Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3662/05.0TVLSB.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: CITAÇÃO
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE A DECISÃO
Sumário: Atentos os considerandos do REGULAMENTO 1206/01 DO CONSELHO, as provas em causa podendo ser constituídos ou constituendas (com a prova testemunhal), destinam-se à demonstração da realidade de factos alegados pelas partes - daí a preocupação pelo assegurar da presença das partes na sua apresentação-, e não à demonstração do direito interno de cada um dos Estados Membros da União Europeia.
(V.G.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Inconformado com o teor do despacho do Relator de 15/06/2009 dele reclamou para a conferência ao abrigo do disposto no art.º 700/2 do CPC o Banco, SA, concluindo que deve ser ordenada a citação edital da W... por incerteza das pessoas a citar, em suma alegando:
· A citação edital da W..., LIMITED, foi indeferida na 1.ª instância, com o fundamento de que tendo sido dissolvida a mencionada Sociedade, cabe à Autora provar que a Sociedade tem liquidatários ou sócios que assumam a sua posição de modo a serem citados, não sendo de efectivar a citação edital por ora.
· Perante tal a Autora requereu a citação edital da W... nos termos do art.º 251 do CPC por estarem esgotadas as diligências necessárias à descoberta de quem, face à lei inglesa possa representar a W....
· Tentada a citação da W... nos termos do REGULAMENTO 1348/2000 de 29/05, não logrou êxito, já que a rogatória veio devolvida com a indicação de DEFENDANT NOT KNOWN AT THE GIVEN ADRESS.
· Requerida, foi oportunamente deferida a citação da W..., na pessoa do Dr. C... que apresentou contestação em nome a W... sem contudo juntar procuração outorgada por ela e da qual decorresse ter aquele advogado poderes para receber em sua representação, citações em processos judiciais.
· Requerida por si aos 19/09/06 o desentranhamento da contestação da W... apresentada pelo Dr. C..., a sua notificação pessoal para esclarecer nos autos se a W... ainda se encontrava em actividade ou se já se encontrava dissolvida, o mencionado advogado, escusando-se no segredo profissional não prestou essa informações.
· Por despacho de fls. 474 foi decidido considerar não efectuada a citação da W... e não a vinculando ou comprometendo a contestação de fls. 256 dos autos, ordenar a sua citação edital, solicitar à entidade competente do Reino Unido que facultasse certidão devidamente actualizada do registo comercial da W... de modo a poder aferir-se se esta foi ou não dissolvida e na afirmativa quando.
· A fls. 595 a 607 veio a informação do Reino Unido de que a Sociedade esta dissolvida desde 23.03.2004 e é face a esse situação que a Autor requer a citação edital da Ré por incerteza das pessoas que a possam actualmente representar, dado que essa informação não consta da certidão de registo comercial remetida pela entidade competente do Reino Unido.
· Por essa razão o Banco agravante se não conforma com a afirmação do despacho sob reclamação de que não seria analisada a viabilidade da citação edital da 4.ª Ré como era pretendido era expressamente contido nas conclusões finais da sua alegação de recurso de agravo.
· A pretensão do banco agravante sobre que incidiu o despacho recorrido da 1.ª instância era o de que fosse ordenada a citação edital da W....
· No despacho sob reclamação escapou que já houvera sido tentada a citação da W... com o conteúdo acima referido e não se vê utilidade na repetição das diligências antes feitas;
· O REGULAMENTO 1206/2001 não tem por objecto a obtenção de informações contrariamente ao admitido e pressuposto pelo mesmo despacho.
RM..., SA, recorrida, veio dizer que deve ser totalmente indeferida a reclamação e mantido o despacho reclamado em suma dizendo:
· Numa acção particular foi identificado o próprio legal representante da W... em Portugal.
· Não pode a recorrente obter informações sobre os accionistas da W... ao abrigo do Regulamento Comunitário.
· O mandatário da RM C... não pode por princípios deontológicos revelar factos pessoais e particulares dos seus constituintes.

Apreciando:

AGRAVANTE/AUTORA: Banco..., SA
AGRAVADOS /RÉUS: RM, SA, I..., SA, D..., Lda,; W..., LIMITED
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Todos com os sinais dos autos.
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A Autora propôs contra as Rés acção de processo comum sob a forma ordinária a que deu o valor de € 5.000.000,00, pedindo que se declare a simulação absoluta de vários actos negociais praticados pelas Rés, que identificou, com cancelamento de inscrições registrais dos actos negociais sobre imóveis que também identificou, baseando-se nos factos de fls. 5 a 36.
As 3 primeiras Rés foram citadas e a 1.ª Ré contestou, desconsiderando-se o articulado de fls. 318 e ss. supostamente de contestação da 4.ª Ré, conforme e despacho de 18/2/2008 pelas razões dele constantes, onde, com trânsito em julgado se considerou que a 4:º Ré não foi citada; nesse despacho solicitou-se à entidade competente do Reino Unido que faculte certidão devidamente actualizada do registo comercial da quarta Ré de modo a poder aferir-se a mesma foi ou não dissolvida.
Requerimento do Autor no sentido de ser ordenada a citação edital da 4.ª Ré, arguindo-se que já foi junta informação relativa à dissolução da 4.ª Ré, ignorando a quem entidade competente deve o Tribunal dirigir para obter certidão devidamente actualizada do registo comercial da 4.ª Ré.
Despacho de 8/4/08 no sentido de se ter ordenado já a citação edital apenas para a hipótese de não ter sido dissolvida a 4.ª Ré, havendo que aferir primeiro se assim foi atento o disposto no art.º 195/1/d do CPC, tendo-se ordenado o pedido de informação através do Ministério de Justiça, Direcção-geral de Administração da Justiça.
Ofício de 17/4/09 de fls. 538 devolvendo o ofício do Tribunal recorrido de 10/04/08 no sentido de obter informações relativas à sociedade 4.ª ré, se houve ou não dissolução da mesma, data, certidão, etc., designadamente de tradução.
Novo ofício datado de 29/04/08 conforme fls. 240.
Ofício de fls. 595 da Direcção-geral da Administração da Justiça, datado de 3/10/08, com a devolução, onde consta em inglês, entre o mais, em tradução livre que a W..., LIMITED foi retirada do registo ao abrigo do Acto das Sociedades de 16/3/2004, secção 652(5) e dissolvida conforme informação da London Gazette de 23/3/204 (fls. 597).
Despacho de 3/11/08 relativo a requerimento da Autora anterior, despacho no sentido de ser à Autora que incumbe provar que a 4.ª Ré apesar de dissolvida tem liquidatários ou sócios que assumam a sua posição de modo a serem citados, não sendo de efectivar a citação edital por ora face ao disposto no art.º 195/1/c do CPC, ordenando-se que os autos aguardem requerimento de parte.
Novo requerimento de parte no sentido de se proceder à citação edital da 4.ª Ré pela incerteza das pessoas nos termso do art.º 251 do CPC.
Despacho de 8/1/09 com o seguinte teor sumariado: “Analisados os autos constata-se que a demandante pretende que se proceda à citação edital da quarta Ré, por incerteza das pessoas dos seus representantes ou liquidatários, alegando que para tanto que apesar de a sociedade em causa estar dissolvida se mantém inscrita em seu nome a aquisição de propriedade de um prédio(…) Ora se não há quaisquer dúvidas de que a lei permite a citação edital por incerteza das pessoas a citar, também as mesmas não existem de que necessário é, primeiro, saber se sendo a quarta demandada uma sociedade inglesa, após a sua dissolução mantém personalidade jurídica e se é substituída ou não pelos seus sócios - art.ºs 146, 2, 162 do CSC, sendo que para tal é necessário indagar se à luz da legislação inglesa tal se passa, atento o disposto nos art.ºs 25, 31, 33, n.º 1 e 348 do C. Civil.
Assim e pela forma já anteriormente ordenada, solicite à justiça inglesa que informe:
a) qual o regime das sociedades como a da quarta ré, após a dissolução, ou seja, se tem liquidatários e, na afirmativa, se a liquidação já cessou ou, não tendo cessado, quem são os mesmos;
b) se após a dissolução a mesma mantém personalidade jurídica e se os sócios ou accionistas da mesma respondem pela sociedade em causa ou não e, na afirmativa, quem são os mesmos, tendo em conta, designadamente, o regime legal processual português supra referido, por forma a aferir-se se existe forma de responsabilização após a dissolução;
c) que existindo regime semelhante ao do ordenamento jurídico português, nos seja remetida a máxima informação escrita sobre o mesmo que seja possível(…) Após se analisará o regime inglês e se decidirá se é ou não de proceder à citação edital por incerteza das pessoas.
Após se analisará o regime inglês e se decidirá se é ou não de proceder à citação edital por incerteza das pessoas.”

Inconformado com o despacho de fls. 651 de 8/1/09, dela agravara o Autor em cujas alegações concluira:
1. Sendo a Ré W..., LIMITED, uma sociedade de direito inglês e estando a mesma dissolvida desde 23.3.2004, o facto de a mesma sociedade manter na sua titularidade um imóvel em Portugal não permite que a mesma se tenha por extinta;
2. Já que sempre deverá haver a uma ou mais pessoas ligadas a tal sociedade e a quem interesse a titularidade, e que serão as únicas com legitimidade para promover a sua liquidação;
3. No caso de se desconhecer de todo a identidade de tais pessoas, ou até se as mesmas efectivamente existem, será de ordenar a sua citação edital, com base na incerteza das pessoas a citar e sempre mencionando a sua condição de representantes legais da sociedade aqui quarta ré;
4. Cabendo a sua representação ao Ministério Público, caso ninguém compareça em juízo no prazo concedido para a dita sociedade se defender;
5. O que não pode é solicitar-se à justiça inglesa que forneça indicações sobre o regime do direito inglês para a situação jurídica das sociedades dissolvidas, se mantêm a sua personalidade jurídica e se tem ou não liquidatários e sua identidade;
6. É que os tribunais portugueses apenas poderão solicitar aos tribunais ou autoridades estrangeiras a prática de actos processuais e não pareceres ou informações relativas ao regime jurídico dos respectivos países;
7. E para facilitar essa cooperação entre os Estados Membros da União Europeia foi até publicado o REGULAMENTO (CE) N.º 1206/2001 do CONSELHO, que tem justamente por objecto a cooperação entre os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros no âmbito da obtenção de provas em matéria civil ou mercantil.
8. E seguramente que não cabe nesse âmbito o conjunto de informações que, por via do douto despacho recorrido, se pretende colher das justiças inglesas;
9. O douto despacho recorrido não tem assim cobertura nem fundamento legal;
10. Violando, por errada interpretação e aplicação as disposições dos art.ºs 348, n.º 3 do CCiv e as dos art.ºs 15/1, 16/1, 176/1, 233/6 e 251 do CPC
Conclui pedindo o provimento do recurso a revogação do douto despacho recorrido para efeitos de ser ordenada a citação edital da quarta ré por incerteza das pessoas.
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Aos 9/3/09 a Meritíssima Juíza do Tribunal recorrido manteve o despacho recorrido.
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Aos 26/3/09 foi proferido despacho no sentido de se ordenar a notificação ao ilustre mandatário da 1.ª Ré do recebimento do recurso e das alegações de recurso, após o que a 1.ª Ré, entendendo que “efectivamente não se tratava de matéria no presente recurso que afectasse a posição processual da Ré(…)”suportando-se no art.º 3 do CPC teceu várias considerações, sem conclusão.
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Questão a resolver: Saber se andou bem ou mal o Tribunal recorrido ao solicitar à justiça inglesa que informe o Tribunal recorrido tal como consta das alíneas a), b), c) do despacho recorrido de fls. 651, informações essas relativas ao regime jurídico das sociedades em dissolução em geral, designadamente quanto à manutenção da personalidade jurídica de tais sociedades e regime de responsabilidade e em particular em relação à 4.ª sociedade Ré, quanto à decorrência da liquidação, identidade dos liquidatários. Saber se deveria ter sido ordenada a citação edital.

Os factos a considerar são além dos acima relatados os seguintes:
· Aos 14/07/2005 foi notificado o Ex.mo mandatário judicial da Autora para proceder à tradução da petição inicial e dos documentos que a acompanham com vista à citação da Ré W... nos termos do REGULAMENTO 1348/2000, de 29/05.
· Aos 28/09/2005 ao ilustre mandatário do Autor veio juntar as traduções pedidas.
· Aos 17/10/05 solicitou-se à Direcção-Geral dos Serviços Jurídicos – Cooperação Jurídica Internacional o envio da citação da Ré W... ao abrigo do mencionado REGULAMENTO e onde se pede a citação da W... e consta como endereço: “..., ..., Londres, ... no Reino Unido.
· Com data de entrada de 30/11/05 encontra-se já devolvido o mencionado formulário do REGULAMENTO e nas razões para o não cumprimento da carta consta: DEFENDANT COMPANY NOT KNOWN AT THE ADRESS GIVEN (Ré desconhecida no endereço dado)-fls. 265 a 267.
· Aos 13/12/05 a Autora veio dizer que a a Sociedade Ré em causa identifica-se nos documentos notariais juntos aos autos como tendo a sede social na morada indicada não dispondo os Autores de qualquer outra informação, sendo que nos documentos notariais intervém como seu mandatário e procurador o Dr. C..., mandatário da Ré RM o qual deve ser notificado para esclarecer se a Ré W... tem algum representante em Portugal e a sua identificação ou não tendo se mantém a sua sede social na morada indicada nos autos ou se pelo contrário a transferiu para outro local juntando documentos comprovativos e caso o ilustre mandatário não preste a informação não havendo possibilidade de obter a citação da Ré por qualquer outra via deverá proceder-se à sua citação edital.
· O ilustre mandatário da co-ré RM, o Dr. C... veio por requerimento de 24/01/06 informar que o único domicílio que conhece à co-ré W... é aquele onde se tentou já a citação em Inglaterra e que a sua representação se situa no escritório do seu procurador o Sr. Dr. D..., Advogado, com escritório ...  em Lisboa que a representa em Portugal para todos os efeitos legais.
· Requerimento da Autora de 25/01/06, para se citar a W... na pessoa do Dr. C..., com a indicação expressa de que junte aos autos documento comprovativo de que tem poderes especiais para receber citações em nome da representada e que indique os administradores e gerentes da mesma sociedade e suas moradas e por mera cautela a citação edital da mesma
· Deferido por despacho de 9/02/06 de fls. 311.
· Cumprido por carta registada com A/R dirigida ao ilustre advogado C....
· Requerimento de “contestação” da W..., sem documento de procuração a fls. 315/326 e despacho da Meritíssima Juíza de fls. 227 de 07/06/2006 no sentido de a Ré W... juntar originais, documentos, procuração, comprovativo de pagamento de taxa de justiça.
· Requerimento de RM subscrito pelo ilustre advogado C... no sentido, entre o mais que aqui não releva, de que a contestação de fls. 318 é lapso e que a contestação de fls. 328 (com cabeçalho de Ré RM é comum às co-rés W.. e RM).
· Requerimento da Autora de 7/09/06 a informar que a Sociedade W... foi dissolvida ao abrigo das leis de Inglaterra aos 23/04/04 ignorando-se quem são os seus liquidatários, pelo que requer que seja ordenada a citação edital da mesma, Juntou um documento junto a uma outra execução movida pela Autora contra a RM onde consta essa informação  além do mais como certificado vem a fls. 375/377, um requerimento dirigido ao Meritíssimo Juiz das 3.ª Vara Cível de Lisboa, processo de execução ordinária com o n.º ...., por “Lita Gale Solicitors”, auto indicada firma de advogados inglesa com sede em ..., Londres que entre o mais informa: “(…)Esta firma foi contactada pelo Senhor Dr. C..., advogado com escritório ... em Lisboa para que lhe constituíssemos uma sociedade holding com a denominação W... LIMITED, ora interveniente acidental nos presentes autos, uma sociedade  Holding de Direito Inglês a qual teve como sede a morada dos antigos escritórios desta firma, isto é ...., London, ..., Reino Unido.(…) tentámos contactar o senhor Dr. C... e ainda aqueles que ocupavam os cargos de director e accionista da referida sociedade, ou seja, o Senhor J..., conforme constava dos ficheiros públicos da Conservatória do Registo Comercial de Inglaterra e País de Gales e fizemo-lo por correio normal, registado e telefone sem que tenhamos logrado qualquer resposta. (…)somos pela presente a informar VªEx.ª que a sociedade W... LIMITED foi dissolvida ao abrigo das Leis de Inglaterra e País de Gales aos 23 de Abril de 2004, conforme pode ser verificado com a identificação dos seus directores e accionistas no Web site da Conservatória do Registo Comercial de Inglaterra e País de Gales (www.companieshouse.gov.pt).
· Requerimento da RM de 11/06/06 subscrito pelo ilustre advogado C..., juntando documento, entre o mais dizendo que do 4.º § do mesmo resulta que a mandante W... confere ao ora mandatário todos poderes públicos e/ou privados, feitos e assinados ou executados em nome de representação da mandante entre os quais se devem contar os de receber citação. Documento a fls. 382/383 datado de 23/07/2001, traduzido a fls. 383/384, “Declaration of Trust” datado de 23/07/2001 de fl.s 386, e “Certification os Goodsatnding” de fls. 387.
· Requerimento da Autora de 19/09/06 de fls. 392/395 a referir que a procuração de 23/07/2001 não podia servi para ratificar actos não praticados a essa data, pelo que não se pode considerar citada. Requer o desentranhamento da contestação da W... de fls. 318 e ss. a citação pessoal dela e a notificação do Dr. C... para esclarecer se a W.. foi ou não dissolvida, desde quando. Juntou uma cópia de paginada Internet do mencionado sítio informático do governo britânico on de consta além do mais e traduzido livremente do inglês: “(…) Estado (da W...) : dissolvida; (…) última lista de membros: 14/06/2002; Nomes prévios: Nenhuma informação prévia relativa a nome foi registada nos últimos 20 anos”.
· Requerimento da Autora de 2/10/06 de fls. 448/450 dizendo que foi por mero lapso que se pediu a citação pessoal da W... pois em conformidade com os anteriores requerimentos o que se pretendia era a citação edital da mesma co-ré.
· Requerimento da RM subscrito pelo ilustre advogado C... onde, além do mais, refere não se opor à citação edital da W..., considerando-a todavia desnecessário, dilatório e violador dos princípios da economia e celeridade processual uma vez que as Rés RM e W... declaram expressa e irrevogavelmente que as contestações são comuns (fls. 469/470 de 18/10/06).
· Despacho de 18/02/2008 de fls. 474/475, onde se considera “(…)não efectuada a citação da quarta Ré (W...) e a contestação de fls. 256 dos autos como não sendo da mesma, como aliás a de fls. 318 apresentada sem poderes forenses gerais e que agora é considerada como mero lapso e ordeno a sua citação edital. D.n., solicitando à entidade competente do Reino Unido que nos faculte certidão devidamente actualizada do registo comercial da quarta Ré de modo a poder aferir-se se a mesma foi ou não dissolvida e, na afirmativa, quando uma vez que a sua eventual citação após dissolução implicará a falta de citação da mesma, ainda que por via edital – art.º 195, n.º 1, alínea d) do C.P.C.(…)”.
· Junção aos autos de formulário pela Direcção-Geral da Administração da Justiça de formulário ao abrigo do REGULAMENTO 1206/2001 de 28.5.2001 e novo formulário ao abrigo do mesmo REGULAMENTO onde se pede “Descrição da obtenção de provas informação sobre se a Ré W... LIMITED com sede em ..., ..., Londres, .... em Inglaterra foi ou não dissolvida e, na afirmativa, em que data, solicitando-se ainda certidão. Remete-se cópia de fls. 386, 387, 396 para melhor esclarecimento:”
· A rogatória em causa foi devolvida pelo Supreme Court of England and Wales onde se diz em tradução livre “(…) Cópia do Certificado de dissolução de W... Limited(…)”; Junto veio o mencionado certificado que traduzido a fls. 628 refere “DISSOLVIDO .... W... LIMITED. Esta Sociedade foi cancelada do Registo sob a secção 652(5) da Lei das Sociedades 1985 a 16/03/2004 e dissolvida por notificação na London Gazette datada de 23 de Março de 2004”.-fls. 596/597.”
· A Autora por requerimento de fls. 611 veio pedir a citação edital da W... entre o mais dizendo: “(…) A dita Sociedade de nacionalidade inglesa, embora dissolvida, continua a ser proprietária de um dos imóveis a que se refere a presente acção (…) pelo que o banco autor e a sua associada mantêm o seu interesse na procedência da presente acção quanto ao dito imóvel, sob pena de ele permanecer registado em nome da Ré ora em causa. Ignora-se se existem actualmente, após a sua dissolução, pessoas e/ou entidades nomeadas para proceder à sua liquidação do seu património e o banco autor e sua associada não têm forma de o descobrir, sendo certo que tal situação pode impedir o normal andamento dos presentes autos. (…)( A actual situação processual no que toca à aqui ré em causa, é a da incerteza quanto á pessoa ou pessoas com legitimidade para receber a citação(…) a incerteza das pessoas a citar em representação da Ré W.... LIMITED determina que se proceda à sua citação edital nos termos do disposto no art.º 251 do CPC. Assim pelas razões expostas, requer-se a V.ª Exª se digne ordenar a citação edital da Ré W... LIMITED nos termos do disposto no referido art.º 251 do CPC.”.
· Despacho de 3/11/08 de fls. 639 no sentido de não proceder à citação edital da Ré W..., aguardando que a Autora indique se a W... apesar de dissolvida tem liquidatários ou sócios que assumam a sua posição de modo a serem citados, pois estando a sociedade dissolvida se se empregar a citação edital praticar-se-á acto nulo por força do art.º 195/1/d do CPC.
· Requerimento da Autora de 6/11/08 dizendo que havendo património em nome da W... alguém legal ou contratualmente está incumbida de proceder à liquidação do património, esgotou as possibilidades de descoberta de quem possa face à lei inglesa representar a sociedade na liquidação do património existente, cabe ao Tribunal determinar o conteúdo do direito aplicável e na impossibilidade recorre às regras do direito comum (art.º 348/3 do CCiv), pelo que não estando extinta uma sociedade dissolvida face ao direito português (art.º 146/2 do CCiv) a sua personalidade mantém-se enquanto estiver em liquidação. Deve proceder-se à citação edital por incerteza das pessoas.

Apreciando de direito:
No despacho reclamado entendeu-se que a citação edital não era objecto específico do recurso, sendo que as conclusões de recurso delimitam o seu objecto, salvas as questões de conhecimento oficioso e aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Sendo inquestionável tal entendimento do disposto nos art.ºs 660, n.ºs 1 e 2, 684/3, 514, 288 do CPC, entendem os juízes em conferência que das conclusões 3.ª e 10.ª e sobretudo do termo das conclusões a fls. 371 resulta que o recorrente pretende, na revogação do despacho sob recurso, se aprecie a viabilidade da citação edital da W... por incerteza das pessoas.

Contudo, o despacho recorrido não apreciou a citação edital, o que o despacho de 8/1/2009 expressamente refere e após ter ordenado as diligências que entendeu serem de solicitar à justiça inglesa diz a fls. 651 é: “Após se analisará o regime inglês e se decidirá se é ou não de proceder à citação edital por incerteza das pessoas.”
Ou seja o despacho recorrido não se pronuncia sobre a citação edital da 4.ª Ré, o que o despacho diz é que depois de virem as informações em causa se decidirá sobre a citação edital.
Os Tribunais de recurso não apreciam questões novas, salvo as de conhecimento oficioso que não é manifestamente o caso, os Tribunais de recurso reapreciam as decisões do Tribunal recorrido.
Não se tendo o Tribunal recorrido pronunciado sobre a viabilidade da citação edital, tendo antes diferido para momento posterior o conhecimento da citação edital, tratando-se de questão nova, este Tribunal de recurso não conhecerá dela.
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O art.º 176/1 do C.P.C estatui que pode ser solicitada a outros tribunais ou autoridades por carta precatória ou rogatória a prática de actos processuais, designadamente a prática do acto de citação.
Na União Europeia está em vigor quer em relação a Portugal quer em Relação ao Reino Unido o REGULAMENTO 1348/2000 do Conselho de 29/5/2000, relativamente a citações e notificações de actos judicias e extrajudiciais no espaço da União Europeia.
Não se trata aqui de obter da Autoridade Central ou tribunal competente do Reino Unido da citação da 4.ª Ré, ao abrigo do REGULAMENTO 1348/00 do Conselho, de 29/5/2000, o que o Tribunal recorrido poderia ter realizado, com vantagem adiantamos nós, dado que em última análise é esse acto processual que tem de ser praticado e que impede que o processo avance.
Trata-se de obter informações relativas à situação jurídica das sociedades comerciais dissolvidas, responsabilização das mesmas etc.
Todavia, o que se pretende com o pedido de informações, é citar a 4.ª Ré, uma vez que nem os autos estão em fase de instrução e muito menos em fase decisão final relativamente ao mérito, ou seja à responsabilização da sociedade (matéria discutível, dada a natureza constitutiva da acção onde se pretende ver declarada nula por simulação de uma compra e venda entre essa 4:º Ré e a Ré RM consubstanciada numa escritura de 4/8/2003).
O art.º 1.º do REGULAMENTO 1206/2001 DO CONSELHO de 28/5/2001 estatui no seu n.º 1 que o regulamento é aplicável em matéria civil ou comercial, sempre que um tribunal de um Estado-Membro requeira, nos termos da sua legislação nacional ao tribunal competente de um outro Estado-Membro a obtenção de provas (alínea a)) ou a obtenção de provas directamente noutro Estado-Membro, (alínea b) e art.ºs 3/3 e 17), provas essas que só podem ser requeridas com destino a utilização em processo judicial já pendente ou previsto (art.º 1/2).
O pedido apresentado segundo o formulário A ou quando adequado o formulário H deve especificar, além do mais, no caso de um pedido de depoimento de pessoas o constante na alínea e) do art.º 4/1 e no caso de qualquer outra forma de obtenção de provas os documentos ou outros objectos a examinar (alínea f)).
Dos considerandos iniciais do REGULAMENTO consta além do mais, que “para uma decisão num processo em matéria civil ou comercial pendente num Estado Membro, é muitas vezes necessária a obtenção de provas noutro Estado-Membro(…)”-considerando 7. Mais consta que caso seja previsto pela legislação nacional do Estado-Membro do Tribunal requerente, as partes os seus representante deverão estar presentes na apresentação das provas (considerando 13) e caso seja compatível com a legislação do Estado-membro do tribunal requerente, os representantes do Tribunal requerente, para disporem de uma possibilidade acrescida de apresentação de provas.
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art.º 341 do CCiv), por conseguinte da matéria de facto que não da de direito, matéria aquela que é alegada pelas partes com base nos quais o Tribunal está obrigado a indagar, interpretar e aplicar as regras de direito, como estatuído pelo art.º 664 do CPC. Atentos os considerandos do REGULAMENTO, as provas em causa podendo ser constituídos ou constituendas (com a prova testemunhal), destinam-se à demonstração da realidade de factos alegados pelas partes, daí a preocupação pelo assegurar da presença das partes na sua apresentação.
Por conseguinte o REGULAMENTO visa a agilização de obtenção de provas para uma decisão em matéria civil ou comercial, ou seja a decisão de mérito num processo pendente num Estado-Membro.
Se estiver em causa a prática de um acto processual de citação, usar-se-á o já indicado REGULAMENTO 1348/2000 ou o seu sucessor.
É certo que o Tribunal pode oficiosamente conhecer do direito estrangeiro sempre que este tenha de decidir com base no mesmo (art.º 348/2 do CCiv). E a existência e o conteúdo desse direito podem ser objecto de prova (art.º 348/1 do CCiv). Mas a prova da existência e do conteúdo do direito estrangeiro parece estar afastada do âmbito do REGULAMENTO 1206/2001.
Acresce que não é isso que está em causa nos presentes autos, ou seja, não está em causa que o Tribunal recorrido tenha de decidir com base no direito estrangeiro, o que está em causa é a obtenção de informações com vista ao acto de citação, acto esse que de acordo com o direito processual nacional, ou seja de acordo com o disposto no art.ºs 236 e ss do CPC, mais especificamente as regras dos art.ºs 236, 237 e 247 do CPC, impõe que se observem quanto a entidades estrangeiras os Tratados, convenções Regulamentos comunitários com especial relevância para o indicado acima.
A obtenção de informações sobre determinado regime jurídico de direito societário ou outro não parece constituir objecto do REGULAMENTO.
Vejamos o regime português das sociedades dissolvidas.
A instância suspende-se quando se extinguir uma das partes, sem prejuízo do disposto no art.º 162 do Código das Sociedades Comerciais (art.º276/1/a). A sociedade considera-se extinta mesmo entre os sócios e sem prejuízo dos art.ºs 162 a 164, pelo registo do encerramento da liquidação (art.º 160/2 do C.S.C.)
Junto ao processo documento que prove a extinção de qualquer das partes suspende-se imediatamente a instância (art.º 277/1); as acções em que a Sociedade seja parte continuam após a extinção desta que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos art.ºs 163, n.º 2, 4, e 5 e 164, n.ºs 2 e 5. A instância não se suspende nem é necessária a habilitação - art.º 162/2 do C.S.C
De acordo com o art.º 146/2 do Código das Sociedades Comerciais Português a sociedade em liquidação (a sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação conforme n.º 1 do art.º 146) mantém personalidade jurídica, e conforme o n.º 3 a partir da dissolução à firma da sociedade deve ser aditada a menção “sociedade em liquidação” ou “em liquidação”, podendo a liquidação ser ou não judicial (n.ºs 3 e 4 do art.º 146); salvo cláusula do contrato de sociedade ou declaração em contrário os membros do concelho de administração a sociedade passam a ser liquidatários a partir do momento da dissolução (art.º 151/1 do C.S.C.), podendo qualquer sócio, o conselho fiscal ou credor da sociedade requerer a nomeação judicial de liquidatário na falta de liquidatário (art.º 151/4 do CSC), tendo os liquidatários com as limitações da natureza das suas funções, das disposições especialmente aplicáveis, os mesmos poderes dos membros do órgão de administração da sociedade (art.º 152/1 do C.S.C.), ou seja o poder de receber citação (art.º 231/1). É este o regime do Direito das Sociedades Português mas não se sabe se é esse o regime do Direito Inglês das Sociedades Comerciais pois a Autora, apesar de para tal notificada com a cominação do art.º 51 do CCJ e art.º 348 do CCiv, não indicou ao Tribunal o Direito Estrangeiro.
Trata-se no caso de uma sociedade de direito inglês que se encontra dissolvida e cujo regime legal não vem indicado, designadamente se mantém personalidade jurídica para efeitos de ser citada. O registo comercial inglês da mencionada Sociedade foi cancelado. Isso significa que não existirá enquanto tal mas poderá existir enquanto sociedade em liquidação, tanto mais relevante quanto conforme refere a Autora no seu art.º 58 da p.i. e consta do documento n.º 8 em nome da W... existe registado com apresentação de 13.08.2003 (cfr. fls. 128).
Ou seja, existindo património em nome da Sociedade dissolvida, tendo a Sociedade tido actividade desde 2001 até 2004 segundo o mencionado registo comercial, por isso havendo actividade comercial com créditos e débitos, tem de haver liquidação do activo e do passivo, a menos que isso se tenha verificado aquando da dissolução.
Que a Sociedade dissolvida se pode manter apesar de tal resulta entre outros do disposto no art.º 652 do Companies Act 1986 (ao abrigo do qual a Sociedade em causa foi dissolvida) que a seguir se transcreve, com relevância para a expressão a cheio sob 6 que prevê a responsabilidade de cada gerente, administrador, sócio da Sociedade dissolvida:
(…)
652.
Registrar may strike defunct company off register.— (1) If the registrar of companies has reasonable cause to believe that a company is not carrying on business or in operation, he may send to the company by post a letter inquiring whether the company is carrying on business or in operation.
(2) If the registrar does not within one month of sending the letter receive any answer to it, he shall within 14 days after the expiration of that month send to the company by post a registered letter referring to the first letter, and stating that no answer to it has been received, and that if an answer is not received to the second letter within one month from its date, a notice will be published in the Gazette with a view to striking the company’s name off the register.
(3) If the registrar either receives an answer to the effect that the company is not carrying on business or in operation, or does not within one month after sending the second letter receive any answer, he may publish in the Gazette, and send to the company by post, a notice that at the expiration of 3 months from the date of that notice the name of the company mentioned in it will, unless cause is shown to the contrary, be struck off the register and the company will be dissolved.
(4) If, in a case where a company is being wound up, the registrar has reasonable cause to believe either that no liquidator is acting, or that the affairs of the company are fully wound up, and the returns required to be made by the liquidator have not been made for a period of 6 consecutive months, the registrar shall publish in the Gazette and send to the company or the liquidator (if any) a like notice as is provided in subsection (3).
(5) At the expiration of the time mentioned in the notice the registrar may, unless cause to the contrary is previously shown by the company, strike its name off the register, and shall publish notice of this in the Gazette; and on the publication of that notice in the Gazette the company is dissolved.
(6) However—
(a)the liability (if any) of every director, managing officer and member of the company continues and may be enforced as if the company had not been dissolved, and
(b)nothing in subsection (5) affects the power of the court to wind up a company the name of which has been struck off the register.
(7) A notice to be sent to a liquidator under this section may be addressed to him at his last known place of business; and a letter or notice to be sent under this section to a company may be addressed to the company at its registered office or, if no office has been registered, to the care of some officer of the company.
If there is no officer of the company whose name and address are known to the registrar of companies, the letter or notice may be sent to each of the persons who subscribed the memorandum, addressed to him at the address mentioned in the memorandum.
Solicitada ao Ponto de contacto de Portugal da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial sediada no Conselho Superior da Magistratura informação pertinente sobre o direito inglês nesta veio apenas a indicação de sites governamentais para aferir das regras relativas à dissolução das sociedades (www.companieshouse.gov.uk/about/gbhtml/gpllp3.shtml#ch2) e pesquisa de empresas (wck2.companieshouse.gov.uk.cede7308af39cdface5695cc8c9a7a49/wcframe?name=acessCompanyinfo) e sobre os bens das empresas dissolvidas por acto registral (www.bonavacantia.gov.uk), sites que uma vez consultados não trouxeram informação acrescida àquela de que dispúnhamos designadamente a disposição legal do art.º 652 do Companies Act acima referida.
Existindo património em Portugal em nome da sociedade de direito inglês, discutindo-se validade de acto de aquisição de determinado imóvel que em nome dela se encontra registado, haverá que a citar. Não podendo este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre a citação edital como acima se disse por ser questão nova, tal fica reservado ao Tribunal recorrido com ultima ratio.
Decidindo:
Dando parcial razão à reclamação apresentada acordam os juízes em alterar o despacho de Relator de fls. 10 (699 do recurso), conceder parcial provimento ao agravo, alterar o despacho reclamado, revogar a decisão de 1.ª instância recorrida que se substitui por esta pela qual o Tribunal recorrido deve efectuar as diligências que entender por adequadas com vista à citação da 4.ª Ré, excepto aquelas que ordenou ao abrigo do Reg 1206/2001 por se não enquadrarem nele.
Lxa., 4/2/2010
João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves