Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9016/2005-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: ABUSO DE LIBERDADE DE IMPRENSA
RESERVA DA VIDA PRIVADA
DIVULGAÇÃO DE FACTOS DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA
DIREITO DE PERSONALIDADE
DOENÇA
MÉDICO
VIOLAÇÃO DE SEGREDO PROFISSIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/04/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONCEDIDO PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: 1- Está assegurado por tutela constitucional o resguardo da vida particular contra a eventualidade de divulgação pública relativamente à saúde, sobretudo, por antinomia, a ausência dela, a doença, que faz parte da individualidade privada do ser humano.
2- Passando a ser do conhecimento público que a parturiente e as gémeas nascituras estão contaminadas por sida, transforma as notícias difundidas pelos RR numa divulgação ilícita, salvo ocorrendo circunstância justificativa do facto e da violação, fundada na prevalência de um interesse público de relevo, o que de todo não se verifica.
3- Face às notícias elaboradas e veiculadas na comunidade da região, enquanto claramente isolam a situação concreta da lesada e assim a identificam, era previsível pelos RR que o espectro da referida doença, à época envolvida em deficiente e nebuloso conhecimento do modo de contracção e transmissão, facilmente provocaria nos visados factores de forte insegurança, opróbrio e, sobretudo de segregação social.
4- A divulgação do diagnóstico pelo Réu aos jornalistas revelou-se uma informação precipitada e temerária face à especial exigibilidade da sua condição de médico perante a delicadeza da matéria e os exames incompletos efectuados, indiscrições que foram aptas a identificar a autora e a sua família, gerando efectivos danos, não obstante a providencial e posterior não confirmação da doença.
(IS)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa  

I – RELATÓRIO

M. […] e marido A. […], por si e em representação dos seus filhos menores […], e ainda os filhos maiores do casal […] intentaram acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra A.M. e mulher […], P. […] SA, Empresa […]Ldª, R. […], R.[…], S A e A. […]Ldª.

Pediram a condenação dos RR. no pagamento aos AA. […], respectivamente, os RR […] e mulher a quantia de Esc.9.500.000$00; o Réu […] a todos os AA, a quantia de 5.000.000$; os RR P.[…] e Empresa […] a quantia de 5.000.000$00 cada; os RR Centro […] e R. no valor de 5.000.000$; a Ré R. a quantia de 3.000.000$00; a Ré A. Ldª a quantia de 2000.000$00, tudo acrescido de juros de mora a partir da citação […]


Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando parcialmente procedente a acção quanto a parte dos Réus e chamados em parte do pedido e apenas pela Autora […].

Inconformados os Autores, Réus e chamados recorreram. […]

Efectuado em seguida o julgamento dos factos aditados a instância recorrida proferiu sentença que manteve no essencial a anterior e julgou parcialmente procedente a acção quanto aos Réus […] e ainda os chamados […], condenando-os solidariamente no pagamento à Autora […] quantia de Euros 9.975.96 e juros de mora vencidos desde a citação.
 
De novo irresignados os litigantes recorrem.

Os recursos ora interpostos são de apelação e têm efeito devolutivo.

A) Os Autores culminam as alegações nas seguintes conclusões:

1. O douto acórdão incorre desde logo em erro, a saber, o montante indemnizatório fica aquém dos danos causados e não repara todos os lesados.
2. Labora em falha ao considerar apenas os direitos de personalidade da Autora […].
3. As notícias infamantes espalharam-se rapidamente […], os vizinhos da Autora já comentavam que esta tinha Sida, o Autor A. encontrou familiares a chorarem em casa por terem sabido pela rádio e pela televisão que aquela tinha sida, e por causa disso foram apelidados de “sidosos”, anónimos escreveram em paredes perto da sua residência que os “[…] têm Sida”, as AA M. e F. ficaram conhecidas como “as gémeas da Sida”, entre outras imputações difamatórias muito graves dadas como provadas.
4. O Réu Dr.[…], ao divulgar que realizou à Autora […] uma intervenção de laqueação de trompas divulgou factos relativos ao acto médico sujeito ao sigilo profissional por causa da reserva do ser particular e não devassa da vida privada, em violação muito grave do preceituado nos artº67 e 68 do Código de Deontologia Médica decorrente da Ordem dos Médicos no uso das atribuições consagradas pelo DL 282/77 de 5/7 e para os efeitos do artº2 do DL 217/94, de 20/8.
5. Face aos factos assentes entendemos que relativamente à Autora […] foram violados vários direitos de personalidade: o seu direito ao bom nome na medida em que por causa das notícias ficou conhecida por “sidosa”; direito em não ver factos da sua vida privada expostos e comentados em órgãos de comunicação social, na vizinhança, no sítio onde vive; o direito em não ver publicados na imprensa, na rádio e televisão e comentados por toda a região, factos relativos a actos médicos a que se submeteu; o direito em não ver publicado diagnóstico relativo à doença da sida que lhe foi diagnosticada pelo Réu Dr.[…], ainda que erradamente.

As recorrentes M. e F., na altura recém-nascidas, foram violadas os direitos de personalidade: o direito ao bom nome e a não serem apelidadas de “Sidosos, os […] têm sida, gémeas da Sida”; o direito ao segredo dos actos médicos a que foram sujeitas relativas ao seu parto e nascimento; o direito a que as doenças que lhe foram diagnosticadas pelo Réu não ter sido divulgada pela comunicação social.

Relativamente ao Autor […] foram violados também direitos de personalidade: o direito ao bom nome e a não ser conhecido por “sidoso e os […] tem sida”; o direito à privacidade da sua vida familiar que foi ofendido de forma espectacular e de alto escândalo público por todos os RR.

Os restantes AA.[…], também viram o seu direito ao bom nome violado em consequência das notícias por terem ficado com a fama de “sidosos”.

6. Os AA e recorrentes devem ser indemnizados por todos os danos morais causados pelos RR, reparação essa que, tem que se pautar pelo princípio da actualidade na determinação do quantum indemnizatório, que visa não só a reparação dos danos sofridos pela pessoa lesada, mas também reprovar e castigar no pleno direito civil o agente - Ac.STJ de 26/6/91.  

7. O acórdão recorrido ao assim entender violou o prescrito nos artº70, nº1, 484,496, nº1 e 551 do CCivil.

8. Neste sentido o Tribunal ad quem deverá modificar a sentença e atribuir a título de danos morais: a Autora […] na quantia não inferior a Euros 50.000,00; as AA M. e F. a quantia individual não inferior a Euros 15.000,00; o Autor A. não inferior a Euros 12.500,00 e a cada um dos demais AA, a quantia não inferior a Euros 7.500,00.

9. A tais montantes deverão acrescer juros de mora à taxa legal desde a citação.

10. O Tribunal ad quem deverá revogar a douta sentença e substituí-la por outra atribuindo a todos os AA indemnização calculada com base em critérios de actualidade e equidade.  

B) O Réu médico culminou as suas alegações recursivas com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou o Réu com outros RR e na forma solidária, no pagamento da quantia de Euros 9,975,96 à Autora […], acrescida de juros e até integral pagamento.

2. Pressuposto da responsabilidade civil é a existência de um vínculo de imputação do facto ao agente.

3. Ora, esse pressuposto inexiste no caso do Réu, já que ele não é autor ou co-autor de nenhum dos factos de imprensa, de rádio e de televisão, com base nos quais foi decidida a condenação.

4. Com efeito, não foi provada a existência de dolo ou de culpa do Réu na elaboração dos textos publicados, já que a respectiva autoria é única e exclusivamente dos jornalistas que os escreveram, assinaram e publicaram.

5. Pressuposto também da responsabilidade civil é a ilicitude do facto ou dos factos que porventura possam ter violado direitos alheios.

6. Ora, os factos de imprensa, de rádio e de televisão enunciados entre os factos provados não são factos ilícitos nem violam nenhum direito de que a Autora seja titular.

7. Muito embora tais factos sejam da autoria e da responsabilidade exclusiva dos jornalistas e directores de jornais em causa, e não do réu, a verdade é que não conduzem à identificação da Autora, nem através do nome, nem mediante a enunciação de qualquer característica pessoal de relevo, nem com a indicação dos locais de origem ou da residência da autora.

8. Em si mesmo consideradas, as notícias da autoria dos jornalistas não imputavam os factos à autora, não tinham conteúdo difamatório ou injurioso, nem violavam a privacidade ou o bom nome da autora.

9. Pressuposto ainda da responsabilidade civil é a existência de nexo de causalidade, adequada e concreta, entre os factos de imprensa, rádio e televisão especificados e o evento danoso.

10. Ora, não foram alegados nem provados factos que permitissem verificar a existência daquele nexo de causalidade.

11. Nem também foram alegados nem provados que permitissem verificar a existência daquele nexo de causalidade.

12. A sentença recorrida violou as disposições dos artº483, nº1, 484, 487,497 e 563 do CCivil.

13. E porque viola o dever de especificação dos fundamentos de facto e direito que justificam a decisão condenatória, e designadamente nenhuma referência faz à matéria de facto tida como não provada, a sentença enferma da nulidade cominada na alínea b) do nº1 do artº668 do CPC.

14. E por ter omitido pronunciar-se sobre questões que deveria apreciar, como questões sobre nexo de causalidade entre factos porventura ilícitos e o eventual evento danoso e sobre factos integradores desses pretensos danos, a sentença recorrida é nula, conforme comina o artº668, nº1, al) d) do CPC.

Termina pedindo que na procedência da apelação seja revogada a sentença e proferido acórdão de absolvição do Réu.

C) A Ré R.[…], S A, a R., SA, e os chamados […] rematam as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Sendo um dos pressupostos da responsabilidade civil o nexo de causalidade entre o facto e o evento danoso, não ficou provado que as notícias da responsabilidade dos recorrentes conduzissem à identificação da Autora.

2. Individualmente consideradas, tais notícias não faziam a imputação do facto à autora, nem continham conteúdo difamatório ou que violasse a privacidade e bom nome da autora.

3. Num contexto de co-autoria e de complementaridade de notícias tendo em vista o resultado danoso, também os Réus não podem ser responsabilizados, na medida em que não se prova que a sua conduta foi concertada, tendo em vista um resultado conjunto.

4. A prova produzida nos autos não mostra que os Réus D. e B. fossem produtores ou realizadoras do programa onde os factos em apreço foram aflorados, nem que fossem autoras do mesmo, responsáveis pela programação ou substitutas, já que apenas se afirmou que a primeira elaborou a notícia que lhe foi imputada e a segunda foi autora dos comentários que lhe são atribuídos.

5. Os factos da autoria da Ré B. não têm conteúdo informativo pois consubstanciam meros juízos de valor em relação às notícias que tinham sido divulgadas.

6. Quando se entenda que elaboração da notícia não configura autoria, terá de entender - se que a Ré D. não foi autora nem responsável pela divulgação da notícia, cuja elaboração lhe é imputada.        

7. O dever de indemnizar por parte do comitente só existe no caso de comportamento ilícito do comissário.

8. As notícias publicadas, dado o impacto social da doença em causa e sendo a comunicação social um dos meios educativos mais idóneos para evitar a sua propagação, mesmo que delas decorresse a identificação da autora, não seriam censuráveis pois, numa hierarquização de interesses, o geral prevalecia sobre o particular.

9. Dada a grandeza do hospital, o número de partos nele ocorrido, a média diária de internamento de parturientes e a confidencialidade dos processos a elas respeitantes, não seria previsível, num contexto das notícias da responsabilidade dos Réus.

10. A douta sentença violou o disposto nos artº483, 484, 497, 500, 462 e 563 do CCivil, artº25 dos Dec. Lei 85-C/75 de 26/2, artº29 e 30 da lei 87/88 de 30/7 e al) c e d do artº668, nº1 do CPC.

Terminam pela improcedência da acção no que às recorrentes diz respeito.

D) O Réu jornal […] e o chamado […] apresentam as suas alegações na síntese conclusiva que segue:

1. Entendeu o tribunal a quo condenar os recorrentes, solidariamente com os demais Réus, no pagamento da quantia de Euros 9.975,96 à autora […] pela publicação no jornal de que a Ré é proprietária, de diversos artigos jornalísticos da autoria do Réu jornalista […], que violaram o direito à reserva do ser particular e da vida privada daquela.

2. O tribunal a quo não indicou os factos concretos que entendeu violadores de tal direito de personalidade da autora, limitando-se a transcrever, nos factos provados, os artigos e notícias em causa e na parte decisória da sentença a afirmar que: “A matéria de facto provada, conjugada com os princípios legais antes relembrados, permite formular (…) os seguintes juízos: Apenas o direito à reserva do ser particular e da vida privada da autora foi violado.”

3. A não indicação de quais os factos publicados nas notícias reproduzidas na especificação, que o tribunal a quo entendeu serem violadores de tal direito, importa a nulidade da sentença, nos termos do art.º 668, nº1 al.) b do CPC.

4. Sem prescindir, a publicação do facto de que a autora estava contaminada com o vírus da sida não é passível de violar o direito à reserva do ser particular e da vida privada da autora […], uma vez que tal facto não é verdadeiro.

5. E só a publicação de um facto verdadeiro pode violar o direito daquela v. “Manuel da Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal (pag.111).

6. Sem prescindir, não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente a ilicitude da conduta do Réu jornalista e o nexo de causalidade entre facto ilícito e os danos.

7. O Réu jornalista actuou no âmbito do seu direito de informar e liberdade de imprensa, cumpriu os seus deveres deontológicos, confiou numa fonte que julgou idónea e credível, acreditou na veracidade da informação e não identificou a autora pelo seu nome.

8. O correcto exercício deste direito fundamental retira ilicitude à sua conduta.

9. Os danos sofridos pela autora não resultaram dos factos praticados pelo Réu jornalista (resposta aos quesitos 25º a 27º), pelo que falta o nexo de causalidade entre uns e outros.

10. O então director do jornal não conheceu previamente os artigos publicados, pelo que a empresa jornalística não responde solidariamente com o jornalista autor dos escritos pelos danos causados, nos termos do artº24 do Dec-Lei nº85-C/75, de 26/2.

11. A sentença sob recurso violou os artº483, 487 e 496 do CCivil, artº668, nº1 al.) b do CPC e artº24 nº1, e nº2 da Lei da imprensa.

No final, pedem a revogação da sentença e a improcedência da acção.

E) A Ré A.Ldª e o chamado […] apelam da sentença indicando em súmula conclusiva os seguintes argumentos:

1. As notícias elaboradas e difundidas pelos Réus tiveram como fonte, no que concerne à parturiente […], o médico.

2. O qual era à data dos factos um médico conceituado e considerado nos meios hospitalares e da saúde, visto tratar-se do Director de Serviços de Obstetrícia, onde a autora estava internada.

3. As mesmas notícias foram dadas à população num contexto didáctico, elaboradas de um modo profissional e sereno, visando informar correctamente a população.

4. Não se vislumbra a existência de qualquer culpa por parte dos Réus antes tendo agido como um bom pai de família.

5. Daí que o comportamento e modus pacienti dos RR não possa ser considerado gerador de responsabilidade civil.

6- A sentença recorrida violou os artº483, 484 e 487 do CCivil.

No final reclamam a revogação da sentença e a sua absolvição.    

Os recorrentes apresentaram por último as contra-alegações, que em síntese, rematam, defendendo as posições respectivas já assumidas nas suas alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido fixou como assente a factualidade seguinte:

1) Os Autores […] casaram um com o outro, no dia 27 de Março de 1974 […]

2) Os Autores […]nascidos a 27 de Julho de 1974, 11 de Agosto de 1975, 19 de Agosto de 1976, 26 de Setembro de 1977, 21 de Agosto de 1978 e 22 de Outubro de 1984, respectivamente, são filhos dos Autores […].

3) As Autoras […] também filhas dos Autores […] nasceram no Hospital […] no dia 28 de Março de 1990, pelas 12 horas e 40 minutos e 12 horas e 42 minutos, respectivamente.

4) A Autora […], por ocasião do nascimento das Autoras […], foi assistida pelo Réu […] médico obstetra.

5) Os Autores residem no concelho de […] 

6) No dia 28 de Março de 1990, o jornal […] pertencente à Ré "P.[…]S.A", sob o título "Funchal: mulher com sida dá à luz gémeos", publicou, na última página, com chamada na primeira página, a seguinte notícia: "Uma mulher madeirense, contaminada pelo vírus da Sida, dará hoje à luz duas crianças. A parturiente, doméstica e mãe de cinco crianças, será submetida a uma operação cesariana no Centro Hospitalar do Funchal, sob a assistência do médico obstetra […]. O parto, provocado por intervenção cirúrgica, está marcado para as 12 horas. […] disse ao Público que os gémeos têm 60 por cento de probabilidade de terem sido infectadas por gestação. Segundo o especialista, este não é o primeiro caso registado na Madeira, onde, até ao presente, três pessoas morreram do Síndroma de Imunodeficiência Adquirida. Realçando que a Madeira está preparada para actuar no tratamento da Sida, o secretário regional dos Assuntos Sociais, […], afirmou: "Tendo em conta que somos uma região turística pelo que, à partida, estamos expostos à transmissão do vírus - e o que se passa lá fora, os três casos notificados podem ser considerados como um índice positivo". Na Madeira foram já detectados cerca de uma dezena de portadores do vírus da Sida. Tratava-se de pessoas naturais da Região Autónoma, de ambos os sexos e pertencentes à faixa etária em que a actividade a sexual é mais intensa: dos 29 aos 45 anos. Segundo os serviços de Saúde Pública, eram madeirenses que tiveram comportamentos de risco. As primeiras acções de sensibilização sobre a Sida foram realizadas na região em 1985, nessa fase destinavam-se a informar o pessoal de saúde. Posteriormente começaram a fazer-se, no Centro Hospitalar do Funchal, análises complementares para detectar anticorpos anti - H LV. Desde então muitas análises têm sido ali realizadas. 

7) Na edição do dia seguinte, o mesmo jornal, sob o título "Sida Gémeas madeirenses sob observação" publicou a folhas 19, a seguinte notícia: "Já mãe de cinco filhos uma madeirense deu ontem à luz duas gémeas. A parturiente está infectada pela sida, cujo vírus fora, provavelmente, introduzido por uma transfusão de sangue. Em 60 por cento destes casos, as crianças morrem nos dois primeiros anos. Uma transfusão de sangue, efectuada há quatro anos, pode estar na origem do vírus da sida transmitido à mulher madeirense que, ontem, deu à luz duas gémeas. O médico obstetra, […] que dirigiu a operação de parto, declarou ao Público que este é o único antecedente digno de registo na história clínica da sua paciente. O vírus da sida foi detectado há quatro meses numa altura em que o estado adiantado da gravidez desaconselhava a prática de um aborto. "Todos os cuidados especiais para um caso destes foram tomados, tendo sido devidamente instruído o pessoal técnico que assistiu à operação de cesariana", revelou […]. A puérpera, mãe de outras cinco crianças, encontra-se já numa unidade de isolamento, na qual é assistida com cuidados médicos normalmente ministrados às parturientes contagiadas com a hepatite B, sendo evitado qualquer contacto com a equipa médica. Nesta situação foram já internadas outras mulheres no Hospital Central […], no Funchal, pelo que o quadro médico e de enfermagem está suficientemente preparado. A primeira das bebés, dada à luz depois das 12 h. 30, pesava 2 800 gramas e apresentava, segundo o médico obstetra, "um aspecto normal", fisionomia bem distinta da outra gémea, apenas com 1 600 gramas de peso. Logo após o parto foram recolhidas amostras de sangue para, numa minuciosa análise, se proceder à detecção dos anti - corpos do vírus da sida. Segundo […], 60 por cento das crianças filhas de mães infectadas com sida não têm vida superior a dois meses, o que não significa que os restantes casos estejam totalmente livres de complicações. Uma das lições a extrair deste parto, disse-nos […], é a de que todas as grávidas deveriam ser submetidas, numa prática normal e institucionalizada, ao teste da sida. "Sairia mais barato à Região e ao País prestar esse serviço preventivo do que gastar posteriormente, mais de três mil contos por ano com o tratamento dos casos de contaminação pela sida". Esta posição foi defendida por aquele especialista, há mais de um ano, nas Jornadas Médicas do Atlântico, numa intervenção feita nos Açores, a que assistiu Laura Ayres do grupo de trabalho anti-sida, além de outros médicos dos arquipélagos atlânticos de Portugal e Espanha. […] comentou que o facto de a parturiente madeirense poder ser contaminada com a transfusão de sangue, há quatro anos, seria hoje uma situação mais remota, devidos aos cuidados prestados e análises exigidas pelos serviços de saúde. Uma fonte oficial citada pela […], disse que a Região Autónoma da Madeira não regista um número muito significativo de casos de doentes infectados pelos vírus da sida. Provavelmente estes casos rondaram a dezena, todos naturais da região. A fonte da agência noticiosa, pertencente aos quadros da direcção - regional de Saúde Pública, negou-se a fornecer mais informações sobre a situação existente na Madeira, nomeadamente ao número de seropositivos. "A prioridade é, sobretudo, a divulgação de informações à opinião pública para que seja garantida a prevenção". De acordo com o mesmo informador, "a maioria dos casos seropositivos registados na região não resultaram de contaminação contraída na Madeira, mas no exterior". Em suma, na perspectiva da fonte da direcção regional de Saúde Pública, "consideramos que é muito mais importante a informação das pessoas, o esclarecimento acerca das medidas preventivas e o estabelecimento de contactos directos entre os doentes e os agentes de saúde". 

8) Na edição do dia 6 de Abril de 1990, na última página, o mesmo jornal publicou, sob o título "Sida Falso alarme no Funchal", a seguinte notícia: "O teste anti-sida, feito em Novembro passado à mulher que deu à luz duas gémeas no Funchal, foi um falso positivo, confirmou ao[…] o director do banco de sangue do Hospital Central, […]. O resultado da aplicação do método Elisa corresponde ao do método Western Blot, posteriormente seguido pelo laboratório do Instituto Nacional de Sangue, em Lisboa, que nessa altura detectou o anti-corpo P - 24. "Este poderia ser o primeiro indício da existência do vírus da sida, mas também aparece noutras situações", declarou […]. A grávida que seis semanas depois daquele teste, considerado muito sensível, deveria - como nos disse este especialista - submeter-se a posteriores análises, só viu excluída a hipótese de ser portadora do vírus da sida, com a análise do sangue extraído após o parto, que foi enviado para o Instituto Ricardo Jorge. "Foi novamente detectado o anti - corpo P - 24, mas finalmente concluiu-se que a parturiente não era portadora do vírus da sida", adiantou […], que atribui a existência daquele elemento no sangue da mulher a alguma infecção. São igualmente negativos os resultados dos testes de sangue das duas gémeas. Ao anunciar ontem na Madeira o programa comemorativo do Dia Mundial da Saúde, o director regional dos Hospitais, […], admitiu a abertura de um inquérito preliminar para apurar se houve quebra dos princípios deontológicos por parte do director de Obstetrícia, […], que informou o […] da existência deste caso. Entretanto, a Direcção Regional de Saúde Pública está a desenvolver urna acção na localidade da mãe para ultrapassar os efeitos da segregação de  que ela estaria a ser vítima. […] participa, neste momento, fora da região , num congresso em que estão a ser debatidos os casos de sida em mulheres grávidas.”

9) As notícias antes referidas encontram-se assinadas pelo jornalista e chamado […].

10) O chamado […], em Março e Abril de 1990, exercia as funções de director do jornal […]. 

11) A Ré […] E. P.", através do seu "Centro […] E. P.", também Réu, no noticiário das 13 horas, do dia 28 de Março de 1990, difunde para a Madeira que, no Hospital […], no Funchal, haviam nascido duas bebés, filhas de mãe portadora de anticorpos de sida. 

12) Esta notícia foi elaborada pela jornalista e chamada […].

13) A agência noticiosa […], pertencente à Ré […], noticiou no dia 28 de Março de 1990: A mulher contaminada com o vírus da sida, que hoje deu à luz duas gémeas no Funchal, fez uma transfusão de sangue há quatro anos, quando ainda não se efectuavam testes a esta doença. O médico obstetra […], revelou aos jornalistas, no final da operação, que a infecção foi detectada na parturiente após quatro meses de gravidez e na sequência de testes realizados. Nesta altura, e segundo aquele clínico, era desaconselhável a realização de um aborto até pela natureza da situação. […], que é director de serviços do Hospital […], onde nasceram as gémeas, disse que operação de parto se processou como se tratasse de uma doente contaminada com a hepatite b, ou seja, evitou-se qualquer contacto com a equipa médica. As gémeas que nasceram entre as 12 h 40 e 12 h 45, encontram-se bem, embora tenham que ser ainda hoje e durante as próximas semanas submetidas a testes clínicos. A primeira criança a nascer pesa 2,380 quilogramas e a segunda pesa 1 600 quilogramas. Segundo […], 60 por cento das crianças filhas de mães infectadas com sida não têm um tempo de vida superior a dois meses, o que não quer dizer que nos restantes casos se encontrem totalmente livres de complicações" .

14) Ainda neste dia, a agência […] noticiou: "As duas gémeas que nasceram hoje no Funchal, com recurso a cesariana na mãe infectada de sida, foram já submetidas a diversos exames clínicos. […], médico que dirigiu o parto, realizado no Centro Hospitalar do Funchal, em declarações à agência […], admitiu que as duas crianças estão bem, apesar da delicadeza do caso. Segundo as estatísticas clínicas, apenas cerca de 40 por cento de crianças nascidas nestas circunstâncias têm hipóteses de sobreviver, algumas delas com dificuldades nos primeiros dois anos de vida". 
 15) Noticiou ainda a agência […], no mesmo dia: "Uma mulher, infectada com o vírus da imunodeficiência adquirida (sida), e cuja identificação não foi revelada, deu hoje à luz no Hospital […]. A operação de parto foi dirigida pelo médico obstetra […] que, em declarações à agência […], confirmou tratar-se do primeiro caso na Madeira. Segundo aquele clínico o parto obedeceu a cuidados suplementares, comparativamente a situações idênticas, mas sem que a mãe esteja comprovadamente infectada. […] disse à agência Lusa que 60 por cento das crianças nascidas, cuja mãe se encontra infectada, acabam por morrer nos dois primeiros meses de vida". 

16) Noticiou também a agência […], no dia 5 de Abril de 1990: " O secretário madeirense dos Assuntos Sociais […], afirmou quarta-feira à agência […] que só se pronunciará sobre o caso da mãe supostamente portadora de si da depois de receber as análises encomendadas ao Instituto Ricardo Jorge. O que se passou é grave, mas é um problema de deontologia profissional, que não cabe ao Governo, mas à Ordem dos Médicos. Revelou que a mãe em questão, oriunda de um concelho rural e com mais cinco filhos, está já a ser vítima de segregação; bem como a sua família. Nesta sentido, disse ter incumbido a Direcção Regional de Saúde Pública de esclarecer a população do local onde vive esta mulher. […] referiu que o comportamento das pessoas relativamente ao vírus da sida é completamente diferente do adoptado em relação a outras doenças, como o cancro, por exemplo. Ainda - acrescentou - é afugentar qualquer possibilidade de solidariedade relativamente ao doente com sida. Interrogado sobre quem vai pagar os danos sofridos por esta família […] afirmou que tanto quanto sabe, o marido da senhora em questão não é nenhum patinho e não está de braços cruzados. 

17) Ainda no dia 5 de Abril de 1990, noticiou a agência […]: "O director regional dos Hospitais da Madeira afirmou hoje que decorre um inquérito no Centro Hospitalar do Funchal para apurar as responsabilidades da fuga de informação do caso das duas gémeas. […], que falava em conferência de imprensa, afirmou que qualquer médico bem como qualquer trabalhador da saúde está obrigado, ética e deontologicamente, ao sigilo profissional. No Centro Hospitalar do Funchal laboram cerca de dois mil trabalhadores e torna-se difícil apurar culpas relacionadas com fuga de informação, disse […], o qual considerou que no caso da mãe das duas gémeas, que afinal não é portadora do vírus da sida, houve incumprimento da deontologia e ética profissionais. Para já, acrescentou, as medidas tomadas prendem-se com a restrição no acesso à informação, considerando que esta é uma forma de proteger a população que se dirige ao Centro Hospitalar. A notícia que uma mãe madeirense com sida seria submetida a cesariana no Centro Hospitalar do Funchal foi divulgada pelo jornal […], que citou o director de serviços de obstetrícia, […]. O Instituto Ricardo Jorge, em Lisboa, analisou o sangue da mãe e das duas crianças, tendo concluído não haver qualquer indicação da presença do vírus da sida. Na mesma conferência de imprensa, o secretário regional dos Assuntos Sociais e a directora regional de Saúde Pública foram unânimes em considerar que os efeitos sociais decorrentes da divulgação desta notícia infundada são muito maus e injustos. A Madeira é uma terra pequena e embora não tenha sido divulgada a identidade da senhora em questão não é difícil a quem quiser saber quem é de facto, disse […]. Referiu que os filhos desta mulher estão já a sofrer os efeitos da segregação, o habitual quando se fala em si da por isso, a direcção regional de Saúde Pública desenvolve uma acção de esclarecimento no local". 

18) Nos noticiários da Ré "R. […]S. A.", das 18 horas e 20 horas e 30 minutos, do dia 28 de Março de 1990, transmitidos na Madeira, e no último serviço noticioso, transmitido no Canal I, foi divulgado o nascimento, no Centro Hospitalar do Funchal, de duas gémeas, sendo a mãe portadora do vírus da sida. 

19) Na edição de 29 de Março de 1990, o Diário […], pertencente à Ré "E. […]Limitada", noticiou, na sétima página, com fotografia das "gémeas madeirenses", e com chamada e fotografia dos trabalhos de parto na primeira, o seguinte:" Uma madeirense de 30 anos de idade, portadora do vírus do Síndroma de Imunodeficiência Adquirida (sida) deu ontem à luz no Hospital da Cruz de Carvalho duas gémeas. O parto provocado por cesariana, foi assistido pelo Dr. […] director do Serviço de Obstetrícia do Centro Hospitalar do Funchal (C H F), que se referiu como sendo o primeiro a registar-se na nossa Região. Pelas 12 horas e 30 minutos nasceram as duas meninas. Aparentemente gozando de boa saúde, uma delas é, contudo, muito mais pequena que a outra e menos desenvolvida, no entanto, e conforme disse […] ao D N, só depois dos resultados dos exames será possível constatar se estão ou não afectadas pelo vírus da já classificada "doença do século". "Após o nascimento foi feita colheita de sangue dos cordões umbilicais das crianças e enviado para análise. Provavelmente nos próximos três dias que se seguem obteremos o resultado dos testes que indicará a presença do vírus, caso as meninas estejam contaminadas", disse o médico obstetra. As estatísticas revelam que cerca de 60 % das crianças, filhas de mães portadoras de sida, nascem infectadas pelo vírus, estando incluídas neste grupo aquelas que nascem já doentes e cujo período de vida está limitado aos dois primeiros meses, e as infectadas pelo vírus que, tal como a mãe, não desenvolveram a doença e por isso têm uma maior probabilidade de sobreviver. Segundo nos disse […], este caso é o primeiro que se regista na nossa Região, sendo por isso um alerta para todas as grávidas que, no seu entender, devem sujeitar-se ao teste anti - corpos de anti - sida no início da gravidez. "Com efeito - referiu o nosso interlocutor - deve ser incluído nos exames de rotina das grávidas o do rastreio ao sida. Só assim será possível detectar a presença do vírus e tomar providências para que não se registe a sua transmissão". A falta de informação sobre estas questões é uma das principais causas que originam o caso como do nascimento das gémeas madeirenses, em que só foi detectada a contaminação após quatro meses de gravidez. "A paciente frequentava a consulta externa do C H F, tendo sido descoberta a presença do vírus de si da no quarto mês de gestação, fora do período em que a lei permite a interrupção da gravidez", observou […]. Quanto à contaminação da mãe, que tem mais cinco filhos saudáveis, o médico madeirense referiu que na sua ficha clínica consta uma transfusão de sangue feita há 4 anos no Hospital Central do Funchal, altura em que, não era feito o teste de anti - corpos de anti - sida nos dadores de sangue, tudo levando a crer que o vírus tenha sido adquirido daquela forma. "No entanto - tranquilizou - actualmente o teste é feito, o que dissipa qualquer perigo neste sentido". Questionado sobre o estado da mãe das crianças, […] revelou que a mesma está consciente da sua condição, referindo ainda que poderá ter alta na próxima semana "A parturiente está informada da sua situação e dos cuidados a ter para que não se verifique a contaminação de terceiros, já tendo tomado providências para o efeito". Neste âmbito […] observou ainda que existem outras doenças contagiosas que exigem os mesmos cuidado que o vírus da sida, e que as pessoas tendem a minimizar devido a divulgação do Síndroma de Imunodeficiência Adquirida. Fazendo uma apreciação dos casos de sida que na nossa Região se têm registado, […] disse - nos existirem uma percentagem pouco significativa, mas que, no entanto, exigem já medidas que, no seu entender, começam com a informação e educação das populações" . 

20) Na edição do dia seguinte, o Diário […], com chamada na primeira página, noticiou na sétima, sob o título "Mãe das duas gémeas pode não ser portadora da sida" o seguinte: "Não existem elementos suficientes para determinar a presença do vírus da síndroma de Imunodeficiência Adquirida (sida) na mãe das duas gémeas que, na passada quarta - feira, nasceram no Centro Hospitalar do Funchal" disse ontem ao D N o director do Serviço de Hematologia daquela unidade hospitalar, dr. […]. Justificando o seu parecer alegou que, no Serviço de hematologia do C H F, não consta que tenham sido realizados todos os exames necessários para determinar a presença do vírus. " O serviço de sangue fez, a pedido do de Obstetrícia, o exame de rastreio de anti _ corpos de anti - sida cujo resultado suscitou algumas dúvidas, e, consequentemente, levou a nova recolha de sangue para ser analisado no Instituto Nacional do Sangue" disse o médico madeirense. No resultado do teste realizado no Continente foi detectado um anti _ corpo da sida que, contudo, não é suficiente para classificar doente como "portadora do vírus". É necessária a repetição do teste, após seis semanas, de forma a detectar a presença de mais anti - corpos, pois a existência de um apenas pode dever-se a outras circunstâncias que não a sida. "Não temos conhecimento no serviço de sangue do C H F _ salientou […] - que o Instituto Nacional do Sangue tenha feito segundo teste. No entanto, o mesmo poderá ter sido feito noutro laboratório sem que tenhamos sido informados". Neste âmbito, o Diário de Notícias tentou contactar o Dr. […] director do Serviço de Obstetrícia do C H F, a fim de saber se o segundo exame fora realizado. No entanto, o médico não se encontra na Região, tomando assim, impossível a obtenção da informação. Quanto à possível contaminação da mãe das duas meninas, […] salientou que, se de facto existir, não se deve a transfusão de sangue, feita há quatro anos no C H F. "Procurámos nos nossos arquivos ficha do dador a quem pertencia o sangue, e constatámos tratar-se de um cidadão completamente saudável", garantiu o médico. "Com efeito - acrescentou - o mesmo possui sangue de um tipo raro tomando-se, por isso, muito solicitado pelo serviço de sangue". Questionado sobre o que poderá ser causa da contaminação referindo que a mãe das crianças não pertence a nenhum grupo de risco e que o marido não regista a presença do vírus, […] concluiu, apenas, que estes factos demonstram que a "mãe pode não estar contaminada". Relativamente ao teste de rastreio de anti-corpos anti - sida realizado, ontem nas duas meninas, podemos adiantar que os mesmos deram resultados negativos, mas que por suscitarem algumas dúvidas serão enviados para o Continente."  

21) Na sua edição de 5 de Abril de 1990, noticiou o Diário […], na sua terceira página, sob o título "Mãe das duas gémeas não é portadora da sida", o seguinte: " A madeirense que no dia 28 de Março deu à luz duas meninas, no Hospital da Cruz de Carvalho, não está contaminada com o Síndroma de Imunodeficiência Adquirida (Sida), revelam os resultados dos exames realizados no Instituto Ricardo Jorge. De facto, e conforme o "[…]" conseguiu apurar, foi ontem recebido no Funchal o resultado dos exames efectuados no Continente pelo que o Instituto Ri c ardo Jorge que confirma que a mãe das gémeas não é portadora do vírus da sida. O teste de rastreio da sida, solicitado pelo Serviço de Hematologia do Centro Hospitalar do Funchal (C H F), detectou a presença de apenas um anti - corpo no sangue da madeirense que pode dever-se a outras circunstâncias que não a sida, como por exemplo alguma infecção, estando posta de parte a sua contaminação. Confirmando o resultado dos exames realizados pelo Serviço de Hematologia do C H F, o Instituto Ricardo Jorge, em Lisboa, solicitou a divulgação do seu diagnóstico a fim de dissipar qualquer dúvida em relação a esta questão. Neste âmbito, a directora regional da Saúde Pública, […], levará a cabo, durante o dia de hoje, uma conferência de imprensa em que revelará o resultado do teste realizado no Continente e, provavelmente, comentará este caso que esteve em foco na Comunicação Social madeirense. Em declarações à agência […], ontem no Funchal, o médico […], director do Serviço de Hematologia do Centro Hospitalar do Funchal, afirmou que as recentes declarações do obstetra […] "puseram em causa" o serviço que chefia, embora na altura em que a senhora fez a transfusão de sangue "ainda não se fizessem os testes da sida, que só começaram três meses depois. Entretanto o secretário madeirense dos Assuntos Sociais, […], afirmou à agência […] que só se pronunciará sobre o caso da mãe supostamente portadora de sida depois de receber as análises encomendadas ao Instituto Ricardo Jorge. "O que se passou é grave, mas é um problema de deontologia profissional que não cabe ao Governo, mas à Ordem dos Médicos", Revelou que a mãe em questão, oriunda de um concelho rural e com mais cinco filhos, "está a ser vítima de segregação, bem como a sua família". Neste sentido, disse ter incumbido a Direcção Regional de Saúde Pública de esclarecer a população do local onde vive esta mulher. […] referiu que "o comportamento das pessoas relativamente ao vírus da si da é completamente diferente do adoptado em relação a outras doenças, como o cancro, por exemplo." "A norma acrescentou - é afugentar qualquer possibilidade de solidariedade relativamente ao doente da sida". Interrogado sobre quem iria pagar os danos sofridos por esta família, […] afirmou que "tanto quanto sabe, o marido da senhora em questão não é nenhum patinho e não está de braços cruzados".

22) Na edição do dia 6 de Abril de 1990, na página 5, noticiou ainda o Diário […]:"os responsáveis pelo sector da Saúde na Madeira não definiram, claramente, como se processará o apuramento de responsabilidades na violação da "ética e deontologia profissional" em relação ao caso da mãe das gémeas inicialmente referida como portadora da si da mas que exames posteriores viriam a contradizer. "Vamos adoptar medidas mais restritivas em relação à saída de informação" - revelou o director regional dos Hospitais, […], durante uma conferência de imprensa que serviu para anunciar o programa de actividades da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais do "Dia Mundial da Saúde", a comemorar no próximo sábado. O director regional respondia assim aos jornalistas que aproveitaram o encontro para acrescentar algo mais ao "caso" da mãe de gémeas, precipitadamente anunciada como portadora do vírus da sida por um chefe de serviço do Centro Hospitalar do Funchal, quando os resultados de exames realizados posteriormente comprovaram a existência de um grave equívoco. "As regras vão sendo adaptadas conforme as coisas vão acontecendo" - adiantou […], acrescentando que está em curso um inquérito para averiguação dos factos. No entanto, apesar da insistência dos representantes da comunicação social, não foram referidos claramente quais os passos imediatos para o apuramento de responsabilidades, nem ficou definido com nitidez onde começam ou acabam as da instituição e as do médico que divulgou a situação de uma parturiente. Após a apresentação das iniciativas alusivas ao "Dia Mundial da Saúde", o secretário regional dos Assuntos Sociais foi também instado a pronunciar-se sobre o caso da "mãe das gémeas". […] disse então que "temos conhecimento da situação mas não podemos adiantar muito mais". E confirmou:"A mãe não é portadora do vírus da sida; agora resta-nos aguardar". […] classificou a atitude do obstetra […] - o chefe de serviço no C H F que originou o "caso" - de "precipitada" e adiantando que "é sempre de condenar uma informação de este género". Por seu turno, a directora regional da Saúde Pública, […], explicou que "não houve qualquer falha" mas sim dois testes com resultados diferentes: o de rastreio (feito no Funchal) e o de diagnóstico (efectuado em Lisboa). "Independentemente dos resultados das análises encomendadas ao Instituto Ricardo Jorge, tratámos de arranjar um esquema de apoio informação para proteger as pessoas envolvidas - disse ainda o secretário regional - e perante novos dados o esquema vai manter-se com as necessárias adaptações". 

23) O chamado […] exercia, em Março e Abril de 1990, as funções de director do Diário […] da Madeira. 

24) Mediante contrato de seguro celebrado em 23 de Fevereiro de 1997, actualizado em 24 de Fevereiro de 1988, o Réu […] transferiu, nos termos da apólice […], para a interveniente "[…] S A." a responsabilidade civil emergente da sua actividade de médico obstetra. 

25) As notícias dadas nos dias 28 e 29 de Março de 1990 espalharam-se rapidamente pela R.A.M. e, mais particularmente, no concelho de […] 

26) Alguns vizinhos da Autora, no dia 28 de Março de 1990, já comentavam que a […] tinha Sida. 

27) As pessoas das relações dos Autores e alguns vizinhos sabiam que a Autora […] ia ser hospitalizada no dia 27 de Março de 1990, para dar às luz duas gémeas no Hospital […], no dia seguinte . 

28)O Autor […], no dia 28 de Março de 1990, ao chegar a casa, à noite, encontrou familiares que choravam por terem sabido pela rádio e televisão que a Autora […] tinha Sida.

29) Após a difusão das notícias, os Autores foram apelidados de "sidosos". 

30) Numa parede perto da residência dos Autores, alguém não identificado escreveu os dizeres; "Os […] têm Sida".

31) As duas gémeas, as Autoras, ficaram conhecidas em […], como as gémeas da sida.

32) Os Autores sentiram angústia e medo .

33) Os Autores eram pessoas tidas e consideradas no meio social em que se inserem e,  nomeadamente, pelos vizinhos e pelos colegas do Autor […]. 

34) Um fotógrafo do " […]" teve acesso ao bloco operatório e fotografou a Autora durante a operação sem que esta autorizasse ou sequer conhecesse tal actuação. 

35) O Réu […] laqueou as trompas da Autora. 

36) No dia 5 de Abril de 1990, o jornal […] voltou a publicar notícias sobre o assunto, informando os seus leitores de que a parturiente, contrariamente ao seu médico assistente, não era portadora do vírus da Sida. 

37) A edição do jornal "[…]" de 28 de Março de 1990, só chegou ao Funchal, por volta das treze horas do mesmo dia. 

38)O jornal […] não tinha, ao tempo, qualquer difusão em […]. 

39) O Director do jornal "[…]" não conheceu previamente os artigos dos dias 28 e 29 de Março de 1990.

40) No noticiário das 18 horas e 30 minutos do dia 28 de Março de 1990, o Réu " […]E. P." reconheceu ter sérias dúvidas se as garantias de privacidade dos Autores não teriam sido violadas com as notícias anteriores.

41) No noticiário das 18 horas e 30 minutos do dia 28 de Março de 1990, o Réu "[…]E.P." referiu expressamente a salvaguarda da privacidade da parturiente, como limite da informação possível.

42) No dia 29 de Março de 1990, a Ré "R. […]S.A" entrevistou o Réu […], tendo este referido que uma mulher, portadora do vírus da Sida, havia dado à luz duas gémeas, não se tendo apurado ainda se qualquer destas gémeas era portadora daquele vírus; mais referiu, na mesma ocasião, que 60% dos recém-nascidos, filhos de mães portadoras do vírus da Sida, nasciam infectados e, caso tivessem já Sida, morriam em regra no primeiro ou segundo mês de vida.

43) Na mesma entrevista, o Réu […] anunciou ter feito a laqueação das trompas à mesma mulher. 

44) O chamado A […] exercia, em Março e Abril de 1990, as funções de director de informação da agência […]. 

45) As fotografias publicadas no Diário […], na sua edição de 29 de Março de 1990, não identificam visualmente a Autora […]

46) E as gémeas recém-nascidas também não são identificáveis. 

47) A maternidade do Hospital […] serve toda a população da Região Autónoma da Madeira.

48) Tem uma média anual de 4 000 crianças. 

49) A média diária de parturientes internadas é de cerca de setenta.

50) Só escasso número de pessoal especializado tem acesso aos processos clínicos.

51) O director do Diário […] não conheceu previamente a notícia publicada, na edição do dia 29 de Março de 1990. 

52) A Ré […] nada tem a ver com a notícia mencionada. 

53) A Ré  […] nada tem a ver com a notícia mencionada. 

54) Na entrevista referida, o Dr. […] concedeu também na qualidade de Director do Serviço de Obstetrícia do Centro Hospitalar do Funchal, foi seu propósito alertar para a necessidade dos cuidados a ter pelos cidadãos no sentido de evitar a transmissão e difusão de um doença para a qual não se conhecia, nem se conhece cura . 

55) Foi a Autora […] quem solicitou ao seu médico assistente a laqueação das trompas em virtude de já ser mãe de oito filhos, sempre se imporia por considerações médicas relacionadas com a saúde da própria parturiente, visto que o seu útero dificilmente suportaria, sem risco grave para a vida da Autora […] e de futuros fetos, novas gravidezes.

56) A Ré […] nada tem a ver com as notícias referidas.

57) O Réu […] nunca foi médico assistente da Autora […].
58) Nunca a viu, nem falou com ela senão na altura da cesariana.

59) Por parte da Ré […] nenhuns elementos foram divulgados que permitissem a identificação da pessoa grávida ou dos seus familiares.

60) As fotografias publicadas no Diário de Notícias, na sua edição de 29 de Março de 1990 referidas foram da autoria do chamado […].

61) O chamado […] trabalhava à data dos factos para a agência […]. 

62) As notícias que a agência Lusa difundiu foram da sua autoria.

63) O chamado […] trabalhava, à data dos factos, no Diário […].

64) As notícias que o Diário[…] publicou foram da sua autoria. 

65) Os chamados […] trabalhavam à data dos factos, na Ré "R […] S.A."

66) O chamado […] realizou a entrevista a que se alude .

67) Os chamados […] trabalhavam, à data dos factos, nas Rés" R. […]E. P." e "C.[…]E. P".

68) As notícias que a […] e Centro […] difundiram foram da autoria da chamada B.[…] 

69) O Réu Dr. […] foi fonte das notícias referidas na parte em que estas referem que uma mulher madeirense contaminada com o vírus da sida iria dar ou tinha dado à luz duas crianças gémeas. 

70) A Autora […] não estava, aquando das referidas notícias, contaminada pela sida. 

71) O Réu […], como especialista que é, não podia ignorar que os testes Elisa, só por si, não eram fiáveis para diagnosticar a sida, sem a confirmação através do teste Westerb Blot.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Importa agora conhecer do objecto dos recursos, balizados pelas respectivas conclusões – arº684,nº3 e 690 do CPC.

Estabelece o artº710 do CPC que os recursos serão apreciados, em regra, pela ordem de interposição, considerando também a prioridade de conhecimento daqueles que conduzam à prejudicialidade do fundo dos restantes.

Sem embargo da prossecução deste princípio, dada a configuração específica do pleito e das questões suscitadas pelos recorrentes, analisaremos em simultâneo cada ponto comum aos recursos, não apenas por assim ser possível uma maior clareza na exposição, mas sobretudo porque, as questões supõem a análise dos mesmos factos e a aplicação de regras similares de direito.

1. Nulidades

Quanto à nulidade apontada à sentença por alegadamente não descrever, nem apontar os factos imputados aos RR e os danos alegados, matéria suscitada à apreciação no recurso do Réu […] (v.conclusão 14ª).

De igual modo, também o Réu […] e o chamado […] (v.conclusão 11ª) argumentam em sua defesa, além do mais, que a sentença omite os factos que fundam a responsabilidade que lhes é imputada, e nessa medida, alegam que aquela padece da nulidade prevista no artº668, nº1 al.) b) do CPC.  

Porém, a verificar-se a deficiência descrita, ela constituiria uma clara nulidade por falta de fundamentação de facto prevista no nº1, al.) b) daquele normativo tal como é referido pelos segundos recorrentes, uma vez que a falta de pronúncia se prende com vício decisório distinto.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artº205, nº 1 da Constituição as decisões judiciais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas nos termos da lei ordinária.

De acordo como o estatuído no artº158 do CPC as decisões relativas a qualquer pedido controvertido ou a alguma dúvida suscitada no processo devem ser fundamentadas e que para tal não basta a simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.

Do que assentamos então que, a sentença sem fundamentação de facto e ou de direito não alcança tal desiderato, nem é de molde a permitir às partes, designadamente, a eficaz interposição de recurso.

Na sentença sindicada, salvo o devido respeito, optou-se, na verdade, por uma sistematização do debate jurídico da causa em modelo menos ortodoxo, baseado, fundamentalmente, na invocação e enunciação dos preceitos jurídicos e citações doutrinais a propósito.

Ainda assim, a fundamentação apresentada, não sendo exemplo da melhor prática judiciária, designadamente no que concerne ao reduzido destaque e tratamento específico dos factos provados para sustento da responsabilidade imputada aos Réus, cumpre no mínimo a exigência de lei.

De resto, é praticamente unânime na jurisprudência que somente a falta absoluta de fundamentação constitui o fundamento de nulidade a que se reporta a alínea b) do nº 1 do art.º 668 do CPC, e não já aquilo que se apresente como fundamentação insuficiente, incompleta ou não convincente (1) Ex. o Ac. STJ de 22/11/2001 in pag,Web e na doutrina, Antunes Varela in Manual de Processo Civil, 1985,pag.687.  

Não colhem, pois, nessa parte as alegações recursivas.


2. Mérito dos recursos

Prosseguindo, impõe-se na decorrência lógica supra indicada, a apreciação inicial dos recursos dos litigantes passivos, e, por seu turno, na análise do pomo do dissídio comum a todos eles - o alegado desacerto da decisão recorrenda ao entender a conduta dos Réus e chamados como violadora da reserva da vida privada da autora subjacente à sua condenação na obrigação de indemnização.      

Chegados aqui, laboramos na problemática geral relativa aos pressupostos da responsabilidade civil aquiliana decorrente da violação de direitos alheios e consequentes danos morais.  

A densidade jurídica da matéria aconselha, contudo, um breve e prévio excurso à aproximação do caso vertente.

2.1. Considerações genéricas no quadro legal da protecção dos direitos de personalidade.  

Os direitos de personalidade (como há-de qualificar-se o direito ao bom nome e à reserva da vida privada) pertencem à categoria dos direitos absolutos, como direitos de exclusão, impondo-se, por definição, ao respeito de todos.

São direitos inatos, absolutos, inalienáveis e

irrenunciáveis, “dada a sua essencialidade relativamente à pessoa, da qual constituem o núcleo mais profundo”(2).

 Estes direitos emanam da própria pessoa cuja protecção visam garantir.

A ideia da protecção da pessoa humana, da sua personalidade e dignidade, encontra expressão jurídica em vários preceitos da Constituição da República Portuguesa (3).

No artigo 1 fala-se da dignidade da pessoa humana como fundamento da sociedade e do Estado; o art.º 13, nº 1, refere-se à igual dignidade social dos cidadãos; o art. 24º, nº 1, declara que a vida humana é inviolável; o art.º 25 garante o direito à integridade moral e física da pessoa ; o art.º 26 consagra outros direitos pessoais, nomeadamente respeitantes à identidade, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação (4).

Em sintonia com estes preceitos encontramos na lei ordinária os artigos 70º a 81º do C.Civil que transpõem a ideia elevada à Lei Fundamental da protecção à pessoa humana para o campo do direito civil, e que abrange, na sua protecção, todos aqueles “direitos subjectivos, privados, absolutos, gerais, extra-patrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou de deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida".(5)   

No domínio da tutela civil, na rubrica tutela geral da personalidade no artº70 do CCivil, o seu nº1, prescreve: " A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral."

Apelando à lição de Orlando de Carvalho, este direito geral de personalidade “...é, a um tempo, direito à pessoa - ser e à pessoa-devir, ou melhor, à pessoa - ser em devir, entidade não estática mas dinâmica e com jus à sua liberdade de desenvolvimento.”(6)

Pelo que, tendo ocorrido uma ofensa ilícita, a lei admite que possa, além das providências adequadas à situação, haver lugar à responsabilidade civil caso se verifiquem os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos, designadamente a culpa e a existência de um dano (art.º 70, nº 2, em ligação com o art.º 483 CCivil) ou os pressupostos da responsabilidade pelo risco, ou seja, a concretização do risco e a existência de um dano (art.º 70, nº 2, em ligação com o art.º 499 CCivil).

Dispõe o art.º 483, nº 1, do C.Civil, que: “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem... fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos decorrentes da violação”. Acrescentando o nº 2 que “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.

Por seu turno, estabelece o art.º 484 do mesmo diploma que "quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados".

No pleito em discussão, estão para apreciar, concretamente, as invocadas violações do direito à privacidade e do direito ao bom nome.

2.2 Particularidades do quadro legal de referência, dada a intervenção de agentes dos meios de comunicação.

Os factos ocorreram em 1995, entre 28 de Março e 5 de Abril. Donde, na parte que importa, regem, além dos preceitos gerais atrás enunciados, a Lei da Televisão (Lei nº58/90) , a Lei de Imprensa (Dec-Lei nº85-C/79, de 29/11, bem como do Estatuto do Jornalista (lei 62/79, de 20/11)(7).

De igual modo, é de respigar o art.º 37, nº 1, da CRP onde se lê que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”.

No campo da tutela dos ofendidos, destaca-se o preceituado no artº37, nº4 daquela mesma Lei Fundamental, que assegura a todas as pessoas, singulares ou colectivas, o direito a indemnização pelos danos sofridos em resultado de infracções cometidas no exercício do direito de liberdade de expressão e informação, garantindo o art.º 38, nº 1, a liberdade de imprensa, que implica, além do mais, a liberdade de expressão e criação dos jornalistas (al. a) do nº 2).

A Lei de Imprensa formula idênticos princípios, ou valores (arts. 1º, 4º e 5º). Por sua vez, o Estatuto do Jornalista assinala, que os jornalistas "devem respeitar escrupulosamente o rigor e objectividade da informação", assim como "os limites ao exercício da liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e da Lei" (als. b) e c) do art. 1º).

Seja a Constituição, ou as leis ordinárias já mencionadas, não estabelecem, neste domínio, qualquer regime especial relativamente à ilicitude em matéria civil e, naturalmente, à respectiva obrigação de indemnizar, quando ocorrer, por responsabilidade civil extracontratual, limitando-se a remeter, expressa ou tacitamente, para os princípios gerais e normas do Código Civil (arts. 37º, nº 4, da Constituição, 41º da Lei de Televisão, e 24º da Lei da Imprensa).

Será, pois, com base nas normas da sistemática civilística (designadamente artigos 70, 483, nº 1, 484, 487 e 497, nº 1, do C.Civil), que se avalia a ilicitude/culpa como pressuposto da obrigação de indemnizar fundamentada na responsabilidade civil delitual.

2.3 A dinâmica de coexistência dos direitos de personalidade e do direito de liberdade de expressão e de informação.

Fluindo com clareza o inevitável conflito, tudo reside em saber como conjugar, em caso de conflito, estes dois direitos fundamentais: o direito à privacidade (e também o direito ao bom nome e consideração social no entendimento dos AA) e o direito - dever de informação em liberdade.

Lato sensu, o direito geral de personalidade defende o ser humano, nas suas múltiplas funções de carácter físico e espiritual, contra a ingerência por terceiro.

No que toca ao direito à privacidade, e partindo da premissa que na sociedade moderna, tendencialmente, tudo o que diz respeito ao individuo é privado, podemos defini-lo como a tutela da esfera privada do cidadão e da sua família.

A tutela do direito à intimidade da vida privada perspectiva-se em duas vertentes: a protecção contra a intromissão na esfera privada e a proibição de revelações a ela relativas.

A Lei fundamental consagra a sua defesa no artº26, e bem assim, o direito ao bom nome e à reputação, que vive ao largo do primeiro, apesar de não confundíveis.  

Por seu turno, a liberdade de expressão e divulgação da informação e dos meios da comunicação social (artigos 37 e 38 da Constituição) é uma liberdade vinculada e, por isso, comporta três grandes limites, quais sejam, o valor socialmente relevante da notícia; a moderação da forma de a veicular; e a objectividade tanto pela seriedade das fontes como pela imparcialidade do autor da notícia.

A elaboração filosófica atinente à superação e harmonização de convivência social de tais direitos tem registado ao longo do tempo correntes diversas na doutrina, enriquecidas pelas decisões judiciais de casos mediáticos.

Todavia, e de molde sintético, pode concluir-se com segurança que, na actualidade, é inadequada a representação da liberdade de imprensa como um direito ou valor absoluto e, como tal legitimada a sobrepor-se a quaisquer outros valores e direitos; em segundo lugar, o legislador ordinário não é inteiramente livre na definição dos limites do direito de liberdade de imprensa (8).

Ora, o conflito entre os dois direitos constitucionalmente garantidos - o direito de liberdade de informação e os direitos à privacidade e à honra e ao bom nome -terá que ser resolvido, nos termos do art.º 335 do C.Civil, pela cedência, em casos de direitos iguais ou da mesma espécie, na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes (nº 1), ou pela prevalência do que deva considerar-se superior quando os direitos forem desiguais ou de espécie diferente (nº 2).

Uma vez que os referidos direitos desfrutam de igual hierarquia constitucional, deverá procurar-se a sua harmonia “em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais” (9).

Acresce observar que, além do mais, sendo os direitos à privacidade (, e também, cremos, o direito à honra e bom nome) respeitante à pessoa e, portanto anterior a outro de carácter público como o direito à informação, no conflito entre eles, este último recuará, se porventura ofender os primeiros (10).  

Salvo, se o interesse público em concreto, à luz dos ditames da necessidade e da proporcionalidade o justificar na medida estritamente exigível, e por aplicação do disposto no art.º 335º do C. Civil. (11)

3. Os factos, a ilicitude e a culpa no caso espécie.  

Avaliemos agora os pressupostos gerais da responsabilidade.

Apreciando o comportamento dos Réus em ordem a qualificá-lo quanto à sua natureza ilícita ou/e culposa (12) – cumpre, desde já, afirmar que uma conduta é ilícita quando ofende um direito subjectivo de que fala o art.º 483º do C.Civil.

A opinião geral atribui à responsabilidade civil função meramente reparadora; o fim dela, a restituição do lesado ao estado em que se encontraria se não tivesse havido lesão e a sua razão de ser está no dano, apesar da concessão residual ao seu cariz punitivo e preventivo, patente na valência do grau de culpa do agente para a fixação do quantum indemnizatório.

A doutrina portuguesa regista divergências na enunciação dos pressupostos da responsabilidade civil, destacando-se as posições de Gomes da Silva, Manuel de Andrade, Vaz Serra, Pessoa Jorge, e Antunes Varela.

De modo sinóptico, e em face do direito constituído, considera-se, regra geral, que a imputação a alguém dos prejuízos sofridos por outrem, em resultado de uma actuação do primeiro, se baseia na existência de culpa e na ocorrência de prejuízo (reparável), e no limite negativo, que não concorra ao caso causa legal de isenção de responsabilidade civil.

Socorrendo-nos da sistematização prática e escorreita do Prof. Antunes Varela, a responsabilidade civil pressupõe o facto voluntário do agente; a ilicitude; a imputação do facto ao lesante; o dano; e o nexo causal entre o facto e o dano.

É pois manifesto, secundando a construção supra indicada que a “ilicitude se reporta ao facto do agente, à sua actuação, não ao efeito (danoso) que dele promana, embora a ilicitude do facto possa provir (e provenha na maioria dos casos) do resultado (lesão ou ameaça de lesão de certos valores tutelados pelo direito) que ele produz” (13).

Querendo então significar-se que o acto ilícito “constitui a violação de um dever, o que implica: em primeiro lugar, a existência desse dever e, portanto, a destinação dum comando a seres inteligentes e livres que podem conhecê-lo e obedecer-lhe; em segundo lugar, a prática contrária de conduta diferente da devida.”(14) 

Do que, por seu turno, se extrai a conclusão segundo a qual, a mera violação dos direitos à privacidade e ao bom nome contém, já em si, a antijuridicidade do comportamento dos agentes, sendo necessariamente ilícito, a não ser que a ilicitude esteja excluída por circunstância justificativa do facto praticado e da violação ocorrida, conforme retro referido, da prevalência de um interesse público de relevo.  

Enunciadas desta sorte as linhas gerais de articulação dos normativos aplicáveis e a integração sistemática, que o caso em análise suscita, passemos à sua avaliação em concreto.

Considerou-se na sentença, em síntese, estar em causa direito especial de personalidade - o direito à reserva da vida privada - com estatuto, consoante art.º. 26º CRP, de direito fundamental, que visa assegurar aos indivíduos o domínio da sua esfera privada e um espaço de vida resguardado das intromissões de outrem, em termos de poderem decidir quem e em que termos pode conhecer de factos concernentes à sua área de reserva, círculo de reserva esse em que se inclui a história médica  e clínica.

Tal-qualmente se discorreu no ponto 2.3, proibidas as informações abusivas, por não autorizadas, a esse respeito, aquele direito não é, no entanto, absoluto, antes tem limites, nomeadamente decorrentes das exigências sociais da vida em comum, da ponderação prática de interesses em colisão, e do consentimento do titular.

Perspectivando dos factos provados o teor das notícias divulgadas, o destaque subjacente a todas elas vai para a contaminação de uma parturiente e inevitavelmente das recém-nascidas pelo vírus da sida, submetida após a laqueação das trompas seguida e atendida pelo […] no Hospital do Funchal que procedeu a exames e análises, e mais se descreve que a visada é mãe de outros cinco filhos.  

Donde, situando-nos na comunidade já por si restrita pela dimensão e especificidade da vivência numa ilha, a indicação da localidade e demais características da autora e da sua família, para além da curiosidade voyeur inevitável, era objectivamente possível a identificação da autora, bastando que o grupo da sua convivência a identificasse e se espalhasse pelos demais, como de resto sucedeu a breve trecho, provocando em consequência os embaraços na vida privada da autora que estão descritos nos factos provados.    

De resto, as entidades locais reconheceram a evidência da facilidade de identificação da visada através das informações constantes nas várias notícias, como resulta da factualidade assente.
Verifica-se, pois, que todas as notícias de conteúdo paralelo estão em relação de causa e efeito com os danos resultantes para a autora.    

Haverá justificação para os jornalistas e os proprietários dos respectivos meios de comunicação envolvidos?  

Reconhecemos que a sida constitui uma matéria de preocupação da saúde pública, inclusive, a organização mundial de saúde, sendo certo que, ao tempo dos factos, a divulgação das causas e consequências daquela doença junto da população portuguesa assumia-se como um tema de grande impacto e alvo de preocupação social e humanitários.

No caso concreto, porém, não obstante os Réus terem divulgado factos que, segundo anunciavam e ficou provado, reproduziam as informações do […] médico que assistiu o parto da autora, suportando-se então no seu conhecimento técnico daquele na matéria, podiam e deviam divulgar, apenas, a notícia no que ela continha de relevância pública e geral para os leitores e ouvintes através de outro conteúdo informativo, que não o por eles eleito.  

Com efeito, relativamente à saúde (sobretudo, por antinomia, a ausência dela, a doença) que faz parte da individualidade privada do ser humano, é manifesto que está assegurado o resguardo da vida particular contra a eventualidade de divulgação pública.

De igual modo, o tratamento em sede de direito constitucional refere os dados relativos à saúde como constituindo necessariamente dados relativos à vida privada (15).

Registe-se, também, com interesse o recente Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral de República (16), a propósito da divulgação de dados dos exames clínicos, tema do qual se surpreende inevitável traços de semelhanças com o caso dos autos, pode ler-se no ponto 3 do sumário: “(....) Os elementos recolhidos nos exames médico-legais de pessoas vivas, e vertidos nos respectivos relatórios, constituem dados pessoais sensíveis, que beneficiam da protecção conferida à reserva da vida privada pelo artigo 26º, nº1 da Constituição.” Mais adiante, no desenvolvimento jurídico da matéria discorre-se naquela peça, com toda a clareza: “A saúde, na clássica noção da Organização Mundial de Saúde, «é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste somente na ausência de doença ou de enfermidade» (…). Numa outra definição, saúde «é o estado de completo equilíbrio funcional e adaptativo, físico e mental do organismo e considera-se factor essencial da vida humana e um valor que supera todos os outros ao longo da existência de cada indivíduo, na criação de capacidade de trabalho, de adaptação e de bem-estar, satisfação ou felicidade pessoal» (…). Ou seja, o conceito de saúde refere-se a tudo aquilo que tem a ver com o estado físico e mental de cada ser humano.

Nesta medida, os elementos recolhidos nos exames médico -legais de pessoas vivas, e vertidos nos respectivos relatórios, constituem dados relativos à saúde – e, enquanto tais, podem ser caracterizados como dados pessoais. Esses elementos revestem, claramente, a natureza de dados pessoais, à luz da Lei da Protecção de Dados Pessoais, a Lei nº 67/98, de 26 de Outubro (…)

«a) “Dados pessoais”: qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (“titular dos dados”); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social.»·

E mais: esses dados relativos à saúde devem ser considerados dados sensíveis, que carecem de especial protecção. Com efeito, o nº 1 do artigo 7º da Lei nº 67/98 qualifica como dados sensíveis os «dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica», bem como os «dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos», estabelecendo condições específicas de legitimidade do tratamento desses dados. (…) A matéria da protecção de dados pessoais tem assento constitucional. No artigo 35º da Constituição (…) consagra-se o direito à protecção de dados pessoais como direito fundamental, atenta a sua inserção no Título relativo aos direitos, liberdades e garantias (…). E, como doutrinariamente é reconhecido, essa protecção encontra o seu fundamento na salvaguarda da reserva da vida privada (….). Liberdades e garantias previsto no artigo 18º da Constituição.”

Estas considerações assumem especial pertinência na abordagem e avaliação do comportamento do Réu […] na qualidade de médico da autora e técnico de saúde com responsabilidades na área.

Senão vejamos.

Obtempera o Réu […] nas suas doutas alegações que resultando a condenação dos RR da violação de lei da imprensa, e não sendo esse o seu estatuto e nem em tal domínio se situar a sua intervenção, não deverá ser responsabilizado.

Não colhe, porém, tal argumento, uma vez que, como decorre do já exposto, a afectação do direito de reserva e privacidade consuma-se no caso dos autos através dos meios de imprensa e áudio visuais, a partir da própria informação e comunicação prestada pelo Réu […] bem sabendo que prestava declarações aos meios de comunicação social; isto é, todos os RR praticaram acto ilícito, apesar de por acção não concertada, ao divulgarem dados pessoais e privados da autora relacionados com a sua saúde e o relatório clínico, sabendo que o facto, nas circunstâncias em apreço, era passível de provocar tal lesão.

Acresce que, conforme o apurado, a divulgação do resultado do diagnóstico revelou-se uma informação precipitada e temerária face à especial exigibilidade do Réu […] que atenta a gravidade e delicadeza da matéria para a autora e os exames incompletos então efectuados, deveria aguardar os exames que consubstanciassem, ou não, aquele primeiro resultado.

O médico, melhor do que outro interveniente bem sabia, que a divulgação publicitada de tal diagnóstico não trazia vantagem alguma para a visada e sua família, e sobretudo, não prevenia nada nem acautelava qualquer risco para a saúde pública. Não se pode, pois, acompanhar as suas alegações nesse ponto.  

Reportando agora a questão sustentada pelos demais RR e chamados recorrentes, do interesse público das notícias, temos que concluir que, não se pode considerar demonstrado tal desempenho perante as notícias elaboradas e veiculadas pelos réus, para a comunidade da região, pelo menos, enquanto descrevem - apontam e isolam a situação concreta da autora, que atentas as características da ilha, núcleo habitacional de pequena escala, onde a Autora […] e a família são conhecidos e têm centrada a sua vida, facilmente conduziria à identificação da autora e da sua família.

No tocante aos jornalistas envolvidos no tratamento da informação que recolheram junto do médico.

Poderiam, e deveriam os RR, jornalistas no cumprimento do direito-dever de informarem o público, suportados na informação recolhida junto do Réu médico, desenvolver o seu trabalho de forma a não envolver os sujeitos em concretos atingidos.

Ou seja, em nosso entender, era exigível aos RR que prestassem especial cuidado no tratamento das respectivas notícias, sendo previsível que o espectro da referida doença, à época envolvida em deficiente e nebuloso conhecimento do modo de contracção e transmissão, facilmente provocariam numa comunidade como aquela, factores de forte insegurança, opróbrio e, sobretudo de segregação dos visados na notícias, a começar pela parturiente e mãe de uma numeroso prol.  

Não existe, em conclusão, causa justificativa do seu comportamento, capaz de afastar a sua aparente ilicitude: a actuação deles é; certamente ilícita.

E quanto à verificação da culpa?

Conceptualmente “ agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do lesante merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia agir de outro modo”.(17) 

Revertendo aos factos assentes o supra-exposto.  

O primeiro ponto a ajuizar é determinar, se com a divulgação das notícias referentes ao estado de infectada pelo vírus da sida a referida parturiente de Câmara de Lobos prestes a dar à luz gémeos, a cirurgia de laqueação e a notícia do nascimento no Hospital, os demais filhos e marido, nessas condições de tempo e lugar facilmente identificáveis, efectivamente será de considerar ocorrer infracção da reserva da vida privada da Autora constitutiva do ilícito civil.

Cumpre reconhecer que se está, no caso dos autos, perante a revelação não autorizada de elementos clínicos relativo à autora, que, conquanto situada no âmbito de uma informação prestada pelo médico assistente não deveria ficar acessível ao conhecimento alheio.

E, afinal, igualmente como resulta da matéria de facto, as notícias escritas e difundidas pela rádio e televisão, indiscrições que foram aptas a identificar a autora e a sua família, gerando efectivos danos, como comentários segregacionistas e atentatórios da sua vida privada e também revelados nos escritos murais das imediações da casa e considerações negativas no meio social em que se inserem.

Todavia, cabe registar, entrando no âmago do recurso dos autores, que tal como a sentença apelada salientou, somente o direito de reserva e privacidade foi atingido, e não como aqueles alegam o direito à honra e bom nome.

Passando a ser do conhecimento público que a autora e inevitavelmente as gémeas estão contaminadas por sida, transforma as notícias numa divulgação ilícita, apesar de não poder legitimamente falar-se que é causadora de danos, no domínio da reputação e prestígio social e da consideração ou estima públicas.

A doença que, lamentavelmente ainda hoje anda associada, nos espíritos menos esclarecidos, a condutas licenciosas, não perde a natureza de mal de saúde, e por isso, não contende com a honra e o bom nome dos AA, no plano dos valores socialmente dominantes e para a generalidade das pessoas.  

Com efeito, não há nenhuma razão para considerar que reputação social da autora e da família foram atingidas, por virtude de a associação de um mal de saúde a determinado sujeito não estar objectivamente implicado na reputação ou bom nome do visado.

De outra feita a esfera da privacidade e reserva do indivíduo é atingida. Sublinhado então este entendimento é no pressuposto da exclusiva violação daquele direito que prosseguirá a análise.  

Consequentemente, acompanhamos, também, o entendimento da decisão recorrenda, segundo o qual apenas o direito absoluto à reserva da intimidade privada da autora […] foi atingido, pois que os factos divulgados diziam apenas respeito ao seu estado de saúde, à sua história clínica e à intervenção cirúrgica a que foi submetida.

Ademais, as características do caso não permitem sequer a assunção da questão sob a égide dos chamados danos reflexos (18).

Soçobra assim a alegação dos AA ao considerarem que todos eles foram atingidos por tal violação.      

Ora, os Réus ao difundirem factos relativos à saúde e condição clínica da autora cujas idiossincrasias do caso e dos relatos eram aptos a identificar os visados e assim atingir o direito de reserva da sua privacidade, não adoptaram o comportamento que qualquer pessoa normalmente diligente adoptaria.
     
De resto, o art.º 3 da Lei de Imprensa é peremptório ao estabelecer como limites intransponíveis à liberdade de imprensa a Constituição e a lei, e ao dizer que este direito deve ser exercido “de forma a salvaguardar o rigor a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática”.
 
Ao actuarem para além de tais limites, assumiram uma actuação censurável e culposa, quanto é certo que basta a mera culpa ou negligência para o dever de indemnizar, tal como o preceitua o art.º 487, nº2 do CCivil.

As empresas RR, às quais os RR jornalistas devidamente identificados nos escritos e nos demais registos informativos, são responsáveis solidariamente com aqueles, dado que não resultou provado que manifestassem oposição aos aludidos trabalhos, não colhendo o argumento recursivo da ausência de prova do seu conhecimento, pois este presume-se e não foi afastada a presunção; assim o preceitua o artº24, nº2 do Dec-Lei nº85-C/76, de 26/2.

Finalmente, as Rés […], apesar de declinarem a sua responsabilidade, soçobram na alegação, visto que tal como os demais jornalistas, resultou provado que a primeira foi autora da notícia e a segunda comentadora da mesma notícia e assim pelas razões já referenciadas respondem pelos danos causados e, em consequência, a Radiodifusão e RTP.    

Um último argumento recursivo por banda do Réu ( e do chamado […], segundo o qual, não sendo afinal confirmado que a autora estava contaminada por sida, a divulgação de facto não verdadeiro retira a ilicitude da divulgação, suportando-se no texto de Manuel de Costa Andrade.

Sem sombra de razão, porém, pois que o insigne penalista afirma na obra e local citados (19), algo bem diferente do enunciado, isto é, que ao contrário dos crimes contra a honra, nos delitos contra a privacidade, a verdade dos factos não constituiu razão dirimente para a responsabilidade penal: “ (….) Bem vistas as coisas, é precisamente a verdade dos factos que, em rigor, configura a danosidade social destes crimes e fundamenta a respectiva ilicitude material. (….) O que constitui o arquétipo do sacrifício da esfera íntima é a afirmação indiscreta, independentemente da sua verdade ou inverdade.”

Por outras palavras, não é possível, que dali se extraia a ilação para o que ao caso importa, que tal como se provou que autora e as nascituras não estavam contaminadas pelo vírus da sida, não existiria lesão e responsabilidade da divulgação de tal informação, ainda que inverídica, elemento absolutamente indiferente porquanto, não só aquando da rectificação posterior ou esclarecimento do sucedido, a lesão do direito de personalidade está consumado, e a indiscrição cometida.      

4. Quantum indemnizatório

Vejamos agora, configurada a obrigação de indemnizar dos réus pela violação do direito à reserva da vida privada da autora.

À luz da factualidade que resultou provada conclui-se sem embaraço, que as consequências resultantes para a autora e as repercussões na sua vida privada e familiar, directamente associadas à conduta dos RR ultrapassam os meros incómodos ou contratempos sem relevância jurídica, constituindo, ao invés, lesões suficientemente graves do direito de personalidade que clamam protecção jurídica.

Resulta, aliás, da matéria dada como provada, que ao tempo da ocorrência, as entidades locais reconheceram os danos provocados na autora e família pela divulgação da informação em causa, tendo destacado a necessidade de prestar-lhes ajuda que minimizasse os efeitos da segregação resultante.

Estabelece, neste domínio, o art.º 496, nº 1 do C.Civil, que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Quanto à gravidade do dano deverá aferir-se por um padrão objectivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjectivos, resultantes de uma sensibilidade particular, cabendo ao tribunal dizer, em cada caso, se o dano, dada a sua gravidade, merece ou não tutela jurídica (20).

Para além desse carácter sancionatório da indemnização que no caso em apreço não revela acuidade, sendo atenuado o grau de culpa dos agentes, atentas as considerações adrede, o objectivo da reparação dos danos morais é o de proporcionar ao lesado, através do recurso à equidade, “uma compensação ou benefício de ordem material (a única possível), que lhe permite obter prazeres ou distracções - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris”(21).

Deverá, pois, o julgador recorrer à equidade, tendo em atenção os critérios normativos constantes dos art.º. 494º e 496 do C.Civil, fixado equitativamente o montante da indemnização, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Ora, sendo a equidade a expressão da justiça num dado caso concreto, ponderou adequadamente o Tribunal a quo, os danos não patrimoniais da autora? Qual deverá ser, ainda através do recurso à equidade, a medida da compensação ou benefício de ordem material a atribuir à autora?

 Ponderados todos os elementos referidos justapostos à situação sub judice, destacando a natureza dos valores em questão, o período particularmente sensível e frágil da vida da autora em que foi difundida a notícia, o tempo que mediou até à providencial análise que afastou o diagnóstico divulgado, e os elementos factuais que definem a condição económica da autora e dos Réus, entendemos que o valor indemnizatório será mais justo se elevado até ao montante de Euros 18.000,00, contemplando-se a actualização monetária nos juros de mora fixados desde a citação.  

Os Réus e chamados são devedores solidários, nos termos do disposto no artº497, nº1 do CCivil.

Mantendo-se, pois, o demais decidido, improcedem, ou, mostram-se deslocadas todas as demais conclusões aduzidas nos recursos.

IV-DECISÃO

De todo o exposto, decidem em conferência os Juízes deste Tribunal julgar improcedentes as apelações dos RR e  parcialmente procedente a apelação interposta pela Autora, e em consequência, revogar a sentença, condenando os RR e chamados solidariamente a pagarem àquela a indemnização que se fixa em Euros 18.000,00 (dezoito mil euros), acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação e vincendos.

Custas pelos recorrentes na medida do seu decaimento.

Lisboa, 4 de Julho de 2006

Isabel Salgado

Soares Curado

Roque Nogueira




________________________________
1.-Ex. o Ac. STJ de 22/11/2001 in pag,Web e na doutrina, Antunes Varela in Manual de Processo Civil, 1985,pag.687

2.-Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pág. 21.

N3.-Consultar Gomes Canotilho/Vital Moreira , CRP anotada, 1993, pag.58

3.-Capelo de Sousa “A Constituição e os Direitos de Personalidade”, II, pag.93.

4.-Obra citada em 4, e, obra do mesmo autor Lições de Direitos da Personalidade, 1995.

5.-Orlando de Carvalho in Teoria Geral, pag.180.

6.-Diplomas todos eles já revogados, vigorando hoje, respectivamente a Lei 31-A/98, e 4/7;Lei nº2/99, de 13/1 e Lei nº1/99, de 13/1.

7.-Manuel da Costa Andrade in Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, pag.45/6.

8.-Figueiredo Dias in Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português, RLJ 115º, pag.102.

9.-Capelo de Sousa in Direito de Personalidade, pag.99.

10.-Ex.AcSTJ de 26/9/00 in CJSTJ, III, pag.42.

11.-V.concepções objectivista e subjectivista sobre ilicitude , Pessoa Jorge in Ensaio sobre os pressupostos da 11.-responsabilidade civil., pag.63 a 65.

12.-In Das Obrigações em Geral, 6ª, I, pag.502.

13.-Pessoa Jorge, obra citada, pag.68.

14.-In Ac. TC nº 355/97, publicado nos "Acórdãos do Tribunal Constitucional", vol. 37,7

15.-Parecer da PGR de 2/6/05 disponível em www.dgsi.

16.-Antunes Varela in Das Obrigações em Geral , I, 6ª, pag 531.

17.-António S.Geraldes in Temas da Responsabilidade Civil, II, pag.12 e 13.

18.-In Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, 1996, pag.11 e 112.

19.-Almeida Costa in Direito das Obrigações, 1990, pag.484.

20.-Pessoa Jorge, obra citada, pag.375.