Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1975/20.9TXLSB-A.L1-3
Relator: FLORBELA SANTOS A. L. S. SILVA
Descritores: CANCELAMENTO PROVISÓRIO DO REGISTO CRIMINAL
PESSOAS SINGULARES
PESSOAS COLECTIVAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I. O artº 12º da Lei de Identificação Criminal (LIC) ao fazer referência apenas às finalidades previstas nos nºs 5 e 6 do seu artº 10º sem mencionar especificamente a natureza singular do “interessado” que pede o respetivo cancelamento provisório não permite concluir que apenas pessoas singulares possam pedir esse cancelamento.
II. Pergunta-se, então, se o teor da al. b) do artº 12º da LIC não permite inferir essa situação uma vez que ao exigir que “o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado” não estará implícita a situação de estar em causa pessoas singulares por somente estas poderem assumir um comportamento humano apto a revelar uma readaptação.
III. A resposta não é linear uma vez que o artº 12º da LIC tem de ser conjugado com a Lei nº 115/2009[1], mais concretamente com o artº 229º que prevê expressamente a possibilidade de se pedir o cancelamento do registo criminal para “exercício de atividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública”, sendo que o referido artº 229º não distingue entre pessoas coletivas, nem pessoas singulares prevendo ainda a possibilidade do pedido de cancelamento ser efetuado por “representante legal” do interessado.
IV. E compreende-se que assim seja, sob pena de não fazer sentido levar a registo criminal as condenações de pessoas coletivas.
V. Precisamente porque há pessoas coletivas cuja idoneidade é absolutamente essencial para concorrer a concursos públicos e desempenhar funções ou atividades cujo interesse público ou estatal seguido pelo seu objeto social seja relevante, que as suas condenações são levadas a registo.
VI. O que permite concluir que uma pessoa coletiva pode demonstrar a sua idoneidade para exercer a atividade contratual para a qual pretende ser contratada mesmo tendo sido condenada em pena criminal no âmbito de um processo-crime.
VII. O que permite, por sua vez, concluir que o disposto no artº 12º al. b) da LIC pode ser aplicada a pessoas coletivas, podendo estas requerer o cancelamento provisório do respetivo registo criminal.
( Sumário elaborado pela relatora)
[1] Com as sucessivas alterações operadas pelas Leis nºs 33/2010 de 02-09; 40/2010 de 03-09; 21/2013 de 21-02; 94/2017 de 23-08 e 27/2019 de 28-03.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
 
 I. No âmbito de processo de Cancelamento Provisório do Registo Criminal que corre termos pelo Juiz 1 do Juízo de Execução das Penas de Lisboa, do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, sob o nº 1975/20.9TXLSB-A, foi proferido despacho liminar em 1512-2020, com a refª 7841047, constante de fls. 85 e ss, relativamente à arguida Insp... – Centro Técnico de Inspecções a Automóveis, Lda., através do qual foi indeferido o seu pedido de cancelamento provisório de registo nos seguintes termos (transcrição):
“Presentemente, o cancelamento provisório está regulado na disposição legal base contida no artigo 12.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, o qual circunscreve o mecanismo em questão aos casos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º da mesma Lei, disposições que se referem estritamente a pessoas singulares e para os fins aí previstos.
Deste modo, tem necessariamente de se concluir que o mecanismo requerido não é susceptível de extensão às pessoas colectivas, posto que os certificados de registo criminal a estas respeitantes estão sujeitos à disciplina especial do artigo 10.º, n.º 7 da Lei n.º 37/2015. 
E bem se compreende que assim seja. 
Na verdade, não obstante serem dotadas de personalidade jurídica, as pessoas colectivas, como se intui com facilidade, não encerram em si a personalidade humana inerente ao instituto do cancelamento, o qual, para ser decretado, pressupõe a formulação de um juízo de readaptação [artigo 12.º, al. b) da Lei n.º 37/2015], incidente sobre um comportamento subjectivo, que se apresenta como insusceptível de transposição para aquelas entidades.
Decisão:
Face ao exposto, tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, por inadmissibilidade de obtenção do fim pretendido pela requerente …  ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 10.º, n.ºs 5, 6 e 7 e 12.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, e 230.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, indeferimos liminarmente o requerimento apresentado, determinando o arquivamento do processo. (…)”  
II. Inconformada com a decisão liminar de indeferimento, veio a arguida, interpor recurso em 26-01-2021 (refª 1563020), junto a fls. 88 e ss, através do qual oferece as seguintes conclusões:
“A. A ora Recorrente foi notificada da decisão de indeferimento liminar do seu requerimento de CPRC, decisão essa com a referência n.º 7851632, no qual o Tribunal a quo entendeu que tal requerimento seria inadmissível porque as pessoas coletivas não podem beneficiar de CPRC e, bem assim, que tal seria demonstrado pelo facto de o juízo de readaptação previsto na alínea b) do artigo 12.º da LRC não se poder fazer relativamente a pessoas coletivas;
B. Sucede que não procede nenhum dos argumentos avançados pelo Tribunal a quo, desde logo porque tal interpretação afrontaria a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente a proibição de discriminação injustificada entre pessoas singulares e pessoas coletivas que se extrai da conjugação dos artigos 12.º, n.º 2, 13.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Lei Fundamental;
C. Em primeiro lugar, a interpretação do Tribunal a quo não tem em consideração que o artigo 12.º da LRC remete para os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do mesmo diploma só no que tange às finalidades dos certificados referidos nestes últimos;
D. Em lugar algum da decisão se demonstra (por impossibilidade) que tais finalidades não possam ser comuns a pessoas singulares e a pessoas coletivas;
E. Em segundo lugar, a interpretação do Tribunal a quo mistura a questão da não transcrição de decisões condenatórias no registo criminal de pessoas coletivas (n.º 7 do artigo 10.º da LRC) com a possibilidade de tais decisões serem provisoriamente canceladas ao abrigo do artigo 12.º do mesmo diploma;
F. Estas duas situações são inconfundíveis e não concorrem para a justificação das soluções que a lei reserva a uma e a outra;
G. Em terceiro lugar, nada justifica que se reserve o juízo de readaptação previsto na alínea b) do artigo 12.º da LRC apenas a pessoas singulares, já que tal obrigaria a negar a possibilidade de prevenção especial relativamente a pessoas coletivas, a ignorar normas como o artigo 55.º-A, n.º 2, do CCP, e, em última instância, a possibilidade de tais pessoas serem sujeitos de responsabilidade penal, o que é incomportável face ao expresso e pacífico reconhecimento de que as pessoas coletivas são efetivamente sujeitos de responsabilidade penal;
H. Em quarto lugar, a interpretação do Tribunal a quo levaria a uma injustificada discriminação quando confrontada com o artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CCP, uma vez que obrigaria, sem motivo justificável, a que as pessoas coletivas, ao contrário das pessoas singulares, fossem excluídas por mais tempo da participação em procedimentos de contratação pública ou em atividades para as quais a lei remeta os respetivos critérios de idoneidade para o CCP (como é o caso da atividade da Recorrente);
I. A interpretação do Tribunal a quo afronta a norma prevista no artigo 229.º do CEP que não distingue, para efeitos de CPRC, entre pessoas coletivas e pessoas singulares (até parecendo mesmo apontar para a inclusão de ambas as categorias), o que demonstra a fragilidade dos resultados da interpretação sistemática levada a cabo na decisão aqui recorrida;
J. Finalmente, a interpretação do Tribunal a quo é contrária à jurisprudência e às orientações interpretativas dos órgãos de execução da política de justiça, conforme se alcança da decisão do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa (processo 205/18.8TXLSB-A) e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (processo 139/17.3IDLSB-A.L1-9), referidos supra na secção II (Fundamentos).
Nestes termos, e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que:
(i) Declare que não existe nenhum impedimento a que o cancelamento provisório do registo criminal seja pedido por pessoas coletivas, bem como que, 
(ii) Inexistem obstáculos colocados pela natureza de pessoa coletiva à avaliação da verificação dos pressupostos legalmente previstos para o cancelamento provisório do registo criminal, em particular, que o juízo de readaptação previsto na alínea b) do artigo 12.º da LRC é passível de ser realizado por referência a pessoas coletivas.”
III. O recurso foi admitido por despacho de 02-02-2021, com a refª 7952993, constante de fls. 145, tendo sido fixado efeito devolutivo.
IV. Respondeu[1] o MºPº em 18-05-2021, com a refª 1599341 através de requerimento anómalo junto a fls. 151 e ss, pugnando pela procedência do recurso interposto, tendo oferecido os seguintes argumentos:
“O Magistrado do Ministério Público junto deste Juízo, em substituição, a título temporário e excecional, da magistrada afeta aos processos do Juiz 1, no processo à margem identificado, na sequência de notificação da decisão judicial, datada de 18/05/2021 – Referência: 8219084 – de subida dos Autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, após análise dos Autos, vem dizer o seguinte: 
1) Por decisão judicial, datada de 15/12/2020, foi liminarmente indeferido pedido de cancelamento provisório de decisão judicial que consta do CRC da requerente INSP... – CENTRO TÉCNICO INSPECÇÕES A AUTOMÓVEIS, LDA, por entender, no essencial, que o Art. 12º da Lei n.º 37/2015, de 05/05, se reporta, estritamente, a pessoas singulares e, em consequência, foi ordenado o arquivamento dos Autos. 
2) A requerente interpôs recurso da decisão judicial proferida, nos termos e fundamentos constantes da Referência: 1563020. 
3) A Secção lavrou Termo de Notificação ao Ministério Público, datado de 02/02/2021, nos termos e para os efeitos do Art. 413º n.º 1 do C.P. Penal – Referência: 7963737 – que não se mostra assinado. 
4) A Secção lavrou, novo, Termo de Notificação ao Ministério Público, datado de 12/05/2021, para os efeitos aludidos em 3) – Referência: 8204535 – isto é, em data posterior ao termo do prazo de recurso, considerando o período de suspensão dos prazos judiciais, definido pela Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, de levantamento da aludida suspensão, pela Lei n.º 13-B/2021, de 05/04 e ainda o prazo previsto no Art. 139º n.º 5 al. c) do C. P. Civil, com referência aos Arts. 4º do C. P. Penal e 154º do CEPMPL. 
5) Ignora-se a razão da não apresentação de resposta ao requerimento de recurso apresentado pela recorrente, bem como da não assinatura do Temo de notificação aludido em 3). 
6) O processo em referência foi apresentado pela Secção, ao ora subscritor, no dia 12/05/2021. 
7) No dia 13/05/2021, o mandatário da requerente, através da Referência: 8204535, veio suscitar a irregularidade da notificação referida em 4). 
8) Não podemos deixar de concordar com o mandatário da requerente, quanto à irregularidade da notificação feita pela secção, pelas razões legais que expressa. 
9) Saliente-se, ainda, que quanto à questão de direito objeto do recurso da requerente, também não podemos deixar de acompanhar a sua argumentação. 
10) Na verdade, salvo melhor opinião, os requisitos cumulativos exigidos pelo Art. 12º da Lei n.º 37/2015, de 05/05, a saber: 
a) Tenham sido declaradas extintas as penas aplicadas. 
b) Bom comportamento do requerente com a sua readaptação à vida social. 
c) O cumprimento da obrigação de indemnizar o ofendido. aplicam-se quer a pessoas singulares quer a pessoas coletivas, sendo que quanto a estas, no que se refere à demonstração do requisito referido em b)[2], com as devidas adaptações.  
11) Na verdade, é inquestionável a relevância do cancelamento provisório de decisões judiciais no CRC das sociedades, em particular, em sede procedimentos no âmbito da contratação pública, como, “in casu” pretende a requerente/recorrente. 
12) Face à lei, desde de que preenchidos os requisitos referidos em 10) no âmbito da instrução do presente processo, que não foi realizada, o pedido da requerente/recorrente poderá merecer provimento.”   
V. Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto proferido douto parecer em 31-05-2021 (refª 16987303), junto a fls. 159, no qual adere aos argumentos da recorrente bem como à posição do MºPº de 1ª instância.[3]  
VI. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
VII: Analisando e decidindo.
O objecto do recurso, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas conclusões do recurso, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP devendo, contudo, o Tribunal ainda conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º do CPP que possam obstar ao conhecimento do mérito do recurso.4
Das disposições conjugadas dos artºs 368º e 369º, por remissão do artº 424º nº 2, e ainda o disposto no artº 426º, todos do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso, pela seguinte ordem:
1º: das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão, aqui incluindo-se as nulidades previstas no artº 379º e os vícios constantes do artº 410º, ambos do CPP;
2º: das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artº 412º do CPP;
3º: as questões relativas à matéria de Direito.
Está em causa decidir nos autos se uma pessoa colectiva pode ou não pedir o cancelamento provisório do seu registo criminal.
Antes de entrarmos na análise do recurso vejamos, primeiro, os factos que subjazem ao pedido que originou o pedido de cancelamento provisório do registo criminal.
a) a recorrente é uma sociedade por quotas cujo objecto é a realização de inspecções periódicas obrigatórias a veículos automóveis – cfr. certidão comercial de fls. 15 e ss (doc. 1 do r.i.);
b) em 24-07-2013 e ao abrigo do disposto na Lei nº 11/2011 de 26-04, alterada pelo Dec-Lei nº 26/2013 de 19-02, a recorrente celebrou com o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) o respectivo contrato de gestão cuja cópia faz fls. 19 e ss dos autos (doc. 2 do r.i.);
c) no âmbito do procº nº 195/18.7IDLSB, que correu termos no J1 do Juízo Local Criminal de Loures do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, a recorrente, juntamente com a sua gestora de facto, AS____ foram condenadas pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, por apropriação indevida de montantes de IVA, respectivamente, numa pena de 150 dias de multa à razão diária de € 15,00, num total de € 2.250,00 e 80 dias de multa à taxa diária de € 6,00 num total de € 480,00 – cfr. cópia de sentença junta a fls. 31 e ss dos autos (doc. 4 do r.i.)
d) a pena de multa aplicada à recorrente mostra-se extinta em 03-04-2020 – cfr.
certificado do registo criminal junto a fls. 27 e ss (doc. 3 do r.i.);
Vejamos, agora, o objecto do recurso.
A sede legal do instituto em que se enquadra o ojecto dos presentes autos encontra-se na Lei nº 37/2015 de 05-05, que aprova a Lei de Identificação Criminal (LIC), e na Lei 115/2009 de 12-10 que aprova o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).
Com interesse para o que se discute nos presentes autos releva o artº 12º da LIC, que subordinado à epígrafe “cancelamento provisório” dispõe o seguinte:
“Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º 5 pode o tribunal de execução das penas determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, desde que:
a) Já tenham sido extintas as penas aplicadas;
b) O interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e
c) O interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.” – sublinhado nosso
E o artº 229º do CEPMPL, subordinado à epígrafe “finalidade do cancelamento e legitimidade” que diz:
“1 - Para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos, pode ser requerido o cancelamento, total ou parcial, de decisões que devessem constar de certificados de registo criminal emitidos para aqueles fins.
2 - O cancelamento pode ser pedido pelo interessado, pelo representante legal, pelo cônjuge ou por pessoa, de outro ou do mesmo sexo, com quem o condenado mantenha uma relação análoga à dos cônjuges, ou por familiar em requerimento fundamentado, que especifique a finalidade a que se destina o cancelamento, instruído com documento comprovativo do pagamento das indemnizações em que tenha sido condenado.
3 - Na impossibilidade de juntar o documento a que se refere o número anterior, pode ser feita por qualquer outro meio a prova do cumprimento das obrigações de indemnizar, da sua extinção por qualquer meio legal ou da impossibilidade do seu cumprimento.
4 - Com o requerimento podem ser oferecidas testemunhas, até ao máximo de cinco, bem como outros meios de prova da verificação dos pressupostos do cancelamento provisório, previstos na Lei de Identificação Criminal.” – sublinhado nosso
A decisão recorrida assentou a sua fundamentação no entendimento de que o artº 12º da LIC, subordinado ao cancelamento provisório do registo, apenas admite esse cancelamento nas situações previstas no artº 10º nº s 5 e 6 da mesma LIC, situações essas que, no entender do Tribunal a quo, se referem estritamente a pessoas singulares.
E no entendimento de que o artº 12º al. b) do LIC tem por pressuposto a existência de uma personalidade humana, distinta da personalidade jurídica de uma pessoa colectiva, que exige um comportamento subjectivo apto a revelar um juízo de readaptação.
Se numa primeira leitura estes argumentos parecem fazer sentido, a nosso ver, a análise da questão é bem mais complexa.
Vejamos.
Seguindo a orientação estabelecida no artº 9º do Código Civil, da cuidada leitura do artº 12º da LIC o que resulta da sua letra é a delimitação do objecto do pedido de cancelamento provisório do registo criminal quando esteja em causa os fins especificados nos nºs 5 e 6 do artº 10º da mesma LIC.
Ou seja, o artº 12º da LIC não faz referência a pedidos efectuados apenas por pessoas singulares (na realidade não distingue entre pessoas singulares e pessoas colectivas) estando o seu âmbito definido apenas no que tange aos fins visados pelo registo criminal e seu respectivo cancelamento.
É certo que o nº 5 do artº 10º da LIC faz referencia a “pessoas singulares” mas há que compreender que o artº 10º, composto por um total de 9 números, refere-se a várias situações, sendo que no seu nº 4 vem referido o certificado requerido por entidade estrangeira, o seu nº 3 refere-se o registo requerido pelas entidades identificadas no artº 8º nº 2 al.s a) a f), h) e i), nas quais se incluem os magistrados do MºPº e os tribunais, e no nº 7 vem previsto o certificado requerido por pessoas colectivas.
Ou seja, o artº 10º da LIC, cuja epígrafe é precisamente “conteúdo dos certificados” prevê o âmbito de todo e qualquer certificado de acordo com todas as situações em que o certificado de registo criminal possa ser requerido por qualquer entidade, singular ou colectiva, nacional ou estrangeira.
E faz a distinção consoante a natureza da pessoa que requer o registo com o fim de delimitar o âmbito do respectivo registo.
Isto é, a função do artº 10º da LIC é tão só de definir o que deve constar do registo criminal em cada situação delimitada, ou seja, qual o seu conteúdo, sendo que o âmbito do registo varia consoante esteja em causa uma pessoa singular ou colectiva, uma entidade nacional ou estrangeira, um cidadão particular ou um organismo estatal.
Vejamos o que diz o artº 10º da LIC na sua totalidade:
“1 - O certificado do registo criminal identifica a pessoa a quem se refere e certifica os antecedentes criminais vigentes no registo dessa pessoa, ou a sua ausência, de acordo com a finalidade a que se destina o certificado, a qual também é expressamente mencionada.
2 - Não pode constar do certificado do registo criminal qualquer indicação ou referência donde se possa depreender a existência no registo de outros elementos para além dos que devam ser expressamente certificados nos termos da lei, nem qualquer outra menção não contida nos ficheiros centrais do registo criminal e de contumazes.
3 - Os certificados do registo criminal requisitados pelas entidades referidas nas alíneas a) a f), h) e i) do n.º 2 do artigo 8.º para as finalidades aí previstas contêm a transcrição integral do registo criminal vigente.
4 - Os certificados do registo criminal pedidos por autoridades centrais estrangeiras têm o conteúdo previsto no artigo 30.º
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas:
a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública,
proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na
alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;
c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.
6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.
7 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas coletivas ou entidades equiparadas contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes.
8 - Aos certificados do registo criminal pedidos por entidades públicas nos termos do
n.º 3 do artigo 8.º é aplicável o disposto nos n.ºs 5 a 7.
9 - O acesso à informação para a prossecução de fins de investigação científica ou estatísticos processa-se e tem o conteúdo determinado no despacho de autorização, não podendo abranger elementos que permitam identificar qualquer registo individual.”
Ora, o artº 12º da LIC ao fazer referência apenas às finalidades previstas nos nºs 5 e 6 do seu artº 10º sem mencionar especificamente a natureza singular do “interessado” que pede o respectiva cancelamento provisório não permite concluir que apenas pessoas singulares possam pedir esse cancelamento.
Pergunta-se, então, se o teor da al. b) do artº 12º da LIC não permite inferir essa situação uma vez que ao exigir que “o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado” não estará implícita a situação de se estar em causa pessoas singulares por somente estas poderem assumir um comportamento humano apto a revelar uma readaptação.
A resposta não é linear uma vez que o artº 12º da LIC tem de ser conjugado com a Lei nº 115/2009[4], mais concretamente com o já citado artº 229º que prevê expressamente a possibilidade de se pedir o cancelamento do registo criminal para “exercício de actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública”, sendo que o referido artº 229º não distingue entre pessoas colectivas, nem pessoas singulares prevendo ainda a possibilidade do pedido de cancelamento ser efectuado por
“representante legal” do interessado.
E compreende-se que assim seja, sob pena de não fazer sentido levar a registo criminal as condenações de pessoas colectivas.
Qual a finalidade de criar um registo criminal em relação a uma pessoa colectiva se não para “marcar” um comportamento criminoso que lhe tenha sido imputado?
E porque motivo essa informação interessa?
Precisamente porque há pessoas colectivas cuja idoneidade é absolutamente essencial para concorrer a concursos públicos e desempenhar funções ou actividades cujo interesse público ou estatal seguido pelo seu objecto social seja relevante.
É precisamente o caso da recorrente que nos termos do disposto no artº 4º nº 3 da
Lei nº 11/02011 de 26-04, que estabelece o regime jurídico de acesso e de permanência na actividade de inspecção técnica de veículos a motor e seus reboques e o regime de funcionamento dos centros de inspecção, estabelece que:
“Só podem ser entidades gestoras de centro de inspecção as pessoas singulares ou colectivas que não se encontrem em nenhuma das situações referidas no artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de Outubro.”
Ora o artº 55º do Código dos Contratos Públicos (CCP), subordinado à epígrafe
“impedimentos” estabelece o seguinte:
“1 - Não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que:
a) Se encontrem em estado de insolvência, declarada por sentença judicial, em
fase de liquidação, dissolução ou cessação de atividade, sujeitas a qualquer meio preventivo de liquidação de patrimónios ou em qualquer situação análoga, ou tenham o respetivo processo pendente, salvo quando se encontrarem abrangidas ou tenham pendente um plano de recuperação de empresas, judicial ou extrajudicial, previsto na lei;
b) Tenham sido condenadas por sentença transitada em julgado por qualquer crime que afete a sua honorabilidade profissional, no caso de pessoas singulares, ou, no caso de pessoas coletivas, quando tenham sido condenados por aqueles crimes a pessoa coletiva ou os titulares dos seus órgãos sociais de administração, direção ou gerência, e estes se encontrem em efetividade de funções, em qualquer dos casos sem que entretanto tenha ocorrido a respetiva reabilitação;
c) Tenham sido objeto de aplicação de sanção administrativa por falta grave em matéria profissional, se entretanto não tiver ocorrido a sua reabilitação, no caso de se tratar de pessoas singulares, ou, no caso de se tratar de pessoas coletivas, tenham sido objeto de aplicação daquela sanção administrativa os titulares dos órgãos sociais de administração, direção ou gerência das mesmas e estes se encontrem em efetividade de funções;
d) Não tenham a sua situação regularizada relativamente a contribuições para a segurança social em Portugal ou, se for o caso, no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal;
e) Não tenham a sua situação regularizada relativamente a impostos devidos em Portugal ou, se for o caso, no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal;
f) Tenham sido objeto de aplicação de sanção acessória de proibição de participação em procedimentos de contratação pública previstos em legislação especial, nomeadamente nos regimes contraordenacionais em matéria laboral, de concorrência e igualdade e não discriminação, bem como da sanção prevista no artigo 460.º, durante o período fixado na decisão condenatória;
g) Tenham sido objeto de aplicação, há menos de dois anos, de sanção administrativa ou judicial pela utilização ao seu serviço de mão-de-obra legalmente sujeita ao pagamento de impostos e contribuições para a segurança social, não declarada nos termos das normas que imponham essa obrigação, em Portugal ou no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal;
h) Tenham sido condenadas por sentença transitada em julgado por algum dos seguintes crimes, se entretanto não tiver ocorrido a sua reabilitação, no caso de se tratar de pessoas singulares, ou, no caso de se tratar de pessoas coletivas, tenham sido condenados pelos mesmos crimes a pessoa coletiva e os titulares dos seus órgãos sociais de administração, direção ou gerência das mesmas e estes se encontrem em efetividade de funções, se entretanto não tiver ocorrido a sua reabilitação:
i) Participação numa organização criminosa, tal como definida no n.º 1 do artigo 2.º da Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008; ii) Corrupção, tal como definida no artigo 3.º da Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam implicados funcionários da União Europeia ou dos EstadosMembros da União Europeia e no n.º 1 do artigo 2.º da Decisão-Quadro 2003/568/JAI do Conselho, de 22 de julho de 2003, e nos artigos 372.º a 374.º-B do Código Penal; iii) Fraude, na aceção do artigo 1.º da Convenção relativa à Proteção dos Interesses Financeiros das Comunidades Europeias;
iv) Branqueamento de capitais ou financiamento do terrorismo, tal como definidos no artigo 1.º da Diretiva n.º 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo;
v) Infrações terroristas ou infrações relacionadas com um grupo terrorista, tal como definidas nos artigos 3.º e 4.º da Diretiva n.º 2017/541, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2017, relativa à luta contra o terrorismo, ou qualquer infração relacionada com atividades terroristas, incluindo cumplicidade, instigação e tentativa, nos termos do artigo 14.º da referida diretiva; vi) Trabalho infantil e outras formas de tráfico de seres humanos, tal como definidos no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011;
i) Tenham, a qualquer título, prestado, direta ou indiretamente, assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento que lhes confira vantagem que falseie as condições normais de concorrência;
j) Tenham diligenciado no sentido de influenciar indevidamente a decisão de contratar do órgão competente, de obter informações confidenciais suscetíveis de lhe conferir vantagens indevidas no procedimento, ou tenham prestado informações erróneas suscetíveis de alterar materialmente as decisões de exclusão, qualificação ou adjudicação;
k) Estejam abrangidas por conflitos de interesses que não possam ser eficazmente
corrigidos por outras medidas menos gravosas que a exclusão;
l) Tenham acusado deficiências significativas ou persistentes na execução de, pelo menos, um contrato público anterior nos últimos três anos, tendo tal facto conduzido à resolução desse contrato por incumprimento, ao pagamento de indemnização resultante de incumprimento, à aplicação de sanções que tenham atingido os valores máximos aplicáveis nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 329.º, ou a outras sanções equivalentes.
2 - Para efeitos do disposto na alínea k) do número anterior, podem ser ponderadas, como medidas menos gravosas que a exclusão, designadamente, a substituição de membros do júri ou de peritos que prestem apoio ao júri, a instituição de sistemas de reconfirmação de análises, apreciações ou aferições técnicas, ou a proibição de o concorrente recorrer a um determinado subcontratado.” – sublinhado nosso
Sendo a situação da recorrente subsumível na al. b) do nº 1 do citado artº 55º do CCP é-lhe aplicável o disposto no artº 55º-A do mesmo CCP que diz o seguinte:
“1 - O disposto nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo anterior aplica-se sem prejuízo dos regimes de regularização de dívidas fiscais e dívidas à Segurança Social em vigor.
2 - O candidato ou concorrente que se encontre numa das situações referidas nas alíneas b), c), g), h) ou l) do n.º 1 do artigo anterior pode demonstrar que as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua idoneidade para a execução do contrato e a não afetação dos interesses que justificam aqueles impedimentos, não obstante a existência abstrata de causa de exclusão, nomeadamente através de:
a) Demonstração de que ressarciu ou tomou medidas para ressarcir eventuais danos causados pela infração penal ou falta grave;
b) Esclarecimento integral dos factos e circunstâncias por meio de colaboração ativa com as autoridades competentes;
c) Adoção de medidas técnicas, organizativas e de pessoal suficientemente concretas e adequadas para evitar outras infrações penais ou faltas graves.
3 - Tendo por base os elementos referidos no número anterior, bem como a gravidade e as circunstâncias específicas da infração ou falta cometida, a entidade adjudicante pode tomar a decisão de não relevar o impedimento.
4 - As sanções de proibição de participação em procedimentos de formação de contratos públicos que tenham sido aplicadas, ou consideradas válidas mediante decisão transitada em julgado, não são passíveis de relevação nos termos do presente artigo.” – sublinhado nosso
O que permite concluir que uma pessoa colectiva pode demonstrar a sua idoneidade para exercer a actividade contratual para a qual pretende ser contratada mesmo tendo sido condenada em pena criminal no âmbito de um processo-crime.
O que permite, por sua vez, concluir que o disposto no artº 12º al. b) da LIC pode ser aplicada a pessoas colectivas, soçobrando o argumento aduzido pelo Tribunal a quo para rejeitar in limine a possibilidade da recorrente requerer o cancelamento provisório do seu registo criminal.
Aliás, se assim não fosse, nunca se poderia prever a condenação de pessoas colectivas no âmbito criminal uma vez que, em termos práticos, quem comete o crime são as pessoas físicas singulares que representam a sociedade e nunca a sociedade em si que não tem existência física para executar crimes[5].
Se se ficciona uma culpa de uma pessoa colectiva ao ponto de lhe imputar a pratica de um crime e se se prevê a inscrição no registo criminal dessa condenação então não se pode, a nosso ver, retirar à pessoa colectiva a possibilidade dada às pessoas singulares de, verificando-se certas circunstâncias legalmente delineadas, pedir o cancelamento daquele registo para efeitos de poder exercer a actividade prevista no seu objecto social.
Sob pena de se estar a violar o princípio da igualdade plasmado no artº 13º da Constituição da República Portuguesa atenta a previsão no artº 12º nº 2 da mesma CRP que abrange as pessoas colectivas, embora a equiparação não seja absoluta e estará sempre dependente da compatibilidade com a natureza colectiva.
E não se venha com o argumento de que pelo facto das pessoas colectivas não poderem beneficiar, à semelhança das pessoas singulares, da faculdade da não transcrição de certos crimes no certificado do registo criminal (faculdade prevista no artº 13º da LIC), atendendo ao disposto no nº 7 do já citado artº 10º da LIC, que tal situação implica forçosamente que as pessoas colectivas não podem consequentemente pedir o respectivo cancelamento.
Antes, pelo contrário, se a pessoa colectiva condenada no âmbito de um processo crime em pena e eventual sanção acessória de índole criminal não pode beneficiar da faculdade prevista no artº 13º da LIC, por maioria de razão deverá, então, ser-lhe permitido requerer o cancelamento do seu registo criminal se se verificar os condicionalismos legais subjacentes a esse cancelamento.
Aliás, as situações são diferentes conforme se retira da letra do artº 13º da LIC que tem como “finalidade (do preceito) a de, em casos menos graves, restringir a desinserção social e a estigmatização do agente, não o prejudicando nomeadamente em termos laborais ou de acesso ao emprego”[6] o que é uma situação que não se reflecte perante pessoas colectivas.
Em recente arresto desta mesma Relação, mas da 9ª secção, cuja Relator é Calheiros da Gama, publicado em 10-12-2020, no âmbito do procº nº 139/17.3IDLSB-A.L1, consultável em jurisprudência.pt pode ler-se com toda a clareza o seguinte:
“Contudo, e tendo presente que, como se alcança do despacho judicial exarado nos autos a 19 de maio de 2020, a pena em que foi condenada a arguida AA, S.A. já foi entretanto declarada extinta, a pretensão da sociedade a não se ver prejudicada ao concorrer a um concurso público, sempre pode ser alcançada por outra via; meio pelo qual conseguirá a tão almejada igualdade de tratamento enquanto pessoa colectiva face às pessoas singulares.
Com efeito, o artigo 12.º da Lei n.° 37/2015, de 5 de maio (epigrafado Cancelamento provisório), (é) aplicável quer às pessoas singulares quer às coletivas, pois a lei aí as não distingue …”
Afigura-se-nos, assim, que o pedido de cancelamento do registo por parte de uma pessoa colectiva que seja arguida e tenha sido condenada no âmbito de um processo penal é a priori possível, e por isso, o Tribunal a quo não poderia, como fez, ter rejeitado liminarmente o pedido da arguida recorrente devendo ter mandado o processo prosseguir a fim de apurar e decidir a final se o pedido em causa é ou não viável em termos legais.
Face ao exposto o presente recurso tem de proceder.
 
Decisão:
Em face do acima exposto decidem os Juízes Desembargadores da 3ª secção em conceder provimento ao recurso interposto pela arguida e, em consequência, revogar a decisão recorrida a qual deve ser substituída por uma que admita liminarmente o pedido formulado pela recorrente de cancelamento provisório das condenações constantes do seu registo criminal e que determine as diligências necessárias para decidir, a final, sobre esse pedido.
Sem custas.  
                                                                                                       
Lisboa, 08 de Setembro de 2021.
Florbela Sebastião e Silva
Alfredo Costa
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[1] Embora o MºPº não tenha apresentado contra-alegações em resposta ao recurso, veio no entanto e na sequência de requerimento junto pela recorrente em 13-05-2021 com a refª 8204535, a suscitar a irregularidade da notificação do MºPº, oferecer uma “resposta” ao recurso em apreço.
[2] Deverão demonstrar a sua adequada integração social/económica, nomeadamente, através de certidões emitidas pela AT e Segurança Social de inexistência de quaisquer dívidas.
[3] Existe um claro lapso no parecer uma vez que o sentido do mesmo é de acompanhamento da tese propugnada pela recorrente, acompanhada pelo MºPº de 1ª instância, mas na parte final do parecer termina pugnando pela manutenção da decisão recorrida em clara oposição com toda a sua fundamentação. Estamos em crer que se trata de mero lapso de escrita uma vez que o parecer está todo ele desenvolvido e elaborado em torno da defesa da recorrente.
[4] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº
1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[5] Os quais dispõem o seguinte: “5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas:
a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;
c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.
[6]Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.”
[6] Com as sucessivas alterações operadas pelas Leis nºs 33/2010 de 02-09; 40/2010 de 03-09; 21/2013 de 21-02; 94/2017 de 23-08 e 27/2019 de 28-03.
[7] Motivo pelo qual obviamente não se pode condenar uma pessoa colectiva numa pena de prisão.
[8] Cfr. Ac. da Relação de Guimarães de 06-02-2017 in www.dgsi.pt.