Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2098/16.0T8SXL.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
ABUSO DE CONFIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I.– Na interpretação de um contrato de seguro, composto de cláusulas contratuais gerais, deve levar-se em consideração o sentido que um aderente normal, colocado na posição do real declaratário, poderia deduzir do comportamento do predisponente.

II.– Dedicando-se a tomadora do seguro ao comércio e reparação de viaturas automóveis, é de crer que esta, quando segurou a sua frota automóvel pelos chamados “danos próprios”, neles incluindo a cobertura designada de “Furto e Roubo”, pretendia um âmbito de proteção alargado, que cobrisse todas as situações de apropriação ilícita dessas viaturas, sem atentar numa definição rigorosa dos tipos de crime envolvidos.

III.– Não reproduzindo a apólice o texto legal do Código Penal, nem para ele remetendo, para definir as situações abrangidas pela cobertura denominada “Furto ou Roubo”, apenas nela constando que se considera Furto ou Roubo “o desaparecimento, destruição ou deterioração do veículo por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentados ou consumados)”, é legítima a dúvida sobre se na cobertura do seguro se incluem situações definidas no Código Penal como sendo de abuso de confiança.

IV.– Nos termos do n.º 2 do art.º 11.º da LCCG, a dúvida resolve-se em benefício do aderente.

V.– O capital seguro não corresponde ao valor a pagar em caso de sinistro, mas ao valor até ao qual a seguradora se responsabiliza em caso de sinistro.

VI.– Provando-se que um cliente da tomadora do seguro se apropriou de uma viatura àquela pertencente, que lhe fora entregue como carro de substituição, sem se ter apurado o valor dessa viatura à data do seu desaparecimento, deve a seguradora ser condenada no pagamento da indemnização que se liquidar oportunamente, com o máximo equivalente ao capital seguro, que fora o montante peticionado.

(Sumário elaborado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Em 12.10.2016 Aníbal, Lda, intentou ação declarativa de condenação contra Companhia de Seguros, S.A., atualmente, S S.A..

A A. alegou, em síntese, que se dedica à compra e venda de automóveis, assim como à respetiva reparação e manutenção, sendo concessionária e reparadora autorizada da marca BMW. Em 28.7.2013 a A. celebrou com a R. um contrato de seguro, denominado “Produto Automóvel – Frotas”, que tinha como objetivo garantir os veículos da frota propriedade da A., os quais se destinavam a serem cedidos aos seus clientes como viaturas de cortesia ou substituição. O referido seguro, além da responsabilidade civil obrigatória tinha ainda a cobertura de danos próprios, nomeadamente em situações de furto ou roubo, com um capital seguro de € 39 471,03 (em relação à viatura objeto da ação). Ora, sucede que em 27.9.2013 a A. entregou a João uma viatura da sua frota, marca BMW, modelo 318d e matrícula …-NS-…, mediante o custo diário de € 57,00, acrescido de IVA, enquanto decorresse a orçamentação e reparação de uma outra viatura, também BMW, pertencente a Vasco, que fora deixada nas oficinas da A. por aquele João. A verdade é que, pese embora a insistência da A., nunca foi paga a caução exigida para a reparação da dita viatura, pelo que a A. não procedeu à mesma. Por outro lado, o BMW …-NS-… não foi devolvido à A., tendo esta deduzido queixa-crime contra o referido João, que foi absolvido com base no princípio in dúbio pro reo. Ora, a A. acionou o seguro que celebrara com a R., mas esta recusa-se a cumpri-lo, alegando que a situação em causa é um abuso de confiança, e que o abuso de confiança está excluído do âmbito do seguro contratado. Porém, a A., ao celebrar o aludido contrato, pretendia segurar o risco de perda do veículo, por apropriação de alguém, sem pensar no tipo de crime que essa apropriação pudesse assumir. O contrato em causa é um contrato de adesão e cabia à R. esclarecer devidamente a A. quanto à sua abrangência, nomeadamente, se fora o caso, quanto à exclusão de situações de abuso de confiança – o que não sucedeu. Atendendo às regras de interpretação das cláusulas contratuais gerais, deve ter-se incluída a presente situação no âmbito do contrato. A R. deve, pois, pagar à A. a quantia de € 39 471,03, correspondente ao valor do capital seguro pela referida cobertura.

A A. terminou pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 39 471,03, acrescida de juros comerciais legais, contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento.

A R. contestou, alegando que, conforme resulta do clausulado na apólice respetiva, esta não cobria situações como a dos autos, de abuso de confiança. Mais assacou à A. responsabilidade no ocorrido, por falta de cuidado, e questionou os danos alegados pela A., por não ter interpelado Artur, a mando de quem o dito João disse ter agido, para restituir a viatura.

A R. concluiu pela improcedência da ação, por não provada.

Foi proferido saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizou-se audiência final e em 28.6.2017 foi proferida sentença que julgou a ação procedente e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 39 471,03, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva fixada para os juros comerciais, contados desde a citação.

A R. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
a.- Os factos dados como provados terão que ser alterados, como resulta da motivação;
b.- O douto Tribunal a quo assentou, essencialmente, a douta Decisão Condenatória, essencialmente, nas Declarações de Parte de Aníbal, representante legal da Autora;
c.- As quais estão em contradição com o depoimento de Nuno, que exerce o cargo de Director Geral na estrutura empresarial da Autora e é Sócio da mesma, desde 2002;
d.- Com todo o devido e merecido respeito, deveria o Douto Tribunal a quo ter avaliado com a máxima cautela o depoimento do legal representante da Autora que, no caso até se repetiu, dando-lhe a oportunidade de “emendar a mão”;
e.- A própria qualidade de parte só por si, levaria a alguma desconsideração do seu depoimento que foi, no entender da Recorrente, desapoiado de documentos e desconforme com os testemunhos dos próprios funcionários e SÓCIO, os quais foram prestados em sessão anterior;
f.- Também, a Mmª Juiz a quo optou por atribuir credibilidade à testemunha Nuno para prova de alguns factos e retirou-lhe essa credibilidade no tocante às negociações do contrato de seguro, o que não se compreende.
g.- Ficou provado nos factos 17) e 18) sob a epígrafe Factos Provados, que a própria Recorrida ora Autora participou a factualidade ocorrida como abuso de confiança, pois ao contrário do que o Douto Tribunal a quo faz constar da sua douta fundamentação, a Autora ora Recorrida conhecia as definições legais constantes da apólice e aceitou-as;
h.- Embora o regime das cláusulas contratuais gerais vise a protecção da parte mais fraca – por norma, o cliente – sucede que, a Autora conhecia e aceitou a linguagem jurídica da apólice, sabendo das suas consequências;
i.- Não pode a douta Sentença julgar procedente a acção com base na noção de que um contrato de seguro cobre todas as formas de desaparecimento de um veículo, concretamente, factos que consubstanciam o crime de abuso de confiança – que neste caso não existiu;
j.- E não se diga que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário não interpretaria as noções de furto ou roubo sem se reportar à respectiva definição legal, pois os próprios conceitos são reconduzidos a essa definição, quando empregues conjuntamente, pois de outro modo não seriam distinguíveis;
k.- Da matéria dada como provada, não resultam sequer os factos atinentes às negociações do contrato de seguro e que foram elencados na fundamentação, os quais resultam dos testemunhos de Nuno e das Declarações de Parte da Autora: 26) Existiram várias reuniões para discutir os seguros entre a Ré Seguradora e Autora 27) Durante as negociações onde foram discutidas as coberturas do contrato de seguro, mantidas com a Ré seguradora, a Autora foi assessorada por jurista 28) A imposição das coberturas de seguro a contratar para veículos de cortesia – no qual se inclui o veículo aqui em apreço – é determinada pela BMW e foi imposta à Ré seguradora nesses termos 29) A Autora preferiu negociar o seguro com a Ré seguradora, em virtude da relação negocial preexistente.;
l.- Resulta das declarações prestadas pelo legal representante da Autora, que, o mesmo não noção concreta dos factos em discussão, recorrendo diversas vezes a expressões vagas sem responder assertivamente às questões;
m.- É, portanto, e com todo o devido e merecido respeito, quase incrível que se tenha neste processo dado como provado que o seguro em apreço foi negociado, exclusivamente, por Aníbal, representante legal da A., o qual afirma não possuir conhecimentos técnico-legais, ao ponto de não distinguir os conceitos de Furto e de Abuso de confiança;
n.- Quanto aos Danos alegados, não existe na douta sentença, nomeadamente, nos Factos Provados ou Fundamentação da Matéria de Facto qualquer alusão ao valor do veículo, alegadamente, “desaparecido”;
o.- Ainda que a viatura de cortesia em causa tivesse, à data do suposto desaparecimento, o valor comercial correspondente ao máximo do capital seguro (€ 39.471,03) – o que não se admite, pois o sector automóvel, mais a mais tratando-se de uma viatura de trabalho, está em constante desvalorização – a Autora mantém nas suas instalações a viatura entregue para reparação, sobre a qual tem direito de retenção.
p.- Mal andou a sentença recorrida ao decidir como provado danos, cuja fundamentação de facto se ignora, bem como, se algum ténue indício se retira do valor dos danos terá que ser no sentido de que os mesmos não atingiriam nunca o valor do capital seguro.
q.- Não resulta que a Recorrida tenha demonstrada a existência de danos, pelo que, não pode o Tribunal conceder nem dar como provado qualquer facto a esse respeito;
r.- Conforme supra se alegou, a sentença fixa o valor dos danos a indemnizar pela Ré Recorrente, sem que da sua fundamentação de facto ou Factos Provados conste que o valor comercial da viatura subtraída correspondia ao valor limite do capital seguro;
s.- De facto, a própria decisão induz o leitor em erro quando afirma que, “a Autora peticiona uma indemnização no montante total de €3.904,03, referente ao valor da reparação do veículo (frente e traseira) que suportou, e que resultou provado.
t.- Como já acima referimos, estão incluídos na cobertura da apólice os danos respeitantes ao desaparecimento da viatura.
u.- Revertendo ao caso em apreço, verificamos que a autora alegou e logrou provar um prejuízo de € 39.471,03, limitando a indeminização ao montante do capital seguro, o qual não foi posto em causa”.
v.- No entanto, consta dos factos provados que, a Autora não procedeu à reparação do veículo EQ, cfr. facto provado 15).
w.- Acrescendo ao facto de não existir suporte fáctico da decisão que condena a Recorrida no pagamento de € 39.471,03, afirma a douta sentença que a Autora peticionou o montante total de €3.904,03 e suportou esses custos com a reparação do veículo EQ;
x.- Estando em clara contradição com a matéria de facto provada;
y.- Sucede que laborou em erro o douto juiz a quo, pois se por um lado considera que “efectivamente, o contrato estabelece de forma inequívoca a cobertura de situações de furto, roubo ou furto de uso (tentados ou consumados), mas já não inclui o abuso de confiança”;
z.- Por outro, vem dizer que “é igualmente certo que nas cláusulas de exclusão não se mostra contemplada qualquer situação de abuso de confiança”.
aa.- O que não corresponde à verdade, pois conforme supra se explicitou consta da Cláusula 3ª al. b) da Epígrafe “Furto ou Roubo”, nas Condições Especiais da apólice celebrada entre a Ré seguradora e a Autora que “Não ficam garantidas ao abrigo da presente condição especial as seguintes situações: b) furto ou roubo cometido por pessoas que coabitem ou dependam economicamente do Tomador do Seguro/Segurado, pessoas que se encontrem ao seu serviço”.
bb.- Isto é, a apólice excluí qualquer situação em que existe especial proximidade dos autores do furto ou roubo com o segurado, em virtude de relação pessoal ou profissional.
cc.- Nessa conformidade, naturalmente, estariam excluídas situações em que o título da posse do veículo seria legítimo e o seu possuidor lhe deu um destino diferente daquele para o qual foi confiada.
dd.- A título de exemplo, caso de um dos funcionários da Autora decidisse, ao abrigo do seu cargo profissional, levar um veículo seguro das instalações da Autora e “desaparecer” com o mesmo, tal situação estaria excluída das coberturas da apólice ao abrigo da claúsula supra referida.
ee.- Pelo que, salvo o devido respeito não corretamente apreciado o texto da apólice pelo Tribunal a quo.
ff.- Também, não pode ter-se como líquido que a Autora e os seus representantes possam ser colocados na posição de um declaratário normal, pois desenvolvem actividade comercial de um grupo de média/grande dimensão no sector da comercialização de automóveis.
gg.- De facto, conforme consta do Doc.1 junto com a P.I., o qual consubstancia certidão comercial da Autora – também cfr. facto provado 1 – esta tem um capital social de um milhão de Euros, o que está bastante longe de se ter como uma parte “fraca” no contexto do tecido empresarial português.
hh.- Pelo que, se retira das declarações da testemunha Nuno e, apesar de tudo das declarações de parte – onde o representante legal nunca admitiu estar sozinho - as negociações do contrato de seguro foram assessoradas, da parte da Autora por pessoas com conhecimentos em Direito e, plenamente, capazes de diferenciar situações de furto, roubo e abuso de confiança, conforme estão legalmente consagradas.
ii.- Ainda que assim não se considere, a vontade real da Autora, foi imposta por instruções da marca que financiou a aquisição das viaturas de cortesia, a BMW.
jj.- Ora, se foi a BMW que impôs as coberturas da apólice à Autora, pode estar em causa perante uma aplicação directa – e cega - do regime das cláusulas contratuais gerais.
kk.- Porquanto, o tomador de seguro aqui Autora pretendeu impor à seguradora um esquema de coberturas pré-elaborado por si, conforme afirmou a testemunha Nuno, apenas procurando esta seguradora em virtude das vantagens comerciais que a relação preexistente entre ambos poderia trazer, como por exemplo um prémio de seguro mais baixo.
ll.- Conforme resultou dos testemunhos de Nuno e Eduardo, a cobertura de situações que integrem o crime de abuso de confiança não é prática da Ré nem do mercado segurador em Portugal.
mm.- Neste caso, a exposição ao risco por parte da seguradora seria incomportável, pois se permite à proliferação de casos de fraude de seguro.
nn.- Também, poder-se-á colocar em crise a configuração do sinistro como integradora de uma situação de abuso de confiança, porquanto não existiu qualquer condenação por
oo.- Resulta então que, o presumível autor do crime de abuso de confiança foi absolvido da prática dos crimes que lhe foram imputados nem se apurou quem os praticou.
pp.- Pelo que, estará aqui o douto Tribunal a quo a integrar uma situação que, não tem a mínima correspondência com a realidade.

A apelante terminou pedindo que a sentença recorrida fosse revogada, alterando-se a matéria de facto provada em conformidade com o alegado, absolvendo-se a R. da totalidade dos pedidos formulados.

A R. contra-alegou, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1– Vem a Recorrente, nas alegações de recurso, insurgir-se contra a sentença recorrida, quer no que respeita à matéria de facto dada como provada, quer no que respeita ao enquadramento jurídico efectuado à mesma, por entender ter havido erro na apreciação da prova e erro na aplicação do direito, considerando ainda a sentença nula, nos termos das alíneas c) e d) do Art.º 615.º do CPC.
2– Não assiste qualquer razão à Recorrente, carecendo em absoluto de fundamento, o recurso ora interposto, pois que a sentença em apreço não merece qualquer censura.
3– Insurge-se a Recorrente com a livre apreciação da prova efectuada pelo tribunal “a quo, nomeadamente no que respeita ao depoimento das testemunhas Nuno e às declarações de parte de Aníbal, representante legal da Autora. Mais uma vez não assiste qualquer razão à Recorrente.
4– A Testemunha Nuno, não exerce qualquer função jurídica na AMG car, nem nunca foi pelo mesmo, ou por outrem, afirmado que o mesmo teria tido intervenção na qualidade de assessor jurídico na celebração do contrato de seguro.
5– Por outro lado, quando questionado quanto à sua formação académica, tendo o mesmo respondido “Jurista”, tal não significa que o mesmo seja sequer licenciado em Direito. Pode ter frequentado o curso de direito e nunca o ter terminado.
6– Em momento algum do seu depoimento, afirmou que foi ele, em exclusivo, quem negociou o contrato de seguro com a Tranquilidade, afirmou sim que a sua intervenção tinha sido limitada a uma fase inicial e apenas no sentido de esclarecer o que era pretendido no que à BMW dizia respeito, atendo ao elevado valor da frota que havia de ser segura.
7– Também afirmou categoricamente que nunca lhe foi dito que a situação do abuso de confiança estava expressamente excluída do contrato, bem como nunca lhe foram explicadas as clausulas, estando por isso convencido que a situação – abuso de confiança - estava coberta pelo contrato de seguro.
8– Acresce que afirmar-se que se tem noção que furto, furto de uso e abuso de confiança são coisas diferentes, não significa, nem pode significar que, por um lado, do ponto de vista técnico jurídico saiba a definição legal de cada um dos conceitos, ou sequer a diferença entre cada uma delas e muito menos concluir-se que estava plenamente esclarecido que a cobertura abuso de confiança se encontrava excluída da apólice.
9– Esta questão até poderia colocar-se de forma relevante se, do clausulado da apólice, resultasse como exclusão expressa situações de “Abuso de Confiança”, - como aliás acontece com algumas situações que se encontram expressamente excluídas - mas em nenhuma cláusula do contrato desta apólice surge a expressão “Abuso de Confiança”.
10– Pelo que não vislumbra a Recorrida, de que outra forma haveria o Tribunal “à quo”, valorar o depoimento desta testemunha. Muito menos como e em que momento, o mesmo entra em contradição com as declarações de parte de Aníbal, sócio gerente da Autora.
11– Sendo por isso de manter, todos os factos dados como provados pelo Tribunal “a quo”.
12– No que respeita à Declarações de Parte, prestadas por Aníbal nos termos e para os efeitos do art.º 466 do CPC, sempre se dirá que as mesmas foram, no que à negociação do contrato de seguro respeita, mais do que consistentes.
13– Foi afirmado pelo mesmo, e não existe qualquer outra prova feita em contrário, que o contrato de seguro foi celebrado por si e consigo há cerca de 15 anos.
14– Pelo mesmo, foi ainda amplamente explicado o que pretendia quando celebrou o seguro, tendo dito que não se recordava se o Nuno tinha ou não estado presente em alguma das reuniões, admitindo que sim, que eventualmente pudesse estar, mas não na qualidade de assessor jurídico, função que não existe sequer na estrutura da Recorrente.
15– Foi categoricamente afirmado pelo mesmo que nada se passa naquela empresa, de relevante entenda-se, sem o seu conhecimento.
O próprio afirmou que o que pretendia ao contratar o seguro era cobrir as viaturas contra todos os riscos. De outra forma não fazia sentido contratar um seguro tão caro.
16– Pelo que forçoso é concluir que andou bem o Tribunal “a quo” na valoração que fez do depoimento da testemunha Nuno Paiva, e das declarações de parte do sócio gerente da Recorrida, prerrogativa aliás que lhe é concedida pelo n.º 5 do artigo 607.º do CPC, não havendo qualquer motivo para a alteração da matéria de facto dada como provada, tal como pretendido pela Recorrente.
17– No que concerne à prova documental a convicção do Tribunal firmou-se, e bem, na análise efectuada à apólice contratada entre as partes.
18– Basta uma leitura do clausulado da mesma, para se concluir que a cobertura “Abuso de Confiança”, em momento algum, surge inequivocamente com exclusão da apólice.
19– Existem muitas outras exclusões perfeitamente clarificadas, algumas até foram referidas pelo sócio gerente da Recorrida (Clausula 3.ª alínea b) da Epigrafe “Furto ou Roubo” das condições especiais), mas o abuso de confiança não é uma delas.
20– Bem refere a sentença recorrida, que os próprios conceitos utilizados na elaboração do clausulado da apólice não se reportam à definição legal prevista na tipificação dos referidos crimes no código penal, nomeadamente nos artigos 203.º e 210 do referido código.
21– Pelo que, legalmente, há que interpretar a vontade negocial das partes à data da celebração do referido contrato de seguro.
22– Ora, considerando a actividade comercial da recorrida, existe o risco quase diário de desaparecimento de uma das viaturas da frota através da figura jurídica do “abuso de confiança” e a Recorrente bem o sabe. Pelo que quando o seguro foi contratado, a vontade negocial da Recorrida era cobrir o risco de desaparecimento do mesmo, independentemente da forma jurídica de crime que esse desaparecimento viesse a assumir.
23– Mais, não existem medidas verdadeiramente eficazes para prevenir que estas situações aconteçam. A única seria o Cliente deixar uma caução no valor de carro que levasse, o que é logicamente, impraticável.
24– Pelo que a Recorrida está, diariamente, exposta a este tipo de risco, motivo pelo qual faz todo o sentido que contrate um seguro que cubra o desaparecimento da viatura independentemente do tipo legal de crime que esse desaparecimento venha a consubstanciar.
25– Considerando que, o contrato de seguro, configura o típico contrato de adesão, há que na sua interpretação, aplicar o diploma das Clausulas Contratuais Gerais, Lei 446/85 de 25/10, mormente o seu artigo 10.º conjugado com os art.º 236.º e 238.º do Código Civil, e deste modo concluir-se que, aquando da celebração do contrato de seguro, o que a Recorrida pretendia era segurar a viatura contra o risco de desaparecimento.
26– Por fim e no que à alegada nulidade da sentença respeita sempre se dirá que não vislumbra a Recorrida de que forma pode a presente sentença ser nula com os fundamentos utilizados pela Recorrente.
27– A sentença recorrida condenou a Recorrente, precisamente no montante peticionado pela Recorrida. Se a Recorrente entendia que, o valor da indemnização, não havia se ser esse mas outro, por eventual desvalorização da viatura segura, teve oportunidade de o fazer em sede de contestação, o que não aconteceu. Em momento algum, a ora Recorrente pôs em causa o valor do capital seguro.
28– Vir agora, em sede de recurso, insurgir-se quanto ao valor em que foi condenada que corresponde, nem mais nem menos, ao que foi peticionado pela Recorrida é, do ponto de vista processual, inadmissível.
29– Assim a sentença recorrida decidiu bem de facto e de direito, devendo nessa circunstância, manter-se inalterada.

A apelada terminou pedindo que o recurso fosse julgado improcedente, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO.
As questões que se suscitam no recurso, face às respetivas conclusões (art.º 635.º n.º 4 do CPC) e sem prejuízo daqueloutras que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2 e 663.º n.º 2 do CPC), são as seguintes: impugnação da matéria de facto; se o seguro contratado abarca situações de abuso de confiança; no caso de resposta positiva a esta questão, qual o dano a ressarcir.

Primeira questão (impugnação da matéria de facto)

O tribunal a quo deu como provada a seguinte.

Matéria de facto.
1)- A Autora é uma sociedade por quotas, cujo objecto social consiste na compra e venda de automóveis e acessórios, importação de veículos automóveis, compra e venda de combustíveis, reparação e manutenção de veículos automóveis – (art. 1 e doc. 1 da p.i.).
2)- A Ré exerce a sua actividade no ramo dos seguros - (art. 2 da p.i. e 1 da contestação).
3)- A Autora celebrou com a Ré acordo intitulado “PRODUTO AUTOMÓVEL – FROTAS”, no âmbito do qual transferiu para a Ré, através da apólice n.º 0002192434, com início de vigência em 28.07.2013, a responsabilidade, pelo risco de danos próprios, dos veículos que compõem a sua frota automóvel – (art. 3 e 4 e doc. 2 e 3 junto cm a p.i.).
4)- O referido acordo regula-se pelas condições particulares aí exaradas e pelas respectivas condições gerais (art. 3 e doc. 2 e 3 junto com a p.i. e art. 1 e 5 da contestação).
5)- Entre os veículos segurados encontra-se o veículo de matrícula …-NS-… (doravante designado de NS), marca BMW, modelo 318d, com o capital seguro de €39.471,03 (trinta e nove mil, quatrocentos e setenta e um euros, e três cêntimos) (art. 5 e 6 e doc. 2 junto com a p.i., art. 6 e 7 da contestação).
6)- No âmbito do mencionado acordo, na sua cláusula 2ª, alínea b) das condições gerais, consta que “ O presente contrato garante, até aos limites e nas condições legalmente estabelecidas: a satisfação da reparação devida pelos autores de furto, roubo, furto de uso de veículos ou de acidentes de viação dolosamente provocados.”
7)- E na cláusula 2ª das condições especiais estabelece que “ A presente condição especial garante ao segurado o ressarcimento dos danos causados ao veículo seguro por furto ou roubo, quer estes se traduzam no desaparecimento, na destruição ou deterioração do veículo e/ou dos seus componentes, quer na subtracção de peças fixas e indispensáveis à sua utilização.”
8)- Em Setembro de 2013, nas instalações da Autora, nas oficinas da Amora, pessoa que se identificou como sendo Vasco, solicitou os serviços de reparação e manutenção de uma viatura de marca BMW, modelo 335i Coupé, com a matrícula …-EQ-… (doravante designado de EQ) – (art. 6 da p.i.).
9)- Para orçamentação dos trabalhos solicitados pela pessoa referida em 8), necessitava a Autora do período de dois dias, pelo que foi solicitada a disponibilização de viatura de substituição, ao abrigo do programa de mobilidade da BMW – (art. 7 da p.i.).
10)- No dia 27 de Setembro de 2013 João entregou à Autora, nas instalações desta, a viatura identificada em 8) para reparação – (art. 8 da p.i.).
11)- No âmbito do mencionado programa de mobilidade da BMW foi disponibilizada a João a viatura referida em 5), mediante o custo diário de €57,00 (cinquenta e sete euros), quantia acrescida de IVA – ( art. 9 e doc. 4 junto com a p.i.).
12)- A Autora acordou com João, em conformidade com o referido programa de mobilidade, que este procederia à devolução do veículo referido em 5) logo que o orçamento e reparação estivessem concluídos –( art. 10 da p.i.).
13)- A Autora solicitou, por várias vezes, através de e-mail remetido para o endereço joaofrfilipe@gmail.com, o pagamento de caução para poder proceder à reparação e manutenção do veículo EQ – (art. 12 e doc. de fls. 78 a 86 junto com a p.i.).
14)- Em resposta João colocava questões relacionadas com a reparação do veículo, fazendo crer na Autora de que efectivamente pretendia o serviço acordado – (art. 12 da p.i.).
15)- João não efectuou qualquer pagamento referente à solicitada caução, pelo que a Autora não reparou o veículo EQ – (art. 13 da p.i.).
16)- A 04 de Novembro de 2013 a Autora remeteu a João correspondência no âmbito da qual solicitou a entrega, no prazo de 72 horas, do veículo de matrícula …-NS-… – (art. 14 e doc. 6 junto com a p.i.).
17)- A Autora participou criminalmente a falta de entrega do veículo …-NS-…, e requereu a sua apreensão – (art. 15 da p.i.).
18)- Que deu origem ao processo crime que correu termos sob o n.º 3292/13.1TASXL, no âmbito do qual foi deduzida acusação contra João pela prática de factos qualificados como integradores do crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º1, 4 alínea b), do Código Penal – (art. 16 e doc. 7 junto com a p.i.).
19)- João foi absolvido da prática do crime que lhe era imputado atento o princípio do “in dúbio pro reo” – (art. 17 e doc. 7 da p.i.).
20)- O veículo de NS não chegou a ser entregue à Autora nem foi recuperado pelas entidades policiais no âmbito dos pedidos de apreensão – (art. 18 da p.i.).
21)- A Autora desconhece o paradeiro do referido veículo, bem como se o mesmo ainda tem existência física – (art. 19 da p.i.).
22)- A Autora comunicou à Ré o desaparecimento do veículo NS – (art. 20 da p.i.).
23)- A Ré conhecia a actividade desenvolvida pela Autora – (art. 31.º da p.i.).
24)- A Ré comunicou à Autora a não assunção da responsabilidade civil da viatura NS (art. 21 da p.i.) .
25)- A Autora procedeu à entrega do veículo NS sem se ter certificado da propriedade do veículo EQ – (art. 23 da contestação).

O tribunal a quo enunciou ainda o seguinte.

Facto não provado:
a)- No âmbito do mencionado processo, resultou provado que o veículo EQ se encontrava registado em nome de Artur - (art. 16 da contestação e doc. 7 junto com a p.i.).

O Direito.
Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2 alínea a) do art.º 640.º do CPC).

Nesta apelação a recorrente pretende que sejam aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:
26)- Existiram várias reuniões para discutir os seguros entre a Ré Seguradora e Autora;
27)- Durante as negociações onde foram discutidas as coberturas do contrato de seguro, mantidas com a Ré seguradora, a Autora foi assessorada por jurista;
28)- A imposição das coberturas de seguro a contratar para veículos de cortesia – no qual se inclui o veículo aqui em apreço – é determinada pela BMW e foi imposta à Ré seguradora nesses termos;
29)- A Autora preferiu negociar o seguro com a Ré seguradora, em virtude da relação negocial preexistente.

A apelante sustenta a prova de tais factos no depoimento da testemunha Nuno, afirmando que deve ser desconsiderado o depoimento do legal representante da A., Aníbal.

Vejamos.

O tribunal deverá levar em consideração, na determinação da matéria de facto, os factos essenciais que constituem a causa de pedir ou em que se baseiem as exceções invocadas e que tenham sido alegados pelas partes (n.º 1 do art.º 5.º do CPC), os factos complementares ou concretizadores desses, que resultem da instrução da causa e sobre os quais as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar (al. b) do n.º 2 do art.º 5.º) e, ainda, os factos instrumentais que resultem da discussão da causa (ou seja, os factos dos quais se possa inferir a prova de factos essenciais) – art.º 5.º n.º 2 al. a).

Os factos que a apelante pretende incluir na matéria de facto provada têm a ver com as circunstâncias da contratação do seguro sub judice.

Ora, sobre a matéria da contratação do aludido seguro foi alegado, pela A., o seguinte:
a)- O seguro tinha como objetivo garantir os veículos da frota propriedade da Autora, os quais se destinavam a serem cedidos aos seus clientes como viaturas de cortesia ou substituição (art.º 4.º da p.i.);
b)- A A., ao celebrar com a R. o aludido contrato de seguro, “pretendia segurar o risco de perda do veículo, por apropriação de alguém, sem pensar no tipo legal de crime que essa apropriação pudesse assumir” (art.º 22.º da p.i.)
c)- A R. sabia qual a atividade desenvolvida pela A. e sendo o seguro contratado vulgarmente denominado por seguro de frota, era previsível que pudesse ocorrer um sinistro com as características do participado (art.º 23.º da p.i.);
d)- Assim, recaía sobre a R. a obrigação de esclarecer devidamente a Autora relativamente à abrangência, ou não, da referida cobertura de furto ou roubo, referindo expressamente que não incluía situações de abuso de confiança – o que não aconteceu (art.º 24.º da p.i.);
e)- O contrato em causa é um contrato de adesão, onde as cláusulas se encontram pré-definidas pela seguradora, cabendo ao tomador do seguro apenas a possibilidade de incluir ou excluir cláusulas previamente aprovadas por aquela (art.º 25.º da p.i.);
f)- No caso concreto, não foi dada a possibilidade à Autora de negociar uma cláusula “extra” que englobasse além das coberturas de furto ou roubo, também a cobertura de abuso de confiança (art.º 26.º da p.i.);
g)- Porque se fosse possível contratar uma cobertura de abuso de confiança, a Autora teria aceite e subscrito a mesma (art.º 27.º da p.i.).

Na contestação, a R. impugnou o supra referido sob a al. a) (art.º 2.º da contestação) e apodou de meras conclusões, conjeturas ou matéria de direito o supra mencionado nas alíneas b) a g) (art.º 3.º da contestação). Sobre as circunstâncias da contratação do seguro, a R. limitou-se a afirmar que “nunca solicitou a A. à aqui R. quaisquer esclarecimentos sobre este tipo de cobertura da apólice, caso em que lhe teria sido indicado que danos decorrentes do crime de abuso de confiança não estariam cobertos pela mesma.”

Nenhum dos factos agora invocados pela apelante foi alegado pelas partes nos articulados. Contudo, à exceção do indicado sob o n.º 29 (“A Autora preferiu negociar o seguro com a Ré seguradora, em virtude da relação negocial preexistente”), que é irrelevante, admite-se que os restantes possam ser considerados enquanto factos instrumentais, tendentes a contrariar a tese da A. supra esmiuçada, sob as alíneas d) a g).

Apreciemos, então, se tais factos (26, 27 e 28) devem ter-se como provados.

Ouvidos os dois depoimentos invocados pela R. para fundar tais factos, constata-se que:
A testemunha Nuno, Diretor-Geral da A., perguntado pela advogada da A. sobre se a R. sabia qual era a área de atuação da A., qual o seu objeto social, disse que “sim, com certeza, tivemos várias reuniões para discutir os seguros e aquilo que precisávamos”. Perguntado sobre se tinha tido intervenção direta na contratualização, disse que “sim, no início, na ideia mestra daquilo que nós precisávamos, depois isso foi acompanhado, não só pelo presidente do conselho de administração como com outra pessoa interveniente.” Quanto à assessoria jurídica, a testemunha limitou-se, já na parte final do seu depoimento, e por a Sr.ª juíza lhe ter perguntado quais eram as suas habilitações académicas, a dizer que era “jurista”. Porém, nunca disse que na empresa fazia assessoria jurídica ou tinha qualquer incumbência nessa qualidade. O que a testemunha disse foi que se pretendia “ter o mínimo risco possível e imaginário, é uma frota demasiado extensa e, ao contrário do que as pessoas pensam, no setor automóvel, hoje, com muita pressão, trabalhamos com margens muito pequenas, qualquer situação de prejuízo tem um impacto muito grande no nosso resultado…(…). Portanto a ideia foi termos todas as salvaguardas possíveis e imaginárias…” Mais negou que alguma vez a R. lhe tivesse dito que o abuso de confiança estava excluído do seguro. Por outro lado, em parte alguma a testemunha disse que o texto ou exato teor das cláusulas do seguro era imposto pela BMW. O que a BMW impunha é que o seguro da frota tivesse uma ampla cobertura:
Juíza: “Essa cobertura de que falaram, de furto, roubo e furto de uso, é uma imposição da BMW?
Testemunha: “Sim, sim, sim…”

Quanto às declarações de parte, prestadas pelo representante legal da A., Aníbal, não contradizem, de forma relevante, o acima exposto. Denotou desconhecimento quanto às habilitações literárias da testemunha anterior, que qualificou de “Chefe de vendas”. Afirmou que a celebração de todos os contratos passava por ele, embora admitisse que a dita testemunha pudesse estar com ele, como não estar. Disse que a sua intenção, até pelo enorme custo destes contratos, era que os carros ficassem totalmente seguros em qualquer situação. “Furtos, batidas, atropelamentos, tudo, para mim é o “todos os riscos”. Foi assim que me foi explicado, foi assim que me venderam o seguro.” “Sempre me disseram que um seguro contra todos os riscos cobria tudo. Não ia pagar um seguro daqueles se não fosse assim.”

Advogada da A.:Alguma vez alguém da seguradora lhe disse que se emprestasse o carro a alguém e esse alguém desaparecesse com o carro, isso não estava seguro?
Declarante: Não, sôtora. Se me dissessem que se me roubassem o carro a Companhia não se responsabilizava, tirava logo o seguro contra todos os riscos.”

Isto exposto, exceção feita à aparente pluralidade de reuniões para tratar dos seguros (n.º 26), não se confirma a veracidade dos factos invocados pela apelante sob os n.ºs 27 e 28. E o n.º 26, isoladamente considerado, é irrelevante.
Pelo exposto, mantém-se a matéria de facto como definida pelo tribunal a quo.
Segunda questão (se o seguro contratado abarca situações de abuso de confiança)
Provou-se que entre a A. e a R. foi celebrado um contrato de seguro, ou seja, nos termos do art.º 1.º do Regime jurídico do contrato de seguro (RJCS), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, um contrato por efeito do qual “o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente.”

O contrato teve como objeto a assunção, pela R., de vários riscos atinentes a veículos pertencentes à A., assumindo o seguro o nome comercial de “Produto automóvel – Frotas” (n.º 3 da matéria de facto). Conforme resulta da apólice junta aos autos, o contrato cobria o seguro obrigatório de responsabilidade civil, atinente aos veículos da A., e bem assim o seguro de chamados “danos próprios”, respeitantes a tais veículos.

Assim, ficou acordado que o seguro incluiria, além de outras, a cobertura denominada “Furto ou roubo”, pela R. incluída nas “Condições especiais” da apólice.

Na cláusula 1.ª dessa “Condição especial”, sob a epígrafe “Definições”, lê-se o seguinte:
Para efeito da presente Condição Especial considera-se:
FURTO ou ROUBO: O desaparecimento, destruição ou deterioração do veículo por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentados ou consumados).”
Na cláusula 2.ª, sob a epígrafe “Âmbito da cobertura”, lê-se o seguinte:
A presente Condição Especial garante ao Segurado o ressarcimento dos danos causados ao veículo seguro por furto ou roubo, quer estes se traduzam no desaparecimento, na destruição ou deterioração do veículo e/ou dos seus componentes, quer na subtracção de peças fixas e indispensáveis à sua utilização.”
Na cláusula 3.ª, sob a epígrafe “Exclusões”, consta o seguinte:
“…não ficam garantidas ao abrigo da presente Condição Especial as seguintes situações:
(…)
b)- Furto ou roubo cometido por pessoas que coabitem ou dependam economicamente do Tomador do Seguro / Segurado, pessoas que se encontram ao seu serviço, ou por quem, em geral, aqueles sejam civilmente responsáveis.”

Como se viu, a A. entregou a um cliente uma viatura de substituição ou carro de cortesia, viatura a si pertencente, para ser usada por aquele enquanto o automóvel que aquele deixara nas instalações da A. aí permanecesse para reparação (n.ºs 8 a 11 da matéria de facto). A viatura entregue pela A. estava incluída no aludido seguro de frota (n.º 5 da matéria de facto). Ora, sucede que a dita viatura nunca mais foi restituída à A., tendo esta participado o caso às autoridades, que não lograram a recuperação do automóvel (n.ºs 16 a 21 da matéria de facto).

A A. participou o caso à R., mas esta declinou a responsabilidade, por entender que a descrita situação constituía um abuso de confiança e este não se enquadrava na cobertura contratada.

A A. afirma que ao celebrar com a R. o aludido contrato de seguro pretendia segurar o risco de perda do veículo, por apropriação de alguém, sem pensar no tipo legal de crime que essa apropriação pudesse assumir. De resto, sabendo a R. a atividade desenvolvida pela A. e sendo o seguro contratado vulgarmente denominado seguro de frota, era previsível que pudesse ocorrer um sinistro com as características do participado. Para a A., deve ter-se como incluída na cobertura de furto ou roubo contratada todas as situações de perda de um veículo por apropriação indevida, sendo irrelevante a exata qualificação jurídica aplicada a essa conduta.

A R., por sua vez, invoca o texto das supra transcritas cláusulas e as diferenças que existem entre furto, roubo e abuso de confiança.
Na sentença recorrida aplicou-se as regras de interpretação das declarações negociais, com a especificidade própria do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, tendo-se concluído que o sentido adequado a atribuir ao contrato abrange situações de abuso de confiança.

Não divergimos da sentença recorrida.

Dúvidas não há que o contrato em causa é um contrato de adesão, um contrato cujas cláusulas são previamente redigidas pela seguradora, para valer em todos os seus contratos de seguro, cabendo tão só ao tomador do seguro indicar quais as coberturas, previamente configuradas pela predisponente, que pretende contratar.

Aliás, o regime jurídico do contrato de seguro expressamente determina a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais (art.º 3.º).

O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (LCCG – Lei das cláusulas contratuais gerais), previsto pelo Dec.-Lei n.º 446/85, de 25.10 (com as alterações publicitadas), estipula, como princípio geral, que as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.” Remete-se, pois, para o regime geral da interpretação da declaração negocial, previsto nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, devendo levar-se em consideração o sentido que um aderente normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do predisponente. Conforme afirma Almeno de Sá, “recusa-se uma interpretação das condições gerais que obedeça a critérios típicos, uniformes ou generalizantes, consagrando-se ao invés uma orientação que atende à diversidade de circunstâncias e momentos do caso singular, à sua configuração específica e às representações individuais dos contraentes”(Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 2.ª edição, reimpressão, 2005, Almedina, p. 66).

Haverá, por outro lado, que atender ao disposto no art.º 11.º do RJCCG, sob a epígrafe “Cláusulas ambíguas”:
1- As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.
2- Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.
3-(…).“

No fundo, conforme nota Inocêncio Galvão Telles (Manual dos contratos em geral, 4.ª edição, 2002, Coimbra Editora, pp. 323 e 324 e nota 296), o n.º 1 do art.º 11.º não se ocupa de cláusulas ambíguas ou duvidosas, limita-se a esclarecer como devem ser interpretadas as cláusulas contratuais gerais, fazendo aplicação do critério geral contemplado no art.º 236.º do CC. Às cláusulas ambíguas e duvidosas refere-se, sim, o n.º 2 do art.º 11.º, que substitui as soluções do art.º 237.º do CC pela da prevalência do sentido mais favorável ao aderente (no mesmo sentido, cfr. Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, Almedina, p. 302). Entende-se que cabe ao predisponente, que beneficia do uso de cláusulas contratuais predispostas, suportar o risco de alguma ambiguidade (cfr., v.g., Almeno de Sá, ob. cit., p. 67). Nas palavras sugestivas de Almeno de Sá, “diferentemente do que sucede nos comuns contratos individuais, em que o pressuposto é o de que o conteúdo corresponde à vontade comum das partes, as condições gerais são estipulações unilateralmente “postas”, em cuja modelação a contraparte do utilizador não participa. Por isso mesmo a responsabilidade pela sua unívoca inteligibilidade deve suportá-la apenas o utilizador, não sendo razoável esperar-se do cliente que analise locuções ambíguas ou que “lute” por formulações claras.” (ob. cit, p. 68).

Atendendo ao contexto do contrato em causa, às circunstâncias da aderente, que se dedica ao comércio e reparação de viaturas automóveis, é de crer que esta, ao segurar a sua frota automóvel, pretendesse um âmbito de proteção alargado, que cobrisse todas as situações de apropriação ilícita dessas viaturas, sem atentar numa definição rigorosa dos tipos de crime envolvidos. Tal motivação não deveria ser ignorada pela R., que conhecia a atividade desenvolvida pela A. (n.º 23 da matéria de facto).

No Código Penal, os tipos base de furto, roubo e abuso de confiança estão assim regulados:
Artigo 203º
Furto
1- Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2- A tentativa é punível.
3- O procedimento criminal depende de queixa.”
Artigo 205º
Abuso de confiança
1- Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel ou animal que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2- A tentativa é punível.
3- O procedimento criminal depende de queixa.”
Artigo 210º
Roubo
1- Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
(….).

Todas estas condutas constituem crimes contra o património, que se traduzem na apropriação ilícita de bens alheios. No roubo avulta a violência ou constrangimento usados na prática do crime. O tipo de crime de abuso de confiança caracteriza-se, face ao tipo de crime de furto, pela circunstância de o bem apropriado ter sido previamente entregue ao agente, por meio não ilícito. Porém, para o legislador penal, atenta a punição prevista, entre furto e abuso de confiança não existe diferença relevante.

E no Código Penal outras formas de apropriação ilícita de bens alheios se perfilam, como a “apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados”, ou seja, apropriação ilegítima “de coisa ou animal alheios que tenham entrado na posse ou detenção por efeito de força natural, erro, caso fortuito ou por qualquer maneira independente da sua vontade” (art.º 209.º do CP).

Será que a apólice a que se referem estes autos, na definição da cobertura “Furto e Roubo” se quis ater aos estritos termos dos tipos de crime como tal definidos no Código Penal?

Na apólice nada está escrito nesse sentido. Conforme se vê pela transcrição das cláusulas contratuais pertinentes, no contrato não se procede à transcrição do texto do Código Penal, nem se remete para ele. Aliás, existe na apólice flutuação na determinação do âmbito dos termos usados, pois, apesar da epígrafe “Furto e Roubo”, na cobertura expressamente se abrange o furto de uso (cláusula 1.ª). Já na cláusula seguinte, atinente ao “Âmbito da cobertura”, afirma-se que se garante o ressarcimento dos danos causados ao veículo seguro “por furto ou roubo”, não se mencionando o furto de uso que, porém, terá de se considerar abrangido.

É legítima a dúvida sobre se situações, definidas no Código Penal como de abuso de confiança, não estarão abrangidas no conceito de “furto” usado na apólice. O abuso de confiança é uma situação de apropriação ilícita de património alheio, que na linguagem corrente é equiparável ao furto, distinguindo-se do roubo, tal como o furto, pela ausência de violência na concretização da apropriação. Assim, tendo em vista o objetivo visado com o seguro, é natural que o aderente normal, colocado na posição real da ora A., interprete os termos das ditas cláusulas nelas integrando, para além de situações penalmente definidas como furto, furto de uso e roubo, casos penalmente definidos como de abuso de confiança. A teia formada, no texto do contrato, pelos conceitos de furto, roubo e furto de uso, apanhará no seu fio situações que extravasam o mero significado dos tipos de crime previstos no Código Penal com aquelas designações, alargando-se a outras situações de apropriação ilícita de património alheio, cabíveis em outros tipos de crime, como o abuso de confiança.

Na dúvida, deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente (n.º 2 do art.º 11.º da LCCG).

Tal como se considerou em situação semelhante, abordada no acórdão da Relação do Porto, de 21.11.2000, processo 0021161 (consultável in www.dgsi.pt).

A cláusula de exclusão (cláusula 3.ª), que exclui da garantia as situações de “b) Furto ou roubo cometido por pessoas que coabitem ou dependam economicamente do Tomador do Seguro / Segurado, pessoas que se encontram ao seu serviço, ou por quem, em geral, aqueles sejam civilmente responsáveis” não bole com o supra exposto. Com ela visa-se retirar da garantia apropriações ilícitas praticadas por indivíduos especialmente ligados ao tomador do seguro, seja por determinados laços pessoais (coabitação ou dependência económica), seja por razões profissionais (pessoas que se encontrem ao seu serviço), seja, em geral, por ligações que atribuam ao tomador a responsabilidade civil decorrente de atos praticados por essas pessoas. Tal exclusão, cremos, afetará danos decorrentes não só de furto e roubo, na aceção estritamente penal do termo, praticados por essas pessoas, mas também furtos de uso e abusos de confiança (por essas pessoas praticados).

O caso dos autos, respeitante a um cliente da A., não se integra nestas exclusões.

Concluímos, assim, que nesta parte a apelação é improcedente.

Terceira questão (dano a ressarcir)
A A. peticionou a quantia de € 39 471,03, “correspondente ao valor do capital seguro pela referida cobertura”.

Vejamos.

No contrato de seguro, o capital seguro não corresponde ao valor a pagar em caso de sinistro, mas ao valor até ao qual a seguradora se responsabiliza em caso de sinistro. O valor a pagar dependerá do montante em concreto do dano emergente do sinistro.

Já Cunha Gonçalves, em anotação ao art.º 428.º do Código Comercial, escrevia:
 “…o seguro de cousas é um verdadeiro contrato de indemnização. O segurado não pode pretender, nem receber uma reparação superior ao dano que o sinistro fez ao seu património, porque o seguro não é uma fonte de lucro; é uma garantia de conservação e não um meio de aquisição. Por isso, se êle não tem interesse na cousa segurada, o seguro é nulo (art.º 428.º § 1.º)…” (Comentário ao Código Comercial Português, volume II, pág. 500).

O princípio indemnizatório, que perpassa pelo seguro de danos, e que define o dano efetivo, sofrido pelo segurado, como o limite a ter em conta na prestação devida pelo segurador, visa afastar o seguro da usura, do jogo ou aposta e prevenir a multiplicação de fraudes e desastres, com fitos de enriquecimento (vide, v.g., Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, Almedina, 2013, páginas 748 e 749).

Daí que, no RJCS, “capital seguro”, nos termos do n.º 1 do art.º 49.º, “representa o valor máximo da prestação a pagar pelo segurador por sinistro ou anuidade de seguro, consoante o que esteja estabelecido no contrato.” E, no seguro de danos, sob a epígrafe “Prestação do segurador”, se anuncie que “a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro” (art.º 128.º). Explicitando o art.º 130.º que “no seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro” (n.º 1 do art.º 130.º). Isto sem prejuízo de as partes poderem “acordar no valor do interesse seguro atendível para o cálculo da indemnização, não devendo esse valor ser manifestamente infundado” (n.º 1 do art.º 131.º). Nomeadamente, “as partes podem acordar (…) na fixação de um valor de reconstrução ou de substituição do bem ou em não considerar a depreciação do valor do interesse seguro em função da vetustez ou do uso do bem” (n.º 2 do art.º 131.º).

Está provado que o capital seguro contratado para o veículo desaparecido era de € 39 471,03 (n.º 5 da matéria de facto).

E foi nesse montante que o tribunal a quo condenou a R., para tal aduzindo a seguinte fundamentação:
Como já acima referimos, estão incluídos na cobertura da apólice os danos respeitantes ao desaparecimento da viatura.
Revertendo ao caso em apreço, verificamos que a autora alegou e logrou provar um prejuízo de € 39.471,03, limitando a indemnização ao montante do capital seguro, o qual não foi posto em causa.
Assiste, pois, à Autora, proprietária do veículo sinistrado, o direito a ser indemnizada no montante total de €39.471,03 (trinta e nove mil, quatrocentos e setenta e um euros e três cêntimos).

Ora, se é verdade que se provou que o montante do capital seguro orçava € 39 471,03, também é verdade que na matéria de facto provada nada é dito quanto ao valor do veículo aquando do seu desaparecimento, ou mesmo quanto a eventual acordo entre as partes no que concerne à quantificação desse dano. Sendo certo que, ao nível dos articulados, tal acordo inexiste.

Assim, nesta parte, cremos que cabe parcial razão à apelante, devendo remeter-se para ulterior liquidação a fixação do valor indemnizatório devido pela seguradora, com o limite máximo equivalente ao valor do capital seguro (art.º 609.º n.º 2 do CPC).

Sendo irrelevante, face aos termos do contrato de seguro, que eventualmente nas instalações da A. permaneça uma outra viatura, cuja titularidade aparentemente se ignora (cfr. n.ºs 8 e 10 dos factos provados e facto não provado).

DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e consequentemente revoga-se a sentença recorrida e em sua substituição condena-se a R. a pagar à A. uma indemnização equivalente ao valor do veículo segurado, identificado supra, à data de 27 de setembro de 2013, a liquidar oportunamente, tendo por valor máximo o do capital seguro (€ 39 471,03).
As custas da ação e as da apelação são a cargo de ambas as partes, fixando-se a respetiva proporção em 2/3 a cargo da apelante/R. e 1/3 a cargo da apelada/A. (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).



Lisboa, 24.5.2018



Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins