Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11274/18.0T8LSB.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: ASSESSORIA JURÍDICA
PRESTAÇÃO DEFEITUOSA
PERDA DE CHANCE
ERRO SOBRE O OBJECTO DO NEGÓCIO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - A perda de chance visa o ressarcimento do dano que consista na eliminação das probabilidades do lesado vir a obter certa vantagem futura ou de não de vir a sofrer certa desvantagem futura – a título de exemplo: mandato forense e prestação de serviços médicos.
- Os serviços prestados, com base em erro, no âmbito de uma assessoria jurídica, erro esse que foi causa directa e no qual se alicerçou o erro dos clientes quanto ao objecto do negócio - aquisição de quotas de uma sociedade pelo valor de € 150.000,00 -, negócio esse que jamais teria tido lugar não fora o erro, não se subsume à perda de chance.
- O dano indemnizável decorrente da prestação defeituosa de serviços de assessoria jurídica é diverso do dano que poderia decorrer da frustração do êxito de uma hipotética acção judicial – enquadramento jurídico da aquisição de quotas e a sua repercussão no arrendamento não se confunde com o acompanhamento diligente de um processo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A [ Carla ..]  e B [ Vítor ...], demandaram Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento aos autores do valor de € 150.000,00 a título de capital, acrescido de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, computando-se os vencidos, em  € 61.446,58 e, em caso de improcedência do enquadramento gizado, subsidiariamente a condenação da ré no pagamento aos autores da quantia de € 80,234,00, a título de capital, acrescido dos juros vencidos no valor de € 32,867,36 e nos juros vincendos até integral pagamento.
Alegaram, para tanto, que com vista ao acompanhamento jurídico-forense necessário à concretização de um empreendimento, contrataram os serviços de C [ .... & Associados – Sociedade de Advogados, R.L. ].
Desde o início que os colaboradores da C se inclinaram para a via da compra da totalidade das quotas da D  [ P...& P…, Lda.] , afiançando aos autores que a posição de inquilino dessa sociedade o contrato de arrendamento constituía um activo valioso, cuja aquisição os beneficiaria;
Segundo o enquadramento feito pelos colaboradores da C quanto ao regime aplicável ao contrato de arrendamento, o inquilino beneficiava de uma posição altamente vantajosa, porquanto pagava uma renda baixa e a sua posição contratual não poderia, por princípio, sofrer vicissitudes por tempo indeterminado, nomeadamente devido à proibição de livre denúncia pelo senhorio, salvo em casos excepcionais; 
Assim, em conformidade com o aconselhamento, os autores decidiram entabular negociações, por intermédio da C, com os sócios da D, com vista a adquirir as respectivas quotas sociais;
Preliminarmente, o negócio consubstanciou-se num contrato promessa de cessão de quotas celebrado, em 20 de Março de 2007, nos termos do qual a autora pagou a quantia de € 45.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento;
O que determinou como condição sine qua non a concreta vontade de contratar dos autores foi a expectativa / pretensão de que, na esfera jurídica da D, estivesse incluída uma posição contratual de inquilino nos termos de um contrato de arrendamento “vinculístico” que, naturalmente, permanecesse submetido a esse regime, por tempo indeterminado, com todas as inerentes consequências;
Em 18 de Abril de 2007, foi celebrado o contrato definitivo de cessão de quotas, nos termos do qual foi pago pela autora o remanescente do preço das mesmas (€ 105.000,00); 
Em simultâneo, a autora iniciou negociações com vista à intermediação de um contrato de franquia e iniciou contactos com a sua senhoria tendo em vista a realização de obras destinadas à adequação das características do estabelecimento às exigências que adviriam do contrato de franquia;
No entanto, por carta de 8 de Outubro de 2007, a senhoria denunciou o contrato, ex vi art. 1101 alínea c) do CC.
Esta comunicação evidenciou um erro cometido pela C no enquadramento jurídico de toda a operação levado a cabo que não se apercebeu que existia a excepção do carácter “vinculístico” do contrato de arrendamento, nos casos em que ocorresse a transmissão inter vivos de posição ou posições sociais que determine a alteração da titularidade em mais de 50% face à situação existente aquando da entrada em vigor da lei;
Tal situação frustrou todo o empreendimento que estava projectado a um prazo de 5 anos, redundou no desaparecimento do pressuposto essencial da vontade negocial dos autores e retirou toda a utilidade e valor atribuídos à aquisição das quotas da P... & P..., Lda.
Se tivessem sido devidamente informados pela C, os autores teriam avançado com a compra da loja ou no limite não teriam avançado para nada;
À data, a C havia transferido a responsabilidade civil emergente da sua actividade profissional para a ré;
A C reconheceu de imediato o erro em que os colaboradores incorreram e procedeu à comunicação do sinistro à ré;
Os danos que sofreram correspondem ao valor despendido na aquisição das quotas (€ 150.000,00) e caso assim não se entenda e seja de considerar o “valor” do estabelecimento arrendado efectivamente incluído no activo da D, no valor de € 69.766,00, então os danos correspondem a € 80,234,00, valores esses a que acrescem, em ambas as situações, juros de mora desde 18 de Fevereiro de 2018.
Contestou a ré excepcionando a prescrição e a ilegitimidade activa e passiva (DL 72/2008 de 16/4) , impugnou o alegado pelos autores e concluiu pela procedência das excepções e absolvição do pedido – fls. 203 II vol.
Na resposta os autores pugnaram pela improcedência das excepções – fls. 253 e sgs. II vol.
Em sede de audiência prévia a instância foi suspensa, com fundamento numa eventual transacção – fls. 271 II vol.
Face à inexistência de acordo foi prolatado despacho saneador que julgou improcedente as excepções dilatórias de ilegitimidade  arguidas, remetendo para decisão final o conhecimento da excepção peremptória da prescrição – fls. 275 e sgs. II vol.
Após julgamento foi prolatada sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a ré do pedido – fls. 308 e sgs. II vol.
Inconformados, apelaram os autores formulando as seguintes conclusões:  
D.1) Introdução
I. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos autos em 17/9/2020, que julgou a acção improcedente, não podendo os recorrentes conformar-se com a mesma.
II. Os Recorrentes movem a presente acção tendo em vista o ressarcimento de danos emergentes de um errado aconselhamento jurídico pelo Dr. PA, na qualidade de Advogado, que os induziu num estado de erro.
III. Esse estado de erro, por seu turno, foi causa directa do dispêndio de € 150.000,00 na celebração de um negócio de aquisição de quotas da D, que nunca quereriam se tivessem sido correctamente aconselhados e que não lhes trouxe qualquer vantagem patrimonial.
IV. A sentença recorrida traduz uma decisão marcadamente injusta, porquanto evidencia uma apreciação manifestamente errada da prova produzida nos autos – em especial quanto aos danos efectivamente sofridos pelos Recorrentes – e denota laborar em erro na subsunção dos factos provados ao Direito.
V. O prazo de interposição do presente recurso considera-se suspenso, nos termos do artigo 6-B nº 1 da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção dada pela Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, com efeitos reportados a 2/1/2021.
VI. Não obstante, tendo em conta a redacção pouco clara desse diploma, importa admitir, por máxima cautela, que o referido prazo não se encontre abrangido pela regra da suspensão – nesse pressuposto, liquidar-se-á multa nos termos do artigo 139/5 b) CPC, requerendo-se desde já que o correspondente valor seja restituído se, como se entende, o prazo de recurso for considerado suspenso.
D.2) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto - Do erro de julgamento na “fundamentação da matéria de facto”
VII. O depoimento testemunhal do Dr. PA não denota a falta de clareza apontada na decisão recorrida, porquanto a testemunha descreve com toda a clareza – e com suporte em registos extraídos do sistema informático de gestão do seu escritório de Advogados – os termos em que estabeleceu contacto com os exsócios da D. em finais de 2006, a postura inflexível dos mesmos e a forma como propuseram a cessão das respectivas quotas pelo preço de € 150.000,00, sem margem de negociação.
VIII. Essa testemunha descreve ainda, com toda a clareza, a razão pela qual os Recorrentes aceitaram pagar o valor de    € 150.000,00 pela cessão das quotas da D, qual seja o facto de crerem – mercê do aconselhamento prestado pela testemunha – que a sociedade era e continuaria a ser titular de um contrato de arrendamento vinculístico, isto é, com uma renda baixa e sem possibilidade de denúncia livre pelo senhorio, por tempo indeterminado, o que a tornaria apta para concretizar o seu projecto de investimento.
IX. Também ao contrário do afirmado na sentença recorrida, a testemunha Dr. PA descreve com clareza o serviço de assessoria prestado, incluindo a elaboração de minutas dos contratos que titularam a cessão de quotas, bem como a intervenção do seu colaborador, Dr. DC.
X. Ao contrário do que parece resultar da sentença recorrida, o pedido de avaliação do valor de trespasse da Loja, feito pelo  Dr. PA à PY..., nunca pressupôs a duração da exploração por 5 anos, tendo sido o próprio avaliador, por sua iniciativa e de acordo com a metodologia de avaliação em uso, a tomar essa duração limitada a 5 anos como premissa de avaliação, de acordo com as leges artis da metodologia empregue.
XI. As conclusões que antecedem revelam que, ao apontar falta de clareza ao depoimento testemunhal do Dr. PA, o Tribunal a quo faz uma incorrecta apreciação das declarações prestadas, quer vistas em si mesmas, quer na necessária conjugação com os demais depoimentos, com os quais entra em perfeita linha de continuidade.
- Do aditamento à “matéria de facto provada”
XII. Com base nas passagens transcritas nos pontos 94 a 97, 98 e 100 da motivação, extraídas do depoimento testemunhal do Dr. PA, das declarações de parte da Recorrente A e nas declarações de parte do Recorrente B, foi feita prova dos seguintes factos, que são concretizadores dos factos nºs 1, 9, 20 e 25 da matéria assente:
- Um dos requisitos do projecto comercial dos Autores era que a actividade de comercialização de vestuário fosse exercida por longo prazo, sendo isso condição essencial para que o investimento projectado obtivesse lucros.
- Os Autores transmitiram ao Dr. PA o seu projecto comercial, incluindo a intenção de comercializar artigos da marca Un... of Be... e a condição essencial de que a exploração de loja durasse por tempo indeterminado.
XIII. Os factos nºs 10 e 11 da “matéria de facto provada” têm uma unidade de sentido e, se lidos isoladamente, podem induzir dúvidas quanto ao âmbito estritamente jurídico do aconselhamento prestado pelo Dr. PA aos Recorrentes, pelo que se requer que esses pontos passem a constituir um único facto provado, com a seguinte formulação:
- o Dr. PA afiançou aos Autores que a posição de inquilino da D, no contrato de arrendamento constituía um activo, cuja aquisição beneficiaria os Autores, porquanto o contrato de arrendamento em causa, tendo sido celebrado no ano de 1961, ficava a coberto do regime que resultou da aplicação do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei 47344/66, de 25 de Novembro de 1966, e entrado em vigor em 1 de Junho de 1967.
XIV. Com suporte nas passagens transcritas no ponto 113 da motivação, retiradas do depoimento testemunhal do Dr. PA, requer-se que seja dado como assente o seguinte facto, alegado no artigo 20º da PI:
- O enquadramento definitivo do Dr. PA, quanto ao regime do arrendamento da Loja e ao regime fiscal da aquisição de quotas, foi comunicado aos Autores em reunião no escritório da C realizada em 2/2/2007.
XV. Com fundamento nas passagens transcritas supra, nos pontos 28, 40 e 118 da motivação, extraídas das declarações de parte de ambos os Recorrentes, bem como no depoimento da testemunha Dr. PA, requer-se a V.ª Ex.ª que o facto subjacente ao ponto 14 da matéria de facto provada passe a ter a seguinte formulação, com vista a uma descrição mais clara e abrangente da realidade dos factos:
- O conselho do Dr. PA quanto a este aspecto fez com que o interesse dos Autores na compra das quotas da D, tivesse crescido, levando-os a considerar aceitável, à partida, o preço de € 150.000,00 pedido pelos então sócios, José ..... e Maria .....
XVI. Com base, principalmente, no documento nº 4 junto à PI, mas igualmente nas passagens indicadas supra no ponto 123 da motivação, quanto às declarações de parte do Recorrente B, no depoimento da testemunha Dr. PA e,  sobretudo, da testemunha Eng. Pedro ...., requer-se o aditamento do seguinte facto aos autos, conforme alegado nos arts. 11 e 83 PI:
- Em Novembro de 2006 foi realizada, por solicitação do     Dr. PA, uma avaliação imobiliária do valor de mercado do trespasse da Loja, pela PY..., que o avaliou em € 69.766,00, no pressuposto de que a exploração do estabelecimento duraria por apenas 5 anos.
XVII. Tomando por base as passagens transcritas nos pontos 129, 130 e 133 da motivação, retiradas das declarações de parte dos Recorrentes A e B, encontram-se provados os seguintes factos, que são complementar ao alegado nos arts. 25, 28, 35 a 43, 74 e 75 da PI, com relevância à luz dos temas de prova:
- No âmbito das negociações com a Erich Br..., Lda., com vista à franquia da marca Un... of Be..., foram acordados planos de negócios que pressupunham uma renda baixa e uma duração por tempo indeterminado da exploração da Loja;
- Os Recorrentes celebraram, com a Erich Br..., Lda., contrato de franquia da marca Un... of Be... com vista à comercialização dos respectivos produtos na Loja;
- A Recorrente, na qualidade de sócia gerente da P... & P..., Lda., investiu em obras de adaptação da Loja aos requisitos da marca Un... of Be... e comercializou produtos da mesma, desde a abertura ao público, em 27/10/2007, até à desocupação da mesma em Novembro de 2012.
XVIII. Tendo em conta que a Loja era o único activo da D, um simples juízo de equiparação permite concluir que o valor de mercado do trespasse da Loja, expresso no relatório de avaliação imobiliária junta à PI como documento nº 4, que parte do pressuposto de que a exploração da mesma não excederá 5 anos, será o mesmo que resultaria de uma avaliação do valor de mercado das quotas da D, se calculado no idêntico pressuposto de que a exploração da Loja durará por apenas 5 anos.
XIX. Por conseguinte, o documento nº 4 junto à PI faz prova cabal, ainda que indirecta, do seguinte facto que, por ser concretizador do alegado nos artigos 11, 83 e 84 da PI, se requer seja aditado à “matéria de facto provada”:
- O valor de mercado real das quotas da D em 2006, tendo em conta a possibilidade de denúncia do arrendamento da Loja, eficaz após 5 anos, que resultaria da respectiva cessão é € 69.766,00.
XX. Com base no relatório de avaliação, junto à PI como documento nº 3, com suporte nas regras da experiência, conjugadas com o facto notório que são as condições altamente favoráveis ao inquilino dos arrendamentos ditos vinculísticos, requer-se a V.ª Ex.ª seja dado como provado o seguinte facto, que é complementar e concretizador do alegado nos artigos 35 a 43, 74, 75 e 76 da PI
- À data dos factos, em 2007, teria sido impossível aos Recorrentes negociar, a preços de mercado, um arrendamento de estabelecimento comercial equiparável ao arrendamento vinculístico da Loja, em termos de localização, renda e (in)admissibilidade de denúncia por tempo indeterminado.
XXI. Com fundamento probatório nas passagens transcritas supra nos pontos 158 a 164, extraídas das declarações de parte de ambos os Recorrentes, requer-se a V.ª Ex.ª seja dado como provado o seguinte facto, que é relevante no âmbito do cálculo do montante da indemnização peticionada e foi, de resto, objecto de instâncias do Ilmo. Advogado da Recorrida e da Mma. Juiz durante a audiência, sendo de pressupor a sua relevância:
- Durante os 5 anos em que os Recorrentes mantiveram a Loja em actividade, através a D, a mesma não produziu resultados positivos até à sua desocupação em 2012, por força da denúncia do arrendamento.
D.3) Da impugnação da decisão sobre a matéria de direito - Do erro de julgamento
XXII. A sentença recorrida ajuizou o pedido indemnizatório formulado pelos Recorrentes na PI à luz da doutrina da perda de chance, tendo, nessa senda, concluído que “não se demonstrou que o conselho, a informação errónea prestada e a consequente aquisição das quotas da sociedade D., foi causa (real, efectiva) adequada da perda de uma oportunidade por parte dos Autores e especialmente da Autora que investiu na aquisição da sociedade”.
XXIII. A doutrina da perda de chance, que tem vindo a merecer o acolhimento dos nossos Tribunais, tem um campo de aplicação específico, qual seja o ressarcimento do dano consistente na supressão ou diminuição, fruto de acto ilícito, das probabilidades de o lesado vir a obter certa vantagem futura expectável, ou de não vir a sofrer certa desvantagem, também futura.
XXIV. A Recorrida procura, na contestação, enquadrar o caso à luz da doutrina da perda de chance, baseando toda a sua defesa por impugnação nesse (erróneo) pressuposto, mas fá-lo sempre mediante uma infundada equiparação do caso sub judice aos casos típicos de responsabilidade de Advogado por incumprimento, ou cumprimento defeituoso, de mandato judicial.
XXV. A sentença recorrida, ao subsumir o caso à doutrina da perda de chance, evidencia um erro básico de apreciação do pedido dos Recorrentes, na conjugação com os normativos que o suportam: porquanto parte erradamente do princípio que o dano indemnizável invocado pelos Recorrentes consiste na supressão de uma sua expectativa de lucro com a exploração da Loja.
XXVI. Isto é, o Tribunal a quo enquadra o dano indemnizável peticionado pelos Recorrentes como sendo a perda de uma oportunidade de sucesso do seu investimento, incorrendo num manifesto erro de julgamento, porquanto não é esse o objecto do pedido formulado pelos Recorrentes, e que se encontra plasmado nos pontos 73 a 77 da PI, bem como no peditório, a final.
XXVII. O dano indemnizável efectivamente invocado pelos Recorrentes, para servir de base ao cálculo da indemnização é, antes, um dano real, efectivo, já consumado – e não um dano futuro ou meramente hipotético que pudesse corresponder à propalada perda de uma chance ou de uma oportunidade de lucro.
XXVIII. Esse dano resulta da diminuição do património dos Recorrentes em € 150.000,00 no âmbito de um negócio cujo objecto, em si mesmo, nunca foi desejado pelos Recorrentes, em qualquer dos seus aspectos, e no qual só tomaram parte em virtude de um estado de erro quanto a esse objecto, em que foram ilicitamente induzidos por acto do Dr. PA.
- Do justo sentido da decisão sobre matéria de direito (do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil)
XXIX. O Dr. PA é, comprovadamente, o autor do facto gerador de responsabilidade, qual seja o incorrecto aconselhamento jurídico dos Recorrentes sobre as consequências da cessão de quotas da D, sobre o contrato de arrendamento da Loja (v. factos provados nºs 9 a 15 e 24 da “matéria de facto provada”).
XXX. O acto praticado pelo Dr. PA constitui um ilícito contratual, nos termos do artigo 798 CC, por consubstanciar violação do dever principal de prestar um aconselhamento correcto – isto é, decorrente de uma interpretação razoável da Lei vigente à data dos factos – bem como dos deveres acessórios profissionais de cuidado e de zelo, previstos no artigo 95/1 b) da Lei 15/2005, de 26 de Janeiro, em vigor à data dos factos.
XXXI. O acto ilícito em questão presume-se culposo, nos termos do artigo 799 CC, tendo essa presunção sido corroborada pela prova produzida em juízo.
XXXII. Mais a mais, porque, conforme ficou provado, os Recorrentes haviam previamente transmitido ao Dr. PA o seu projecto comercial, incluindo a intenção de comercializar artigos da marca Un... of Be... e a condição essencial de que a exploração de loja durasse por tempo indeterminado
XXXIII. O dano indemnizável, nos termos dos artigos 562 e 564/1 CC, corresponde ao interesse contratual positivo dos Recorrentes, e resulta da diferença entre a situação em que os mesmos ficaram fruto do acto ilícito em questão e a situação hipotética em que os mesmos ficariam se esse acto ilícito não tivesse sido praticado.
XXXIV. Nessa situação hipotética, os Recorrentes teriam sido correctamente informados pelo Dr. PA quanto às reais consequências da cessão de quotas sobre o arrendamento da Loja, maxime a possibilidade de denúncia do contrato pelo senhorio após 5 anos, nos termos do artigo 26/4 alínea c) e nº 6, alínea b) do NRAU (redacção originária).
XXXV. Ficou sobejamente comprovado nos autos que, se os Recorrentes tivessem sido informados que, em virtude da cessão das quotas da D a senhoria ficaria com a faculdade de denúncia do arrendamento da Loja, não teriam celebrado esse contrato, isto é, não teriam despendido € 150.000,00 em contrapartida das referidas quotas – v. em especial factos provados nºs 20 e 25.
XXXVI. O dano real sofrido pelos Recorrentes, calculado nos termos dos artigos 562 e 564/1 CC, corresponde à quantia pecuniária que despenderam, de € 150.000,00, pela celebração do referido contrato, efectivamente indesejado, de cessão de quotas.
XXXVII. Entre o apontado facto ilícito e os indicados danos, é possível estabelecer, com suporte na matéria de facto provada, uma relação de causalidade adequada, quer em concreto, quer no plano abstracto, pelo que se verifica o nexo de causalidade previsto no artigo 563 CC.
XXXVIII. As conclusões antecedentes demonstram o preenchimento de todos os pressupostos aplicáveis da responsabilidade civil contratual – que foi transferida para a Recorrida ao abrigo de contrato de seguro – assegurando que aos Recorrentes assiste um direito a indemnização; sendo ainda de abordar os seguintes aspectos conexos, que relevam apenas para o cálculo da indemnização devida.
XXXIX. A transmissão para a esfera da Recorrente das quotas da P... & P..., Lda., por efeito do contrato celebrado, é irrelevante para o cálculo da indemnização devida.
XL. Essa irrelevância evidencia-se, desde logo, porque os Recorrentes, se tivessem sido devidamente esclarecidos pelo Dr. PA, nunca quereriam essas quotas, nem pelo valor despendido de € 150.000,00, nem por qualquer outro, porquanto a sociedade não lhes permitiria, como não permitiu, concretizar o projecto comercial que presidiu à sua opção de investimento.
XLI. A irrelevância da titularidade dessas quotas, para o cálculo da indemnização devida resulta ainda do facto de essas quotas não terem representado um enriquecimento patrimonial para os Recorrentes, tendo em conta que a empresa titulada pela sociedade nunca teve resultados positivos durante os 5 anos em que durou a exploração da Loja, antes representando uma fonte de prejuízos, conforme já comprovado nos autos.
XLII. Tudo visto, a cessão de quotas não foi apenas um mau negócio, ou um mau investimento para os Recorrentes – foi antes um contrato inteiramente indesejado, que não aportou qualquer vantagem relevante, e antes trouxe acrescidas desvantagens e empobrecimentos patrimoniais.
XLIII. Ainda que não se desse por provado que a Loja nunca teve resultados positivos – o que se admite por mera hipótese de raciocínio, sem conceder – a suposta, eventual, vantagem que tivesse sido retirada pelos Recorrentes da titularidade da sociedade e da Loja sempre haveria que ser provada pela Recorrida, nomeadamente ao abrigo da doutrina da compensatio lucri cum damno, nos termos do artigo 342/2 do Código Civil.
XLIV. O incumprimento desse ónus de prova, por parte da Recorrida, impede que se considere, sequer hipoteticamente, a titularidade das referidas quotas enquanto facto relevante para o cálculo da indemnização.
XLV. Quaisquer eventos posteriores à consumação do dano indemnizável – pagamento do preço de € 150.000,00 pela cessão de quotas – que pudessem constituir uma causa concorrente de insucesso do investimento projectado pelos Recorrentes nunca poderia ser considerada, atenta a consagração da irrelevância da causa virtual.
XLVI. O facto, já comprovado, de que os Recorrentes continuaram a explorar diligentemente a Loja durante 5 anos, já após lhes ter sido comunicada a denúncia do arrendamento pela senhoria, consubstancia o cumprimento, pelos mesmos, do dever acessório de mitigação dos danos indemnizáveis.
XLVII. Aqui chegados, importa reiterar, por mera cautela, que a responsabilidade civil imputável ao Dr. PA foi transferida para a Recorrida por força de contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, conforme ficou expressamente reconhecido na sentença recorrida, mais especificamente, no facto provado nº 26.
- Subsidiariamente: consideração do justo valor das quotas
XLVIII. Admitindo cautelarmente, por mera hipótese e por dever de patrocínio, que se venha a deduzir o valor das quotas da P... & P..., Lda., ao valor do dano sofrido pela Recorrente, sempre se deverá tomar como ponto de partida o justo valor de mercado atribuível a essas quotas, à data dos factos.
XLIX. Considere-se que ficou já demonstrada a prova do seguinte facto: “o valor de mercado real das quotas da D. em 2006, tendo em conta a possibilidade de denúncia do arrendamento da Loja, eficaz após 5 anos, que resultaria da respectiva cessão é € 69.766,00”.
L. Por conseguinte, assumindo o referido pressuposto subsidiário, os danos indemnizáveis resultarão da diferença entre o valor pago pelos Recorrentes para aquisição de quotas da D., de € 150.000,00, e o valor de mercado real das ditas quotas, de € 69.766,00, correspondendo ao montante de capital de € 80.234,00 (oitenta mil duzentos e trinta e quatro euros) – o que desde já se requer, embora a título subsidiário.
- Subsidiariamente: da liquidação posterior da indemnização
LI. Admitindo, por mera cautela de patrocínio, que os elementos constantes dos autos não permitam calcular com exactidão o montante da indemnização devida aos Recorrentes, afigura-se inquestionável a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do Dr. PA (transferida para a Recorrida), nomeadamente, a verificação de um dano indemnizável em termos qualitativos.
LII. Consequentemente, requer-se a V.ª Ex.ª, nesse pressuposto subsidiário e cautelar, que seja proferida condenação da Recorrida na referida indemnização, ainda que ilíquida, remetendo-se a liquidação do valor da indemnização para a fase de execução da sentença.
LIII. Nestes termos, deve a decisão ser revogada e substituída por outra que declare a acção procedente, por provada, e, consequentemente,
i) condene a Recorrida no pagamento aos Recorrentes de indemnização no valor de € 150.000,00; ou, caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se admite,
ii) condene a Recorrida no pagamento de indemnização no valor de    € 80.234,00; ou, ainda, para o caso de assim não se entender, o que se concebe por mera cautela,
iii) condene a Recorrida no pagamento de indemnização em valor ilíquido, a liquidar em sede de execução de sentença;
Devendo, em qualquer dos casos, acrescer ao capital em dívida juros moratórios vencidos, à taxa legal, desde a data do vencimento, acrescidos de juros vincendos até integral pagamento;
Nas contra-alegações a ré/apelada pugnou pela confirmação da decisão.
Factos apurados em 1ª instância
1 - Em 2006, a autora A projectou, juntamente com o autor B, investir na actividade de comercialização de vestuário, por venda directa ao público.
2 - Em conexão com esse projecto, a autora entabulou negociações com a Erich Br..., S.A., tendentes à exploração comercial da marca Un... of Be....
3 - Os Autores encetaram uma busca por um espaço, em Lisboa, apto a aí se estabelecer a sua loja de vestuário.
4 - Essas pesquisas levaram os Autores a encontrar um imóvel sito na Avenida … em Lisboa.
5 - Esse imóvel era propriedade de José ....., sendo do mesmo usufrutuários Gertrudes ..... e José .......
6 - E encontrava-se arrendado à sociedade D, nos termos de contrato de arrendamento não habitacional celebrado por escritura pública, em 20 de Julho de 1961.
7 - Os autores encontraram ainda outro imóvel, sito na Avenida …, cujo valor de mercado em Novembro de 2005 correspondia a € 312.000,00 no caso de venda ou    € 1.950,00/mês, no caso de arrendamento.
8 - Os Autores solicitaram aconselhamento jurídico ao  Dr. PA, advogado e sócio da C , com escritório na Avenida da República, nº .., 6º andar, em Lisboa. 
9 - A C procedeu ao enquadramento de os autores exercerem a pretendida actividade, mediante a compra da totalidade das quotas da sociedade D.
10 - Dr. PA afiançou aos autores que a posição de inquilino da D, no contrato de arrendamento constituía um activo, cuja aquisição beneficiaria os autores.
11 - Porquanto o contrato de arrendamento em causa, tendo sido celebrado no ano de 1961, ficava a coberto do regime que resultou da aplicação do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei 47344/66, de 25 de Novembro de 1966, e entrado em vigor em 1 de Junho de 1967.
12 – A renda então paga ao abrigo daquele contrato situava-se nos € 66,40 (sessenta e seis euros e quarenta cêntimos), em virtude da sua submissão, desde início, às normas do chamado “congelamento de rendas” que restringiram a sua actualização periódica face aos crescentes valores de mercado que iam sendo praticados.
13 - Segundo resultou do enquadramento feito quanto ao regime aplicável àquele contrato de arrendamento, o inquilino beneficiava de uma posição vantajosa, porquanto pagava uma renda baixa e a sua posição contratual não poderia, por princípio, sofrer vicissitudes por tempo indeterminado, nomeadamente devido à referida proibição de livre denúncia pelo senhorio, salvo em casos muito excepcionais.
14 - O conselho do Dr. PA quanto a este aspecto fez com que o interesse dos autores na compra das quotas da D., tivesse crescido.
15 - Dr. PA aconselhou os autores no sentido de que o formato jurídico da operação visada passasse pela “aquisição” da totalidade das quotas da D, passando a ser exclusiva titular da sociedade, incluindo, naturalmente, da posição contratual de inquilina, perante a senhoria.
16 - Em conformidade com o aconselhamento obtido, os autores decidiram entabular negociações com os dois sócios da D., José .... e Maria ......, com vista a adquirir as respectivas quotas sociais, cada uma no valor nominal de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos Euros).
17 - Tendo esses sócios aceite a proposta de aquisição feita, e foi fixado o valor de € 75.000,00 (setenta e cinco mil Euros) por quota, num total de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil Euros).
18 – Em 20 de Março de 2007, foi celebrado o contrato-promessa de cessão de quotas entre a autora A, enquanto promitente compradora e José .....e Maria ....., enquanto promitentes vendedores, nos termos do qual a autora pagou a quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil Euros) a título de sinal e princípio de pagamento.
19 – Consta do referido contrato-promessa de cessão de quotas, na sua cláusula 2.ª:
1 – Fica bem entendido entre as PARTES que as prometidas compras e vendas das quotas contratais se encontram indissociavelmente ligadas, tudo se passando como se a compra e venda tivesse apenas um objecto.
2 – As PARTES aceitam e reconhecem que a prometida venda das quotas contratuais é feita no pressuposto e que á data da outorga do contrato definitivo de cessão de quotas, a D, mantém a titularidade do arrendamento cujo contrato foi celebrado por escritura pública outorgada em 20/07/1961, no 18.º Cartório Notarial de Lisboa, cuja cópia fica anexa ao presente sob IV) e dele faz parte integrante, respeitante a locado sito na Avenida …, 1700-236 Lisboa, e não terá qualquer passivo exigível.
3 – As PARTES aceitam e reconhecem que a prometida venda das quotas contratuais é feita também no pressuposto de que à data da outorga do contrato definitivo de cessão de quotas, a D não terá quaisquer trabalhadores.” 
20 – Determinante na vontade de contratar foi a expectativa de que, na esfera jurídica da D., estivesse incluída uma posição contratual de inquilino nos termos de um contrato de arrendamento “vinculístico” que permanecesse submetido a esse regime, por tempo indeterminado, com todas as inerentes consequências.
21 - Em cumprimento do contrato-promessa em referência, foi celebrado pelas partes, em 18 de Abril de 2007, o contrato definitivo de cessão de quotas, nos termos do qual foi pago pela autora o remanescente do preço das mesmas, no valor de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros) e os alienantes se vincularam, em definitivo, a renunciar à gerência da sociedade, o que efectivamente fizeram.
22 - Já na qualidade de sócia única e gerente da D., a autora iniciou contactos com a sua senhoria tendo em vista a realização de obras destinadas à adequação das características do estabelecimento às exigências que adviriam do contrato de franquia.
23 – Gertrudes ....., José ..... e Ana...., remeteram à D., uma carta datada de 8 de Outubro de 2007, com o seguinte teor:
Na qualidade de senhoria da loja arrendada a essa sociedade, correspondente ao nº 2-B e nº 2-C do prédio sito na Av. …, em Lisboa, venho pela presente comunicar-lhe a denúncia do contrato de arrendamento, celebrado em 20 de Julho de 1961, tudo nos termos do disposto no art. 1101, alínea c) do Código Civil.
A razão da denúncia reside em ter sido transmitida a totalidade do capital social dessa sociedade para A quando a lei só o permite até 50% (alínea b) do n.º 4 do art.º 26.º e art.º 28.º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro). Assim sendo, o referido contrato cessará os seus efeitos no dia 9 de Novembro de 2012, data em que o arrendado devera ser entregue livre de pessoas e bens.” 
24 – Não anteviram, nem o Dr. PA, nem os colaboradores da C que a cessão da totalidade das quotas da D, permitiria à senhoria denunciar livremente o contrato.
25 - Se tivesse sido devidamente esclarecida pela C, a autora nunca teria avançado para a compra das quotas da D.
26 - À data dos factos alegados, a C havia transferido a responsabilidade civil emergente da sua actividade profissional para a ré, nos termos de contrato de seguro a que correspondia a apólice nº 9341/85633/86.
27 - A C procedeu à comunicação do sinistro ocorrido à ré, mediante uma descrição circunstanciada do erro cometido e dos prejuízos daí decorrentes para a autora, o que fez por carta registada com aviso de recepção datada, de 19 de Outubro de 2007.
28 - A ré deu resposta à missiva da C, referindo que “[o] relato dos factos não é suficiente para fazer prova da vossa [da C] responsabilidade bem como para aferir o enquadramento da situação nas garantias da apólice acima referenciada”, acrescentando o pedido de que “sejam enviados elementos probatórios nesse sentido”.
29 - Após recepção desta carta, a C remeteu, por carta registada com aviso de recepção, de 20 de Novembro de 2007, o contrato-promessa e o contrato definitivo de cessão das quotas da D, e a carta da senhoria do locado, contendo a denúncia do contrato de arrendamento.
30 – Por carta de 21 de Janeiro de 2008, a ré solicitou outras provas documentais, nomeadamente, quanto à propriedade do imóvel objecto do contrato de arrendamento, quanto à consultoria prestada pela C à Autora e quanto ao montante dos prejuízos sofridos.
31 – Por carta registada com aviso de recepção, de 18 Fevereiro de 2008, a C remeteu à ré as certidões matricial e do registo predial e esclareceu que o aconselhamento jurídico foi feito verbalmente.
32 - Por carta datada, de 9 de Fevereiro de 2009, a autora solicitou que a ré a contactasse, apresentando os específicos elementos de que necessitaria, nesse sentido.
33 - Através de carta datada, de 13 de Setembro de 2017, os autores remeteram à ré uma primeira liquidação detalhada dos principais prejuízos sofridos, no valor de € 80.234,00 (oitenta mil duzentos e trinta e quatro Euros).
Factos Não Provados 
Essa orientação definitiva foi comunicada à autora e esclarecidas as suas vantagens, em reunião no escritório da C, com a Dr.ª Carla ...., realizada na primeira quinzena de Janeiro de 2007; mais foram aí os autores informados do enquadramento fiscal  da operação e dos termos subsequentes a seguir (artigo 20 da petição inicial).
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Atentas as conclusões do apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 635, 639 e 640 CPC – as questões  a decidir resumem-se a saber se há lugar:
a) Alteração da matéria de facto
b) Prescrição
c) Condenação da ré
Vejamos, então:
a) Modificabilidade da decisão de facto
O Tribunal da Relação pode alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 640, a decisão com base neles proferida – art. 662 CPC.
Importa, desde já, referir que a garantia do duplo grau de jurisdição, no que concerne à matéria de facto, não desvirtua, nem subverte, o princípio da liberdade de julgamento, ou seja, o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – art. 607 CPC.
No entanto, esta liberdade de julgamento não se traduz num poder arbitrário do juiz, encontra-se vinculada a uma análise crítica das provas, bem como à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção.
Por isso, os acrescidos poderes do Tribunal da Relação sobre a modificabilidade da matéria de facto, em resultado da gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas em julgamento, não atentam contra a liberdade de julgamento do juiz da 1ª instância, permitindo apenas sindicar a correcção da análise das provas, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, prevenindo o erro do julgador e corrigindo-o, se for caso disso.
Sobre o recorrente impende o ónus de, nas alegações, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – art. 639 CPC.
Na verdade, as conclusões da alegação de recurso são a única peça processual onde, por obrigação legal, o recorrente deve expor de forma concisa mas rigorosa e suficiente, todas as questões que quer submeter à apreciação do tribunal superior. 
Versando o recurso sob a matéria de facto, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – art. 640 CPC.
Defendem os apelantes que com base no depoimento das testemunhas – Paulo ... e Pedro ... – e nas declarações de parte dos autores – A e B -, bem como nos documentos juntos e o alegado na p.i., deveriam ser aditados aos Factos Provados, os seguintes:
- Um dos requisitos do projecto comercial dos autores era a de que a actividade de comercialização de vestuário fosse exercida por longo prazo, sendo isso condição essencial para que o investimento projectado obtivesse lucros (factos concretizadores dos factos provados sob os nºs 1, 9, 20 e 25).
- Os autores transmitiram ao Dr. PA o seu projecto comercial, incluindo a intenção de comercializar artigos da marca Un... of Be... e a condição essencial de que a exploração da loja durasse por tempo indeterminado (factos concretizadores dos factos provados sob os nºs 1, 9, 20 e 25).
- O enquadramento definitivo do Dr. PA quanto ao regime de arrendamento da loja e ao regime fiscal da aquisição de quotas, foi comunicado aos autores em reunião no escritório da C realizada, em 2/2/2007 (art. 20 p.i.).
- Em Novembro de 2006 foi realizada, por solicitação do  Dr. PA, uma avaliação imobiliária do valor de mercado do trespasse da loja, pela PY..., que o avaliou em € 69.766,00, no pressuposto de que a exploração do estabelecimento duraria por apenas 5 anos (arts. 11 e 83 p.i.)
- No âmbito das negociações com Erich Br..., Lda., com vista à franquia da marca Un... of Be..., foram acordados planos de negócio que pressupunham uma renda baixa e uma duração por tempo indeterminado da exploração da loja (facto complementar ao alegado nos arts. 25, 28, 35 a 43, 74 e 75 da p.i.)
- Os recorrentes celebraram com a Erich Br..., Lda., contrato de franquia da marca Un... of Be... com vista à comercialização dos respectivos produtos na loja (facto complementar ao alegado nos arts. 25, 28, 35 a 43, 74 e 75 da p.i.)
- A recorrente, na qualidade de sócia-gerente da D., investiu em obras de adaptação da loja aos requisitos da marca Un... of Be... e comercializou produtos da mesma, desde a abertura ao público, em 27/10/2007 até à desocupação da mesma, em Novembro de 2012 B (facto complementar ao alegado nos arts. 25, 28, 35 a 43, 74 e 75 da p.i.)
- O valor de mercado das quotas da D, em 2006, tendo em conta a possibilidade de denúncia do arrendamento da loja, eficaz após 5 anos, que resultaria da respectiva cessão é de    € 69.766,00 (facto concretizador do alegado nos arts. 11, 83 e 84 da p.i. e doc. nº 4 junto com a p.i.).
- À data dos factos, em 2007, teria sido impossível aos recorrentes negociar, a preços de mercado, um arrendamento de estabelecimento comercial equiparável ao arrendamento vinculístico da loja, em termos de localização, renda e (in) admissibilidade de denúncia apor tempo indeterminado (facto concretizador e complementar do alegado nos arts. 35 a 43, 74 a 76 da p.i. e doc. nº 3 junto com a mesma). 
- Durante os 5 anos em que os recorrentes mantiveram a loja em actividade, através da D, a mesma não produziu resultados positivos até à sua desocupação, em 2012, por força da denúncia do arrendamento (facto relevante no âmbito do cálculo do montante da indemnização, tendo sido objecto das instâncias do Exmo. Advogado da apelada).
Solicitaram, também, que a matéria constante dos Factos Provados sob os nºs 10 e 11 deveria constar de um único facto com a seguinte formulação:
- O Dr. PA afiançou aos autores que a posição de inquilino da D no contrato de arrendamento constituía um activo, cuja aquisição beneficiaria os autores, porquanto o contrato de arrendamento em causa, tendo sido celebrado no ano de 1961, ficava a coberto do regime que resultou da aplicação do Código Civil, aprovado pelo DL 47344/66, de 25/11, e entrado em vigor, em 1/6/67.
E, ainda, que o facto subjacente à matéria constante do Facto provado sob o nº 14 passe a ter a seguinte redacção:
- O conselho do Dr. PA quanto a este aspecto fez com que o interesse dos autores na compra das quotas da D., tivesse crescido, levando-os a considerar aceitável, à partida, o preço de € 150.000,00 pedido pelos então sócios, José .... e Maria .....
A testemunha, Paulo ...., arrolada pelos autores, advogado (imobiliário e fiscal), conhece os autores - amigos e clientes até uma determinada data – a ré é a sua Companhia de Seguros (segurado), mencionou ter um interesse moral no sentido da aplicação do direito aos factos, poder esclarecer os factos, recuperar datas, cartas; lida mal com o erro e logo que dele se apercebeu participou à Seguradora, o erro, crasso, foi algo de impensável e tal prendeu-se com o facto de na altura estar em processo de divórcio (garotos pequenos); também foi académico durante alguns anos, na altura não tinha estudado o NRAU, referiu que:
A determinada altura o B disse-lhe que gostava de montar um projecto de vida para a A.
Apesar de licenciada em direito, não exercia e estava em casa cuidando da família, o B queria dar-lhe uma ocupação – abertura de uma loja da Be....
Referiu-lhe que tinham encontrado uma loja à venda (loja da Sg...) pelo valor de € 312.000,00 e/ou € 950,00/mês.
Ele tinha capacidade financeira para fazer a compra.
A A gostava mais de uma lojinha ao pé da Igreja (o casal vivia em Alvalade/vivendas).
Disse-lhe para tentar ver a quem pertencia a loja e ver quais as condições, nomeadamente quem era o proprietário – reunião em 6/7/2006, bastando, para tanto, adquirirem algo e pedirem a factura.
Os autores deslocaram-se à loja, efectuaram uma compra e pediram a factura.
Através da factura conseguiram saber a quem pertencia o imóvel (proprietário).
Em 17/11/2006, deslocou-se à loja e falou com o Sr. (eram um casal), estavam maduros para vender a sociedade D., queriam reformar-se e vender.
O Sr. disse-lhe logo que tinha um número na cabeça, não baixava esse valor e que não efectuava trespasse.
Razão de ser do afastamento do trespasse residia no facto do seu contabilista lhe ter dito que se fizesse o trespasse da sociedade ia pagar IRC elevado e que depois, para transferir o dinheiro para seu nome, teria que pagar IRS.
Pediu-lhe os elementos típicos da sociedade (informou-o que o poderia pôr em contacto com o seu advogado, o que foi declinado), tendo-lhe sido facultados os documentos.
O contrato era de 1961, o valor da renda era baixíssimo, cerca de € 66,40/mês.
Falou com o autor dizendo-lhe: trespasse é mentira, o arrendamento é vinculístico (protecção do Estado e não se pode mexer), só vale a pena avançar se comprares a sociedade.
O B disse-lhe que confiava nele, era um amigo e tinha-o contactado.
Disse-lhe que queria fazer um investimento que fosse seguro, sem problemas, não queria fazer um investimento a curto prazo.
A A preferiu investir na aquisição da posição desta loja ainda que não detivesse a sua propriedade.
Os autores andavam à procura de um investimento a longo prazo.
A 2/1/2007, teve um telefonema longo com o autor – seria de avançar na tentativa de compra desta sociedade.
Marcaram uma reunião, em 2/2/2007, com a presença da A (decisão partilhada).
Combinaram que tudo ia para a frente (vamos avançar) e que aceitariam, no limite, o valor de € 150.000,00, mas tentariam baixar esse montante.
Também lhes disse que o arrendamento era rocha/vinculístico e estariam à vontade; que com a cessão de quotas iriam poupar 10% no imposto de selo que teriam de pagar em caso de trespasse.
No dia 19/2/2007, junto com o Sr. Pedroso, tentou baixar o valor.
O homem não arredou pé e no dia 5/3/2007, iniciou-se a preparação do contrato.
Pediu ao seu colaborador, David ...., que trabalhava com imobiliário, para estudar o assunto (não estava com cabeça para tal).
O seu colaborador também não tinha lido a nova lei mas disse-lhe que o ia fazer e depois daria a resposta.
Pediu ao Pedro ..... (consultor imobiliário com quem trabalha há muitos anos) para poder negociar com o Sr. Pedroso, uma avaliação dos direitos de trespasse e mostrá-la àquele (o Sr. Pedroso disse-lhe que poderiam apresentar o que quiserem), tendo a avaliação, entregue no final do ano (Dezembro de 2007), no montante de € 69.766,00.
Mostrou-a ao Sr. Pedroso que lhe disse: o papel permite escrever tudo o que a gente quiser.
Não esmiuçou a avaliação, se o tivesse feito, teria perguntado ao consultor imobiliário o porquê do cálculo a 5 anos (erro sobre erro).
Depois da reunião de 19/2/2007, as coisas andaram muito depressa.
O Sr. Pedroso pô-lo em contacto com o seu advogado – João .... -, preparou a minuta do contrato-promessa, juntamente com a Dra. Carla.
Entre 5/3 e 16/3, a minuta ficou fechada.
Em 20/3/2007, é realizada a escritura de promessa de compra e venda no Cartório Notarial do Dr. António ...., onde foi pago o sinal de € 45.000,00.
Em 18/4/2007, é celebrado o contrato definitivo e, nessa altura, pagaram o remanescente € 105.000,00.
Os autores só embarcaram neste negócio porque o meu escritório lhes comunicou e garantiu que com a compra das quotas nada aconteceria ao contrato de arrendamento que manter-se-ia e a renda seria inalterável.
Poupança anual - renda efectivamente paga 60 e tal euro e o valor da renda de mercado de cerca de mil e tal euro.
Se ele lhes tivesse dito que se havia a contingência de isto suceder, eles não teriam feito o negócio (além do mais tinham a loja da Sg...).
Isto é um exemplo de escola sobre as bases do negócio, tendo dado um exemplo relativamente aos licenciamentos.
Neste caso, findos os 5 anos tinham de um lado da balança € 150.000,00 acrescido do dinheiro que investiram na loja (obras) e do outro lado tinham um activo zero (a sociedade só foi comprada neste pressuposto).
Em Junho, a A disse-lhe que queria fazer obras na loja.
Preparou a carta para a senhoria, tendo subjacente um item complicado que era a questão do ar condicionado (a loja não tinha ar condicionado).
Alertou a A para o facto do senhorio aproveitar esta situação para aumentar a renda.
No decurso das obras, a senhoria andou lá a bisbilhotar.
Teve uma reunião com o advogado da senhoria – Luís ..... (seu colega de faculdade).
Em 8/10/2007, aparece a carta da senhoria a denunciar o contrato e, foi nessa altura que se confrontou com o erro.
Sabendo quem era o advogado da senhoria pensou logo que esta não poderia estar equivocada.
Quando viu a carta disse aos autores – lamento, houve aqui um erro colossal/grosseiro, isto é completamente impensável.
Em 19/10/2007, accionou o seguro – relatou sucintamente a situação e solicitou que a ré diligenciasse, junto dos clientes, a regularização do sinistro, tendo enviado os contactos dos e-mails e número de telemóvel dos autores.
Os clientes/autores foram as pessoas que compraram aquela sociedade (quotas) como investimento indirecto numa loja – a sociedade foi um veículo.
Em 26/10/2007, a ré solicitou documentos, documentos estes que enviou, em 20/11, tendo a ré respondido, em 21/1/2008.
A partir do momento em que participou o sinistro a relação passou a ser entre a ré e os clientes/autores.
No contrato de franchising celebrado entre os autores e a Br... foi ele quem fez a ponte, solicitando ao Dr. Miguel ..para agendar o contacto com a Br....
Eles (Br...) pediram aos sues clientes uma situação completamente limpa relativamente ao local do negócio.
Chegou a ver os contratos – são contratos leoninos – a Br... não tem flexilibilidade, é um contrato de adesão.
Perante toda esta situação os autores não entregaram as chaves à senhoria – tinham 5 anos para obter algum proveito.
No decurso dos 5 anos tem quase a certeza que eles celebraram o contrato de franchising.
Durante esses 5 anos houve actividade na loja, nunca lá passou.
Não tem dúvidas que eles permaneceram na loja até à saída, a senhoria fez-lhes um inferno (providências cautelares, processos crime).
Desconhece o valor dos prejuízos, se fosse um caso teórico o valor dos prejuízos reporta-se ao momento da concretização do dano (celebração do contrato), logo são os € 150.000,00 (o momento em que eu gasto o dinheiro).
A alternativa deste negócio seria outro, mas no outro os proventos eram os do investimento.
A perda de chance (perda de prazo judicial) e não já a decisão tomada e alicerçada em erro.
A testemunha Pedro ....., arrolada pelos autores, gestor, sócio gerente da sociedade PY..., sociedade que efectuou a avaliação do trespasse da loja (D) a pedido do Dr. PA, não conhece os autores (conheceu-os em sede de julgamento), é cliente/segurado da ré Allianz, referiu que:
Foi-lhe pedido pelo Dr. PA que fizesse a avaliação do imóvel e o direito de trespasse sobre a loja, sita na Av. …, S. João de Brito, em Lisboa.
O cliente era o Dr. PA, não conhece os autores.
O relatório foi efectuado, em Dezembro de 2006.
Não foi ele quem fez o relatório, nem o validou.
O relatório foi assinado por Jorge .... e validado por Nelson .... .
Metodologia: Actualizaram o valor da poupança tendo em conta o valor da renda efectiva, à data, e o valor de mercado; essa diferença, ao longo dos 5 anos, foi actualizada, aplicaram a taxa considerada adequada na actualização dos fluxos financeiros.
Durante os 5 anos, a pessoa que tomava de trespasse a loja beneficiaria da renda reduzida e ao fim desse tempo (5 anos) haveria o risco da proprietária intervir no contrato (em geral).
Chegava-se ao valor do direito de trespasse pela actualização dessa dita poupança entre a renda efectiva e a renda de mercado (renda potencial de mercado).
O valor da avaliação feita foi de cerca de 69 mil euro.
Tomaram por base o período de 5 anos porque essas eram as regras, à época – durante os 5 anos os senhorios não podiam intervir no contrato.
A partir de 2012, com NRAU passaram a utilizar outras regras. 
A, licenciada em direito, não exerce quaisquer funções, autora neste processo, em declarações de parte, referiu que:
Estava a tentar encontrar um projecto.
Vem de uma família que sempre esteve ligada ao comércio (alimentar).
Sempre se interessou por moda e gostava da marca.
Queria abrir uma loja de rua com essa marca.
Havia duas lojas – gostava muito daquela loja (D) e a da Sg... cujo valor de venda era de € 312.000,00 e de renda era de € 950,00.
Surgiu a oportunidade de um aloja que vendia roupa interior – P... & P... (o homem estava lá há 50 anos).
Falaram com o Sr. Pedroso – loja na Av. ….
O contacto com o Dr. PA surgiu no contrato de franchising com a Br... (master francising da Un... of Be...).
A marca ficou agradada com a ideia, não tinham loja de rua.
Estabeleceu contacto com a Br....
Escolheu a loja.
Na altura, contactaram com o Dr. PA no sentido de saber como chegar à loja, tendo ele lhe dito para entrar na loja, comprar algo e pedir uma factura, o que fez, tendo ele depois encetado os contactos.
A opção da cessão de quotas (aquisição das quotas da sociedade) foi sugerida pelo escritório do Dr. PA, foram aconselhados no sentido de que tal seria melhor para o negócio.
Primeiro ponto – queriam um projecto a longo prazo (investimento era avultado) – reaver o dinheiro do investimento efectuado.
Tinham duas opções – a loja da Sg... e a loja da D.
Com esta última (D), iam beneficiar da posição de arrendamento da sociedade (renda baixa, não alteração da renda e por tempo indeterminado).
Não tiveram dúvidas na opção da cessão de quotas  (€ 150.000,00), confiaram no que lhes foi dito senão teriam comprado a loja da Sg... (€ 300.000,00).
Haveria um esforço financeiro, mas a loja seria sempre deles, poderiam fazer o que bem entendessem.
Na opção da cessão de quotas ficavam quase na posição de proprietário, sem os custos inerentes ao proprietário.
Se tivessem sabido da possibilidade da denúncia, nunca teriam optado pela cessão de quotas.
Houve sempre uma situação conflituosa com a senhoria.
Iniciou a actividade na loja, em 27/10, altura em que já tinha tido conhecimento da denúncia do contrato, com efeitos em Novembro de 2012.
Quando recebeu a carta, 8 ou 10/10/2007, a loja estava prestes a abrir (as obras já estavam prontas).
A loja esteve sempre a funcionar até Agosto/Setembro 2012 a fim de esgotar o stock, entregar as chaves à senhoria.
Exploraram a loja durante o período de 5 anos.
Os prejuízos/dano financeiro foi no valor de € 150.000,00, acrescido do valor das obras – valores que foram deitados fora, com a impossibilidade de reaver e de continuar com o projecto a longo prazo.
Terá terminado o contrato com a Br... uns meses após a entrega da loja.
Na exploração da loja adquiria um valor mínimo de compras que tinha que fazer, de acordo com o contrato de franchising.
Não consegue quantificar o que facturou (volume facturação).
Sabe que a loja muitas vezes deu prejuízo e que tiveram que colocar dinheiro na loja.
5 anos é um período de tempo curto para realizar lucro, tendo em atenção a localização da loja, em Alvalade, daí o projecto a longo prazo.
Com a aquisição da loja da Sg... teria gasto mais, mas ao fim de 5 anos a loja era deles e, aqui, tiveram que entregá-la.
Vítor ....., revisor oficial de contas, referiu, em declarações de parte, que:
Tinham duas opções: a loja da Sg... no nº 10 e a loja da D no nº 2.
Do ponto de vista económico optaram pela loja do nº2.
Na fase de análise com a Br... (master franchising)   loja de rua, alteração do conceito.
No final da negociação e apresentação do projecto com a Br..., iniciaram a pesquisa da localização da loja; viviam em Alvalade e gostavam da zona.
A loja da Sg... era um espaço que estava à venda e a outra era uma loja de retrosaria (muito antiga) com melhores condições geográficas e de espaço.
Iniciaram o processo de aproximação ao proprietário.
Recorreram ao Dr. PA para o aconselhamento jurídico.
O Paulo … fez a aproximação à D, para avaliar se estavam interessados num trespasse (Novembro de 2006).
A sociedade estava disponível para a cedência de quotas (enquadramento fiscal) e não para o trespasse.
Aí, fizeram uma avaliação – cessão de quotas versus compra da Sg..., ou seja, o valor do trespasse da P... & P... e a aquisição da loja da Sg....
A renda da sociedade era baixíssima – 60 e tal euro.
Era muito mais capaz, viável e interessante a cessão de quotas e ficar com o espaço – risco menor e comprar um espaço com uma renda vitalícia de cerca de € 200,00.
Assim, optaram pela cessão de quotas.
O PA interveio como expert no sector imobiliário.
Do seu ponto de vista (PA) era saber se a certeza e segurança da cessão de quotas lhes dava o direito de manter aquele espaço e manter o contrato de arrendamento sem alteração substancial da renda.
Pediram um parecer jurídico ao PA.
Nessa altura andavam a fazer um business plan com a Br..., avançar no negócio assentava no valor da renda.
O parecer jurídico foi no sentido: podem avançar, o direito ao arrendamento mantém-se com a cedência de quotas e o aumento da renda pode chegar ao limite de € 200,00.
Daí, optaram pela cessão de quotas.
Nunca desistiram da Sg..., não queriam ter o risco financeiro do imobiliário e do negócio.
Se o aconselhamento tivesse sido no sentido de arrendamento por 5 anos, não teriam optado pela cessão de quotas/realização do negócio, definitivamente não.
Estavam em 2006, queriam investir num negócio e não entrar em especulação imobiliária.
Entraram neste negócio por ser seguro, tinham uma âncora.
Não teriam optado pela loja da Sg... por não ser viável.
A Sg... surge como alternativa/orientação negocial, não era a opção viável.
A loja, conceito da mesma, necessita de fidelização, fidelização que se adquire com anos.
O custo e os proveitos desta loja foram projectados por mais tempo (do que os 5 anos).
Investiram € 150.000,00 mais cerca de € 30.000,00 em obras, donde a recuperabilidade do investimento na perpetuidade do investimento e não já a 5 anos.
Não teriam insegurança – tinham a tranquilidade de um espaço para vida e tinham, a longo prazo, a mudança dos hábitos de consumo no local.
Continuaram a investir na loja (stock), para quem está na área comercial têm que continuar a investir a fim de se manterem a longo prazo.
Ao fim de 5 anos tiveram que entregar a loja à senhoria.
Em 2008 (troika), não foi fácil desenvolver o negócio no espaço a que tinham direito.
Tinham os padrões de consumo da Br... – tinham 3 anos (abriram em 2007 até 2010) para o break even, falhou a evolução do ciclo económico, esta não foi a expectável.
Nos 5 anos não conseguiram recuperar o investimento.
A decisão alicerçou-se numa informação/decisão errada.
Foi a D que negociou o contrato de franchising.
Isto era um projecto do casal e apesar do divórcio (aconteceu, no entrementes), o negócio era para continuar.
A expectativa era a de que o contrato de arrendamento era vitalício.
O trabalho preparatório desenvolvido, em 2006, com a Br... (master franchising), precedia o avanço do projecto.
Consultou especialistas do direito para tomar a decisão certa.
As decisões são tomadas à data dos factos.
O PA disse: contrato de arrendamento renovado e o aumento da renda só poderia ir até € 200,00.
Este era um facto e viabilizava o negócio.
Se assim não fora, não fariam o negócio.
Para 5 anos o espaço valia cerca de € 70.000,00.
Incomparável a loja existente com a loja deles (que fizeram).
Não se recorda do volume de facturação da D, a tendência dos resultados foi sempre negativa.
Os primeiros 3 anos são afectos ao investimento, os 3 e 4 anos corresponderiam a resultados positivos.
Não obstante, apareceu a crise do sub-prime.
Poderia ser verdade, a recuperação do investimento, mas tal não sucedeu.
Ora, tendo-se procedido à audição dos depoimentos das testemunhas, declarações de parte e consultados os documentos juntos, nomeadamente os docs. 3 e 4 da p.i., a fls. 49 e sgs. I vol., entende-se que os Factos Provados sob os nºs 10 e 11 passem a constituir um único Facto Provado sob o nº 10, para melhor entendimento do aconselhamento jurídico efectuado pelo Dr. PA.
Adita-se à matéria de facto apurado, com fundamento no depoimento de Dr. PA e o alegado no art. 20 da p.i., sob o nº 11 que:
O enquadramento definitivo do Dr. PA quanto ao regime de arrendamento da loja e ao regime fiscal da aquisição de quotas, foi comunicado aos autores em reunião realizada no escritório da C, em 2/2/2007.
Adita-se à matéria de facto, sob o nº 34 o seguinte:
Em Dezembro de 2006, foi realizada, por solicitação do  Dr. PA, um avaliação imobiliária do valor de mercado do trespasse da loja pela PY..., que o avaliou em € 69.766,00, no pressuposto de que a exploração do estabelecimento duraria por apenas 5 anos.
No mais, não se atende ao peticionado uma vez que é omissa a sua alegação (p.i.), os factos pretendidos aditar não foram alegados, surgem no âmbito dos depoimentos prestados, sendo certo que a avaliação feita pela PY... reporta-se ao valor do trespasse e não já ao valor das quotas.
Destarte, procede parcialmente a pretensão dos apelantes.
b) Prescrição
A acção alicerçou-se no incumprimento contratual por parte do escritório do Sr. Dr. PA, relacionados com serviços de assessoria jurídica por si prestados, no enquadramento jurídico aplicável à cessão de quotas da D, e as suas consequências sobre o arrendamento da loja.
Por seu turno, a responsabilidade da ré/apelada decorre do contrato de seguro -  C (Sociedade de Advogados) transferiu para a ré a responsabilidade civil emergente da sua actividade profissional (Facto Provado sob o nº 26).
Ora, assim sendo, afastada está a responsabilidade aquiliana ou extra-contratual e, consequentemente, o prazo de prescrição de 3 anos, previsto no art. 498 CC, já que, in casu, o prazo de prescrição é o ordinário, i. é. 20 anos, ex vi arts. 798, 799 e 309 CC (responsabilidade contratual).
Destarte, tendo em atenção o preceituado no art. 665/2 CPC,  improcede a excepção peremptória da prescrição invocada pela apelada/Seguradora na sua contestação.
b) Condenação da ré
A presente acção é de responsabilidade civil do advogado/ escritório de advogados (C/Dr. PA).
Com ela pretende-se o reconhecimento de uma obrigação de indemnizar, na esfera jurídica do advogado (escritório de advogados) com o correspondente crédito, na esfera do cliente.
Defendem os apelantes que a causa de pedir da acção intentada contra a ré prende-se com o incumprimento contratual por parte do escritório de advogados que lhes prestou assessoria jurídico - fiscal quanto à questão da cessão de quotas da D e a sua repercussão no arrendamento, assessoria essa que, alicerçada erro de quem a prestou, acarretou prejuízos para os autores, já que, foi com base no erro quanto ao objecto do negócio que adquiriram as quotas daquela sociedade pelo valor de € 150.000,00 e o contrato de arrendamento que se pressupunha vitalício, redundou em 5 anos, por denúncia da senhoria, prazo esse incompatível com o contrato de franquia que tinha por objecto a marca Un... of Be..., ou seja, o investimento foi totalmente alheado à sua finalidade inicial – negócio a longo prazo e vinculístico –, sendo certo que não gerou qualquer retorno na perspectiva do projecto inicial que lhe presidiu pelo que, afastada está a subsunção à doutrina da perda de chance, como o fez a sentença impugnada.
A responsabilidade civil do escritório de advogados (C), à data dos factos, encontrava-se transferida para a Seguradora (Allianz) ré/apelada.
A perda de chance, doutrina defendida pela apelada na sua contestação e acolhida pela decisão impugnada, visa o ressarcimento do dano que consista na eliminação das probabilidades do lesado vir a obter certa vantagem futura ou de não vir a sofrer certa desvantagem futura, a título de exemplo: mandato forense e prestação de serviços médicos.
Tal decorre dos Acs. STJ citados nos autos -   Acs. STJ de 29/4/2010 (proc. 2622/07.0TBPNF.P1.S1), de 28/9/2006 (proc. 06B3243), de 2/10/2008, de 5/5/2015 (proc. 614/06.5TVLSB.L1.S1) e de 30/9/2014 (739/09.5TVLSB.L.A.DS1) –, bem como do Ac. STJ de 14/1/2021 (proc. 1314/17.6PVZ.P.S1), entre outros, in www.dgsi.pt.
Ora, tendo em conta a causa de pedir - incumprimento contratual por parte do escritório do Dr. PA e ele próprio, no que respeita à assessoria jurídico – fiscal prestada aos autores no negócio que pretendiam levar a cabo (loja em que venderiam produtos da marca Un... of Be...).
A assessoria foi prestada com base num erro, erro esse que levou os autores apelantes a celebrar um negócio (aquisição de quotas da sociedade D/arrendatários da loja), sem terem tido qualquer retorno, sendo certo que não fora o erro, não teriam celebrado o negócio.
Como consequência do erro na assessoria jurídico - fiscal prestada sofreram prejuízos, tendo pago pela cessão de quotas   € 150.000,00.
Daqui decorrre, tendo em atenção os Factos Provados, que esta situação não se subsume à situação de perda de chance, tal como definido/mencionado nos acórdãos citados supra, nomeadamente, o último.
Na verdade, in casu, inexiste qualquer mandato, mas sim uma prestação de serviços de assessoria jurídica, serviços esses que foram prestados com base num erro, sendo certo que, não fora o erro, jamais os apelantes teriam efectuado o negócio da aquisição das quotas da D. (cessão de quotas).
Ora, o dano indemnizável decorrente da prestação de serviços com base em erro/defeituosa é diverso do dano que poderia decorrer da frustração do êxito de uma hipotética acção judicial e com ele não confundível, ou seja, uma coisa é o enquadramento jurídico de aquisição de quotas e sua repercussão/consequência no arrendamento da loja e outra, bem diferente, é o acompanhamento diligente de um processo.
No primeiro caso, o serviço prestado, depende de um só acto, uma pessoa, neste caso o Dr. PA, enquanto que, no caso de mandato forense, o controlo do mandatário no desfecho final da acção é limitado, concorrendo, para tal, a actuação dos demais sujeitos processuais, a prova (testemunhas/perícias, documentos, etc) bem como o julgador.
Acresce que, in casu, a prestação de informação com erro/defeituosa, foi causa directa do erro quanto ao objecto do negócio (aquisição de quotas da D), ou seja, os apelantes despenderam determinado montante (€ 150.000,00), na aquisição das quotas/celebração do negócio, sendo certo que jamais o teriam despendido, não fora o erro, ou seja, não fora o erro jamais teriam celebrado o negócio.
No caso de mandato forense, a negligência do mandatário, pode ou não repercutir-se no insucesso da lide, não se podendo olvidar a actuação dos demais sujeitos processuais.
Assim, verificados estão os pressupostos da responsabilidade civil contratual - facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade  (arts. 798, 799 e 562 e sgs. CC)
Facto - apurado ficou o aconselhamento errado por parte do Dr. PA na assessoria jurídico - fiscal prestada aos apelantes  - implementação de um projecto de criação e exploração de uma loja de vestuário que teve como consequência a compra/aquisição por parte destes (apelantes) das quotas da sociedade P... & P....
Ilicitude – desconsideração da publicação e entrada em vigor da NRAU (art. 26/4 c) e nº 6 b).
Ora, a não chamada de atenção/alerta aos seus clientes/apelantes de que ao adquirirem as quotas da Dpoderia ter como consequência (ou não) a denúncia do contrato de arrendamento (D), ao fim de 5 anos (direito potestativo).
Ao invés, o Dr. PA informou/afiançou, à revelia da legislação em vigor que, com a aquisição das quotas da D, a senhoria jamais poderia denunciar o contrato nem proceder à alteração substancial da renda.
 Daqui decorre que a actuação do causídico na assessoria prestada, ao não curar de verificar qual a legislação vigente (NRAU) e sua repercussão no contrato de arrendamento em vigor (D), não foi diligente, nem cuidada, porquanto não utilizou o seu saber (conhecimentos técnico-jurídicos), como lhe incumbia, no interesse dos seus clientes/apelantes.
Destarte, no âmbito da assessoria jurídica prestada, violou o dever de prestar um aconselhamento correcto, face à lei vigente à data dos factos, bem como os deveres de cuidado e zelo decorrentes do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei 15/2005 de 26/1 – art. 95 – revogada pela Lei 145/2015 de 9/9).
Culpa – O erro cometido é negligente e grosseiro (cfr. art. 799 CC).
Dano – dispêndio do valor de € 150.000,00, na aquisição de quotas da D, valor esse que jamais seria despendido se os apelantes soubessem que a senhoria, face à aquisição das quotas, teria a possibilidade/faculdade de denunciar o contrato de arrendamento ao fim de 5 anos, sendo certo que os apelantes pretendiam que o negócio/projecto fosse a longo prazo (o que não se compadecia com o prazo de 5 anos) – cfr. arts. 562 e sgs.
Nexo causal – não fora o erro sobre a base do negócio em virtude do aconselhamento errado, não teriam os apelantes adquirido as quotas da D.
A C transferiu para a ré a responsabilidade civil emergente da sua actividade profissional para a ré.
Assim, de acordo como os Factos provados e o extractado supra, a ré é responsável pelos prejuízos sofridos pelos autores/apelantes.
Destarte, procede a pretensão.
Concluindo:
- A perda de chance visa o ressarcimento do dano que consista na eliminação das probabilidades do lesado vir a obter certa vantagem futura ou de não de vir a sofrer certa desvantagem futura – a título de exemplo: mandato forense e prestação de serviços médicos.
- Os serviços prestados, com base em erro, no âmbito de uma assessoria jurídica, erro esse que foi causa directa e no qual se alicerçou o erro dos clientes quanto ao objecto do negócio - aquisição de quotas de uma sociedade pelo valor de € 150.000,00 -, negócio esse que jamais teria tido lugar não fora o erro, não se subsume à perda de chance.
 - O dano indemnizável decorrente da prestação defeituosa de serviços de assessoria jurídica é diverso do dano que poderia decorrer da frustração do êxito de uma hipotética acção judicial – enquadramento jurídico da aquisição de quotas e a sua repercussão no arrendamento não se confunde com o acompanhamento diligente de um processo.
Pelo exposto, acorda-se em revogar a sentença e, consequentemente, condena-se a ré a pagar aos autores o valor de  € 150.000,00, a título de capital, acrescido dos juros vencidos no valor de € 61.446,58 e nos vincendos até integral pagamento.
Custas da acção e apelação pela ré/apelada.

Lisboa, 13/5/2021
Carla Mendes
Rui da Ponte Gomes     
Luís Correia de Mendonça