Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2635/13.2TBVFX.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– O «responsável civil» que está em causa no nº 1 e 2 do art 62º do DL 291/2007 de 21/8 é a pessoa sobre quem recai a obrigação de proceder ao seguro obrigatório e que não cumpriu essa obrigação. Consequentemente, e como resulta do art 6º/1 desse diploma legal, o proprietário, o usufrutuário, o adquirente ou o locatário.
II– A presença passiva da condutora do veículo, desde que esta não tem a qualidade de proprietária do mesmo, não substitui a do proprietário do veículo causador do sinistro.
III– A ilegitimidade singular não é suprível, mas é-o a plural através do mecanismo, ao dispor do autor, da intervenção principal provocada, podendo a mesma assumir o carácter de subsidiária nos termos do art 39º do CPC.
IV– O pressuposto processual conducente à legitimidade plural pode evoluir ao longo da acção, podendo apenas no seu decurso conhecer-se o verdadeiro interessado na relação controvertida.
V– Assim, desde o momento em que pela intervenção do chamado ficou clara a possibilidade da elisão do registo da propriedade do veículo, deveria o autor ter diligenciado para trazer aos autos o real proprietário do mesmo.
VI– A 1ª instância só não absolveu da instância o FGA por preterição de litisconsórcio necessário, na medida em que julgou verificados os pressupostos do nº 3 do art 278º CPC, tendo vindo, em consequência, a absolvê-lo do pedido.
VII– Porque poderia suceder que improcedendo a impugnação da matéria de facto resultasse confirmável a sentença recorrida e a consequente absolvição do FGA do pedido, sempre cabia a este Tribunal conhecer, para aquele estrito efeito – o de saber se é ou não confirmável aquela sentença – daquela impugnação da matéria de facto.
VIII– No entanto, concluindo pela procedência da impugnação da matéria de facto, de tal modo que passe a impor-se a condenação total ou parcial do FGA no pedido, logo se imporá que dê imediata prioridade à absolvição da instância decorrente da falta de legitimidade do FGA, deixando de ser possível fazer sobrepor o fundo à forma, como a referida norma do nº 3 do art 278º tem como finalidade.
IX– Nessa circunstância, a decisão sobre a matéria de facto que decorra da avaliação por este tribunal da impugnação da matéria de facto, não fará caso julgado, pois que se impõe a sua ulterior definição com o novo sujeito processual que está em falta na instância.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I– P....., intentou acção declarativa sob a forma de processo sumário, contra Fundo de Garantia Automóvel e D ....., pedindo a condenação do 1º R. a pagar-lhe € 3.500,00 a título de perda total do veículo, € 600,00 a título de despesas de averiguação e € 14.140,00 a título de indemnização pela paralisação da viatura, desde a data do sinistro até à presente data, tudo acrescido de juros vencidos, à taxa legal, desde a data do sinistro, até integral e efectivo pagamento.

Para o efeito, alegou ser dono do veículo ligeiro de passageiros, com matrícula ..-…  -HJ, e que no dia 27 de Maio de 2011, pelas 22h05m, quando circulava na Rua 28 de Setembro, em Vialonga, teve lugar um acidente que envolveu o seu veículo e o veículo com a matrícula ..-…-QO, conduzido pela 2ª R., sendo que no momento do mesmo seguia na sua hemi-faixa de rodagem na via direita, em direcção a Santa Cruz, quando foi surpreendido na mesma hemi-faixa de rodagem pelo veículo QO, que seguia em sentido contrário, com a pretensão de virar à esquerda da referida via. Mais refere que a total desatenção por parte da 2ª R. e a velocidade excessiva a que circulava, não lhe permitiu evitar o embate, o qual se deu entre a frente do seu veículo e a frente do QO. Alega ainda que, logo após o sinistro, a 2ª R. se identificou, preenchendo a declaração amigável de acidente e identificando a sua Companhia de Seguros como sendo a Fidelidade, sendo tomador do seguro O…….., sucedendo, no entanto, que a responsabilidade civil não se encontrava transferida para essa ou outra companhia de seguros. O A. participou o sinistro junto do 1º R. tendo o mesmo, contudo, declinado a responsabilidade, argumentando que o A. não circulava o mais próximo da berma direita da via. Refere que do sinistro resultaram danos materiais no HJ no montante de € 3.500,00, que implicaram a sua perda total, sendo que, por não ter sido indemnizado, não pôde adquirir outro veículo em substituição, o que lhe causou inúmeros transtornos, por necessitar do veículo profissional e pessoalmente, tendo tido que socorrer-se de meios alternativos, como veículos emprestados e boleia de terceiros. Considera adequada a indemnização pela privação de uso no valor de 20 € diários, por ser este o custo do aluguer diário de um veículo com as mesmas características, o que perfaz a quantia de € 14.140,00 desde a data do sinistro Mais referiu que despendeu € 600,00 com os serviços prestados pela G…… – Averiguação e Gestão de Sinistros, Lda.

O R. Fundo contestou, arguindo a respectiva ilegitimidade por não ter sido demandado o proprietário do veículo, incumpridor da obrigação de segurar, e defendeu-se por impugnação, referindo que o sinistro se ficou a dever ao A., por não circular o mais próximo possível da berma em relação ao seu sentido de marcha.

A a 2ª R. defendeu-se por impugnação, apresentando a sua versão do modo como o acidente se deu, referindo que nunca saiu da sua hemi-faixa de rodagem, e quem saiu da mesma foi o A. que seguia com excesso de velocidade.

O A. provocou a intervenção principal passiva de O……., na qualidade de proprietário do veículo QO.

Este apresentou contestação, referindo que o veículo havia sido adquirido pelo seu cunhado Carlos ….., pelo valor de € 1.400,00, o qual lhe pediu para o colocar em seu nome. Acrescentou que passado um mês, aquele lhe disse que já podia colocar o carro em nome dele, pelo que emitiu e lhe entregou uma declaração de venda, tendo nessa sequência transferido a apólice do seguro do veículo QO para um veículo que havia adquirido.

Requereu, por sua vez, a intervenção principal provocada de Carlos ….., o que foi indeferido por despacho de 7/4/2016.

 Foi proferido despacho saneador, com dispensa da identificação do objecto do litígio e da selecção dos temas da prova.
Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, que julgou improcedente a acção, absolvendo o Fundo de Garantia Automóvel do pedido. 

II– Do assim decidido apelou o A., que concluiu as respectivas alegações do seguinte modo:
1.– Veio o douto tribunal “a quo” proferir decisão nos presentes autos por sentença que veio por termo ao processo;
2.– Nesses termos, julgou a decisão da qual ora se recorre, totalmente improcedente a presente acção absolvendo os Apelados do pedido formulado nos presentes autos pelo Apelante.
3.– Porquanto, considerou o Tribunal a quo que foi o comportamento do Apelante, condutor do veículo HJ o causal do sinistro e não o da condutora do veículo QO, não se apurando que a mesma tenha cometido qualquer infracção, não se constituindo a mesma na obrigação de indemnizar o Apelante e, conseguinte, não é o 1º Apelante Fundo de Garantia Automóvel responsável por satisfazer em seu lugar e do proprietário do veículo qualquer indemnização ao Apelante.
4.– Mais entendeu o Tribunal a quo que sendo o proprietário do veículo QO à data do acidente F….. e não tendo o mesmo sido demandado conjuntamente com os 1º e 2º Apelados, existe uma situação de preterição de litisconsórcio necessário passivo, excepção que ditaria a absolvição dos Apelados da instância, o que não obsta, no entanto, ao conhecimento do mérito da causa por a decisão ser integralmente favorável a esta parte.
5.– No que concerne à excepção dilatória de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário passivo, é entendimento do Apelante não poder esta excepção ser julgada procedente, na medida em que somente face à prova produzida em Audiência de Julgamento veio o Tribunal a quo decidir que o veículo QO que se encontrava registado em nome do interveniente O……, havia sido adquirido por Carlos ….. que, por sua vez, na data do sinistro, o havia vendido ao companheiro a 2ª Apelada, Francisco ……. (Ponto 8 do Factos Provados).
6.– Sucede que, o único conhecimento que o Apelante tinha relativamente à propriedade do veículo respeitava à pessoa inscrita no respectivo registo, motivo pelo qual, requereu a intervenção do mesmo, não lhe sendo exigível que tivesse conhecimento da aquisição do veículo por terceiros que não procederam ao respectivo registo da propriedade. (ponto 7 dos Factos Provados)
7.– Por conseguinte, nos termos do disposto no art. 62º, nº1 do D.L. nº 291/2007 de 21/08, o Apelante demandou conjuntamente com o Apelado Fundo de Garantia Automóvel os responsáveis por si conhecidos, ou seja, a pessoa inscrita como proprietária do veículo e a condutora do mesmo na data do sinistro, não existindo desta forma preterição de litisconsórcio necessário passivo.
8.– Pelo que, mesmo que da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento resulte provado que o verdadeiro proprietário do veículo QO não é o que consta do respectivo registo.
9.– Nestes termos, resultando somente da prova efectuada em Audiência de Julgamento que o verdadeiro proprietário do veículo era desconhecido do Apelante.
10.– Por outro lado, considera o Apelante incorrectamente julgado como provado os Pontos 2 e 3 dos Factos Provados da sentença,
11.– No que concerne à factualidade impugnada, foi afirmado pela Apelada D……., que a mesma pretendia efectuar uma manobra de mudança de direcção à esquerda e que o embate entre o veículo por si conduzido e o veículo conduzido pelo Apelante se deu frontalmente. (passagem 10h19m05ss a 10h34m15ss)
12.– Foi também afirmado pela testemunha Carlos …., que verificou o veículo o A., bem como visualizou fotos dos veículos após o sinistro ainda no local, que o embate foi frontal mas com maior incidência na frente direita do veículo do Apelante, o que demonstra que o veículo QO já se encontrava a iniciar a manobra de mudança de direcção à esquerda, sendo que o veículo do Apelante, quando iniciou a travagem, encontrava-se dentro da sua hemifaixa de rodagem, atendo o local onde ocorreu o acidente. Afirmou ainda esta testemunha que a marca de travagem com a extensão de 05,80 metros não denuncia de modo algum uma circulação com velocidade excessiva. (passagem 10h35m30ss a 10h51m00ss)
13.– Foi ainda afirmado pela testemunha E…… que o local provável de embate que conta do croqui foi assinalado pela existência de uma mancha de óleo proveniente do veículo do Apelante e não por indicação dos intervenientes. (passagem 10h52m53ss a 11h17m09ss)
14.– Foi, igualmente, afirmado pela testemunha Hugo ….. que circulava na sua viatura atrás do veículo QO e que viu que o embate ocorreu quando a mesma já se encontrava a circular parcialmente na faixa de rodagem contrária para efectuar uma manobra de direcção à esquerda, sendo que, o Apelante circulava na sua hemifaixa de rodagem. (passagem 11h18m31ss a 11h25m40ss)
15.– Mais foi afirmado pela testemunha António ……, que a 2ª Apelada circulava no meio da via com intenção de mudar de direcção à esquerda quando ocorreu o embate, sendo que, após a ocorrência do mesmo ouviu o Apelante afirmar que a 2ª Apelada vinha em fora de mão. (passagem 09h57m57ss a 10h17m34ss)
16.– Por outro lado, resulta do croqui elaborado pela Autoridade Policial, junto aos autos como doc.4 junto com a petição inicial que o local provável de embate se situa no lado direito do veículo do Apelante, claramente, na sua hemifaixa de circulação, sendo que não foi efectuada qualquer medida relativamente ao mesmo, bem assim como, não foram efectuadas quaisquer medidas relativamente à posição das marcas de travagem deixadas pelo veículo do Apelante, com excepção do seu cumprimento.
17.– Acresce ainda, conforme consta igualmente do croqui, que o veículo QO após o embate ficou imobilizado obliquamente em relação à berma direita, atento o seu sentido de marcha, o que é igualmente demonstrativo que o mesmo não se encontrava a circular paralelamente na via aquando da ocorrência do embate, o que é coincidente com o depoimento da testemunha Hugo ….. relativamente ao facto da 2ª Apelada já se encontrar a efectuar a manobra de mudança de direcção à esquerda, quando embateu no veículo conduzido pelo Apelante.
18.– Nestes termos, atenta a prova acima indicada deveriam os Pontos 2 e 3 dos Factos Provados da sentença, ter sido julgados como não provados,
19.– Na medida em que resultou apurado que o Apelante circulava normalmente na sua hemifaixa de circulação, sendo que era a condutora do veículo QO que pretendia efectuar uma manobra de mudança de direcção à esquerda, tendo ocupado a hemifaixa contrária, por onde circulada o veículo conduzido pelo Apelante, tendo o embate ocorrido na hemifaixa de circulação do Apelante, conforme indicado no croqui elaborado pela Autoridade Policial, o qual não foi mencionado por nenhum dos intervenientes mas com recurso aos vestígios existentes no local, tanto assim é que o veículo QO após o embate ficou imobilizado obliquamente em relação à berma direita, atento o seu sentido de marcha, demonstrando que a circulação que o mesmo fazia não era paralelamente à berma.
20.– Pelo que, atenta a factualidade assente resulta que foi o comportamento da 2ª Apelada, condutora do veículo QO que contribuiu única e exclusivamente para a ocorrência do sinistro, constituindo-se assim na obrigação de indemnizar o Apelante relativamente aos danos que resultaram em consequência do mesmo.
21.– Ora, tendo resultado provado que o veículo QO não possuía à data do sinistro seguro válido e eficaz, compete ao 1º Apelado Fundo de Garantia Automóvel a satisfação do pagamento da indemnização pelos danos materiais.
22. No que concerne à quantificação dos danos que advieram para o Apelante em consequência do sinistro, resultou como provado que na sequência do embate resultaram estragos no veículo do Apelante que impediram a sua circulação, sendo que o valor de compra de um veículo com as características do veículo HJ era de 3.500,00 Euros. (Pontos 5 e 6 dos Factos Provados)
23.– Pelo exposto, deverão os RR. serem solidariamente condenados no pagamento ao Apelante da quantia devida pela perda total do seu veículo no montante de 3.500,00 Euros.
24.– E, ainda, o montante de 14.140,00 Euros, à razão de 20,00 Euros por dia, correspondente a 707 dias de privação de uso do seu veículo, contados desde a data do acidente até à entrada da presente acção e no montante de 20,00 Euros diários até integral pagamento da indemnização devida.
25.– Porquanto, o Apelante enquanto proprietário tem o direito de usar, fruir e dispor da coisa e ficou impossibilitado de o fazer porque a sua viatura ficou impossibilitada de circular em consequência do sinistro.
26.– Por conseguinte, deverá o presente recurso ter provimento e a Sentença proferida pelo Tribunal a quo alterada nos seus precisos termos, condenando solidariamente os Apelados no pagamento ao Apelante dos montantes peticionados.
27.– Mediante a reapreciação da prova testemunhal, designadamente, das declarações de parte da 2ª Apelada e das testemunhas Carlos ………., Eusébio …….., Hugo ….. e António ….., bem como da prova documental junta aos autos, nomeadamente, o documento 4 junto com a petição Inicial.

A R. D….. apresentou contra-alegações concluindo-as do seguinte modo:
I.– O Apelante não se conforma com a decisão da 1.ª Instância queconsiderou que o sinistro ocorrido se deveu ao comportamento do A., condutor do veículo HJ, pelo que, e em consequência, absolveu o 1.º Réu, Fundo de Garantia Automóvel, do pedido.
II.– Alega o Apelante que foram incorrectamente julgados os Pontos 2 e 3 e as alíneas a) e b), dos factos assentes e provados e dos factos não provados, respectivamente.
III.– No entanto, o Apelante não efectuou a indicação exigida pelo referido preceito quanto às passagens da gravação (640º, nº 2, a)), limitando-se a indicar a hora do início e do termo de cada um dos depoimentos que invocou para assacar ao Tribunal “a quo” a incorrecta apreciação da prova.
IV.– Pelo que, apontada tal omissão do Apelante, deverá ser rejeitado de imediato o recurso no que concerne à requerida alteração da matéria de facto baseada nos depoimentos prestados. Se assim não se considerar
V.– Não tem qualquer fundamento a impugnação dos Pontos 2 e 3 e as alíneas a) e b), dos factos assentes e provados e dos factos não provados, respectivamente.
VI.– A testemunha, Carlos ……, além de não ter estado presente no local do sinistro, antes ou depois da ocorrência, prestou o seu depoimento com base em fotografias que lhe foram apresentadas pelo Apelante e cujo conteúdo não foi dado a conhecer ao tribunal e aos Réus, ora Apelados, conforme resulta do sistema de gravação digital da aplicação Habilus Média Studio, 10:34:17/10:51:56, no dia 27-09-2016, entre 03:19 a 03:33 e 13:24 a 13:39 minutos.
VII.– A testemunha Eusébio ……, alega o Apelante, que o mesmo afirmou, em sede de audiência de discussão e julgamento, que o local provável de embate que consta do croqui foi assinalado pela existência de uma mancha de óleo proveniente do seu veículo e não por indicação dos intervenientes.
VIII.– Ora, tal alegação do Apelante não corresponde à verdade, pois a testemunha Eusébio ….. quando questionado se o local provável do embate foi indicado por ele, o mesmo disse que: “ (…) não, não, foi indicado pelos dois condutores (…)”. (Sistema de gravação digital da aplicação Habilus Média Studio, 10:52:51/11:57:09, no dia 27-09-2016, entre 10:36 a 10:39 minutos.
IX.– Acontece que tal afirmação não consta das declarações prestadas pelos intervenientes na participação do acidente.
X.– O embate não poderia ter ocorrido no local onde consta a mancha de óleo, até porque, as marcas de travagem do veículo do Apelante não estão em linha com a marca de óleo, conforme croqui junto aos autos.
XI.– Quanto ao depoimento da testemunha Hugo …………, não é crível que a Apelada estivesse já a circular na faixa de rodagem do Apelante quando se deu o embate, porque tal facto é fisicamente impossível, pois então, o embate não teria sido frontal mas na lateral do veículo QO.
XII.– A testemunha Hugo ………. referiu no seu depoimento quando perguntado onde ocorreu o embate, se na faixa de rodagem do Apelante ou da apelada, que “(…) eu acho, não me recordo bem, eu acho que o embate será na, mais ou menos, ali para o meio da via já(…)” - (Sistema de gravação digital da aplicação Habilus Média Studio,
11:18:31/11:33:32, no dia 27-09-2016, entre 07:35 a 07:44 minutos.)
XIII.– Conforme o disposto no artº 13º, n.º 1 do Código da Estrada “O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes.”, Estatuindo ainda o nº 2 de tal preceito que “Quando necessário, pode ser usado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direção.”
XIV. Conforme fundamenta o tribunal “ A QUO”, (…) “No caso em apreço, resulta da fatualidade provada acima referida que a 2ªR. encontrava-se ainda na sua hemi-faixa de rodagem com o veículo QO, ainda que tendo a pretensão de virar à esquerda, quando o A. embateu na parte frontal de tal veículo com a parte frontal do  veículo HJ que conduzia, embate esse que ocorreu assim na parte da faixa de rodagem destinada ao sentido em que circulava a 2ª R.”
XV.– Resulta do croqui junto aos autos, assim como, dos estragos sofridos pelos veículos, que era o Apelante e não a Apelada que circulava com velocidade excessiva para o local (+50 Km/h), até porque, com a força do embate o veículo da Apelada retrocedeu 9,20mts, ao contrário do veículo do Apelante.
XVI.– Por outro lado, se a Ré, ora Apelada, já estivesse a fazer a manobra de mudança de direcção à esquerda, ou seja, com rodas viradas nesse sentido, a força do embate frontal faria com que o carro da Apelada recuasse no sentido contrário ao que consta no croqui.
XVII.– Assim, e como resulta da factualidade dada como provada, foi o comportamento do Apelante, condutor do veículo HJ, o causal do sinistro ocorrido, pelo que, não se constitui a Apelada na obrigação de indemnizar.
XVIII.– Acontece que o Apelante não provou quais os danos sofridos, conforme resulta das alíneas c), d) e e) dos factos não provados e que foram não impugnados,
XIX.– Pelo que, não poderão ser os RR. condenados no pagamento no montante de 14.140,00€.
XX.– Tendo em conta as considerações expostas, é fácil concluir-se que a Douta Decisão em apreço não enferma de qualquer vício que lhe é imputada pela apelante, pelo que deve ser inteiramente confirmado.

Também o interveniente apresentou contra alegações, nelas pretendendo que o apelante não observou os ditames constantes do art. 640º, nº 2,alínea a) do CPC, pois tal normativo exige – sob pena de rejeição do recurso na respectiva parte – a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o seu recurso (sem prejuízo de proceder à transcrição dos enxertos que considere relevante) e o apelante apenas indica o início e o fim de cada depoimento, não tendo indicado com exactidão as passagens que entende deverem ser apreciadas em sede de impugnação de prova, limitando-se a emitir considerações sobre os depoimentos prestados.

III– O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1.- Em 27 de Maio de 2011, cerca das 22h00m, o A. encontrava-se a conduzir o seu veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ...-...-HJ na Rua 28 de Setembro, em Vialonga, na direção de Santa Cruz.
2.- Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar a 2ª R. conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ...-...-QO em sentido contrário, na sua hemi-faixa de rodagem, tendo a pretensão de virar à esquerda.
3.- Nessa altura, o veículo com a matrícula ...-...-HJ, após travar 5,80 metros, embateu com a sua parte frontal na parte frontal do veículo com a matrícula ...-...-QO, na hemi-faixa de rodagem deste.
4.- Na data referida em 1) o veículo QO não possuía seguro de responsabilidade civil.
5.- Na sequência do embate resultaram estragos no veículo HJ que impediram a sua circulação.
6.- Na data referida em 1) o valor de compra de um veículo com as caraterísticas do veículo HJ era de cerca de € 3.500,00.
7. Nessa data o veículo QO encontrava-se inscrito no registo a favor do interveniente O ...... por inscrição de 18.02.2011.
8. O veículo QO foi adquirido por C…… e na data referida em 1) havia sido vendido por este ao companheiro da 2ª R., F……..

E julgou não provados os seguintes factos:
a)- Nas circunstâncias referidas na fatualidade provada o A. circulasse com o veículo HJ ocupando a sua hemi faixa da rodagem na via da direita, atento o sentido em que seguia;
b)- Nessas circunstâncias a 2ª R. circulasse com o veículo QO com total desatenção à estrada e a grande velocidade;
c)- Em consequência do embate referido na fatualidade provada o A. tivesse ficado desprovido de qualquer meio de transporte e que tal lhe tivesse causado transtornos, nem que se tenha visto obrigado a socorrer-se de veículos emprestados e de boleias de terceiros;
d)- O valor diário de aluguer de um veículo com as caraterísticas do HJ corresponda a € 20,00;
e)- O A. tivesse despendido € 600,00 com os serviços prestados pela G….. , Lda.

IV– Do confronto das conclusões do recurso com o teor da decisão recorrida, resultam para apreciação as seguintes questões:
- se tendo o A. proposto a acção conjuntamente contra o Fundo de Garantia Automóvel (FGA) e os “responsáveis conhecidos” - por um lado, a condutora do QO, por outro, através da respectiva intervenção principal, que provocou, a pessoa inscrita no registo como proprietária do mesmo - se não se devia ter concluído pela  preterição de litisconsórcio necessário passivo, até porque só após o julgamento é que resultou adquirida, afinal, a não coincidência entre o proprietário constante do registo e o verdadeiro proprietário;
- se a prova produzida implicava decisão  diversa relativamente aos pontos 2 e 3 dos factos provados e a) e b) dos factos não provados, e se, da matéria de facto assim alterada, resulta a culpa exclusiva da condutora do QO pela eclosão do acidente e, consequentemente, a procedência da acção.

 Vejamos o percurso argumentativo da 1ª instância para ter concluído pela preterição do litisconsórcio necessário passivo.
Depois de reproduzir o disposto nas als a) e b) do nº 1 do art  49º [1] e o nº 1 do art 62º [2]do DL 291/2007 de 21/08, diploma vigente à data do acidente [3] e, concluindo, em face desses dispositivos, que quando o responsável pelo acidente seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, a acção destinada a exigir do Fundo de Garantia Automóvel o pagamento de indemnização pelos danos materiais, deve ser intentada necessariamente contra o mesmo e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade, entendendo – embora sem fundamentação específica - que esse responsável civil corresponde ao proprietário e, uma vez que, da prova produzida, resultou  a elisão da presunção da propriedade a favor do titular inscrito, porque se demonstrou que aquele vendera o veículo a C ...... e este a F ......,  companheiro da 2ª R., rematou sustentando que a não presença passiva deste nos autos implicava preterição de litisconsórcio necessário passivo. E só não absolveu da instância o 1º R., na medida em que julgou verificados os pressupostos do nº 3 do art 278º CPC, tendo vindo, em consequência, a absolvê-lo do pedido.

Nos termos do art 47º/1 do referido DL 291/2007 de 21/8, compete ao FGA  garantir a reparação dos danos causados ou por responsável desconhecido, ou por responsável isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ou por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel [4].

Sabe-se que a intervenção do FGA se quis a título subsidiário, sendo este mero garante das indemnizações, pois que, em última análise, ficando o mesmo sub-rogado nos direitos do lesado nos termos do nº 1 do art 54º [5]daquele diploma, tem a faculdade de reaver dos responsáveis as quantias que houver despendido.

Para este efeito, são “responsáveis” as pessoas que o número 3 desse preceito enuncia como solidariamente responsáveis por esse pagamento, e que são o detentor, o proprietário e o condutor do veículo.

Como resulta hoje com clareza do nº 3 do referido art 54º (ao referir, na sua parte final, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro), estes três responsáveis não correspondem necessariamente «ao responsável civil» a que se reporta a norma desse diploma que especificamente dispõe sobre a legitimidade – o seu art 62º- e que a afirma, nos seus três números, nos seguintes termos:
«1- As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade.
2- Quando o responsável civil por acidentes de viação for desconhecido, o lesado demanda directamente o Fundo de Garantia Automóvel.
3- Se nos casos previstos nos números anteriores o acidente de viação for, nos termos do n.º 2 do artigo 51.º, subsumível em contrato de seguro automóvel de danos próprios, a acção deve ser proposta também contra a respectiva empresa de seguros».

O «responsável civil» que está em causa no nº 1 e 2 desta norma é a pessoa sobre quem recai a obrigação de proceder ao seguro obrigatório e que não cumpriu essa obrigação.

Consequentemente, será o art 6º/1 desse diploma legal - que rege a respeito dos sujeitos da obrigação de segurar- que responderá à questão se saber quem é o «responsável civil» a que se reporta nos dois referidos números o art 62º .

Ora, a obrigação de segurar, nos termos do nº 1 desse art 6º, «impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a obrigação recai, respectivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário».

Não estando em causa na situação dos autos nenhuma destas realidades jurídicas – venda com reserva de propriedade, usufruto ou locação financeira - o «responsável civil», para efeitos de legitimidade,  é o proprietário.

Note-se que, se, por hipótese, o veiculo causador do sinistro se encontrasse em locação financeira, «responsável civil» para o efeito de integrar a legitimidade plural a que se refere o art 62º/1 seria o locatário e não já o proprietário, não obstante ser o proprietário/locador financeiro o «responsável solidário» para efeitos do disposto no nº  1 do art 54º.

Conclui-se, pois, nos termos expostos, no sentido de que a legitimidade passiva que o art 62º/1 quis plural implica a demanda do FGA e, na situação concreta dos autos, também a do proprietário do veículo interveniente no sinistro.

Quer dizer, a presença passiva da condutora do veículo, desde que esta não tem a qualidade de proprietária do mesmo, não substitui a do proprietário do veículo causador do sinistro.
 
Ela tem legitimidade para acção como responsável solidária que é com o FGA na relação perante o A. – e, por isso, o pedido formulado na acção deveria tê-la abrangido… o que não sucedeu -  mas a sua legitimidade não impede que o  FGA demandado sem o proprietário seja parte ilegítima e que a ilegitimidade deste arraste ou determine também a daquela.

Na análise que se vem fazendo do art 62º/1 não pode deixar de se registar a circunstância geradora de alguma equivocidade, decorrente dessa norma utilizar, por um lado, a expressão «responsável», e logo de seguida a de «responsável civil». Ora, o (meramente referido) «responsável» é o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, e/ou o comitente nos termos do art 503º/2 CC, ou o mero detentor em termos mais gerais; o «responsável civil», é, como já foi sobejamente referido, o proprietário, ou nas situações menos comuns referidas na parte final do nº 1 do art 6º, o usufrutuário, adquirente ou o locatário [6].

Feitas estas considerações, passa-se à questão mais especificamente colocada  pela apelante na primeira das questões acima evidenciadas  – a de saber se, afinal, para efeito da referida legitimidade plural - que já se viu que na generalidade das situações resulta da demanda necessariamente conjunta do FGA e do proprietário do veiculo causador do acidente - este proprietário é a pessoa que à data do sinistro figura no registo automóvel como tal, pois apenas esta pode ser conhecida pelo autor da acção quando a interpõe, ou é a pessoa que, realizada a prova na acção, se venha a final a entender como substantivamente proprietária desse veiculo àquela data.

Não constitui novidade que existem especificidades a considerar no que concerne à definição e ao enquadramento do conceito de legitimidade plural decorrente da figura do litisconsórcio necessário, como aliás vem referido no preâmbulo do DL  180/96 de 25/9,  desde logo porque a ilegitimidade singular não é suprível, ao passo que a plural se configurou desde sempre como tal, através do mecanismo -ao dispor do autor - da intervenção principal provocada.

Assim dispõe hoje o art 316º/1 CPC, como dispunha igualmente o art 325º do aCPC que, «ocorrendo preterição do litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária», sendo que, consentaneamente, resulta do art 320º (anteriormente, 328º) que, «a sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado». A ideia é a de, através da intervenção principal destinada a suprir o litisconsórcio necessário, trazer aos autos quem neles falta, de modo a que seja possível o cumprimento integral da regra do contraditório e a obtenção de uma pronúncia unitária que vincule definitivamente todos os interessados.

A partir do momento em que a preterição de litisconsórcio necessário é passível  de suprimento, logo se vê que o pressuposto processual subjacente se não deve ter como imutável após o início da instância, mas susceptível de evoluir ao longo da acção, desde que esta potencie o conhecimento do verdadeiro interessado na relação controvertida..

Foi justamente por isso que, tendo-se o R. FGA defendido na acção com a sua ilegitimidade em função da não demanda do proprietário do veículo, o A. veio, a fls 78, deduzir o incidente de intervenção principal provocada de O ......, enquanto titular do registo de propriedade do veículo. Admitida esta intervenção pelo despacho de fls 90, contestou o referido Odair, referindo, em síntese, que o veículo fora adquirido por C ......, seu cunhado, e ele apenas lhe fez “o favor” de ficar com ele registado em seu nome, mas, mais tarde, e a pedido dele, emitiu a “declaração de venda” para que o mesmo o inscrevesse em seu nome no registo ou o vendesse a terceiro.

No afã de se defender, o próprio Adair deduziu a intervenção principal provocada do referido C ......, incidente que não veio a ser admitido.

Cabia ao A., notificado que foi da contestação do chamado Odair e subsequentemente do indeferimento da intervenção principal do C ......, ter provocado ele esta intervenção, perante o risco de poder triunfar em sede de prova  - como veio a acontecer – esta relação jurídica de propriedade referente ao veiculo QO alternativa àquela outra que advinha do registo.

Note-se que inclusivamente, após a Reforma processual de 95, o A. tem a possibilidade de trazer para a lide, em termos subsidiários, um outro réu, quando se verifique «dúvida fundamentada em relação ao sujeito da relação controvertida», nos termos do actual art 39º, dúvida que na situação dos autos decorreria dos factos meramente alegados na contestação do chamado Odair referentes à real propriedade do veículo.

Essa dedução subsidiária do pedido contra aquele que poderia ser o verdadeiro réu na acção, conjuntamente com o FGA, feita através da intervenção principal, teria permitido que o verdadeiro sujeito da relação controvertida no referente à propriedade do QO, viesse a substituir o demandado Odair, beneficiando o A. do aproveitamento da mesma acção.

Do que se veio de dizer resulta que se entende que não assiste razão ao apelante.

Desde o momento em que, pela intervenção do chamado Odair, ficou clara a possibilidade da elisão do registo da propriedade do veículo, que o A. deveria ter diligenciado para trazer aos autos o real proprietário do mesmo, o que teria alcançado, primeiro, pelo chamamento do referido C ......, e certamente, após, pelo do companheiro da R.

A conclusão é, pois, a mesma que alcançou a 1ª instância – verifica-se ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário por não estar na acção, como o exige o nº 1 do art  62º do DL 291/2007, o proprietário do veiculo à data do acidente, que se veio a saber ser o companheiro da R.

Esta conclusão tem, no entanto, consequências relativamente à segunda questão acima evidenciada como objecto do recurso.

Com efeito, desde o momento em que passa a estar em questão uma possível condenação total ou parcial do FGA no pedido, em função da alteração da matéria de  facto pretendida pelo apelante, passa também a ser possível que deixem de se verificar todos os requisitos de que o nº 3 do art 278º CPC faz depender a possibilidade de prolação de uma  imediata decisão de mérito.

Porém, porque também pode suceder que improcedendo a impugnação da matéria de facto deduzida pelo apelante, resulte confirmável a sentença recorrida e a consequente absolvição do FGA do pedido, sempre caberá a este Tribunal conhecer, para aquele estrito efeito – o de saber se é ou não confirmável aquela sentença – daquela impugnação da matéria de facto.

Repare-se que se se vier a concluir pela procedência da impugnação da matéria de facto, de tal modo que passe a impor-se a condenação total ou parcial do FGA no pedido, logo se imporá que se dê imediata prioridade à absolvição da instância decorrente da falta de legitimidade do FGA, deixando de ser possível  fazer sobrepor o fundo à forma, como a referida norma do nº 3 do art 278º  tem como finalidade.

Repare-se também que a decisão sobre a matéria de facto que decorra da avaliação por este tribunal da respectiva impugnação, na hipótese desta proceder, não fará caso julgado, pois que se impõe a sua ulterior definição, agora com o novo sujeito processual que está em falta na instância.

Assim, e em função destes pressupostos, passa-se a conhecer da impugnação da matéria de facto, cumprindo, em primeiro lugar, a seu respeito salientar, que não se vê que procedam as objecções à admissão da reapreciação da prova que, quer a R. Dulcelina, quer o interveniente principal colocam, pois que o recorrente procedeu à  indicação das passagens da gravação em que funda o seu recurso. È certo que não as colocou textualmente no discurso directo, mas não parece que esse procedimento seja exigível em face do disposto no art 640º CPC, tratando-se apenas de um modo de tornar mais consistente aquela impugnação.

Está em causa a alteração da matéria de facto relativamente aos seus pontos  2 e 3, que no entender do apelante deveriam ter sido julgados não provados, e a alteração dos factos não provados nas alíneas a) e b), que, ao contrário, e no entender do mesmo, se deveriam ter julgado como provados.

Assim e concretamente, foi dado como provado que «nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar a 2ª R. conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ...-...-QO em sentido contrário, na sua hemi-faixa de rodagem, tendo a pretensão de virar à esquerda» (facto 2), e que, «nessa altura, o veículo com a matrícula ...-...-HJ, após travar 5,80 metros, embateu com a sua parte frontal na parte frontal do veículo com a matrícula ...-...-QO, na hemi-faixa de rodagem deste» (facto 3); e foi dado como correspondentemente não provado que, «nas circunstâncias referidas na factualidade provada o A. circulasse com o veículo HJ ocupando a sua hemi faixa da rodagem na via da direita, atento o sentido em que seguia» (al a), e que, «nessas circunstâncias a 2ª R. circulasse com o veículo QO com total desatenção à estrada e a grande velocidade»  (al b).

Baseia-se o apelante para requerer a alteração da decisão a respeito desta  matéria de facto, na circunstância da testemunha Carlos ……, ter verificado e referido em audiência que o embate foi frontal, mas com maior incidência na frente direita do veículo do A. e que a marca de travagem com a extensão de 05,80 metros não denuncia uma circulação com velocidade excessiva; na circunstância da testemunha Eusébio ….., agente policial que interveio após o acidente e que efectuou o croqui junto à correspondente participação policial, ter referido que o  local provável de embate que dele consta foi assinalado pela existência de uma mancha de óleo proveniente do veículo do A. e não por indicação dos intervenientes; em função do depoimento da testemunha Hugo ……, que circulava na sua viatura atrás do veículo QO, e que referiu ter visto que o embate ocorreu quando a mesma já se encontrava a circular parcialmente na faixa de rodagem contrária para efectuar uma manobra de direcção à esquerda, e que o A. circulava na sua hemifaixa de rodagem; e finalmente, em função do depoimento da  testemunha António ……, que referiu  que a condutora do QO  circulava no meio da via com intenção de mudar de direcção à esquerda quando ocorreu o embate, sendo que, após a ocorrência do mesmo ouviu o A. afirmar que ela vinha fora de mão. Por outro lado, entende que resulta do croqui que o local provável de embate se situa no lado direito do veículo do A. claramente, na sua hemifaixa de circulação e que  o veículo QO após o embate ficou imobilizado obliquamente em relação à berma direita, atento o seu sentido de marcha.

Foi a seguinte a fundamentação da decisão da matéria de facto na 1ª instância no que respeita à aqui pertinente:
«A matéria de fato provada quanto à dinâmica do acidente resultou do teor da participação de fls. 21-24 e do croquis parte integrante da mesma, conjugadamente com os depoimentos de algumas das testemunhas inquiridas e com as declarações de parte da 2ª R. Com efeito, esta última confirmou que pretendia virar à esquerda e que o embate deu-se frontalmente entre os dois veículos, circunstância esta que de resto foi confirmada pela testemunha Carlos ......, funcionário da empresa averiguadora de sinistros contratada pelo A. que viu fotos dos veículos após o acidente e verificou o veículo do A., bem como pela testemunha Eusébio ......, guarda da GNR subscritor da participação de fls. 21-24, e pela testemunha António ......, o qual encontrava-se no local do acidente quando o mesmo se deu, tendo ouvido o veículo do A. a travar e visto logo após o embate. Resultou assim claro que a 2ª R. não estava ainda a mudar de direcção à esquerda, ao contrário do afirmado pela testemunha Hugo ......, que alegadamente circulava na sua viatura atrás da viatura conduzida pela 2ª R., tanto que se assim fosse o embate não se teria dado entre a parte frontal de ambos os veículos. Por outro lado, verificando-se no croquis de fls. 23 a distância da berma da estrada/passeio até à frente do veículo HJ – 2,10 metros –; que o mesmo derramou óleo conforme mancha constante de tal croquis, sendo assim evidenciador que o embate se deu sensivelmente no local onde tal mancha se encontra – tendo após o veículo da 2ª R. sido projetado para trás dada a sua posição final no croquis, como corroborado pela testemunha António ...... –; e tendo em conta que a faixa de rodagem onde o acidente se deu tem a largura total de 7,30 metros, sendo composta por apenas duas vias - uma em cada sentido - como a testemunha Eusébio ...... esclareceu, temos que o embate se deu necessariamente na hemi–faixa de rodagem destinada ao sentido contrário àquele em que o A. circulava, ou seja, na hemi-faixa de rodagem do sentido em que o veículo da 2ª R. circulava. No que concerne à travagem pelo A. tal resulta dos rastos de travagem constantes na participação do acidente e que existiam ao longo de 5,80 metros, o que evidencia ter o mesmo avistado o veículo da 2ª R. a alguma distância e ser ele quem iria a uma velocidade considerável dado não ter tido tempo de travar atempadamente de modo a evitar o embate.  Assim sendo, a fatualidade não provada nas alíneas a) e b) foi contrariada pela prova produzida»

Ouvida a prova testemunhal e confrontando-a com os demais meios de prova, não se partilha o entendimento da 1ª instância.
Apesar da prova testemunhal não ter sido particularmente esclarecedora ou convincente – não merecendo, no nosso entender, grande credibilidade o testemunho  de Carlos ......, que se configurou pouco transparente, em parte por não ter sido determinada a junção aos autos das fotografias dos veículos acidentados em que diz ter-se apoiado e que lhe foram disponibilizadas pelo A.- verificam-se nela denominadores comuns que não podem desprezar-se.

Assim, regista-se no depoimento de Hugo ...... - que circulava na sua viatura atrás da conduzida pela 2ª R., e que logo no interrogatório preliminar referiu ser amigo do A., «tendo uma convivência com ele e mais amigos antes do acidente, e depois do acidente desenvolveu com ele uma convivência maior» - a referência ao facto da condutora do QO «ter entrado» (na Rua 28 de Setembro, vinda da R. da Flamenga) «directo», quer dizer, como depois veio a explicar, sem ter parado nesse cruzamento, e o embate já se ter dado quando ela já estava a fazer o desvio para a esquerda («começou-se a encostar à esquerda») referindo ainda que o «embate será mais ou menos  no meio da via»;  no que confluiu com o depoimento de António ......, que igualmente referiu que «a senhora já ia embicada» (para virar à esquerda), que «estava mais ou menos no meio da via» e que o embate «foi quase de frente».  Por outro lado e ao contrário da leitura que parece ter sido feita pela Exma Juíza a quo, o que se retira do croqui – e a este respeito cabe notar que Eusébio ......, agente policial que o elaborou, nada disse de útil senão o que fez constar daquele – é que, dada a obliquidade relativamente à Rua 28 de Setembro, da via à esquerda para a qual a condutora do QO se pretendia dirigir, não pode ter-se por referência toda a largura da referida Rua 28 de Setembro (os tais 7,30 m), mas cerca de metade desse comprimento. Acresce que, querendo virar à esquerda, seria à condutora do QO que se exigiriam especiais cautelas e não ao veículo do A. que prosseguiria na R. 28 de Setembro.

Deste modo, responder-se-ia provado que «nas circunstâncias referidas na (demais) factualidade provada, o A. circulava com o veículo HJ ocupando a sua hemi faixa da rodagem na via da direita, atento o sentido em que seguia», provado que «a 2ª R. tinha a pretensão de virar à esquerda», provado que «o veículo com a matrícula ...-...-HJ, após travar 5,80 metros, embateu com a sua parte frontal direita na parte frontal direita do veículo com a matrícula ...-...-QO» e, não provado, que, «nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar a 2ª R. conduzisse o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ...-...-QO em sentido contrário, na sua hemi-faixa de rodagem».

Desta matéria de facto, como é bom de concluir, resultaria a culpa da condutora do QO na eclosão do acidente, por ter sido ela e não o A . a conduzir em contravenção ao disposto no art 13º/1 do CE na redacção da Lei nº 46/2010 de 7/9 vigente à data do sinistro.

Concluindo-se, pois, que a decisão de mérito a ser proferida implicaria a condenação do FGA (e a da R. Dulcelina… se tivesse sido pedida), impõe-se, como acima se reflectiu, não proferir essa condenação e absolver os RR. da instância por ilegitimidade.

Por isso, na situação dos presentes autos, há que concluir que a apelação improcede no que respeita à questão da legitimidade do FGA, e fica prejudicada no restante, impondo-se absolver os RR. da instância.

V–Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação no que respeita à legitimidade do Fundo de Garantia Automóvel, e prejudicada no restante, absolvendo-se os RR da instância.

Custas na 1ª instância e nesta pelo A.

 

Lisboa, 6 de Dezembro de 2017



Maria Teresa Albuquerque                                      
Vaz Gomes                                             
Jorge Leal                                              



[1]Alíneas essas que dispõem:
 « 1- O Fundo de Garantia Automóvel garante, nos termos do n.º 1 do artigo anterior, e até ao valor do capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a satisfação das indemnizações por:
a)- Danos corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido e eficaz, ou for declarada a insolvência da empresa de seguros;
b)- Danos materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz;»
[2]-Que dispõe:
«1-As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade.
2-Quando o responsável civil por acidentes de viação for desconhecido, o lesado demanda directamente o Fundo de Garantia Automóvel.
3-Se nos casos previstos nos números anteriores o acidente de viação for, nos termos do n.º 2 do artigo 51.º, subsumível em contrato de seguro automóvel de danos próprios, a acção deve ser proposta também contra a respectiva empresas de seguros»
[3]-Diploma que transpõe parcialmente para ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Directivas n.os 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (5.ª Directiva sobre o Seguro Automóvel)
«1- A reparação dos danos causados por responsável desconhecido ou isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ou por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, é garantida pelo Fundo de Garantia Automóvel nos termos da secção seguinte. 2 - O Fundo de Garantia Automóvel é dotado de autonomia administrativa
[5]- Dispõe o nº 1 e o 3 desse art 54º: 
1- Satisfeita a indemnização, o Fundo Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistro e de reembolso.
(…)
3- São solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do n.º 1, o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro.
[6]-No sentido que se vem de defender, embora ainda  no âmbito do DL 522/85 de 31/12 (cujo art 25º não continha norma idêntica à do nº 3 do art 54º do DL 291/2007 de 21/8) cfr Ac  STJ de 12/7//2011(Nuno Cameira), de cujo sumário consta:
«1- Decorre do art. 21.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do DL n.º 522/85, de 31-12, que o DD não é mais do que um garante, um responsável “subsidiário”; o principal obrigado é sempre o responsável civil; e só se este último se furtar ao cumprimento do seu dever é que o Fundo entra em cena, satisfazendo a indemnização arbitrada. Tal a verdadeira razão de ser do art. 25.º, n.º 1, independentemente de aí se falar em sub-rogação, e essa é também a explicação lógica para a norma do art. 29.º, n.º 6, ambos do citado diploma.
II- Existe uma “concorrência” de responsabilidades, podendo afirmar-se que estamos perante um caso de solidariedade imprópria, imperfeita ou “impura”. Isto porque, externamente, a responsabilidade dos obrigados é solidária, na verdadeira acepção da palavra: o lesado pode exigir de qualquer um deles – responsável civil e DD – a satisfação da totalidade do seu crédito (art. 519.º, n.º 1, do CC). Internamente, porém, as coisas são diferentes: se quem paga a indemnização devida for o responsável civil, nenhum direito lhe assiste perante o Fundo; se, pelo contrário, for este a pagar, fica sub-rogado nos direitos do lesado, podendo exigir do lesante aquilo que pagou, acrescido dos juros legais de mora e das despesas efectuadas com a liquidação e cobrança (cf. o citado art. 25º, n.º 1).
III- O responsável civil a que se refere o art. 29.º, n.º 6, é o sujeito da obrigação de segurar a que alude o art. 2.º, n.º 1, único cuja presença na acção é absolutamente imprescindível para assegurar a legitimidade passiva.
IV- Normalmente, esse sujeito será o proprietário da viatura que, para circular, deve estar coberta por um seguro que garanta a sua responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros; e será o usufrutuário, o adquirente ou o locatário nos casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, tudo consoante determina o art. 1.º, n.º 1. Desde que uma destas pessoas, conforme o caso, esteja em juízo ao lado do DD, fica resolvido o problema da legitimidade passiva, que é, de igual modo, o único que o n.º 6 do art. 29.º se destina a solucionar.
V- Sendo as coisas assim, nada pode obstar a que o lesado demande, além do Fundo e do referido responsável, outro ou outros sujeitos que considere civilmente responsáveis, como por exemplo o condutor (que muitas vezes não é o sujeito da obrigação de segurar), e venha a obter, a final, a respectiva condenação, solidária com a dos restantes demandados. Isto, contudo, já não tem que ver com a legitimidade, mero pressuposto processual, mas sim, verdadeiramente, com o fundo da causa, com a verificação, relativamente a esse(s) outro(s) demandado(s), de todos os pressupostos da obrigação de indemnizar».