a culpa, cuja função é a de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; b) a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; c) a prevenção especial, à qual caberá a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.

Na concretização desses princípios, manda o n.º 2 do mesmo art. 71.º que o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, considerando, nomeadamente, as circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas da referida norma.

É evidente que o tribunal recorrido ponderou todos os factores relevantes que havia para ponderar - grau de ilicitude e modo de execução dos factos, suas consequências, intensidade do dolo, confissão dos factos, condições pessoais do arguido, a conduta anterior e posterior aos factos, nela se salientando as condenações anteriores já sofridas, pelo arguido, nomeadamente, por crimes idênticos ao que está ora em causa, ainda que cometidos no mesmo período temporal, estando em concurso com o destes autos, sem esquecer as elevadas exigências de prevenção a que já fizemos referência -, não sendo adiantada pelo recorrente qualquer outra circunstância atenuativa que justifique a pretendida redução da pena.

Consequentemente, face a tal quadro e perante a aludida moldura abstracta da pena, não vislumbramos que haja uma excessividade da pena aplicada, de molde a justificar a sua diminuição, antes se entendendo que a mesma está dentro da supra aludida «moldura de prevenção», sem que exceda a respectiva culpa, mostrando-se a mesma justa e adequada à gravidade do crime cometido, razões pelas quais se decide mantê-la, sob pena de ficarem frustradas as expectativas da comunidade na reposição da validade da norma violada, evidenciando, desse modo, uma incapacidade de resposta às assinaladas exigências de prevenção geral.

2.3.- Quanto ao prazo da suspensão e à condição imposta:

A execução da pena de prisao foi declarada suspensa por 3 (três) anos, na condição de o arguido proceder ao pagamento integral do montante apurado e ainda em dívida, no referido período de três anos, nos termos do disposto nos artigos 50.°, do Código Penal  e 14.°, n.º 1, do RGIT.

O artigo 50.º, n.º 5, do CP, determinava, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 94/2017 de 23/08,  que «o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão», regra que foi alterada pela aludida Lei, passando agora a dispor que «o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos», independentemente do prazo da pena de prisão que tiver sido aplicada.

Estando-se perante a comissão de crime previsto no RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias) aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/06, a suspensão da execução da pena de prisão está subordinada ao regime previsto no artigo 14.º, do mesmo diploma, determinando-se no seu n.º 1 que, aquela suspensão «é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa».

Quis o legislador que a suspensão de execução da pena ficasse sempre sujeita ao pagamento integral das quantias em dívida ao Fisco ou à Segurança Social, e não apenas a uma parte dessa dívida.

Perante o modo imperativo como a condição é exigida pelo legislador, a não aplicação da norma em causa só pode fundar-se em eventual desconformidade constitucional, sabendo nós que o Tribunal Constitucional e o próprio STJ se têm pronunciado, sem divergências, pela sua constitucionalidade.

Por isso, a sua única interpretação possível, em conjugação com o art. 50.º, n.º 1, do CP, é, em cada caso concreto, avaliar se, perante as circunstâncias definidas neste artigo - atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste - e comprovada a capacidade económica de o condenado pagar a prestação tributária em dívida e acréscimos legais, «a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficientes as finalidades da punição».

Consequentemente, o juízo que deve ser feito quanto à eventual substituição da prisão pela suspensão da sua execução está logo à partida condicionado pela obrigação de se ponderar a real capacidade económica do arguido para cumprir a condição de pagamento das aludidas quantias, no prazo razoável a fixar - até cinco anos, com possibilidade de prorrogação até metade (aludido art. 14.º, n.º 2 al. b), do RGIT) -, suspendendo-se a execução da prisão se esse cumprimento se apresentar como possível, ou não suspendendo no caso contrário, por a suspensão, sem tal pagamento, não realizar, «de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

Quando aquele art. 14.º do RGIT foi aprovado, já existia o actual n.º 2 do art. 51.º, do CP, pelo que a opção feita pelo legislador foi plenamente consciente, tendo entendido que o pagamento dos valores ali referidos pelo arguido condenado por crime tributário, nas aludidas circunstâncias e dados os interesses em causa, constitui sempre uma exigência “razoável”, tratando-se, pois, de quantias cujo pagamento é sempre de exigir ao arguido, como causador do respectivo dano ao Estado (ao Fisco ou à Segurança Social).

Além do mais, aquele n.º 2, do art. 51.º, introduzido pela reforma penal de 1995 e que terá tido como ponto de partida a posição defendida por Figueiredo Dias com base na anterior versão do CP, visava dar satisfação à necessidade de impor limitações aos deveres e regras de conduta, para que os mesmos «sejam compatíveis com a lei, nomeadamente com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que, além disso, o seu cumprimento seja exigível no caso concreto» e «quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir-se os deveres e regras de conduta, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar-se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados»,  conforme se refere no acórdão de fixação de jurisprudência do STJ, n.º 8/2012 (in DR, I série, n.º 206, de 24/10/2012).

O que importa, acima de tudo, é que a imposição da condição do pagamento, ao abrigo do art. 14.º, está em conformidade com a lei, trata-se de opção legislativa que não atenta contra os direitos fundamentais do condenado - é o que se conclui das várias apreciações acerca da constitucionalidade da respectiva norma -, o cumprimento da obrigação de pagamento é exigível no caso concreto, correspondendo a uma obrigação de indemnizar, que recai sobre os arguidos, pelos danos causados ao Estado com a prática do crime tributário pelo qual foram condenados, e está tal obrigação numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados, quer na perspectiva do legislador, quer do julgador do caso ora em apreciação. 

A própria doutrina tem genericamente reconhecido que a imposição da condição é obrigatória, apesar de alguns - nomeadamente, Germano Marques da Silva - manifestarem a ideia de que, do seu ponto de vista, não faz sentido que o seja. Sendo certo que, apesar daquela obrigatoriedade, há, segundo o mesmo autor, a válvula de escape em caso de incumprimento, o qual só conduzirá à revogação da suspensão caso se demonstre que o mesmo é culposo.

No mesmo sentido se pronunciou Patrícia Agostinho (citada naquele mesmo acórdão do STJ, para o qual remetemos), entendendo que “não deveria a condição de pagamento da prestação tributária ser prevista como obrigatória, mas sim como uma faculdade à semelhança do previsto no Código Penal e conclui que o artigo 14.º do RGIT não exclui a aplicação dos artigos 50.º a 57.º do Código Penal, e remata, dizendo «quanto às condições económicas do condenado se as mesmas não desempenham qualquer papel na determinação da condição de pagamento da prestação tributária, terão, no entanto, a sua relevância na fixação do prazo para proceder a tal pagamento, prazo que inclusive, foi alargado pelo RGIT para 5 anos»”.

Reconhece, claramente, que as condições económicas do condenado não desempenham qualquer papel na determinação da condição de pagamento da prestação tributária, mas apenas na fixação do prazo para tal pagamento.

O aludido acórdão 8/2012  não diz nada de diferente, quanto à obrigatoriedade de imposição dessa mesma condição de pagamento, nele se podendo ler:

«De acordo com o artigo 13.º do RGIT, na determinação da medida da pena atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime.

Com a aposição da condição a que fica subordinada a suspensão pretende-se a reparação integral do prejuízo causado, mas não só.

A razoabilidade da condição tem, a nosso ver, de ser necessariamente avaliada e ponderada a montante, isto é, antes da declaração de imposição.»

E mais adiante: «o que é de aplicação automática é a condição, não a suspensão, que demanda formulação de lógico juízo prévio; para que se verifique a imposição do condicionamento necessário é que antes se tenha optado exactamente pela suspensão, uma suspensão com contornos especiais, mas exactamente por isso a merecer maiores cuidados.

A suspensão está subordinada, ela própria, à verificação de pressupostos, carecendo de avaliação a situação presente.

Como afirmar a presença do pressuposto material de suspensão sem atender à carga imposta?

A suspensão em si mesma não deixa de ser uma faculdade, como se acentua no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 242/2009, de 12 de Maio de 2009, processo n.º 250/09, da 2.ª Secção, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 75.º vol., p. 209, onde se afirma: «a norma do artigo 14.º do RGIT, ao estabelecer, de forma geral e abstracta, uma condição à faculdade de o tribunal decretar a suspensão da execução da pena de prisão, em todas as situações em que essa faculdade se lhe depare, assume claramente natureza de acto legislativo».

Em suma, este tribunal de recurso não tem poderes para reduzir o valor imposto como condição da suspensão da prisão, sob pena de violação do aludido art. 14.º, do RGIT, tendo aquele necessariamente de corresponder ao valor da indemnização devida ao ofendido ISS.IP, ou seja, tem de reflectir o montante das prestações ainda em dívida à Segurança Social, que é € 140 153,75.

Questão diversa é a que respeita ao prazo de pagamento dessa quantia, o qual terá de ser feito dentro do prazo de suspensão de execução da pena.

Reconhece-se que o prazo de três anos fixado pela primeira instância é curto para que o arguido proceda ao pagamento de quantia tão elevada, se atentarmos nas suas actuais condições económico-financeiras, que decorrem dos factos provados, justificando-se que seja estendido tal prazo para o limite máximo de cinco anos, tal como sugerido pelo MP na resposta ao recurso.

Nessa conformidade, é parcialmente procedente o recurso.

***

III.DECISÃO: 

Nos termos expostos, julga-se parcialmente procedente o recurso do arguido JA  , fixando-se em cinco (5) anos o prazo de suspensão de execução da pena de dois anos de prisão, bem como o prazo de pagamento da quantia   em dívida à Segurança Social e confirmando-se, quanto ao mais, a decisão recorrida.

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Notifique.

Lisboa, 12/11/2019


José Adriano  (Elaborado em computador e revisto pelo relator).
Vieira Lamim