Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5738/16.8T8SNT.L1-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
COMPENSAÇÃO
PROTECÇAO LEGAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1-A compensação estabelecida no art. 136º n.º 1 al. c) do Código do Trabalho, visa recompensar o trabalhador pelo não desempenho da sua atividade laboral ao serviço de eventuais concorrentes do ex-empregador ou mesmo por conta própria – enquanto manifestação de concorrência que a mesma comporte ou possa comportar – durante determinado período de tempo;
2. Muito embora tal compensação não possa constituir uma retribuição ou salário na verdadeira aceção do termo, ou seja, enquanto contrapartida pela prestação de trabalho já que a obrigação decorrente da celebração do «Pacto de Não Concorrência» é precisamente a de um “non facere” durante determinado período de tempo, ainda assim a mesma goza da proteção que a lei desenha para a retribuição do trabalho, gerando a sua estipulação expectativas legítimas que não podem ser ignoradas, pelo que não é razoável permitir que as mesmas possam ser frustradas;
3.Nestas circunstâncias não se pode conceber e muito menos aceitar como plenamente válida e eficaz uma cláusula contratual estabelecida em «Pacto de Não Concorrência e de Sigilo Profissional» celebrado entre as partes aquando da cessação da relação laboral existente entre ambas, impondo a restituição da mencionada compensação, quando interpretada no sentido de se reportar a todas as obrigações consagradas nesse contrato, ainda que alguma delas não vise propriamente afastar o trabalhador da prática de concorrência em relação ao seu ex-empregador ou evitar, de algum modo, que qualquer concorrente deste possa beneficiar dos conhecimentos, do “Know-how”, adquiridos pelo trabalhador enquanto ao serviço do seu ex-empregador.
(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório[1]

AAA S.A., com sede na Av.ª … Lisboa, instaurou a presente ação emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, contra BBB, residente na Rua … Sintra, pedindo que o Réu seja condenado a restituir-lhe a quantia de € 131.833,00 acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento e de juros compulsórios nos termos do nº 4 do art. 829º do Código Civil.

Como fundamento do seu pedido e em síntese, alega que o Réu foi admitido ao serviço da Autora em 01.07.1999 como Diretor Comercial, reportando diretamente ao Diretor Geral/Administrador, tendo um cargo de Diretor de 1ª linha.

Em 22.12.2015, Autora e Réu acordaram na cessação do contrato de trabalho com efeitos em 31.12.2015.

Autora e Réu celebraram um Pacto de Não Concorrência e de Sigilo Profissional no qual, entre outros aspetos, este se obrigava a não emitir, em público ou em privado, por qualquer meio de comunicação, incluindo as redes sociais, quaisquer comentários depreciativos em relação à Autora ou a qualquer empresa do grupo e aos seus anteriores ou atuais trabalhadores ou dirigentes.

Como compensação pelas obrigações decorrentes desse Pacto, a Autora obrigou-se a pagar ao Réu a quantia de € 131.833,00.

As partes acordaram ainda que, em caso de incumprimento do referido Pacto, o Réu teria que restituir à Autora o valor da compensação recebida.

O Pacto em questão foi amplamente analisado e discutido entre as partes no âmbito das negociações que entre ambas ocorreram.

Sucede que logo no dia 01.01.2016 o Réu violou o Pacto em causa, pois publicou no “facebook” uma série de comentários depreciativos sobre a Autora e sobre os seus administradores e colaboradores.

Assim, considera a Autora que o Réu tem de lhe restituir o valor que recebeu a título de compensação em virtude de o mesmo ter incumprido as obrigações decorrentes do referido Pacto.

Realizou-se a audiência de partes sem que se tivesse logrado obter a conciliação das mesmas como forma de resolução do presente litígio.

O Réu contestou invocando a exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria.

Além disso, alegou, em síntese, que a revogação por acordo do contrato de trabalho e a celebração do mencionado Pacto ocorreram num contexto em que a Autora tinha comunicado ao Réu que o mesmo iria ser despedido por extinção do seu posto de trabalho.

O Réu não queria subscrever o Pacto. Porém, estava pressionado para sair da empresa o mais rapidamente possível e acabou por aceitar, contrariado, as condições impostas pela Autora.

O valor da compensação acordada no pacto corresponde a 14 meses da retribuição do réu e foi estabelecido precisamente para o compensar por não poder prestar a sua atividade.

A violação da obrigação imposta na cláusula 4ª do Pacto relativa ao dever de sigilo não pode ter como sanção a obrigação de restituição da compensação, apenas podendo dar lugar à obrigação de indemnização nos termos gerais de direito.

Por outro lado, a Autora não pode tutelar no Pacto os interesses de pessoas singulares que nele não intervieram.

Assim, considera que deve ser declarada a nulidade parcial da cláusula 4ª do Pacto em causa, na parte em que tenta proibir a expressão de comentários em privado e na parte em que tutela interesses de terceiros não outorgantes do mesmo.

Considera que deve ser declarada nula a cláusula 7ª do mesmo Pacto, na parte em que prevê a devolução da quantia prestada a título de compensação pela não concorrência.

Caso se entenda que se trata de uma cláusula penal, a mesma deve ser reduzida equitativamente ou eliminada dada a sua desproporcionalidade.

Se se entender que a cláusula 7ª abrange a violação das obrigações da cláusula 4ª, a mesma deve ser reduzida, nos termos dos arts. 236º e 237º do Código Civil, restabelecendo-se o equilíbrio entre as partes;

No caso de não ser dado provimento ao anteriormente explanado, a ação deverá improceder visto que não houve violação do dever de respeito uma vez que os comentários são privados.

Conclui pela improcedência da ação.

A Autora respondeu alegando que não se verifica nenhuma das invocadas invalidades do Pacto, sendo o mesmo integralmente válido.

Foi proferido despacho saneador no qual foi julgada improcedente a exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria.

Apreciada a validade do processo e a regularidade dos pressupostos processuais, foi dispensada a fixação dos temas de prova.

Fixou-se à causa o valor de € 131.833,00.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença julgando a ação improcedente e absolvendo o Réu do pedido.

Inconformada com esta sentença, a Autora interpôs recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes:

Conclusões:

(…)

Contra-alegou o réu deduzindo pretensão de ampliação do recurso, formulando as seguintes:

Conclusões:

(…)

Contra-alegou a Autora em relação à matéria da ampliação do objeto de recurso deduzida pelo Réu concluindo que deverá ser negado provimento à mesma.

Admitido o recurso na espécie própria e com adequado regime de subida e efeito, subindo os autos a esta 2ª instância e mantido o recurso, foi determinado se desse cumprimento ao disposto no n.º 3 do art. 87º do CPT, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido o douto parecer de fls. 292 a 295 no sentido de que dever ser negado provimento ao recurso e deve ser mantida a sentença recorrida.

Este parecer mereceu resposta discordante da parte da Autora.

Colhidos os vistos legais, cabe, agora, apreciar e decidir.

Apreciação

Dado que, como se sabe, são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto – cfr. artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do CPC, aqui aplicáveis por força do n.º 1 do art. 87º do CPT – colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes:

Questões de recurso:

Questão prévia
· Da admissibilidade da ampliação do objeto de recurso deduzida pelo Réu/apelado e da admissibilidade de junção de documento com as contra-alegações de recurso.

Questão atinente ao recurso interposto pela autora/apelante
§ Violação pelo Réu da cláusula 4ª do Pacto de Não Concorrência e de Sigilo Profissional estabelecida entre as partes e consequências daí decorrentes face ao previsto nesse Pacto e tendo em consideração a sentença recorrida.

Questões atinentes à ampliação do objeto de recurso (caso esta seja admissível)
o Impugnação de matéria de facto;
o Vícios do Pacto de Não Concorrência e Sigilo Profissional estabelecido entre as partes e consequências daí decorrentes.

Fundamentos de facto.

Em 1ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:
1. A A. é uma empresa que se dedica à cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores, bem como o desenvolvimento de atividades de seleção, orientação e formação profissional, consultadoria e gestão de recursos humanos.
2. A A. integra o grupo internacional (…), com sede em …, na Holanda.
3. São administradores da A.: (…), de nacionalidade holandesa; e (…), de nacionalidade francesa.
4. O cargo de Diretor Geral da A. está cometido ao Eng. (…), desde 1 de março de 2014.
5. E o cargo de General Manager (Diretora Comercial) à Senhora D. (…), desde Novembro de 2015.
6. O R. foi admitido ao serviço da A. em 1 de julho de 1999, mediante contrato de trabalho sem termo, para o exercício das funções correspondentes ao cargo/categoria profissional de Diretor Comercial.
7. O R. reportava diretamente ao Diretor-Geral/Administrador, ou seja, correspondia a um cargo de Diretor de 1.ª linha.
8. Em virtude da extinção do posto de trabalho supra referido, o R. foi convidado a desempenhar funções ao nível da assessoria direta à administração, que o R. não aceitou.
9. Por isso, em 22 de dezembro de 2015, A. e R. acordaram na cessação do contrato de trabalho que os vinculava, com efeitos a partir do dia 31 de dezembro de 2015, tendo celebrado o acordo de revogação, nos termos do documento junto a fls. 38 e ss, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
10. No dia 22 de dezembro de 2015, A. e R. celebraram um acordo, intitulado “Pacto de Não Concorrência e de Sigilo Profissional”, nos termos do documento junto a fls. 40 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido pra todos os efeitos legais.
11. O referido Pacto prevê, entre outras obrigações, o seguinte:

“4. Finalmente, e durante o período de vigência do presente Pacto, tal como referido no número 1, o Segundo Contraente obriga-se a, em relação à Primeira Contraente ou a qualquer empresa do Grupo (…) ou com estes direta ou indiretamente relacionada, a não emitir, em público ou privado, por qualquer meio ou via de comunicação, incluindo as redes sociais, quaisquer comentários depreciativos em relação aos mesmos ou a seus anteriores ou atuais trabalhadores ou dirigentes; a mesma obrigação verificar-se-á da Primeira para o Segundo Contraente, sob pena de qualquer dos Contraentes que venha a infringir o aqui disposto, poder vir a responder civil e criminalmente pelos seus atos, nos termos gerais em Direito previstos e permitidos.”
12. Como compensação pelas obrigações assumidas no Pacto referido em 10, ficou convencionado que:

“6. Como compensação pelas obrigações assumidas nos termos dos números anteriores e, muito concretamente, pelas limitações ao desempenho da sua atividade comercial, o Segundo Contraente terá direito a auferir a quantia global ilíquida de € 131.833,00 (cento e trinta e um mil oitocentos e trinta e três euros), a qual será integralmente paga com a assinatura do presente Pacto, e creditada na conta bancária da qual o Segundo Contraente é titular, com o NIB …, o mais tardar até dia 31/12/2015, e relativamente à qual o Segundo Contraente dá a respetiva quitação na data do respetivo recebimento.”
13. As partes acordaram ainda no Pacto referido em 10 que:

“7. A violação das obrigações estabelecidas nos números anteriores exonera a Primeira Contraente de pagar a compensação acordada e constitui o Segundo Contraente na obrigação de restituir o que, por conta dessa compensação, já tenha recebido, sem prejuízo do ressarcimento acrescido dos danos decorrentes da sua atuação que eventualmente excedam esse valor, bem como do procedimento criminal a que venha a haver lugar.”
14. O referido Pacto começou a produzir efeitos no dia 1 de janeiro de 2016, mantendo-se em vigor por um período de 14 meses.
15. A A. pagou ao R., em cumprimento do Pacto atrás referido, por transferência bancária realizada no dia 28 de dezembro de 2015, que aquele recebeu no dia 29 de dezembro seguinte, a quantia ilíquida de € 131.833,00.
16. No âmbito das negociações que antecederam a celebração do Pacto referido em 10, o R. teve oportunidade e tempo de analisar e discutir com a A. o conteúdo daquele acordo.
17. Após A. e R. terem acertado, verbalmente, os princípios do acordo e os valores a pagar pela A. ao R., bem como as sanções em caso de incumprimento do acordo, ficou assente que a A. enviaria ao R. a proposta de minuta de acordo.
18. No dia 14 de dezembro de 2015, pelas 19h24, a Diretora de Recursos Humanos da A., Dra. …, enviou um e-mail ao R. com o seguinte teor:

“ … boa tarde.

Tal como já anteriormente falámos, envio para análise e apreciação as minutas dos documentos cuja assinatura será efetuada no dia 22/12; em ambas faltam questões de detalhe (n.º de documentos de identificação e respetivas datas e identificação do NIB) apenas porque ainda não estão preenchidas, mas que em nada prejudicam a leitura da parte dos conteúdos que é relevante.

A saber: pacto de não concorrência; recibo de quitação (este terá anexo um recibo de simulação idêntico ao que já foi entregue).(...)

A reunião está confirmada para dia 22/12, da minha parte; apenas alterei ontem a hora de início para as 15h. 30m.

Qualquer questão estou ao dispor.

Obrigada”
19. Junto com aquele e-mail, seguiam dois anexos, juntos a fls. 54 e ss que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
20. No dia 15 de dezembro de 2015, o R. respondeu ao e-mail referido em 18 nos seguintes termos:

“Bom dia …

Já que não me ligas nenhuma:) mando-te eu um Email com as notas referente ao teu último.

De uma forma geral está impecável, dentro do que combinámos, apenas com alguns pedidos de alteração da minha parte, tendo em atenção os 2 lados sem qualquer alteração no sentido e teor das matérias.

1) Se fosse possível enviar-me as verbas do valor da rescisão, antes do dia 22, com todos os itens, descontos e líquidos, iria abreviar tempo no dia 22. Pode ser uma tabela igual à que já me deram anteriormente mas mais completa em termos de apuramento dos valores ilíquidos, descontos e líquidos.

2) Quais os descontos sobre a verba do Pacto de não concorrência?

3) Coloquei 2 pequenas alterações nos pontos 6 e 7 do Pacto de não concorrência para ficar mais claro e explicito para ambas as partes, sem mudar o teor dos pontos (segue em anexo o texto e as alterações estão em negrito e sublinhadas).

4) Na data do pagamento, onde consta "data mais tardar 31/12/2015" eu alterei para 30/12/2015 porque se for feito em 31 a data valor com que entrará na minha conta será 01/01/2016 e, conforme combinado, o valor terá que entrar em 2015 para que eu não tenha rendimentos em 2016.

…, o resto parece-me tudo bem, acho que está a correr tudo excelentemente entre nós e confirma-me só se estás de acordo com as alterações, uma vez que nada muda o sentido dos pontos e no dia 22 fecharemos este assunto.

Obrigado.

Bjo

…”
21. Àquele e-mail, o R. anexou o documento junto a fls. 60 e ss que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
22. Em especial, no que se refere ao número 7 do referido Pacto, o R. propôs a seguinte redação:

“7. A violação das obrigações estabelecidas nos números 1 a 3 e 5 exonera a Primeira Contraente de pagar a compensação acordada e constitui o Segundo Contraente na obrigação de restituir o que, por conta dessa compensação, já tenha recebido, sem prejuízo do ressarcimento acrescido dos danos decorrentes da sua atuação que eventualmente excedam esse valor, bem como do procedimento criminal a que venha a haver lugar.

A violação da obrigação estabelecida no nº 4 poderá gerar o ressarcimento de quaisquer prejuízos patrimoniais ou morais das partes Contraentes, nos termos gerais do Direito, incluindo ações civis ou criminais. “
23. No dia 18 de dezembro de 2015, pelas 20h24, e no seguimento do e-mail referido em 20, a Dra. … enviou novo e-mail ao R., no âmbito do qual referiu o seguinte:

“Olá … boa tarde.

Volto a enviar a documentação em causa tal como resulta da nossa última conversa:

(…)

-pacto de não concorrência

- clarificação da data de crédito do montante no ponto 6 inclui a tua sugestão de redação, no final; igualmente ajustei a redação da frase anterior para que resulte bem claro que o valor em causa será creditado na tua conta até 31/12/2015;

- inclusão de ref.ª ao seguro de vida e de saúde de acordo com o teu pedido, foi incluída a referência a esta situação num novo ponto 8 que foi introduzido de novo;

- alteração do ponto de responsabilidade em relação ao n.º 4 a alteração que pediste ao ponto 7 em que ficaria excecionada da aplicação desta sanção a violação da obrigação disposta no n.º 4, não podemos aceitar; em primeiro lugar porque não foi isso que acordámos anteriormente: quando analisaste anteriormente esta minuta nada tinha sido suscitado quanto a este mesmo ponto, ou sido assinalado como problemático, em segundo lugar porque as obrigações ali contempladas são recíprocas, já seguindo uma sugestão tua, pedida na altura de análise inicial do documento; em terceiro lugar porque, contrariamente ao que referiste no nosso telefonema do passado dia 15/12, uma hipotética violação daquele preceito poderia apenas decorrer apenas de atos teus e não de terceiros; por último porque é essencial para a AAA que fique bem claro este requisito.

(...)

Os restantes assuntos encontram-se em fase de conclusão e estarão tratados aquando da tua vinda cá no dia 22/12.

Bom fim de semana.”
24. Também com este e-mail, seguiram os documentos juntos a fls. 68 e ss cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
25. Por e-mail enviado no dia 19 de dezembro de 2015, pelas 11h36, o R. respondeu à Dra. …, da seguinte forma:

“Bom dia …

Já dei uma vista de olhos e está tudo OK, conforme combinado entre nós, aliás outra coisa não era de se esperar quando estamos a tratar com pessoas de boa fé.

Quanto à tão falada alteração do ponto 7, vamos então deixar como dizes porque acho que não vale a pena voltar a falar disto, contudo mantenho a minha opinião que o ponto 4 não é um ponto que devesse constar neste pacto porque - com ou sem o pacto - é uma situação que em qualquer circunstância poderá ser levada aos tribunais, caso ocorra entre as partes, neste ou em qualquer outro caso.

Quanto ao facto de dizeres "quando analisaste anteriormente esta minuta nada tinha sido suscitado quanto a este mesmo ponto, ou sido assinalado como problemático" de facto estás equivocada. Na primeira reunião contigo e com a CH, após a inicial, eu te entreguei uma minuta com as minhas sugestões de alterações (a negrito) onde, realmente no ponto 4 eu apenas acresci a frase "sob pena de responder civil e criminalmente por estes factos nos termos gerais de direito" e no ponto 6 enumerei as obrigações assumidas nos termos dos números 1 a 3 (excluindo o 4) para fins e efeitos no ponto 7 o que bate com a nossa questão.

Podes confirmar isto no documento que te entreguei na altura.

Mas, de qualquer forma é um assunto ultrapassado porque já concordei com a forma que está na minuta portanto sem qualquer problema para mim.

Assim sendo, uma vez estarmos ambos de acordo com as minutas, valores, datas de pagamento e os outros assuntos (Ipad; telemóvel, veículo; cabaz de Natal; MEO residencial; papel do subsidio desemprego) não vejo mais nenhum assunto pendente e faremos o fecho do processo no dia 22, pelas 15:30 horas no 10º andar da sede, correto?

Nesse dia, entregar-te-ei pessoalmente o meu cartão de acessos à … conforme combinado de forma a não ter que voltar ao escritório.

…, aproveito também para te agradecer e elogiar a forma sempre simpática, afável e humana com que tens tratado deste assunto e te relacionado comigo.

São de pessoas assim - positivas e transparentes - que todas as empresas e o mundo precisa!!!

Bjo

…”
26. A. e R. deram por terminadas as negociações e celebraram, em 22 de dezembro de 2015, o Pacto junto a fls. 40, com início de vigência no dia 1 de janeiro de 2016.
27. Nos dias 1 e 2 de janeiro de 2016, o R. publicou na sua página de Facebook, os seguintes posts e comentários:
A) “Sou muito bom para me pagarem para eu não trabalhar por 14 meses sem eu trabalhar, mas os meus clientes, amigos de longa data e fornecedores não me irão esquecer em 14 meses.

Só os trouxas e quem os enrola vão pensar nisso. Deus me dê saúde e eu papo todos, principalmente os engenheiros (e falsas doutoras sem cursos) que continuam a querer ser chamadas de doutoras lol :):):)” – afirmação que está acompanhada de uma imagem que refere“they’re paying you to leave your old job?!”.

B) “Só tem uma solução: a General Manager segurar o barco eheheheheh :)”

C) “Lol... Ela e o outro Otario!!”

D) “Aviso: dia 28/2/2017 estarei disponível no mercado! Contarei com todos que me acompanham há mais de 20 anos em Portugal e + 20 internacionalmente. Até lá, só relações de amizade!! Obrigado!!!” – afirmação que está acompanhada de uma imagem que refere “no gardening leave?”.

E) “Qd temos líderes que não se pautam pela justiça e rigor e apenas pelo oportunismo, nada mais poderemos esperar deles....!!!”, em resposta ao comentário da utilizadora …, que diz: “… estamos a viver momentos tristes e impensáveis para quem pautou a sua vida profissional por rigor e competência. Para lá da mágoa pessoal o que mais assusta é pensar no que será este “palco do trabalho” num futuro que se avizinha sem equidade, sem justiça e com valores duvidosos. Para si e para a … e toda a família o meu modesto e singelo ”

F) “Querida …, nada que eu não dê a volta. Tudo gira em Holandeses incompetentes e fora da realidade de Portugal e de um administrador (ou aliás um DG Português sem a menor competência para o cargo) que em breve será descartado. Só está a fazer o trabalho sujo e ser usado pelos outros sem perceber: um pobre coitado!! Mas em breve, após o meu contrato de Não Concorrência darei novidades. Bjos”

G) “Enquanto isso, temos muito dinheiro, património imobiliário que nos sustente e estamos a ver tudo isto de camarote. :)”

H) “É uma comédia com um fim triste, penso eu e o mercado...!!!”

I) “E o ridículo e sinal de incompetência redobram na empresa. Já é motivo de falatório conforme consta no mercado apesar de eu estar fora dele!!”

J) “Apesar de concordâncias e discordâncias de gestão, fizemos a maior empresa de RH em Portugal em 17 anos em Portugal e 3 anos no Brasil. É lamentável ver tudo ir por água abaixo!!” – afirmação que está acompanhada da seguinte expressão “a sentir-se desiludido” e de uma fotografia com ….

K) “Quem põe duas empresas como líder de mercado pode por a terceira. Só teremos que respeitar os tempos dos contratos!!!”

L) “Os amigos e amizades valem ouro. Os falsos são menos que merda!!!” – afirmação acompanhada de uma fotografia com, entre outras pessoas, ….

M) “…, o grande amigo das pessoas que colaboram com ele. Grande líder com caráter e com sapiência e experiência!...”

N) “Gosto muito do ... Exigente, faz crescer os outros profissionalmente, alto profissional e faz a equipa dar resultados. E não faz falcatruas...”

O) “O homem que fez …crescer. Veremos o futuro...!!!”

28. Os posts e comentários referidos em 27 foram publicados pelo R. durante a noite do dia 1 de Janeiro e a madrugada do dia 2 de Janeiro de 2016,

29. E visualizados pelos trabalhadores da A., …, …, …, …, … e …, entre as 9h00 e as 10h00 do dia 2 de janeiro e também por uma ex-trabalhadora da A., …, que são, todos, “amigos” do R. na rede social Facebook.

30. Ainda nos dias 1 e 2 de janeiro de 2016, o R. publicou os seguintes comentários:

A) “Uma cambada de falhados que não têm onde cair mortos, fora o … que ganham mais do que merecem pelos maus resultados, aliás anualmente comidos pela … nas publicações anuais :)”

B) “Isso para não falar dos engenheiros falhados...!!!!”

31. Os posts e comentários referidos 30, foram publicados pelo R. no dia 1 de janeiro e na madrugada do dia 2 de Janeiro.

32. E foram visualizados pela trabalhadora da A., …, cerca das 10h00 do dia 2 de Janeiro, que é “amiga” do R. na rede social Facebook.

33. Nos posts e comentários acima mencionados quando o R. se refere ao DG, ao engenheiro, ao otário, está a fazer referência ao Diretor Geral em Portugal, o Eng. ….

34. Quando o R. se refere aos holandeses incompetentes, refere-se aos administradores que compõem o Conselho de Administração da A., e aos demais dirigentes e colaboradores do grupo …, sediado na Holanda.

35. Quando o R. se refere à General Manager, à falsa doutora sem cursos, está a referir-se à trabalhadora da A. ...

36. Pelo facto de ocupar o cargo de General Manager, aliado ao facto de já estar na … há cerca de 19 anos, sendo uma pessoa respeitada na empresa, a trabalhadora … é, por vezes, tratada pelos trabalhadores da A. como “Dra.”, num sentido de respeito e deferência, embora não seja titular de um curso superior.

37. O Senhor … foi, até 28 de fevereiro de 2014, Diretor Geral da A., tendo sido substituído pelo Eng. …, em março de 2014.

38. A empresa …, Lda., que prossegue a mesma atividade da A., é uma das suas concorrentes.

39. A A. sentiu-se ofendida, e o Eng. … e a General Manager … sentiram-se pessoal e profissionalmente ofendidos com os posts e comentários que o R. publicou na sua página de Facebook.

40. No dia 27/10/2015 o Diretor Geral enviou convocação via e-mail para toda a equipa chefiada pelo R., chamando-a para estar na sede da A., em Lisboa, no dia 28, reunião na qual aquele mostrou o novo organograma o qual já não contemplava a pessoa e funções do R.

41. Também o Diretor Geral da A. fez circular, no dia 10/11/2015 um e-mail para a generalidade dos trabalhadores da A. (‘everyone.group@randstad.pt’), com o seguinte teor:

«Meus Caros,

Comunico-vos a saída da … do nosso colega …, após quase 17 anos de vida profissional dedicados a esta empresa.

Sendo o … parte da história da …, não poderia deixar de assinalar a sua saída, agradecendo a sua dedicação ao longo destes anos, e fazendo votos que novos e estimulantes desafios se perfilem no seu caminho.

CEO

»

42. No dia 9/11/2015 o R. recebeu em mãos do Diretora de Recursos Humanos da A. uma declaração a dispensá-lo de comparecer na empresa desde 10/11 a 31/11/2015.

43. O R., à data da cessação do contrato de trabalho auferia a quantia mensal ilíquida de 9.417,00€.

44. Por alturas de finais de 2015 foi diagnosticado ao R. um nódulo nos pulmões e uma doença crónica e incurável chamada doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) que, pela sua gravidade, se não for acompanhada, é causa de morte.

45. No dia 12/1/2016, o R. teve alta de cirurgia ao pulmão, com consultas de acompanhamento e exames.

Fundamentos de direito

Questão prévia

Da admissibilidade da ampliação do objeto de recurso deduzida pelo Réu/apelado e da admissibilidade de junção de documento com as contra-alegações de recurso.

Ao apresentar as suas contra-alegações ao recurso interposto pela Autora/apelante, o Réu/apelado formulou requerimento de ampliação do objeto do mesmo, de forma que este Tribunal conheça das invalidades que arguiu na contestação que apresentou nos autos, no que concerne ao «Pacto de Não Concorrência e Sigilo Profissional» que estabeleceu com aquele em finais de 2015, deduzindo, por outro lado e ainda no âmbito dessa ampliação de recurso, impugnação sobre matéria de facto.

Efetivamente, na contestação que formulou nos presentes autos, o Réu arguiu como vícios do aludido Pacto, a existência contradição intrínseca entre as cláusulas 4ª e 7ª, sua superação, conciliação entre tais cláusulas, invalidades parciais do objeto da cláusula 4ª, bem como o estabelecimento, ou não, de uma cláusula penal e, caso se conclua pela existência desta, necessidade de se proceder à sua redução.

Por seu turno, a Mma. Juíza do Tribunal a quo, ao proferir a sentença recorrida e entendendo que a questão se prendia não com a invalidade do mencionado Pacto mas com a correta interpretação das cláusulas 4ª e 7ª do mesmo, ao proceder a essa interpretação fez improceder a ação absolvendo o Réu do pedido, motivo pelo qual considerou prejudicada a apreciação dos vícios relativos ao referido Pacto que haviam sido arguidos por aquele na sua contestação.

Ora, dispõe o art. 636º n.º 1 do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26.06 e aqui aplicável por força do art. 1º n.º 2 al. a) do CPT, que, «[n]o caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação».

É certo que, no caso em apreço, a Mma. Juíza do Tribunal a quo, ao proferir a sentença recorrida, não o fez com base em qualquer dos fundamentos apresentados pela parte vencedora – o aqui Réu/apelado – na sua contestação e em detrimento de outros que aí tivessem sido invocados. Contudo, ao fazê-lo com base em fundamento diverso que tornou prejudicada a apreciação dos que foram aduzidos pelo Réu naquela peça processual, é curial e legítimo que ao ser interposto recurso sobre essa sentença proferida por aquele Tribunal, pela parte vencida – a aqui Autora/apelante –, aquele, à cautela e na eventualidade de em sede de apreciação desse recurso se vir reconhecer razão a esta, pretenda ver apreciados os vícios do Pacto que, por si, foram invocados na contestação que formulou, vícios cuja apreciação pelo Tribunal da 1ª instância apenas foi considerada como prejudicada pela solução dada ao caso e tendo em consideração os fundamentos que a sustentam.

Tal, a nosso ver, circunscreve-se ainda no âmbito da mencionada norma legal, razão pela qual se mostra admissível a ampliação de recurso deduzida pelo Réu/apelado nas suas contra-alegações de recurso e no requerimento feito nesse sentido aquando da apresentação do mesmo.

Já quanto ao documento junto pelo Réu/apelado com as contra-alegações de recurso, junção feita no âmbito de impugnação de matéria de facto deduzida na sequência da mencionada ampliação do objeto de recurso, a mesma não pode ser admitida. Com efeito, a junção de documentos ao processo na fase de recurso, mostra-se regulada pelo art. 651º n.º 1 conjugado com o art. 425º, ambos do aludido C.P.C., sendo que os pressupostos de admissibilidade de documentos nesta fase de recurso e ali previstos, não se verificam no caso vertente e daí que se não possa considerar tal documento na apreciação que, porventura, tenhamos de efetuar sobre as questões suscitadas no âmbito da requerida e agora deferida ampliação do objeto do recurso.


§ Da invocada violação pelo Réu da cláusula 4ª do «Pacto de Não Concorrência e de Sigilo Profissional» estabelecido entre as partes e consequências daí decorrentes face ao previsto nesse Pacto e tendo em consideração a sentença recorrida.

No recurso interposto sobre a sentença recorrida, insurge-se a Autora/apelante contra a interpretação ali feita pela Mma Juíza do Tribunal a quo ao concluir que «a violação pelo réu da cláusula 4 do pacto não dá lugar à obrigação de restituir à autora o montante da compensação recebida. Tal violação apenas permite que a autora recorra aos meios civis e criminais em direito permitidos para ser ressarcida da violação cometida, tal como previsto na própria cláusula 4.».

Em síntese e como já tivemos oportunidade de referir, alega e conclui a Apelante que uma tal decisão constitui uma total desconsideração da matéria de facto apurada, para além de que resultou de uma errada interpretação e aplicação da lei aos factos, porquanto e em seu entender, tendo o Réu violado, de forma evidente, a cláusula 4ª do «Pacto de Não Concorrência e de Sigilo Profissional» estabelecido entre as partes, uma vez que os “posts” e comentários que publicou no “facebook” são manifestamente depreciativos não só no que respeita à Autora, como também em relação a trabalhadores desta, de forma inesperada e sem qualquer apoio no texto do mencionado Pacto, o Tribunal a quo concluiu que a consequência dessa violação se limitava à sanção prevista na cláusula 4ª, isto é, o recurso aos meios civis e criminais, quando, nos termos do mesmo, mormente em face do estabelecido na sua cláusula 7ª, a consequência seria, para além do recurso aos meios civis e criminais, a restituição pelo Réu da compensação que recebeu no âmbito desse Pacto, ou seja, o montante de € 131.833,00.

Ora, como resulta da matéria de facto provada e anteriormente transcrita, matéria que a Autora não impugnou, o Réu foi admitido ao serviço daquela em 1 de julho de 1999 mediante contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), para o exercício das funções correspondentes ao cargo (categoria profissional) de Diretor Comercial, reportando diretamente ao Diretor-Geral/Administrador, correspondendo, desse modo, a um cargo de Diretor de 1.ª linha (v. pontos 6 e 7 dos factos provados).

Esta matéria de facto permite, desde logo, concluir que o Réu era um trabalhador de grande confiança da Administração da Autora face à posição que ocupava no organigrama da empresa, o que, aliás, se mostra perfeitamente compatível com a circunstância, igualmente demonstrada, de, em virtude da extinção do seu posto de trabalho decidida por aquela, o Réu ter sido convidado para desempenhar funções ao nível da assessoria direta da Administração da mesma, o que, todavia, não aceitou, circunstância que levou à cessação do contrato de trabalho entre ambos existente mediante acordo firmado nesse sentido (v. pontos 8 e 9 dos factos provados).

Na verdade, provou-se que em 22 de dezembro de 2015, a Autora e o Réu acordaram na cessação do contrato de trabalho que os vinculava, cessação estabelecida nos termos do documento junto a fls. 38 e seguintes dos autos e que operou efeitos a partir do dia 31 de dezembro de 2015, sendo que naquela mesma data ambas as partes celebraram também um outro acordo denominado por «Pacto de Não Concorrência e de Sigilo Profissional», cujos termos, na parte que aqui releva, são os seguintes:

«Entre:

…, S.A., pessoa colectiva n.º 503299006, e sede na Av. … Lisboa,…, adiante designada por “Primeira Contraente”;

E

…, …, residente em Rua … Sintra, …, adiante designado por “Segundo Contraente”;

Considerando que:
A) É expressamente reconhecido pelos Contraentes que o Segundo Contraente, no desempenho das suas funções, teve acesso a informação confidencial e a segredos comerciais e outra informação altamente relevante e sigilosa, referente aos negócios da Primeira Contraente e das empresas do grupo económico em que esta se encontra inserida, os quais, se forem divulgados e usados por qualquer concorrente destas, podem causar-lhes sérios e relevantes prejuízos;
B) Os Contraentes reconhecem ainda expressamente que qualquer forma de cooperação, directa ou indirecta, com qualquer empresa concorrente da Primeira Contraente poderá favorecer a divulgação de informação confidencial e/ou o uso dessa informação, podendo, por via disso, causar danos e prejuízos àquela,

É, livremente, de boa fé e em plena consciência, celebrado o presente Pacto de Não Concorrência e de Sigilo Profissional, o qual se regerá pelo disposto nos números seguintes:
1. O Segundo Contraente obriga-se a não participar, não colaborar, e a não realizar negócios ou actividades, em Portugal ou no estrangeiro, em áreas directa ou indirectamente idênticas ou similares às da Primeira Contraente, ou de qualquer sociedade ou entidade sua associada, em, ou a benefício de, outras que possam ser concorrentes com a actividade destas, directa ou indirectamente, por si próprio ou por interpostas pessoas ou entidades, em particular sociedades ou outras pessoas colectivas em que, directa ou indirectamente, participe ou com as quais colabore a qualquer título, pelo período de 14 (catorze) meses contados da data de 1 de Janeiro de 2016 (primeiro dia de vigência do presente Pacto).
2. O Segundo Contraente obriga-se também, durante o período de vigência do presente Pacto, tal como referido no número anterior, a directa ou indirectamente não convidar, fomentar, facilitar ou favorecer o recrutamento de colaboradores, directores, agentes ou representantes da Primeira Contraente, ou de qualquer sociedade ou entidade sua associada, por entidades terceiras, por si próprio ou por interpostas pessoas ou entidades, em particular, sociedades ou outras pessoas colectivas em que, directa ou indirectamente, participe ou com as quais colabore a qualquer título.
3. O Segundo Contraente obriga-se, igualmente, mesmo após a cessação do contrato de trabalho, a manter confidencialidade de todos os dossiers, arquivos, documentos, dados e informações a que acedeu em virtude da sua relação com a Primeira Contraente, relativos a esta (incluindo os seus colaboradores), ou a outras sociedades associadas ou em relação de Grupo, ou aos seus clientes, nomeadamente sobre a sua organização, actividade ou negócio, preços, serviços prestados e qualquer outro dado de natureza comercial e/ou técnica, não podendo, designadamente, directa ou indirectamente, aceder a bases de dados, recolher informação, extrair cópias, divulgá-los ou, por qualquer modo, facilitar o acesso, ou comunicá-los a terceiros.
4. Finalmente, e durante o período de vigência do presente Pacto, tal como referido no número 1, o Segundo Contraente obriga-se a, em relação à Primeira Contraente ou a qualquer empresa do Grupo … ou com estes directa ou indirectamente relacionada, a não emitir, em público ou privado, por qualquer meio ou via de comunicação, incluindo as redes sociais, quaisquer comentários depreciativos em relação aos mesmos ou a seus anteriores ou actuais trabalhadores ou dirigentes; a mesma obrigação verificar-se-á da Primeira para o Segundo Contraente, sob pena de qualquer dos Contraentes que venha a infringir o aqui disposto, poder vir a responder civil e criminalmente pelos seus actos, nos termos gerais em Direito previstos e permitidos.
5. Com a cessação do contrato de trabalho, a 31/12/2015, o Segundo Contraente deverá devolver imediatamente à Primeira Contraente todos os originais e/ou cópias dos dossiers, correspondência, arquivos, memorandos e outros documentos e informações que se encontrem em seu poder, bem assim como cartões, chaves ou outros meios de acesso a qualquer instalação da Primeira Contraente.
6. Como compensação pelas obrigações assumidas nos termos dos números anteriores e, muito concretamente, pelas limitações ao desempenho da sua actividade profissional, o Segundo Contraente terá direito a auferir a quantia global ilíquida de € 131,833,00 (cento e trinta e um mil oitocentos e trinta e três euros), a qual será integralmente paga com a assinatura do presente Pacto, e creditada na conta bancária da qual o Segundo Contraente é titular, com o NIB …, o mais tardar até dia 31/12/2015, e relativamente à qual o Segundo Contraente dá a respectiva quitação na data do respectivo recebimento.
7. A violação das obrigações estabelecidas nos números anteriores exonera a Primeira Contraente de pagar a compensação acordada e constitui o Segundo Contraente na obrigação de restituir o que, por conta dessa compensação, já tenha recebido, sem prejuízo do ressarcimento acrescido dos danos decorrentes da sua actuação que eventualmente excedam esse valor, bem como do procedimento criminal a que venha a haver lugar.
8. Até ao final da vigência do presente Pacto o Primeiro Contraente manterá em vigor as apólices de seguro de vida e de seguro de saúde actualmente vigentes a favor do Segundo Contraente nos mesmos exactos termos em que as mesmas se encontram celebradas» (v. pontos 9 e 10 dos factos provados).

Da matéria de facto provada constante dos pontos 17 a 26 e que, pela sua extensão, aqui se dá por reproduzida, decorre que a Autora e o Réu tiveram a oportunidade de analisar e discutir entre si o conteúdo do mencionado Pacto, ficando cientes dos seus termos, sendo que deram por terminadas as negociações a ele atinentes e procederam à celebração do mesmo em 22 de dezembro de 2015, tendo a Autora, no cumprimento desse Pacto, pago ao Réu a quantia ilíquida de € 131.833,00 por transferência bancária realizada logo em 28 de dezembro de 2015 (v. pontos 15 e 16 dos factos provados).

Demonstrou-se, para além disso, que o referido Pacto começou a produzir efeitos no dia 1 de janeiro de 2016, mantendo-se em vigor por um período de 14 meses (pontos 14 e 26 dos factos provados).

Sucede que, como demonstrado também ficou, na noite do dia 1 e na madrugada do dia 2 de janeiro de 2016, o Réu publicou na sua página de “facebook”, os seguintes “posts” e comentários:

- “Sou muito bom para me pagarem para eu não trabalhar por 14 meses sem eu trabalhar, mas os meus clientes, amigos de longa data e fornecedores não me irão esquecer em 14 meses. Só os trouxas e quem os enrola vão pensar nisso. Deus me dê saúde e eu papo todos, principalmente os engenheiros (e falsas doutoras sem cursos) que continuam a querer ser chamadas de doutoras lol :):):)” – afirmação que está acompanhada de uma imagem que refere “they’re paying you to leave your old job?!”.

- “Só tem uma solução: a General Manager segurar o barco eheheheheh :)

- “Lol... Ela e o outro Otario!!

- “Aviso: dia 28/2/2017 estarei disponível no mercado! Contarei com todos que me acompanham há mais de 20 anos em Portugal e + 20 internacionalmente. Até lá, só relações de amizade!! Obrigado!!!” – afirmação que está acompanhada de uma imagem que refere “no gardening leave?”.

- “Qd temos líderes que não se pautam pela justiça e rigor e apenas pelo oportunismo, nada mais poderemos esperar deles....!!!”, em resposta ao comentário da utilizadora …, que diz: “ … estamos a viver momentos tristes e impensáveis para quem pautou a sua vida profissional por rigor e competência. Para lá da mágoa pessoal o que mais assusta é pensar no que será este “palco do trabalho” num futuro que se avizinha sem equidade, sem justiça e com valores duvidosos. Para si e para a … e toda a família o meu modesto e singelo

- “Querida …, nada que eu não dê a volta. Tudo gira em Holandeses incompetentes e fora da realidade de Portugal e de um administrador (ou aliás um DG Português sem a menor competência para o cargo) que em breve será descartado. Só está a fazer o trabalho sujo e ser usado pelos outros sem perceber: um pobre coitado!! Mas em breve, após o meu contrato de Não Concorrência darei novidades. Bjos

- “Enquanto isso, temos muito dinheiro, património imobiliário que nos sustente e estamos a ver tudo isto de camarote. :)

- “É uma comédia com um fim triste, penso eu e o mercado...!!!

- “E o ridículo e sinal de incompetência redobram na empresa. Já é motivo de falatório conforme consta no mercado apesar de eu estar fora dele!!

- “Apesar de concordâncias e discordâncias de gestão, fizemos a maior empresa de RH em Portugal em 17 anos em Portugal e 3 anos no Brasil. É lamentável ver tudo ir por água abaixo!!” – afirmação que está acompanhada da seguinte expressão “a sentir-se desiludido” e de uma fotografia com ….

- “Quem põe duas empresas como líder de mercado pode por a terceira. Só teremos que respeitar os tempos dos contratos!!!

- “Os amigos e amizades valem ouro. Os falsos são menos que merda!!!” – afirmação acompanhada de uma fotografia com, entre outras pessoas, ...

- “…, o grande amigo das pessoas que colaboram com ele. Grande líder com caráter e com sapiência e experiência!...

- “Gosto muito do … Exigente, faz crescer os outros profissionalmente, alto profissional e faz a equipa dar resultados. E não faz falcatruas...

- “O homem que fez …crescer. Veremos o futuro...!!!” (v. ponto 27 dos factos provados).

Provou-se também que estes “posts” e comentários foram visualizados pelos trabalhadores da Autora, …, …, …., …., …,  entre as 9h00 e as 10h00 do dia 2 de janeiro e também por uma ex-trabalhadora da Autora, …, os quais são todos amigos do Réu na rede social “facebook” (v. pontos 28 e 29 dos factos provados).

Provou-se ainda que no dia 1 e na madrugada do dia 2 de janeiro de 2016, o Réu publicou na mesma rede social os seguintes comentários “Uma cambada de falhados que não têm onde cair mortos, fora o Board que ganham mais do que merecem pelos maus resultados, aliás anualmente comidos pela … nas publicações anuais” e “Isso para não falar dos engenheiros falhados…!!!”, comentários que foram visualizados pela trabalhadora da Autora, … cerca das 10h00 do dia 2 de janeiro (v. pontos 30 a 32 dos factos provados).

Demonstrou-se também que nos aludidos “posts” e comentários quando o Réu se refere ao “DG”, ao “engenheiro” e ao “otário”, está a fazer referência ao Diretor-Geral da Autora em Portugal, Eng. …, assim como quando se refere aos “holandeses incompetentes”, reporta-se aos administradores que compõem o Conselho de Administração da Autora e aos demais dirigentes e colaboradores do grupo …sediado na Holanda e quando se refere à “General Manager” e à “falsa doutora sem cursos”, se está a referir à trabalhadora da Autora, …, sendo que, pelo facto de ocupar o cargo de “General Manager”, aliado à circunstância de já estar na … há cerca de 19 anos, sendo uma pessoa respeitada na empresa, a trabalhadora … é, por vezes, tratada pelos trabalhadores da Autora como “Dra.”, num sentido de respeito e deferência, embora não seja titular de um curso superior (v. pontos 33 a 36 dos factos provados).

Por outro lado, provou-se que o Senhor … foi até 28 de fevereiro de 2014 Diretor-Geral da Autora, tendo sido substituído pelo Eng. … em março de 2014 e a empresa “…, Lda.”, que prossegue a mesma atividade da Autora, é uma das suas concorrentes (v. pontos 37 e 38 dos factos provados).

Ora, perante esta matéria de facto provada, não subsiste dúvida de que grande parte dos “posts” e comentários publicados pelo Réu no seu “facebook” nos dias 1 e 2 de janeiro de 2016 e divulgados, desse modo, pelos seus amigos que partilham a mesma rede social, todos eles trabalhadores ou ex-trabalhadores da Autora, o foram com um sentido depreciativo, quer em relação a esta, na pessoa dos seus Diretores e/ou Administradores, designadamente do Diretor-Geral em Portugal, Eng. …, quer em relação a alguns trabalhadores ao serviço da mesma, em particular a trabalhadora … traduzindo, desse modo, a assunção, pelo Réu, de um comportamento violador de uma das obrigações por ele assumidas aquando da celebração do mencionado “Pacto de Não Concorrência e de Sigilo Profissional”, mais concretamente a que consta da respetiva cláusula 4ª e que aqui se dá por reproduzida.

A questão que se coloca consiste, porém, em saber quais as consequências para o Réu decorrentes da assunção de tal comportamento, se apenas as que decorrem da parte final do estabelecido pelas partes nessa cláusula 4ª, ou seja, a possibilidade de vir a responder civil e/ou criminalmente nos termos gerais do direito, como se decidiu na sentença recorrida, ou se, pelo contrário essas consequências são as que decorrem não só do estabelecido no final dessa cláusula 4ª, como também do que foi estipulado pelas partes na cláusula 7ª do mesmo Pacto, ou seja, a obrigação de restituição pelo Réu à Autora da compensação prevista na cláusula 6ª e que por aquele foi recebida seis dias após a celebração desse Pacto, posição defendida pela Autora/apelante.

A este propósito e depois de concluir que o Pacto em causa se mostrava válido, quando analisado da perspetiva dos vícios da vontade, para além de que respeitava os requisitos enunciados no art. 136º do Código do Trabalho, referiu a Mma. Juíza do Tribunal a quo o seguinte na sentença recorrida:

«A autora invoca que o réu violou a cláusula 4 do pacto com as publicações que efetuou no Facebook.

Tais publicações são as que constam dos factos provados sob os nºs 27 e 30.

Essas publicações referiam-se à administração da autora, ao Diretor Geral … e à General Manager ….

Da leitura dessas publicações resulta evidente, sem necessidade de maiores considerações, que as mesmas são depreciativas.

Assim, tendo o réu feito comentários depreciativos numa rede social relativamente quer à autora quer a trabalhadores da mesma, o mesmo violou as obrigações estabelecidas na cláusula 4 do pacto que lhe vedavam que tivesse esse tipo de comportamento.

Posto isto, vejamos então qual a consequência para esta violação e, designadamente, se, como defende a autora, o réu tem a obrigação de restituir a compensação no valor de € 131 833 que recebeu na sequência da celebração do pacto.

O pacto em questão nas cláusulas 1 a 3 estabelece obrigações que impendem unicamente sobre o réu.

Na cláusula 4 estabelece uma obrigação mútua, que vincula tanto a autora como o réu, impondo que o réu não faça comentários depreciativos em relação à autora, seus atuais ou antigos dirigentes e colaboradores, por qualquer meio, em público ou em privado, incluindo as redes sociais e impondo que a autora também não o faça relativamente ao réu.

Na parte final dessa cláusula consta que qualquer dos contraentes que venha a infringir o aí disposto pode vir a responder civil e criminalmente pelos seus atos, nos termos gerais em direito previstos e permitidos.

Porém, na cláusula 7 consta que a violação dos números anteriores exonera a autora de pagar a compensação acordada e constitui o réu na obrigação de restituir o que por conta dessa compensação já tenha recebido, sem prejuízo do ressarcimento acrescido dos danos decorrentes da sua atuação que excedam esse valor, bem como do procedimento criminal a que venha a haver lugar.

Esta obrigação só pode impender sobre o réu porque só ele é que recebeu a compensação, logo só ele é que a pode restituir.

Se interpretarmos estas cláusulas como pretende a autora, temos o seguinte resultado:

- se for o réu a violar a cláusula 4, o mesmo responde civil e criminalmente e tem que restituir a compensação;

- se for a autora a violar a cláusula 4 a mesma só responde civil ou criminalmente.

Ou seja, para uma mesma atuação ilícita teríamos sanções diferentes.

Tal só poderia ocorrer se houvesse algo que justificasse esta diferença de tratamento.

Todavia, no caso concreto não há nada que o justifique.

Logo, esta interpretação do pacto pretendida pela autora conduz a um tratamento diferenciado dos dois contraentes que não tem qualquer justificação objetiva.

Por outro lado, na interpretação literal da cláusula 7 a mesma conduziria ainda a um outro resultado injusto e completamente desproporcionado: é que independentemente da gravidade e consequências da violação cometida, a sanção seria sempre a mesma – a restituição da totalidade da compensação recebida.

Ou seja, quer o réu violasse a cláusula de forma gravíssima ou quer o fizesse de forma muito pouco relevante teria sempre que restituir na íntegra a compensação recebida, no valor de € 131 833.

Esta solução é completamente desadequada e desproporcionada.

Temos ainda outra questão a considerar. Na interpretação pretendida pela autora, o réu por violar a cláusula 4 tem que devolver na íntegra a compensação. Esta compensação pecuniária foi calculada tendo por base 14 retribuições mensais do réu, ou seja, visa compensá-lo por não poder trabalhar durante 14 meses.

Conforme se escreveu no Acórdão do STJ, de 30.4.2014 (in www.dgsi.pt):

I - O pacto de não concorrência tem obrigatoriamente carácter oneroso e é sinalagmático (gera uma obrigação de non facere para o trabalhador e uma obrigação compensatória para o empregador), constituindo parte integrante do conjunto do contrato de trabalho (trata-se de uma cláusula acessória, conformadora de um efeito acessório da cessação do contrato).

Ora, a interpretação de que a violação da cláusula 4 implica a obrigação de restituir a compensação implica que o réu continuaria a estar sujeito à obrigação de não concorrência pelo período de 14 meses e não receberia qualquer compensação.

Se a lei não permite que se limite a liberdade de trabalho no âmbito de um pacto de não concorrência sem que se estabeleça uma compensação adequada não pode ser permitido que essa compensação não seja paga em virtude de haver violação de um dever que nada tem a ver com aquela limitação.

Tal solução equivaleria a “deixar entrar pela janela aquilo que o legislador não quis deixar entrar pela porta”.

Assim, esta interpretação literal do pacto não é admissível porque a mesma, pelas razões expostas, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico do direito de impor um pacto de não concorrência o que torna ilegítimo o exercício do direito da autora nesses moldes, nos termos do disposto no art. 334º, do CC.

O tribunal não considera que existe uma nulidade do pacto nem das cláusulas. Trata-se antes de uma questão de interpretação das mesmas.

Assim, considera-se que, em caso de violação por parte do réu das obrigações impostas nas cláusulas 1 a 3, a sanção é efetivamente a estabelecida na cláusula 7, ou seja, a devolução da compensação; para a violação da cláusula 4 a sanção é a prevista na própria cláusula, ou seja, o recurso aos meios civis e criminais.

A cláusula 7 só faz sentido com referência às obrigações estabelecidas nas cláusulas 1 a 3 porque só estas contêm obrigações estritas de não concorrência e o valor da compensação foi estabelecido precisamente para ressarcir o réu pelo período de inatividade a que está sujeito e foi concretamente calculado com base em 14 salários correspondentes aos 14 meses de vigência do pacto.

Assim sendo, a violação pelo réu da cláusula 4 do pacto não dá lugar à obrigação de restituir à autora o montante da compensação recebida. Tal violação apenas permite que a autora recorra aos meios civis e criminais em direito permitidos para ser ressarcida da violação cometida, tal como previsto na própria cláusula 4.».

Afirma-se, desde já que, no que é essencial, se sufraga esta posição, não merecendo, a nosso ver, censura a sentença recorrida ao haver concluído que a violação pelo Réu da cláusula 4ª do Pacto em causa não dá lugar à obrigação de o mesmo restituir à Autora o montante da compensação que desta recebera, apenas lhe conferindo a possibilidade de recorrer aos meios civis e/ou criminais em direito permitidos para se ver ressarcida de eventuais danos decorrentes da violação de tal cláusula por aquele cometida, como, aliás, da mesma claramente resulta.

Na verdade, sendo certo que quer quanto à celebração do mencionado «Pacto de Não Concorrência e de Sigilo Profissional», quer quanto à fixação do seu conteúdo, as partes contratantes atuaram no âmbito da liberdade e autonomia conferidas por lei – art. 405º do Código Civil –, não menos certo é que essa liberdade e autonomia não podem assumir uma expressão absoluta porquanto se terão de conformar com os limites da própria lei como decorre do disposto no n.º 1 do referido preceito legal.

Deste modo, se é verdade que um dos requisitos de validade do «Pacto de Não Concorrência» firmado entre empregador e trabalhador é o da atribuição a este de uma compensação, a qual visa precisamente recompensá-lo pelo não desempenho da sua atividade laboral ao serviço de eventuais concorrentes do empregador ou mesmo por conta própria – enquanto manifestação de concorrência que a mesma comporte ou possa comportar – durante determinado período de tempo, e muito embora tal compensação não possa constituir uma retribuição ou salário na verdadeira aceção do termo, ou seja, enquanto contrapartida pela prestação de trabalho já que a obrigação decorrente de tal contrato é precisamente a de um “non facere” durante esse período de tempo, ainda assim, como bem refere o Sr. Professor António Monteiro Fernandes em “Direito do Trabalho” – 12ª Edição – pág.ª 612, «lhe é aplicável, na generalidade, e por manifesta analogia, o regime protectivo que a lei desenha para a retribuição do trabalho. Trata-se, com efeito, e apesar de tudo, do contravalor de um trabalho que o trabalhador fica privado de prestar. Os fundamentos da protecção jurídica do salário estão inteiramente presentes», sendo que nesse mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça em douto Acórdão proferido em 30-04-2014, ao afirmar a dado passo que, «apesar de a compensação pela não concorrência não revestir natureza retributiva, goza da proteção que a lei desenha para a retribuição do trabalho, gerando a sua estipulação expectativas legítimas que não podem ser ignoradas, pelo que não é razoável permitir que as mesmas possam ser unilateralmente frustradas pelo empregador». 

Nestas circunstâncias não se pode conceber e muito menos aceitar como plenamente válida e eficaz uma cláusula contratual como a cláusula 7ª do mencionado «Pacto de Não Concorrência e de Sigilo Profissional» estabelecido entre as partes envolvidas no presente litígio, quando interpretada no sentido de se reportar a todas as obrigações consagradas nesse contrato, ainda que alguma delas, como se verifica com a cláusula 4ª, não vise propriamente afastar o trabalhador da prática de concorrência em relação ao seu ex-empregador ou evitar, de algum modo, que qualquer concorrente deste possa beneficiar dos conhecimentos, do “Know-how”, adquiridos pelo trabalhador enquanto ao serviço do seu ex-empregador.

Esta interpretação tanto mais se impõe, quando, como no Pacto em causa se verifica, ao estipular-se a obrigação que consta da cláusula 4ª, forçosamente adicional num «Pacto de Não Concorrência» celebrado entre as partes, se teve o cuidado de determinar, com precisão, quais as consequências decorrentes do não cumprimento da mesma.

A admitir-se a interpretação feita pela Autora/apelante nas suas alegações e conclusões de recurso, caberia perguntar qual o sentido da estipulação da parte final da aludida cláusula 4ª? Não seria suficiente prever-se o que se estabelece na cláusula 7ª do referido Pacto, muito embora se verifique que a primeira parte da mesma se mostre perfeitamente inócua no que concerne à Autora face ao estabelecido na segunda parte da cláusula 6ª?

É assim que também nós entendemos, tal como na sentença recorrida, que, em caso de violação por parte do Réu da obrigação imposta na cláusula 4ª do mencionado Pacto, a sanção que sobre o mesmo pode recair é a que aí se mostra especificamente prevista, ou seja, o recurso por parte da Autora aos meios civis e/ou criminais como forma de se ver ressarcida de eventuais danos sofridos por condutas assumidas por aquele, enquanto a cláusula 7ª do mesmo Pacto e a sanção aí estabelecida – devolução da compensação, sem prejuízo do ressarcimento acrescido dos danos decorrentes da atuação daquele e que eventualmente excedam valor dessa compensação, bem como do procedimento criminal que possa vir a ter lugar – só pode fazer verdadeiro sentido quando reportada às obrigações estabelecidas nas cláusulas 1ª a 3ª, porquanto só estas contêm obrigações estritas de não concorrência e o valor da compensação estabelecido na cláusula 6ª visa recompensar o Réu pelo período de inatividade a que ficou sujeito, tendo sido calculada precisamente com base em 14 salários correspondentes aos 14 meses de vigência do Pacto em causa.

 Acresce referir que, bem vistas as coisas, com a celebração do mencionado Pacto com o Réu, a Autora procurou salvaguardar-se não só quanto à possibilidade daquele – enquanto detentor dos conhecimentos, “know-how”, que possuía, porventura adquiridos durante desempenho da sua atividade laboral ao serviço desta – poder desenvolver a sua atividade profissional em benefício de qualquer outra pessoa ou entidade concorrente em termos de área de negócio, durante um período de 14 meses, assim como procurou salvaguardar-se quanto á revelação pelo Réu, designadamente junto de eventuais concorrentes na mesma área de negócio e portanto ainda no âmbito da anterior salvaguarda, de quaisquer dossiers, arquivos, documentos, dados de natureza comercial e/ou técnica e informações a que acedera em virtude do desempenho das suas funções, nomeadamente sobre a organização desta, sobre a sua atividade ou negócios, preços, etc., como, finalmente e para além disso, procurou obstar à prática pelo Réu, durante aquele período de tempo, de eventuais condutas suscetíveis de porem em causa o bom nome, a reputação e honra da Autora, seus dirigentes e trabalhadores, sendo certo que esta última salvaguarda não se pode, de modo algum, confundir ou considerar ao nível das demais integrantes do «Pacto de Não Concorrência» legalmente previsto no art. 136º do Código do Trabalho e que as partes decidiram celebrar. Trata-se de obrigação que, embora nele tenha sido consagrada pelas partes, constitui algo de adicional ou complementar, sendo que as partes tiveram o cuidado de, relativamente à mesma, estabelecer a adequada consequência pelo seu não cumprimento.

Deste modo, não se pode admitir como plenamente válida e eficaz uma cláusula contratual – a aludida cláusula 7ª – na parte em que, como “sanção” pela violação da obrigação estabelecida na cláusula 4ª – cujo escopo apenas se prende com a continuação da observância de um dever de respeito e urbanidade próprios de um contrato de trabalho – prevê a restituição de uma compensação recebida pelo trabalhador aqui Réu/apelado como contrapartida pelo período de 14 meses de inatividade a que, fruto de celebrado Pacto, ficara sujeito. Mostrar-se-ia manifestamente excessivo, até face aos limites impostos pela boa-fé ou pelo fim económico do direito, sujeitar o Réu à obrigação de restituição de uma tal compensação nessas circunstâncias, ou seja, por exigências contratuais que nada têm a ver com um interesse legítimo de não concorrência que serviu de fundamento ou justificação legal para a celebração de um tal Pacto.

Importa ainda referir que, contrariamente ao que transparece do afirmado pela Autora/apelante nas suas alegações e conclusões de recurso, nada nos permite concluir que a compensação instituída pelas partes na cláusula 6ª do «Pacto de Não Concorrência e de Sigilo Profissional» celebrado entre as mesmas em 22 de dezembro de 2015, se destinasse a remunerar o conjunto das obrigações aí previstas e que o incumprimento de uma determinasse o desinteresse da Autora pelas demais, ficando o Réu desonerado da obrigação de não concorrência. Com efeito, para além de nada decorrer nesse sentido da matéria de facto provada, bem pelo contrário já que, como demonstrado ficou, o referido Pacto começou a produzir efeitos no dia 1 de janeiro de 2016, mantendo-se em vigor por um período de 14 meses (v. ponto 14 dos factos provados), a admitir-se tal entendimento seria defraudar, por completo o fundamento ou justificação para a celebração do mencionado Pacto e não é isso que resulta das cláusulas do mesmo.

Por todas estas razões, reafirma-se não merecer censura a sentença recorrida ao haver concluído que a violação pelo Réu da cláusula 4ª do «Pacto de Não Concorrência e de Sigilo Profissional» estabelecido entre as partes em 22 de dezembro de 2015, não dá lugar à obrigação de o mesmo restituir à Autora o montante da compensação que desta recebera, apenas conferindo a esta a possibilidade de recorrer aos meios civis e/ou criminais em direito permitidos para se ver ressarcida de eventuais danos decorrentes da violação de tal cláusula por parte daquele, improcedendo, deste modo, o recurso interposto pela Autora/apelante.

Esta conclusão leva a que fique prejudicada a apreciação das questões suscitadas pelo Réu/apelado no âmbito da ampliação do objeto de recurso que deduziu nas suas contra-alegações.

Decisão

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação de Lisboa em:

Julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida;

Considerar prejudicada a apreciação das questões colocadas pelo Réu/apelado em sede de ampliação do objeto de recurso.

Custas a cargo da Autora/apelante.

Lisboa, _28_____/_06___/_2017___

José António Santos Feteira (relator)

Filomena Maria Moreira Manso

José Manuel Duro Mateus Cardoso

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     José António Santos Feteira

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[1] Relatório elaborado mediante reprodução parcial do da sentença recorrida.