Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
178/06.0PTCSC.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO AO LESADO
JUROS
ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- O assistente porque portador de interesses alheios àquelas ideias e exigências transcendentes que o Estado visa acautelar com a aplicação das penas, carece de legitimidade para atacar a sentença na parte em que esta fixa a espécie e medida da pena por não o afectar e não ser contra ele proferida;
II- O Acórdão (de uniformização de jurisprudência) do Supremo Tribunal de Justiça 4/2002, de 9 de Maio de 2002, in Diário da República, I Série A, de 27 de Junho de 2002, decidiu que, sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º, do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, número 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação, não havendo que distinguir entre danos não patrimoniais e danos patrimoniais e ainda entre as diversas espécies ou categorias de danos patrimoniais, uma vez que todos são indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, do cálculo actualizado constante do nº2 do artº 566º do C.C/ vide ponto 4.7. do supra citado Acórdão;
III- No caso de acidente de viacção, o crédito de juros apenas se constitui com a citação do devedor, uma vez que os juros legais vencem-se quando nascem, sendo que a seguradora fica constituida em mora e deve, por isso ser condenada no pagamento dos juros moratórios desde o momento da notificação para contestar o pedido civel deduzido, e não desde a data da oclusão do acidente, conforme pretendia a recorrente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

RELATÓRIO

A arguida D..., devidamente identificada nos autos, foi condenada através de sentença proferida no processo da Comarca de Cascais- Instância Local- secção criminal- Juiz 3, em 21.12.2015, pela pratica em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa grave por negligência, p. p. pelo artº 148º nº 1 e 3, com referência ao artº 144º als. C) e d) ambos  do Código Penal, na pena de 160 dias de multa á razão diária de  €8,00, o que perfaz o montante de €1280,00. Foi ainda julgado parcialmente procedente, por parcialmente provado o pedido cível deduzido pela demandante e condenada a demandada “ Companhia de Seguros - X,SA...” a pagar à demandante a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, o montante de €31 722,58, acrescido de juros vencidos e vincendos, a contar da data da notificação da demandada e até efectivo e integral pagamento.

   Não se conformando com a sentença proferida, veio a assistente, L..., devidamente identificada nos autos interpor recurso daquela sentença a folhas 1667 e seguintes, apresentando entre o mais as seguintes conclusões:

 

CONCLUSÕES:


- I -

A recorrente louva a sentença recorrida, na douta fundamentação e rigor normativo dos conceitos sob que apreciou, antes de mais, a natureza dos danos e relevância geral que tiveram.


- II -

Não concorda, contudo, com a estimativa levada, pela sentença recorrida, às verbas de ressarcimento dos prejuízos causados pelo dano se saúde (em devir) e pelos danos não patrimoniais.


- III -

Com efeito, a sentença recorrida não teve em conta que as duas classes de prejuízos foram igualmente potenciadas pela demorada pendência da causa (até agora, já lá vão mais de 9 anos), num caso em que a vítima era uma senhora da idade de 82 anos, independente, solicita para com o próximo, de tal forma que continuava a exercer a enfermagem pro bono e com êxito.


- IV -

Contudo, vê-se agora a recorrente relegada a um lar de idosos, com uma incapacidade físico-psíquica incontornável de 23 pontos, segundo a medicina-legal.


- V -

Assim, à usura da longa demora do processo, junta-se a dor, não só individual como social, da perda de alguém, senhora de si, não obstante a idade, e cheia de experiência, que passará a invernia da vida, prosaica, inútil e institucionalizada.

 


- VI -

Este foco exige, na estimativa indemnizatória, que a idade de 82 anos, seja levada ao regulador equidade (que a lei impõe) não em défice indemnizatório, mas em acréscimo.


- VII -

Não foi este o critério da sentença recorrida, muito pelo contrário.


- VIII -

E é assim que a recorrente propõe, para o ressarcimento dos prejuízos decorrentes do dano sinistral de saúde (em devir), o montante de € 20.000,00, do dobro do que foi fixado na sentença recorrida.


- IX -

Com efeito, o valor vivente da ofendida, sem a deficiência contraída no sinistro, era do dobro da comum senectude, relegada de hábito ao descanso e saudade.


- X -

Do mesmo modo e pelas mesmas razões, a recorrente propõe, para ressarcimento dos prejuízos decorrentes dos danos do sinistro, não patrimoniais, o montante de € 40.000,00, também do dobro do que foi fixado na sentença recorrida.

- XI -

É que a dor física e moral sentida pela recorrente foi muito diferente da dor física e moral que poderia ter atingido alguém dos 80 anos, cuidado pela família, pelos amigos ou pelas instituições: a recorrente cuidava… 


- XII -

Entende, por isso, a recorrente que só o conforto de receber estas duas verbas somadas ao montante dos danos patrimoniais – € 1.722,58 – pode, de alguma forma, equalizar as devastadoras consequências e prejuízos de vida, físico-psíquicos, de ânimo e de angustiosa tristeza, por se ver inválida, decorrentes das lesões que directa e necessariamente contraiu no sinistro.


- XIII -

Por outro lado, os juros de mora a que a seguradora deverá ser condenada, contados por referência ao montante da indemnização – € 61.722,58 –, hão-de ser estimados a partir da data do sinistro e não da data da notificação da sentença recorrida, visto o disposto no art.º 805.º/2/b CC.


- XIV -

Com efeito, o crédito não pode ser considerado ilíquido, por força de se terem apresentado a um observador comum, desde logo, quer a extensão e figura físico-psíquica das lesões sofridas pela recorrente, quer a profundidade de (des)ânimo em que se situaram as consequências que o bonus pater familias logo lhe atribuiria.


- XV -

Por consequência, a douta sentença recorrida, não obstante o brilho da argumentação em que se sustenta, infringiu o disposto nos art.ºs 496.º/1/3, 564.º/2 e 805.º/2/b, todos do CC.


- XVI -

Deverá ser reformada, no sentido das propostas de estimativa da indemnização, contidas nestas conclusões.


- XVII -

Por fim, no que diz respeito à condenação crime, a pena de multa aplicada à arguida na sentença recorrida não se mostra ajustada ao perfil do caso e do cometimento, que exigem a pena de prisão, naturalmente substituída por multa.


- XVIII -

Na verdade, quer as exigências de prevenção geral, decorrentes da prática de uma contra-ordenação grave (a que corresponderia inibição de conduzir, caso não tivesse prescrito, e conduz, no limite, à cassação da carta), contra-ordenação causal dos efeitos devastadores das lesões contraídas pela vítima do atropelamento, quer as exigências de prevenção especial, em ordem a reordenar a conduta rodoviária da arguida, incluindo a conduta de defesa judicial por incidentes estradais (posto que apresentou uma versão inverídica do acidente), propõem o mínimo da pena de prisão, i.e., prisão de 1 mês, consideradas também as atenuantes da fundamentação da sentença recorrida (e na medida certa em que não são incluídas na crítica desta minuta).


- XIX -

Mas na substituição da prisão de 1 mês por multa, patamar penal imediato ao que a sentença recorrida elegeu, vistos os art.ºs 41.º/1 e 43.º/1 (art.º 148.º/1) do C.Penal, o montante diário deverá ser de € 15,00, dado que, segundo as regras da experiência comum, uma Gestora de Recurso Humanos beneficia de ordenado que assim o justifica. 


- XX-

A recorrente propõe que a substituição da prisão por multa tenha conexa a obrigação de a arguida frequentar formação de ética rodoviária geral, e aplicada no domínio da defesa penal por acidentes de viação. 

  

Vossas Excelências, com douto suprimento, tomando estas conclusões por convincentes, julgarão procedente o recurso: farão, com a reforma da pena e do montante da indemnização, a costumada


JUSTIÇA

 O recurso foi  só admitido a folhas 1702, em 26.O4.2016.

 MºPº junto da primeira instância respondeu á motivação do recurso apresentado pela assistente ( na qual suscita uma questão prévia/ falta de interesse em agir da assistente quanto á escolha da pena e sua medida), pugnando a final dever ser mantido na íntegra a decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
1. A assistente L...interpôs recurso da sentença proferida nos presentes autos, na qual a arguida D... foi condenada pela prática, como autora material, de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelo art. 148.º, n.ºs 1 e 3 e art. 144.º, alíneas c) e d) ambos do Código Penal, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de € 8,00, perfazendo a multa global de € 1.280,00.
2. Muito embora se reconheça as consequência particularmente gravosas que o acidente em causa nestes autos acarretou para a assistente e também para o seu único filho, no nosso entendimento, a assistente não tem, nesta parte - quanto à medida da pena aplicada- um interesse concreto e próprio em agir, na justa medida em que a pena aplicada à arguida não lhe traz qualquer desvantagem, nem lhe acarreta a frustração de um interesse legítimo, pelo que, como tal, nesta parte o recurso não deverá ser apreciado.
3. A pena concreta aplicada à arguida recorrente, apresenta-se como ponderada e adequada, sendo que, para além de satisfazer a finalidade punitiva das penas, protege, de forma efectiva os bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas.
4. A taxa diária fixada - € 8,00 - é justa e proporcional, sendo excessivo, salvo o merecido respeito, o valor de € 15,00, proposto pela recorrente.
5. Deverá, pois, ser mantida a sentença recorrida.


No entanto V. Excªs

Farão a habitual

Justiça.


             A demandada cível  “ Fidelidade- Companhia de Seguros S.A.”, respondeu nos termos que aqui se dão por reproduzidos a folhas 1718 até 1724, pugnando a final que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

             Também a arguida a folhas 1728 a 1734, respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do mesmo.

             Remetidos os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, a Digna Procuradora Geral Adjunta em douto parecer, louva-se em que seja julgado improcedente o recurso apresentado, estribando-se na resposta apresentada pelo MºPº, junto da 1ª instância.

Foi cumprido o artº 417º nº 2 do C.P.P., tendo a arguida e o demandado civel  silenciado.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.

Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso.

FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.

    Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).

O objecto do recurso interposto pela assistente o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento das seguintes questões: 

1.Ser aplicada à arguida, não a pena contida na sentença mas sim outra de prisão de um mês substituída por dias de multa, e no quantitativo de €15,00 / dia;

2.Deverá ser fixada uma indemnização para o ressarcimento dos prejuízos decorrentes do dano sinistral da saúde (em devir) no montante de €20000,00 (vinte mil euros);

3. Deverá ser fixada uma indemnização para o ressarcimento dos prejuízos decorrentes dos danos do sinistro não patrimoniais, no montante de €40000,00 (vinte mil euros);

4. Os juros de mora a que a seguradora deverá ser condenada, contados por referência ao montante da indemnização – € 61.722,58 –, hão-de ser estimados a partir da data do sinistro e não da data da notificação da sentença recorrida, visto o disposto no art.º 805.º/2/b CC.

             Vejamos então:

A sentença sob censura tem o seguinte teor, nos segmentos que ora nos interessam:

(…)

SENTENÇA

I. RELATÓRIO

O Ministério Público deduziu acusação e requereu julgamento, em processo comum e com intervenção de tribunal singular de:

D..., casada, gestora de recursos humanos,(…).

*

Imputando-lhe, como autora material, a prática de factos que, em seu entender, integram um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível no art. 148.º, ns.º 1 e 3, com referência ao art. 144.º, al. c), ambos do Cód. Penal, em conjugação com o disposto nos arts. 24.º, n.º 1, 25.º, al. a) e 103.º, n.º 2, todos do Código da Estrada, consubstanciado nos factos descritos na acusação formulada a fls. 157 a 159 (rectificada a fls. 169), que aqui se dá por reproduzida.

               Inconformado com a acusação contra si deduzida, a arguida D... requereu a abertura da instrução, com os fundamentos expressos a fls. 249 a 257. Foi proferida decisão instrutória, pronunciando a arguida pela prática do crime que lhe vinham imputados na peça acusatória.

Foi proferido despacho a determinar a submissão da arguida a julgamento, pelos factos e disposições legais insertos no despacho de pronúncia de folhas 309 a 312 (com referência à acusação pública de fls. 157 a 159) e designada data para julgamento, não havendo quaisquer questões prévias ou incidentais a conhecer, pelo que os autos prosseguiram para fase de julgamento.

A ofendida L...constituiu-se na qualidade de assistente (cfr. fls. 279, 400 e 404), e deduziu pedido de indemnização civil contra a “Companhia de Seguros X”, com sede Lisboa, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, que computa no montante global de € 82.235,04, que integra fls. 175 a 185. Apresentou rol de testemunhas, por remissão para a acusação do Ministério Público.

Contestou a demandada seguradora “Companhia de Seguros X, S.A.”, por contestação que integra fls. 334 e 335 dos autos, confirmando a existência de um contrato de seguro, cobrindo os riscos de circulação da viatura de matrícula xx-xx-xx, oferecendo o merecimento dos autos, no que respeita à dinâmica do acidente, e impugnando, por desconhecimento, a factualidade alegada nos arts. 10.º a 31.º do pedido de indemnização civil deduzido.

               Contestou, igualmente, a arguida, a fls. 340 a 347, alegando, essencialmente, não existirem nos autos elementos que, com segurança, permitam concluir, por um lado que o atropelamento ocorreu na passadeira, e, por outro, que resultou da falta de cuidado da arguida. Conclui formulando um juízo de improcedência da acusação. Apresentou rol de testemunhas.

               Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, conforme consta das actas de audiência de fls. 1277 a 1280, 1312 a 1314, 1338 a 1341, 1366 a 1368, 1405 a 1408, 1436 a 1441, 1484 e 1485, 1518 e 1519, 1542 e 1543, 1570 e 1571, 1601 a 1603, 1619 e 1620 e 1622 e 1623.

                Procedeu-se ao registo da prova, nos termos do disposto no art. 364.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Processo Penal. Em saneamento do processo cabe declarar extinto, por prescrição, o procedimento pela contra-ordenação imputada ao arguido.

Vem imputada à arguida a prática das contra-ordenações previstas nos arts. 24.º, n.º 1, 25.º, al. a), e 103.º, n.º 2, todos do Código da Estrada.

O prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é de dois anos (artº 188.º do Código da Estrada).

Dispõe o artº 28.º, n.º 3, do DL n.º 433/82 de 27/10 que a prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu inicio e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.

Os factos ocorreram a 07/07/2006.

Desde essa data decorreram mais de três anos e não ocorreram causas de suspensão da prescrição (v. art.º 27-A do citado DL nº 433/82).

Consequentemente, mostra-se extinto, por prescrição, o procedimento pelas contra-ordenações que vinham assacadas à arguida

*

                Mantém – se a validade e regularidade da instância.

          *

II. FUNDAMENTAÇÃO

A) MATÉRIA DE FACTO PROVADA

Da discussão da causa, com interesse para a decisão resultou provada a seguinte matéria de facto:

1. No dia 07/07/2006, cerca das 20H00, a arguida D... conduzia o veículo automóvel, de matrícula xx-xx-xx, que circulava na Av.ª da República, no sentido Carcavelos/Jardins da Parede, no sentido Nascente/Poente.

2. Nessa ocasião, a ofendida L... iniciara a travessia da passadeira ali existente e que fica em frente da farmácia “Grincho”.

3. A arguida, não obstante estar a aproximar-se da passadeira, não imobilizou a marcha que imprimia ao veículo, e foi embater na ofendida.

4. Em consequência, esta sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório clínico de fls. 64, a saber, traumatismo craniano, com perda de conhecimento, traumatismo torácico à esquerda com fractura de arcos costais, vollet costal e hemotorax, e traumatismo ortopédico com múltiplas fracturas: diafisária do úmero esquerdo, diafisária e supra-condiliana do fémur direito, do sacro à esquerda, da bacia e bimaleolar da tibiotársica esquerda, as quais lhe determinaram, directa e necessariamente, 454 (quatrocentos e cinquenta e quatro) dias de doença com incapacidade para o trabalho, considerando a data do acidente e a data de 4 de Outubro de 2007, a que respeita a realização do exame médico, cujo auto de exame médico, subscrito pelo Dr. Josias Gil, integra fls. 119 a 121, e delas resultaram risco de vida.

                5. O quantum doloris é fixável no grau 4 duma escala de sete graus em gravidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo, as lesões resultantes, os tratamentos efectuados e o período de recuperação funcional. 

                6. Em resultado das sequelas decorrentes do acidente de viação que a vitimou, a demandante padece de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 23 pontos. 

                7. O dano estético permanente é fixável no grau 3 duma escala de sete graus em gravidade crescente, decorrente das cicatrizes e da “descoordenação” dos movimentos do ombro e cotovelo esquerdo descritos.

                8. Agiu a arguida sem o cuidado e atenção a que estava obrigada e de que era capaz, prosseguindo a sua marcha sem verificar se algum peão atravessava a passadeira e não adaptando a velocidade às condições metereológicas.

               9. A “Lease Plan Portugal – Comércio e Aluguer de Automóveis e Equipamentos Unipessoal, Ld.ª”, proprietária do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca OPEL, modelo ZAFIRA, de matrícula xx-xx-xx, a que é feita referência em 1., havia transferido para a “Companhia de Seguros X”, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º zzzzzz, a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação, que se mantinha válido e eficaz à data a que é feita referência em 1..

            10. A assistente/demandante L... realizou tratamentos de fisioterapia desde 07/07/2006, data do acidente, e até 19/07/2007.

                11. A demandante L..., nascida a 2 de Março de 1924, pesem os 82 anos de idade que tinha à data do acidente, era uma pessoa autónoma, muito activa e conversadora, que, pelo menos nos últimos seis anos, que antecederam o acidente que a vitimou, prestava, diariamente, a sua colaboração, em regime de voluntariado, na Caritas Diocesana de Lisboa, na Parede.

                12. Residia na rua y, prédio sem elevador, onde vivia sozinha e realizava todas as tarefas domésticas, sem qualquer ajuda, com total autonomia.

13. Em despesas médico-medicamentosas, e outras cuja necessidade resultou de ter sido vítima do acidente, a que é feita referência em 3., a demandante despendeu:

1 – Pela aquisição de cama hospitalar, colchão tripartido, canadianas e mesa de leito, no Centro Ortopédico da Parede, os valores de € 320,00, de € 90,00, de € 160,00 e de € 100,00, respectivamente, o que perfez o valor global de € 670,00;

2 – Por consulta de O.R.L., no Hospital da Ordem da Terceira, em 15 de Fevereiro de 2007, o valor de € 3,99;

3 – Por audiograma tonal simples e Impedância ou Admitância, também efectuados no Hospital da Ordem da terceira, na mesma data, o valor de € 12,89;

4 - Por consulta de O.R.L., no Hospital da Ordem da Terceira, em 19 de Fevereiro de 2007, o valor de € 3,99;

5 – Por compra na “Farmácia Nova Caxias, Ld.ª”, em 21/02/2007, o valor de € 37,43;

6 – Por compra na “Farmácia Central de Queijas”, em 17/03/2007, o valor de € 19,07;

7 – Por consulta na “Clínica Médica de Santa Madalena”, em 21/02/2007, o valor de € 54,77;

8 – Por compra na “Farmácia Nova de Caxias”, em 19/04/2007, o valor de € 3,84;

9 – Por compra na “Farmácia Veritas”, em 02/04/2007, o valor de € 20,85;

10 – Por compra na “Farmácia Silvia”, em 03/04/2007, o valor de € 20,41;

11 – Por compra na “Farmácia Central de Queijas”, em 13/05/2007, o valor de € 1,93;

12 – Pela realização de análises clínicas, em 04/04/2007, na “ACLIPAR – Análises Clínicas, Ld.ª”, o valor de € 14,58;

13 – Pelo pagamento efectuado, à Associação dos Bombeiros Voluntários Progresso Barcarenanse, relativo ao transporte ao Hospital Francisco Xavier, em 17 de Março de 2007, o valor de € 28,50;

14 – Por compra efectuada no “Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão”, em 09/02/2007, de uma compensação de altura para sanita e de uma cadeira de banho rotativa, respectivamente de € 48,24 e de € 120,48, no total de € 168,62;

15 – Por compra na “Farmácia Nova Caxias”, em 04/04/2007, o valor de € 2,05;

16 – Por compra efectuada no “Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão”, em 09/02/2007, de uma pirâmide de base larga, o valor de € 12,04;

17- Por uma consulta de urologia, no Hospital da Ordem terceira, em 12/07/2007, o valor de € 3,99;

18 – Por compra na “Farmácia Nova Caxias”, em 18/12/2007, o valor de € 1,78;

19 – Por compra na “Farmácia Artur Brandão”, em 21/11/2007, o valor de € 3,75;

20 – Pela realização de análises clínicas, em 08/11/2007, na “ACLIPAR – Análises Clínicas, Ld.ª”, o valor de € 7,21;

21 – Pela realização, em 09/10/2007, de 2 Eco Dopller dos membros, na “Ecotomografia – Armando Lacerda e Rui Costa, Ld.ª”, o valor de € 45,22;

22 – Pela realização, em 09/10/2007, de um TAC da Coluna Lombar, no “CEDI – Centro de Diagnóstico pela Imagem”, o valor de € 26,94;

23 – Por compra de uma bacia, no dia 09/10/2007, na “M. Botelho de Sousa & José Ferreira, Ld.ª”, o valor de € 1,87;

24 - Por compra na “Farmácia Artur Brandão”, em 12/10/2007, o valor de € 19,63;

25 - Por compra na “Farmácia Artur Brandão”, em 12/10/2007, o valor de € 8,11;

26 - Por compra na “Farmácia Araújo e Sá”, em 03/07/2007, o valor de € 16,15;

27 – Pela realização, em 11/10/2007, de uma Mamografia e Eco Mamária, no “Paiva Raposo e Martins Pisco – Consultório de Radiologia, Ld.ª”, o valor de € 11,52;

28 - Por compra na “Farmácia Nova Caxias, Ld.ª”, em 08/10/2007, o valor de € 6,06;

29 - Por consulta de urologia, no Hospital da Ordem Terceira, em 13/09/2007, o valor de € 3,99;

30 – Pela realização, em 11/09/2007, de uma ecotomografia abdominal, renal e vesical, na “Ecotomografia – Armando Lacerda e Rui Costa, Ld.ª”, o valor de € 21,34;

31 – Pela realização, em 27/08/2007, de um TAC dos ouvidos, no “CEDI – Centro de Diagnóstico pela Imagem, Ld.ª”, o valor de € 24,94;

32 – Pela realização, em 08/08/2007, de uma exodontia simples monorradiculai 24, na “Clínica Médica e Dentária de Santa Madalena, Ld.ª”, o valor de € 2,95;

33 – Pela realização, em 31/05/2007, de uma consulta médica, na “Luís Antunes Sociedade Médica, Ld.ª”, o valor de € 49,88;

34 – Pela realização, em 15/05/2007, de uma consulta médica, na “Luís Antunes Sociedade Médica, Ld.ª”, o valor de € 16,88;

35 – Por consulta na “Clínica Médica e Dentária de Santa Madalena, Ld.ª”, em 06/06/2007, o valor de € 3,99;

36 - Por compra na “Farmácia Artur Brandão”, em 30/07/2007, o valor de € 1,20;

37 – Pela realização de análises clínicas, em 23/07/2007, na “ACLIPAR – Análises Clínicas, Ld.ª”, o valor de € 16,75;

38 - Por compra na “Farmácia Nova Caxias”, em 25/07/2007, o valor de € 2,36;

39 – Por restauro dentário, na “Clínica Médica e Dentária de Santa Madalena, Ld.ª”, em 06/07/2007, o valor de € 5,49;

40 – Pela realização de análises clínicas, em 04/04/2007, na “ACLIPAR – Análises Clínicas, Ld.ª”, o valor de € 14,24;

41 - Por compra na “Farmácia Nova Caxias”, em 22/06/2007, o valor de € 5,30;

42 – Pela realização de análises clínicas, em 16/02/2007, na “ACLIPAR – Análises Clínicas, Ld.ª”, o valor de € 1,09;

43 - Por compra na “Farmácia Artur Brandão”, em 12/10/2007, o valor de € 18,94;

44 – Por consulta efectuada no “Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão”, em 16/10/2006, o valor de € 4,20;

45 – Por pagamento efectuado aos Bombeiros Voluntários de Carcavelos, relativo a transporte efectuado em 13 de Novembro de 2006, o valor de € 20,50;

46 – Por episódio de urgência, efectuado no dia 07/07/2006, no “Centro Hospitalar Lisboa Ocidental”, o valor de € 141,00;

47 - Por compra na “Farmácia Nova Caxias”, em 14/02/2008, o valor de € 25,46;

48 - Por compra na “Farmácia Nova Caxias”, em 14/02/2008, o valor de € 7,28;

49 - Por compra na “Farmácia Junqueiro, Ld.ª”, em 12/05/2008, o valor de € 97,95;

50 - Por pagamento efectuado ao Ministério da Justiça, Secretaria-Geral, em 12/03/2008, relativo a encargos com a saúde, o valor de € 313,38;

51 – Por pagamento efectuado, em 02/06/2008, ao “REAFI, Centro de Medicina e Reabilitação, Ld.ª”, o valor de € 3,99;

52 – Por pagamento efectuado, em 05/03/2008, ao “REAFI, Centro de Medicina e Reabilitação, Ld.ª”, o valor de € 3,99;

53 - Por pagamento efectuado ao Ministério da Justiça, Serviços Sociais, em 21/02/2008, relativo a encargos com a saúde, o valor de € 8,80.

Totalizando, os pagamentos acima elencados, o montante total de € 2.042,58 (dois mil e quarenta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos).

14. A demandante D... beneficiou de comparticipação, no que respeita a parte do valor de € 320,00, que despendeu na aquisição da cama hospitalar, a que é feita referência em 13.1.

Mais se provou, com interesse para a decisão do mérito:

15. A arguida D..., à data da prática dos factos ora em julgamento, não tinha antecedentes averbados no respectivo registo criminal.

*

B) – MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

Com relevância para a decisão da causa não se provou:

a) – que a ofendida L..., ao proceder à travessia da passadeira, indicada em 2., o tivesse feito no sentido Norte/Sul;

b) – que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 3., a arguida estava a ser encadeada pelo sol, que se encontrava baixo;

c) – que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 3., antes de embater na ofendida, a arguida não tivesse diminuído a velocidade que imprimia ao veículo xx-xx-xx, por si conduzido;

d) – que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 2., a ofendida se dirigia, como habitual e diariamente fazia, para a Caritas Diocesana de Lisboa, com sede na Rua Doutor Camilo D. Álvares 565, na Parede, onde de há bastantes anos prestava serviço de voluntariado, dentro da sua área de conhecimento profissional – a enfermagem;

e) – que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 2., a ofendida caminhava cautelosamente, como era seu hábito, de forma escorreita, pese embora a sua idade;

f) – que a ofendida L..., imediatamente antes de proceder à travessia da passadeira, indicada em 2., tivesse descido a Travessa Carlos Zel, que entronca na Av.ª da República;

g) – que a ofendida L..., ao proceder à travessia da passadeira, indicada em 2., o tivesse feito no sentido da farmácia “Grincho”;

h) – que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 1. a 3., a arguida se fazia acompanhar por duas crianças;

i) – que o veículo xx-xx-xx, mercê do embate com a cabeça da ofendida, ficou com o parabrisas partido e estilhaçado de forma radial, numa circunferência que se prolongava da base inferior até dois terços de altura do parabrisas, junto da extremidade do seu lado direito, e danos na chapa do parachoques e capot da viatura, sobre a extremidade do mesmo lado, provenientes do choque na perna esquerda da demandante;

j) – que, para além dos tratamentos de fisioterapia a que é feita menção em 10., a demandante foi e continua a ser sujeita a tratamentos de fisioterapia com uma regularidade e frequência de 3 dias por semana, sendo que as sessões duram, também regularmente, entre as 09H30 e as 13H00;

k) – que, após a data da alta do Centro de Alcoitão, a demandante necessitou sempre, e continua a necessitar, de acompanhamento de terceira pessoa;

l) - que a demandante ficou gravemente afectada de vertigens que desaconselham em absoluto, e impedem, a sua autolocomoção;

m) - que o acompanhamento da demandante, por terceira pessoa, passou, assim, a ser imperiosamente necessário e irreversível;

n) - que a demandante, até à data do acidente de que foi vítima, com controlo efectivo e eficaz dos esfinteres, passou a sofrer de incontinência urinária, com os inevitáveis reflexos psico-somáticos, que provocam a acentuada renúncia ao uso de fraldas;

o) – que a demandante L... contava a idade de 81 anos, à data do acidente;

p) – que, à data do acidente, a demandante L... era uma pessoa saudável;

q) - que era frequente a demandante dirigir-se à Farmácia “Grincho”, que fica no prolongamento da passagem de peões referida em 2., para recolher os medicamentos que depois haveria de ministrar aos utentes da Caritas Diocesana;

r) – que, após o acidente que a vitimou, a demandante só com enorme esforço e sempre auxiliada por terceira pessoa, conseguia subir e descer a escadaria do prédio, indicado em 12., nas vezes em que tem de deslocar-se às consultas hospitalares ou sessões de fisioterapia;

s) – que, após o acidente que a vitimou, a demandante teve de prover-se do auxílio de terceira pessoa para efectuar as lides caseiras, incluindo as tarefas de higiene e manuseamento de arrastadeiras;

t) – que as situações descritas em r) e s), a impossibilidade de continuar a exercer o voluntariado diário e o sentir-se inválida e incapaz para sempre, mergulharam a demandante num profundo desgosto e apatia;

u) – que a demandante foi sempre uma mulher sadia, enérgica, profundamente activa, escorreita e sem mazelas;

v) – que o valor global dos pagamentos elencados no ponto 13. totaliza € 2.058,58 (dois mil cinquenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos);

               w) – que a demandante, beneficiária dos Serviços de Acção Social do Ministério da Justiça, tem a pagar o montante de € 7.177,04 (sete mil cento e setenta e sete euros e quatro cêntimos) do total de € 35.885,21, despendidos por aquele organismo com as despesas hospitalares advindas do sinistro de que foi vítima;

               x) – que a ofendida, a quem por via do acidente foi aplicado material de osteosíntese no braço direito, começa a sentir intolerância àquele material, pelo que terá de ser em futuro não muito longínquo reoperada para extracção do material em causa;

               y) – que o atropelamento que vitimou a ofendida D... ocorreu fora da passadeira.

*

C) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

                Cumpre, em obediência ao disposto no art. 374.º, n.º 2 do Cód. Processo Penal, indicar as provas que serviram para fundar a convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada e não provada, tendo-se este baseado na análise crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento, tendo em conta, designadamente:

                - participação de acidente de viação, que integra fls. 16 e 17 e fls. 46 e 47;

                - relatório de diligência externa, de fls. 53 a 55;

- certidão de assento de nascimento da ofendida L..., junta a fls. 360 e 360v.;

- apólice de seguro automóvel do veículo automóvel OPEL ZAFIRA, de matrícula xx-xx-xx, junta a fls. 336 (determinante para prova da factualidade enunciada no ponto 9. da Matéria de Facto);

- seis fotografias das partes sinistradas do veículo xx-xx-xx, juntas a fls. 425 a 430;

- fotocópia do Episódio de Urgência n.º yyyyy e demais documentação clínica, enviada aos autos pelo Hospital de São Francisco Xavier, junta a fls. 81 a 85;

- relatório clínico referente ao internamento da ofendida L..., na Unidade de Cuidados Intensivos Cirúrgicos, do Hospital de São Francisco Xavier, no período de 08/07/2006 a 03/08/2006;

- documentação clínica, enviada aos autos pelo Centro Hospitalar de Cascais, junta a fls. 86 a 93 e a fls. 108 a 114;

- informação clínica da ofendida L..., enviada aos autos pelo Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, junta a fls. 106 e 107;

- autos de exame médico directo de fls. 119 a 121 e de fls. 148 a 150;

                - relatórios médico-legais de perícia de avaliação do dano corporal, que integram fls. 451 a 458 e fls. 513 a 520;

- o relatório técnico de acidente de viação, de fls. 755 a 805, cuja adenda integra fls. 1451 a 1471;

               - cópia da sentença proferida, em 27/03/2012, nos autos de processo comum, sob a forma de processo ordinário, n.º 1457/10.7 TBCSC, que correram termos no 2.º Juízo Cível do tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, que integra fls. 806 a 813;

                - facturas e recibos, juntos a fls. 186 a 247;

- para dar como provada a ausência de antecedentes criminais da arguida, atendeu-se ao teor do certificado de registo criminal de fls. 1583, com data de emissão de 08/10/2015. 

       No que concerne à prova pessoal produzida em audiência, importa reter que a dinâmica e rapidez dos acidentes de viação leva, por vezes, a visões parciais dos factos e a imprecisões ou contradições de depoimento em diversos pormenores, não necessariamente decorrentes de má fé. À rapidez da sucessão dos factos acresce, ainda, no caso de acidentes como o dos autos, de que resultaram ferimentos graves numa pessoa de idade avançada, que contava 82 anos de idade, à data dos factos, a natural componente emocional de quem, inesperadamente, se vê confrontado com esse evento trágico e traumatizante.

            Atente-se, ainda, na dificuldade que por vezes se manifesta em discernir entre o depoimento estritamente objectivo e a elaboração lógico-explicativa do acidente posterior à sua ocorrência e feita de boa fé.

               Só a análise ponderada e crítica do conjunto da prova produzida, em ordem à reconstituição dinâmica do acidente, pode, por conseguinte, determinar a convicção do tribunal, para além dessas naturais imprecisões e contradições.

               No caso sub judice, o acidente que vitimou a sinistrada L... não foi presenciado por qualquer testemunha, tendo a assistente, nas declarações que prestou, sido peremptória ao afirmar que, na data dos factos, se encontrava a efectuar a travessia da passadeira situada em frente da farmácia “Grincho”, situada na Av.ª da República, na Parede, no momento em que foi embatida pelo veículo, tendo “a certeza que estava na passadeira na altura do acidente”, não se recordando, a partir daí, de mais nada, o que é compreensível, por a mesma, em consequência do embate, ter padecido, designadamente, de traumatismo craniano com perda de conhecimento.

               Neste particular, que respeita à circunstância de, no momento em que foi embatida pelo veículo automóvel, a ofendida se encontrar a efectuar a travessia da passadeira, as declarações da assistente, que, relembre-se, não foram infirmadas por qualquer prova em contrário, são compatíveis com a demais prova, documental, pericial e testemunhal, produzida em audiência de julgamento.

                Concretizando:

                A testemunha A... adiantou que, na data dos factos, se encontrava no estabelecimento de café em que, então, trabalhava, tendo-se apercebido de um burburinho no exterior, o que o levou a sair do café, tendo visto a ofendida caída no chão, um pouco à frente da passadeira, mesmo em frente do carro, junto da roda da frente do lado direito, e apercebido que o carro, que se encontrava posicionado no sentido Lisboa/Cascais, tinha as rodas traseiras em cima da passadeira. Acrescentou que entre o sítio em que estavam os pés da ofendida e o passeio do lado direito (tomando por referência o sentido de marcha do veículo), distavam cerca de 50 a 60 centímetros. Disse, ainda, que se apercebeu da chegada do carro da polícia ao local e que a ofendida foi transportada numa ambulância.

                A testemunha B... adiantou que, na data dos factos, por volta das 20H00, numa ocasião em que regressava do trabalho, apeado, ao chegar junto da passadeira, situada perto da farmácia, viu uma senhora caída no chão, e diversas pessoas à sua volta. Explicitou que a senhora que estava caída tinha o tronco em cima da passadeira e a cabeça junto do passeio do lado direito (tomando por referência o sentido de marcha do veículo automóvel), e o veículo automóvel, que se encontrava posicionado no sentido Carcavelos/Jardins da Parede, com uma senhora ao volante, estava parcialmente sobre a passadeira (a testemunha referiu ter visto “pelo menos metade do carro em cima da passadeira”) e enviesado para o lado da farmácia, bem como que mediavam cerca de dois metros de distância entre o local em que a senhora estava caída e o automóvel. No decurso da sua inquirição, a testemunha foi confrontada com as fotografias juntas a fls. 54 e 55, tendo esclarecido que as mesmas respeitam ao local e à passadeira em que viu a senhora caída. Acrescentou que chegou ao local na mesma altura em que chegou o carro patrulha, e que só depois é que chegou a ambulância.

               A testemunha C..., agente da P.S.P., deu conta ao tribunal de, em resultado da ocorrência do acidente lhe ter sido determinado superiormente para se deslocar para a Avenida da República, para junto da farmácia “Grincho”, para orientar o trânsito. Esclareceu que, ao aí chegar, encontrou uma senhora caída no chão, um pouco à frente da passadeira, estando igualmente no local o carro interveniente no acidente, posicionado no sentido Carcavelos/Parede. No decurso da sua inquirição, a testemunha foi confrontada com as declarações por si prestadas no decurso da fase processual do inquérito, que se encontram reproduzidas a fls. 41 e 42, de onde consta, designadamente “que, ao chegar ao local, verificou que a viatura interveniente no atropelamento se encontrava imobilizada em cima da passadeira situada em frente à farmácia Grincho, sentido Parede-Jardins da Parede, e à frente desta e a cerca de dois metros encontrava-se uma senhora com cerca de 80 anos de idade deitada no pavimento lateralmente à passadeira e com os pés a uma distância do lancil do passeio de cerca de 30 cm, altura em que o seu colega accionou os meios de socorro para assistirem a vítima”, cujo teor confirmou na íntegra.

               A testemunha D..., agente da P.S.P., adiantou ter-se deslocado ao local pela mesma ocorrência, tendo-lhe incumbido elaborar o croqui do acidente e proceder a medições. No decurso da sua inquirição, a testemunha foi confrontada com a participação de acidente de viação, que integra fls. 46 e 47, tendo confirmado ter sido por si elaborado o “esboço” de fls. 47, e que facultou esta participação do acidente de viação a um colega.

Também a testemunha E..., agente da Esquadra de Trânsito da P.S.P., adiantou ter-se deslocado ao local em resultado da mesma ocorrência, na sequência das instruções transmitidas pela Central Rádio, tendo esclarecido que, ao aí chegar, já não se encontravam no local, nem a arguida, nem a ofendida, tendo-lhe sido transmitido pelos colegas que aí se encontravam, que a ofendida tinha sido transportada para o hospital, e a condutora do veículo se dirigira para casa. Esclareceu, ainda, que lhe incumbiu proceder à informatização do croqui do acidente, que integra fls. 16 e 17, tendo explicitado que o fez com base nos dados que lhe foram fornecidos pelo seu colega D... (desenho da localização do carro e rascunho, juntos a fls. 46 e 47, e declarações da condutora). Deu conta das características da via, do estado do tempo e das condições do pavimento, tendo adiantado, a este propósito, que não existiam rastos de travagem no pavimento, e que no sentido de marcha que a arguida imprimia ao veículo automóvel por si conduzido, havia um sinal vertical indicativo da aproximação da passadeira.

A testemunha F... referiu que, na data dos factos, desempenhava a actividade profissional de bombeiro, prestando serviço nos Bombeiros Voluntários da Parede, tendo-se deslocado ao local, na sequência de um atropelamento, e prestado socorro a uma mulher politraumatizada. Ao chegar ao local, ainda aí se encontrava o veículo envolvido no atropelamento, que tinha o vidro da frente bastante estilhaçado. Acrescentou que o corpo da ofendida estava fora da passadeira, a poucos metros da passadeira, esclarecendo ter “99% de certeza” de já se encontrar a P.S.P. e várias pessoas no local no momento em que aí chegou.

A testemunha G..., bombeiro e técnico de emergência nos Bombeiros Voluntários da Parede, adiantou que, na data dos factos, na sequência de ter recebido uma comunicação da ocorrência de um atropelamento, com um ferido grave, em frente à farmácia, se dirigiu ao local, sendo a ambulância por si conduzida. Ao aí chegar, apercebeu-se que a vítima estava deitada no chão, “mais ou menos a meio da estrada”, com a cabeça virada na direcção de Cascais e as pernas viradas na direcção da Parede, encontrando-se a maior parte do corpo da ofendida, designadamente a parte do corpo correspondente à zona pélvica, em cima da passadeira. Disse, ainda, que no local prestou socorro à ofendida e que a mesma apresentava um afundamento na base do crânio, tendo o vidro da frente do veículo automóvel “um afundamento como se fosse uma bola que bate no vidro”, o que o levou a concluir ter existido um embate forte do veículo na ofendida. Confrontado com o croqui de fls. 17, afirmou que o mesmo não retrata o que viu no local.

A testemunha H..., para além de não ter presenciado o acidente, apenas chegou ao local depois de o mesmo ter ocorrido. Adiantou que, na ocasião, ao passar junto à farmácia, viu o corpo de uma senhora caído no chão, estando a cabeça da senhora encostada à passadeira, virada para o eixo da via, e os pés junto do lancil do passeio. Acrescentou que, ao passar no local, a senhora já estava a receber assistência, e que o carro da polícia também já aí se encontrava.

Também a testemunha I... não presenciou o acidente, tendo-se limitado a adiantar que, na referida data, ao passar de carro no local, viu um corpo caído junto à passadeira, tendo seguido o seu percurso.

Também a testemunha J..., marido da arguida, não presenciou o acidente, tendo referido que, na data dos factos, se encontrava em casa, no momento em que recebeu um telefonema da sua esposa, a dizer que tinha atropelado uma senhora. Dirigiu-se de imediato ao local, tendo ficado com a ideia que aí chegou pouco antes ou sensivelmente ao mesmo tempo que a polícia e os bombeiros. Esclareceu que o veículo automóvel conduzido pela sua esposa, marca OPEL ZAFIRA, de cor cinzenta, se encontrava dentro da faixa de rodagem, enviesado para a esquerda, estando a ofendida caída no chão, de lado, à frente do carro e a cerca de um metro a um metro e meio de distância do veículo. Acrescentou que, a pedido da polícia, tirou o carro do local. No decurso da sua inquirição, a testemunha J... foi confrontado com o croqui de fls. 5 e confirmou que, ao chegar ao local, viu o veículo automóvel à distância da passadeira que está reproduzida no croqui, sendo certo que, nesta matéria, que respeita à posição relativa do veículo, o depoimento da testemunha J... não nos pôde merecer credibilidade, porquanto se encontra em patente contradição, quer com as declarações da assistente L..., quer com os depoimentos das testemunhas A..., B..., C... e G....

A testemunha L... deu conta ao tribunal de ter trabalhado, durante seis anos, na “Caritas Diocesana” da Parede, tendo, nesse período, privado com a ofendida L..., que se deslocava quase todos os dias ao local, onde prestava cuidados de enfermagem (medição de tensão arterial, aplicação de injecções e distribuição de medicamentos aos utentes que aí se dirigiam). Esclareceu que, pese embora a ofendida tivesse já oitenta anos de idade, era uma pessoa autónoma, muito activa e muito conversadora, e que, a partir da data do acidente, nunca mais se deslocou à “Caritas Diocesana”.

A testemunha M..., doutorado em engenharia mecânica, que elaborou o relatório técnico de acidente de viação, de fls. 755 a 805, cuja adenda integra fls. 1451 a 1471, deu conta ao tribunal das diligências efectuadas com vista á sua elaboração, uma das quais se traduziu em, no dia 07/07/2011, data em que se completaram cinco anos após a ocorrência do acidente, ter procedido à realização de filmagens no local do acidente, com o intuito de aferir da posição do sol nessa data. Referiu que as medições efectuadas pela polícia, reproduzidas nos croquis, estão incorrectas, e que, do estudo efectuado, concluiu que, no momento do embate, a arguida imprimia ao veículo automóvel por si conduzido uma velocidade de cerca de 45 a 55 Km/h.

A testemunha N..., filho da ofendida L..., deu conhecimento ao tribunal de, depois de ter tido conhecimento do atropelamento, já só ter visto a sua mãe num momento em que esta estava internada nos serviços de cuidados intensivos do Hospital de São Francisco Xavier. Deu ainda conta ao tribunal dos diversos tratamentos de que a mesma careceu, em consequência do acidente, e das despesas, relativas a equipamento e medicação, que foi necessário suportar, encontrando, neste particular, o depoimento do ofendido suporte de prova na análise crítica dos documentos juntos a fls. 186 a 247 dos autos, com que a testemunha foi confrontada em audiência de julgamento, tendo explicitado a que concreta despesa respeitava cada uma das facturas ou recibos em causa. A este propósito, a testemunha N... adiantou que todas essas despesas se referem a montantes não comparticipados, com excepção da cama hospitalar, a que é feita menção no ponto 13.1, a que respeita a factura de fls. 186, cuja aquisição foi comparticipada, em parte, pelos serviços sociais, numa parcela que não logrou concretizar. O depoimento da testemunha N... foi determinante para prova da factualidade inserta nos pontos 12., 13. e 14. da Matéria de Facto.

O depoimento testemunhal de N... foi, no essencial, corroborado pelo depoimento da testemunha O..., sua esposa, e nora da ofendida.

Os depoimentos das testemunhas E..., D..., P..., B..., N..., A..., O..., L..., M..., G..., H..., I... e F... afiguraram-se isentos e credíveis, tendo, em complemento das declarações prestadas pela assistente, sido importantes para prova da factualidade enunciada nos pontos 1. a 4., 8. e 11. a 14. dos Factos Provados.

No que respeita à factualidade enunciada no ponto 4. da Matéria de Facto, o Tribunal sedimentou a sua convicção na análise crítica do relatório clínico de fls. 64 e do auto de exame directo de fls. 119 a 121, e, no que respeita à matéria enunciada nos pontos 5., 6., 7. e 10., no relatório de perícia de avaliação do dano corporal, que integra fls. 513 a 520.

A testemunha Q..., enfermeira, não trouxe qualquer contributo para a decisão da matéria de facto, tendo dado conta ao tribunal de exercer a actividade profissional de enfermeira desde há dezassete anos, trabalhando nos últimos quinze anos no INEM. No desempenho das suas funções já prestou socorro a vítimas de inúmeros acidentes de viação, não guardando memória do acidente objecto dos presentes autos.

A testemunha R..., irmã da arguida, não trouxe qualquer contributo para a decisão da matéria de facto, nada sabendo de relevante, tendo-se limitado a adiantar que a mesma é uma pessoa calma, que conduz devagar, e que, após a ocorrência do acidente, contactava todos os dias o hospital com o intuito de se inteirar do estado de saúde da ofendida.

Também a testemunha S..., colega de trabalho da arguida, não trouxe qualquer contributo para a decisão da matéria de facto, nada sabendo de relevante, tendo-se limitado a adiantar que a arguida é sua colega de trabalho desde o ano de 2002, que mantém com esta uma relação de amizade, e que a mesma é uma condutora cautelosa, tendo ficado muito abalada em consequência do acidente.

               Em face das declarações da assistente, da prova pericial e documentos juntos aos autos e depoimentos das testemunhas, a cuja análise crítica se procedeu nos exactos termos que antecedem, e da sua conjugação com as regras da experiência comum, dúvidas não restaram ao tribunal da prova de toda a factualidade apurada, enunciada nos pontos 1. a 7. e 9. a 15. da Matéria de Facto Provada.

               Ora, perante este quadro factual, conjugado com as regras da experiência comum, bem se vê que a arguida D... teria necessariamente de circular de forma descuidada e desatenta, sendo tal motivo que obstou a que a arguida tivesse imobilizado o veículo automóvel por si conduzido, por forma a evitar colher a sinistrada num momento em que esta procedia à travessia da passadeira de peões, que se encontrava devidamente assinalada na faixa de rodagem, motivo pelo qual o tribunal considerou como demonstrada a factualidade a que é feita referência no ponto 8. da Matéria de Facto Provada.

*

                No que concerne aos factos não provados, tal deveu-se à circunstância de, sobre os mesmos, não se ter produzido prova ou prova suficiente, sendo de ponderar que, na parte atinente à dinâmica do acidente, a factualidade a que é feita menção em y) se encontra em contradição com a matéria de facto que o tribunal considerou assente.

                A este respeito, importa concretizar:

              - no que respeita à factualidade enunciada em j), refere-se, a fls. 519 do relatório pericial, que integra fls. 513 a 520, que a documentação clínica disponibilizada apenas permite confirmar a realização de tratamentos de fisioterapia desde a data do acidente e até 19/07/2007, não tendo sido junta aos autos prova documental que permitisse apurar que, para além destes, a ofendida tivesse realizado tratamentos de fisioterapia em qualquer outra altura;

            - no que respeita à factualidade enunciada em n), afirma-se, a fls. 579 do relatório pericial, que integra fls. 578 a 580, que “relativamente à incontinência urinária, que, no dizer da própria, se limitava a “alguma incontinência, mas só usa penso diário” – sendo que à data da alta do Centro de Medicina Física e Reabilitação de Alcoitão, mantinha “controlo de esfincteres” (fls. 84 e 107), não há elementos suficientes para estabelecer nexo de causalidade com o acidente dos autos, pelo que não foi tido em conta na proposição daquele dano permanente”;

               - no que respeita à factualidade enunciada em k), l), m), r) e s) , afirma-se, a fls. 579v. do relatório pericial, que integra fls. 578 a 580, que “À data da alta do internamento do Centro de Medicina Física e Reabilitação de Alcoitão, em 09/02/2007, a examinada mantinha, de acordo com a informação documental disponibilizada aos peritos, independência na generalidade das actividades de vida diária”;

          - no que respeita à factualidade enunciada em p) e u), a testemunha N..., filho da ofendida, afirmou que, à data do acidente, a mesma já padecia de deficiência renal e encontrava-se medicada;

         - e, no que respeita à factualidade enunciada em w), a testemunha N... referiu nunca ter sido exigido à sua progenitora o pagamento de tal montante, mais tendo adiantado que tal situação já se encontra regularizada, não tendo implicado qualquer dispêndio para a ofendida.

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III. ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA

                A) – ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL  

               Na decisão instrutória de pronúncia, vem imputada à arguida D... a prática, em autoria material, de factos passíveis de integrar a previsão de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p.p. pelo art. 148.º, ns.º 1 e 3, este com referência ao art. 144.º, al. c), ambos do Cód. Penal, e das contra-ordenações estradais, p.p. pelos arts. 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, al. a) e 103.º, n.ºs 1 e 3, todos do Cód. Estrada.

De acordo com o disposto no art. 148.º, n.º 1 do Cód. Penal, incorre na prática um crime de ofensa à integridade física por negligência, quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, acrescentando-se, no n.º 3 do mesmo preceito, que, resultando do facto ofensa à integridade física grave, a este ilícito corresponde já não a pena compósita alternativa de prisão até um ano ou multa até 120 dias, a que alude o n.º 1, mas sim a pena compósita alternativa de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.

A definição de ofensa à integridade física grave consta do art. 144.º do Cód. Penal, como tratando-se, designadamente, daquela que provocar ao agente passivo, designadamente, “doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável” (al. c)), ou lhe provocar “perigo para a vida” (al. d)).

                Dispõe o artigo 13.º do C. Penal que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.

Segundo o artigo 15.º do C. Penal, age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:

a) Representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa realização;

b) Não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto.

No caso da alínea a), fala-se em negligência consciente, visto que o agente chegou a prever a realização do facto considerado crime; e, no caso da alínea b), diz-se que a negligência é inconsciente, pois o agente nem chegou a prever aquela realização.

Nas palavras de Leal-Henriques e Simas Santos, “A culpabilidade, nos crimes negligentes, afirma-se quando o sujeito, no caso concreto, tendo a possibilidade de agir de acordo com o direito, não o faz, o que vale por dizer que não observou a diligência pessoal possível para evitar o resultado danoso. Portanto, a culpabilidade decorre da previsibilidade subjectiva”. – Código Penal Anotado, Vol. II, Editora Rei dos Livros, 2.ª ed., 1996, pp. 104 e 105.

Está em causa, nestes autos, um acidente de viação que ocorreu por a arguida D..., por seguir distraída ao volante do veículo ligeiro de passageiros de matrícula xx-xx-xx, não se ter apercebido que o peão L... se encontrava a atravessar a passadeira existente na Av.ª da República, na Parede, que se encontrava devidamente assinalada na faixa de rodagem, pelo que não imobilizou a marcha que imprimia ao veículo, nem efectuou qualquer manobra evasiva, vindo a embater com a parte frontal do veículo na ofendida, que circulava em plena passadeira, provocando-lhe os ferimentos descritos no ponto 4. da Matéria de Facto Provada, os quais lhe determinaram, directa e necessariamente, 454 (quatrocentos e cinquenta e quatro) dias de doença com incapacidade para o trabalho, deles tendo resultado risco de vida para a ofendida.

Todos os requisitos do crime de ofensa à integridade física grave por negligência, p.p. pelo art. 148.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao art. 144.º, al. c), imputado à arguida na peça acusatória, se reúnem no caso em apreço.

A condução automóvel já é de si uma actividade bastante perigosa, que demanda a adopção de especiais cautelas.

A circunstância de a arguida D... seguir distraída ao volante do veículo automóvel por si conduzido, e de, por tal motivo, não ter imobilizado a viatura à aproximação da passagem assinalada na Av.ª da República para a travessia de peões, nem efectuado qualquer manobra evasiva, revela uma inusitada temeridade, tornando provável a ocorrência de um acidente a todo o momento, por ser elevada a probabilidade de tal condução descuidada não lhe permitir controlar eficazmente e com segurança o veículo. Temeridade demonstrativa de acentuado desprezo pelo que dessa condução pudesse vir a suceder e potenciadora da criação de elevado risco de acidente, tendo, na hipótese agora em apreço, de ser considerada leviana a condução efectuada pela arguida.

A decisão da arguida conduzir nas circunstâncias enunciadas é reveladora de uma atitude leviana perante os bens jurídicos violados, infelizmente materializada em acidente, de que resultaram uma vítima. Por isso, não pode deixar de ser aferida por esta via a materialização da negligência.

Assim, dúvidas não se suscitam de ter a arguida actuado de forma negligente, tendo sido por sua culpa exclusiva que se deu o acidente.

           Ora, no caso vertente, e em face da factualidade acima descrita, não podemos deixar de concluir que a arguida D... conduzia o seu veículo de forma temerária.

             O simples facto de a arguida se encontrar ao volante de um automóvel, exigia cuidado e atenção na condução, nomeadamente que lhe permitisse imobilizar o veículo em condições de segurança, à aproximação da passadeira. A circunstância de a arguida seguir distraída ao volante do seu veículo automóvel teria de ser ponderada pela arguida ao avaliar o carácter reconhecível do perigo e a medida de cautela exigível.

               Assim, não tendo a arguida efectuado uma condução atenta do veículo automóvel por si conduzido, como se impunha naquelas circunstâncias concretas, o que a impediu de imobilizar a marcha à aproximação da passadeira, não agiu ela com o cuidado, a diligência e a atenção que as circunstâncias exigiam e de que era capaz.

                Sendo certo que, em consequência directa e necessária do embate do veículo, de matrícula xx-xx-xx, a sinistrada L... sofreu traumatismo craniano, com perda de conhecimento, traumatismo torácico à esquerda com fractura de arcos costais, vollet costal e hemotorax, e traumatismo ortopédico com múltiplas fracturas: diafisária do úmero esquerdo, diafisária e supra-condiliana do fémur direito, do sacro à esquerda, da bacia e bimaleolar da tibiotársica esquerda, lesões estas que lhe determinaram, directa e necessariamente, 454 dias de doença com incapacidade para o trabalho, e de que resultou risco de vida, verifica-se, pois, a existência de nexo de causalidade entre a conduta culposa da arguida e as lesões sofridas por L..., pelo que incorreu a arguida no crime de ofensa à integridade física grave por negligência, p.p. pelo art. 148.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao art. 144.º, als. c) e d), ambos do Cód. Penal, que lhe vem imputado na acusação, dúvidas não se suscitando, pois, em como a actuação da arguida é enquadrável no conceito de negligência.

E negligência inconsciente, por não ter previsto, como podia e devia, aquela realização do crime (art. 15.º, al. b) Cód. Penal).

Com efeito, verifica-se a negligência sempre que o agente ao actuar omite os deveres de cuidado que as circunstâncias concretas inerentes àquele impõem ou são exigíveis para evitar eventos danosos. Nessa medida, os resultados só se verificam por o agente não tomar as precauções adequadas a evitá-los e como tal não prevê ou não prevê com exactidão esse resultado como consequência normal e adequada da sua conduta.

E, no caso vertente, como acima se ponderou, a condução temerária do veículo de matrícula xx-xx-xx, acima descrita, foi causal do embate e dos seus resultados, pois se a arguida não conduzisse de forma desatenta e tivesse imobilizado a viatura antes da passadeira para peões, o embate não se teria dado e a sinistrada L... não teria sofrido ferimentos. Mas este resultado apenas era previsível, não o tendo a arguida representado, ao menos como possíveis.

               Nesta conformidade, conclui-se que a ocorrência do atropelamento se ficou a dever a culpa exclusiva da arguida D..., que conduziu com falta de cuidado e imperícia, violando, designadamente o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, al. a) e 103.º, n.º 2, todos do Cód. Estrada, aprovado pelo D.L. n.º 114/94, de 03/05, na redacção ao mesmo conferida pelo D.L. n.º 265-A/2001, de 28/09, atenta a punição da negligência consagrada no art. 133.º do mesmo diploma legal, que contemplam, respectivamente, a obrigação de o condutor dever regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente (art. 24.º, n.º 1), a obrigação de moderar especialmente a velocidade, designadamente à aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões (art. 25.º, n.º 1, al. a)), e a obrigação de, ao aproximar-se de uma passagem para peões, junto da qual a circulação de veículos não está regulada nem por sinalização luminosa nem por agente, o condutor reduzir a velocidade e, se necessário, parar para deixar passar os peões que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem (art. 103.º, n.º 2).

                Em suma, mostram-se, preenchidos, pela arguida D..., os requisitos previstos no art. 148.º, ns.º 1 e 3, por referência ao art. 144.º, als. c) e d), ambos do Cód. Penal, pelo que, não existindo causas de justificação da ilicitude nem causas de exclusão da culpa, concluímos que a arguida, com a sua conduta, incorreu na prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência.

*

B) – DA MEDIDA CONCRETA DA PENA

                Apreciada a conduta da arguida D..., vejamos as suas consequências penais, ponderando que ao crime de ofensa à integridade física por negligência, p.p. pelo art. 148.º, ns.º 1 e 3, por referência ao art. 144.º, als. c) e d), em cuja prática a arguida incorreu, corresponde a pena compósita alternativa de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.

               A moldura penal do tipo de crime em causa comporta, como se vê, a possibilidade de aplicação da pena de multa, constatação que impõe, no seguimento da orientação inserta no art. 70.º do Cód. Penal, aquilatar se será ou não de dar preferência á pena de multa em detrimento da pena de prisão.

               Os critérios legais para a escolha da pena expressam-se neste artigo, o qual estipula que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, quais sejam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º, n.º 1 CP).

               Em suma, a escolha entre a pena de prisão e a alternativa (de multa), depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial, sobretudo de prevenção especial de socialização e de prevenção geral sob a forma de satisfação do “sentimento jurídico da comunidade”, na esteira do ensinamento do Professor Jorge de Figueiredo Dias - a este propósito, cfr. Direito Penal Português, Vol. II – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 331 e 332.

               No caso vertente, pese embora a elevada gravidade de que se revestiu o crime objecto dos presentes autos, ponderando as exigências de prevenção que se fazem sentir, as mesmas não são prementes, uma vez que, apesar das elevadas necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, num contexto social em que se verifica a ocorrência de inúmeros acidentes de viação, com as trágicas consequências, morais e físicas, que daí muitas vezes decorrem, ao nível especial importa ponderar que a arguida D..., que contava a idade de 33 anos, à data da prática dos factos, não evidenciava passado criminal, e que, desde então, decorrido que se encontra um período superior a nove anos, não voltou a incorrer na prática de qualquer outro crime, tudo isto a denotar que os factos objecto dos presentes autos constituíram um episódio isolado e pontual na vida da arguida.

   Por conseguinte, tendo em conta as concretas necessidades de prevenção que se fazem sentir, considera-se que a mera submissão da arguida a julgamento, com a efectiva aplicação de uma pena de multa, será suficiente para satisfazer a finalidade punitiva do Estado, obviando aos efeitos nefastos do ponto de vista da reinserção social da arguida decorrentes da aplicação de uma pena de prisão.

                Termos em que se decide aplicar à arguida uma pena não privativa da liberdade, cabendo agora determinar, tendo por base a referida moldura legal abstracta, qual a pena concreta a aplicar à arguida.

                Para tanto, há que ter em conta os critérios previstos no art. 71.º do Cód. Penal, tendo como referência a culpa do agente e as exigências de prevenção.

               O n.º 2 da citada disposição legal estabelece que o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem contra ou a favor do agente, enunciando algumas dessas circunstâncias nas suas alíneas:

                a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

                b) A intensidade do dolo ou da negligência;

                c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

               d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

               e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

                f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.      

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do Cód. Penal devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

Assim, nesta perspectiva, valorando a matéria fáctica provada nos termos do art. 71.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal, importa determinar a medida concreta da pena a aplicar à arguida, pelo crime em cuja prática incorreu.

Assim, ponderando, por um lado:

- que a arguida agiu com negligência inconsciente, pois seria ainda mais grave que a arguida tivesse previsto a ocorrência de ferimentos num peão como consequência possível da sua conduta estradal e, ainda assim, tivesse desprezado a inevitabilidade (objectivamente verificada) do embate e a elevada probabilidade de verificação do resultado ofensas corporais;

- a gravidade da violação jurídica cometida pela arguida, que se apresenta com elevada expressão, trágica nas suas consequências, sabendo-se que foi violado um dos bens jurídicos mais valiosos (a integridade física), para o que contribuiu a distracção com que a arguida efectuava a condução do veículo automóvel;

- no que respeita ao grau de ilicitude do facto e suas consequências, releva sobretudo o maior desvalor do resultado traduzido no sofrimento concretamente causado à ofendida;

- ainda do ponto de vista do grau de ilicitude do facto e das suas consequências, devem reputar-se extensas as lesões sofridas pela ofendida L... (traumatismo craniano, com perda de conhecimento, traumatismo torácico à esquerda com fractura de arcos costais, vollet costal e hemotorax, e traumatismo ortopédico com múltiplas fracturas: diafisária do úmero esquerdo, diafisária e supra-condiliana do fémur direito, do sacro à esquerda, da bacia e bimaleolar da tibiotársica esquerda), que determinaram 454 dias de doença, com incapacidade para o trabalho, e de que resultou risco de vida para a ofendida;

- que a culpa do acidente é, no caso, de atribuir em exclusivo à arguida;

- a grande premência das exigências de prevenção geral positiva ou de integração, num circunstancialismo temporal em que ocorrem inúmeros acidentes de viação em Portugal, para os quais contribuem decisivamente as violações da natureza daquela que esteve na génese dos presentes autos.

E, por outro lado:

- a ausência de antecedentes criminais por parte da arguida;

- o tempo já decorrido após os factos (mais de 9 anos), sem que a arguida tivesse voltado a delinquir.

Ponderados todos estes elementos, na sua globalidade complexiva, tendo em atenção o lapso que medeia entre a pena máxima e a pena mínima aplicável ao caso, e fazendo apelo a juízos de proporcionalidade que a jurisprudência vai construindo, também como instrumento de valoração e medida para não produzir desigualdades na aplicação das penas, condena-se a arguida D..., pelo crime de ofensa à integridade física grave por negligência, em cuja prática incorreu, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, situada acima do ponto médio da diferença entre o mínimo e máximo aplicáveis, no limiar do segundo terço da moldura abstracta.

                Tendo em conta os critérios fixados no artigo 47.º, ns.º 1 e 2 do Código Penal e em face da exiguidade dos elementos apurados, o tribunal entende que a cada dia de multa deve corresponder a quantia de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o montante global € 1.280,00 (mil duzentos e oitenta euros).

*

***

           No que respeita ao pedido cível formulado pela assistente/demandante L..., nos termos do disposto nos arts. 71.º e 74.º do Cód. Processo Penal, no montante global de € 82.235,04 (oitenta e dois mil duzentos e trinta e cinco euros e quatro cêntimos), sendo € 9.235,62 respeitantes a danos patrimoniais, e € 73.000,00, a título de danos não patrimoniais, há que dizer o seguinte:

               A indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil (art. 129.º Cód. Penal).

               O princípio geral que rege nesta matéria é o consignado no art. 483.º Cód. Civil, segundo o qual “Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Em articulação com este princípio, dispõe o art. 487.º, n.º 1CC que “É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa”.

               A causa de pedir nas acções destinadas a exigir a responsabilidade civil é frequentemente classificada como causa de pedir complexa, integrada pelos diversos pressupostos de facto que condicionam a aplicabilidade do tipo de responsabilidade civil invocado pelo lesado.

                A efectivação da responsabilidade civil, como mecanismo pelo qual se realiza a imputação de um dano numa esfera jurídica distinta daquela onde o mesmo ocorreu, depende da existência de pressupostos, cuja constatação em cada caso concreto é condição sine qua non para a efectivação da responsabilidade ou, em termos técnico jurídicos, para a constituição de uma obrigação de indemnização a cargo de alguém.

                Na linha de uma longa tradição doutrinária, vislumbra-se na norma supra citada a existência dos seguintes pressupostos para a existência de um dever de reparação resultante da responsabilidade civil por actos ilícitos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante (culpa), o dano e um nexo de causalidade entre o facto e o dano – nesse sentido, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed., 1987, pp. 471 e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª ed., 1991, pp. 445 e ss..

               De acordo com os princípios consignados nos artigos 483.º e 563.º do Código Civil, causa de um acidente é a acção ou omissão idónea a produzi-lo. Tem tais características a acção ou omissão que, no consenso da generalidade das pessoas medianamente prudentes, colocadas nas circunstâncias do caso, e segundo um juízo de prognose póstumo e de acordo com as regras da experiência comum ou conhecida do agente, á apta a produzir o efeito danoso – nesse sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 11.10.94, in BMJ, 440.º, pp. 448.

                Tendo em conta todo o factualismo dado como provado, resulta que a conduta da arguida D... integra a prática de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, p.p. pelos arts. 148.º, ns.º 1 e 3, com referência ao art. 144.º, als. c) e d), ambos do Cód. Penal.

               Resulta da matéria de facto provada sob 1. a 3. que o acidente ocorrido é imputável à condutora do veículo “xx-xx-xx” que, ao conduzir da forma descrita, incorreu em contravenção ao disposto nos artigos 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, al. a) e 103.º, n.º 2 do Cód. Estrada, então vigente. Tais contravenções foram causais do acidente porquanto, quando não concretamente cometidas, o acidente não se teria seguramente verificado.

            Com interesse para a decisão do pedido provado ficou que, em consequência directa e necessária do acidente, a demandante L... sofreu traumatismo craniano, com perda de conhecimento, traumatismo torácico à esquerda com fractura de arcos costais, vollet costal e hemotorax, e traumatismo ortopédico com múltiplas fracturas: diafisária do úmero esquerdo, diafisária e supra-condiliana do fémur direito, do sacro à esquerda, da bacia e bimaleolar da tibiotársica esquerda, as quais lhe determinaram, directa e necessariamente, 454 dias de doença com incapacidade para o trabalho, tendo destes ferimentos resultado risco de vida para a ofendida. Em resultado das sequelas decorrentes do acidente de viação que a vitimou, a demandante padece de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 23 pontos. 

               Do acto criminalmente punível e violador do direito à integridade física de outrém, resultou, de forma directa e necessária, a ocorrência de danos, pelo que a demandada “Companhia de Seguros – X, S.A.”, empresa seguradora para a qual, à data do acidente, se encontrava transferida a responsabilidade civil pelo risco decorrente da circulação do veículo xx-xx-xx, se encontra constituída na obrigação de indemnizar a demandante no âmbito da responsabilidade civil por actos ilícitos.

               Fixada, assim, a responsabilidade, vejamos quais os danos e o montante da indemnização.

No que se reporta aos danos patrimoniais invocados pela demandante, a que acima se fez menção, tendo sido produzida prova de que a mesma teve de suportar, a título de despesas decorrentes de assistência médica, tratamentos, medicamentos, análises, consultas e aquisição de outros artigos de que careceu, em decorrência das lesões emergentes do acidente de viação, o montante total de € 1.722,58 (2.042,58 – 320,00, relativo este último valor, á cama hospitalar, que foi, pelo menos em parte, comparticipada), é devida indemnização nestes quantitativo – a este propósito, cfr. pontos 13. e 14. dos Factos Provados.

Pelo contrário, não tendo sido feita prova de que a demandante tivesse suportado a despesa relativa à compra da cama hospitalar, no valor de € 320,00, nem que tivesse ou venha a ter necessidade de proceder ao pagamento do montante de € 7.177,04, despendidos pelos Serviços de Acção Social do Ministério da Justiça, com as despesas hospitalares advindas do sinistro de que foi vítima, não é devida qualquer indemnização a este título, pelo que o pedido de indemnização deduzido pela demandante terá, nesta parte, de improceder.

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A demandante L... peticiona, igualmente, o pagamento do montante global de € 45.000,00, decorrentes da violação do direito à integridade física e psíquica (dano biológico) e do dano patrimonial futuro.

Apreciando a questão, assinala-se que, a este título, o que releva é a exigência de proporcionar à autora meios económicos equivalentes aos de que tenha sido privada devido ao acidente, de modo tal que se reconstitua a situação que existiria se o mesmo não tivesse ocorrido, nos termos do art. 562.º do Cód. Civil.

Neste particular, provou-se que, em resultado das sequelas decorrentes do acidente de viação que a vitimou, a demandante padece de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 23 pontos – cfr. ponto 6. da Matéria de Facto.

Têm sido várias as decisões dos nossos Tribunais Superiores, em particular do Supremo Tribunal de Justiça, no que concerne à indemnização devida por danos futuros associados a Incapacidade Permanente Parcial, designadamente sobrevinda em resultado de acidente de viação.

A Incapacidade Permanente Parcial constitui, de per se, um dano patrimonial indemnizável, constituindo um dano patrimonial futuro, como se observa nos acórdãos do S.T.J., de 04/12/1996 e de 08/06/1993, in BMJ 462, pp. 396, e in CJSTJ, tomo II, pp. 138, respectivamente, independentemente da prova de um concreto prejuízo pecuniário dela emergente, dado a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, no que concerne ao binómio resistência/capacidade de esforços – neste sentido, cfr., igualmente, os arestos do S.T.J. de 05/02/1987, in BMJ 364, pp. 819, de 17/05/1994, in CJSTJ, tomo II, pp. 101, e de 24/02/1999, in BMJ 484, pp. 359.

No caso vertente, a saúde da demandante sofreu, indubitavelmente, um dano, que tem de ser juridicamente protegido e quantificado.

Tal tipo de dano é um conceito normativo e tomado por vezes como sinónimo de dano à saúde; o chamado dano biológico, conceito eminentemente médico-legal, não pretende significar senão a diminuição somático-psíquica do indivíduo, sendo o dano à saúde um conceito jurídico-normativo que progressivamente se vem identificando com o dano corporal – neste sentido, cfr. João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Teses, Almedina, 2001, pp. 99. 

Nestes termos, não se suscitam dúvidas no que respeita a uma incapacidade funcional permanente de integridade físico-psíquica (fixável em 23 pontos) que irá acompanhar a demandante pela vida fora, aumentando a dificuldade das tarefas diárias, limitando as suas aptidões e bem estar.

Impõe-se, pois, a este título, uma compensação à autora pelos danos futuros, perfeitamente previsíveis, que resultarão daquela incapacidade funcional permanente, fixável em 23 pontos, com uma inerente maior penosidade ou dificuldade nas tarefas do dia a dia, em sintonia com o estatuído no art. 564.º, n.º 2 do Cód. Civil, diploma que dispõe “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização será remetida para decisão ulterior”.

Propõe-se, esta via, reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – art. 562.º do Cód. Civil.

A repercussão negativa da respectiva incapacidade funcional permanente centrar-se-á na diminuição de condição física, resistência e capacidade de esforços por parte da demandante, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.

E é precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.

Face aos critérios indemnizatórios civilísticos, a atribuição da indemnização nenhum apelo faz, nem tem que fazer, às repercussões do sinistro no dia a dia profissional (laboral) do lesado. Do que se trata é antes de actividade do lesado como pessoa e não como trabalhador, podendo ocorrer, o que não é raro, que determinada lesão produza uma incapacidade fisiológica significativa sem qualquer repercussão ou sequela de ordem laboral.

Sobre os possíveis critérios de que a jurisprudência nacional tem lançado mão na tentativa de quantificar as lesões à integridade funcional psico-somática (dano fisiológico), salienta-se o Ac. do STJ de 16/03/1999, CJSTJ, Tomo I, pp. 168 a 170, e também o estudo do Cons.º Sousa Dinis “Dano Corporal em Acidentes de Viação – Cálculo da Indemnização em Situações de Morte, Incapacidade Total e Incapacidade Parcial”, in CJSTJ, Ano IX, tomo I, pp. 5 e ss..

Tais critérios servem apenas de índices auxiliares para aplicação de um juízo de equidade e isto porque na avaliação dos prejuízos o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso e que o tornam único e diferente – cfr. acórdãos do S.T.J. de 04/02/1993, C.J.S.T.J., ano 1, tomo I, pp. 129, de 05/05/1994, C.J.S.T.J., ano 2, tomo II, pp. 86, de 28/05/1995, C.J.S.T.J., ano 3, tomo III, pp. 36 e de 15/12/98, C.J.S.T.J., ano 6, tomo III, pp. 155.

Retornando ao caso vertente, ponderando os factores apontados, de onde se salienta a idade da ofendida à data do acidente (82 anos), o seu elevado grau de incapacidade e as circunstâncias próprias do caso concreto, e tendo também presente que, recebendo antecipadamente a quantia em dinheiro, esse valor, em termos de poder aquisitivo, será, normalmente, superior ao que provavelmente viria a ter com o decurso dos anos, temos por ajustada, neste particular, fixar-lhe uma indemnização no montante de € 10.000,00 (dez mil euros).

*

A demandante peticiona, igualmente, o pagamento do montante de € 10.500,00, a título de danos morais complementares, de € 2.500,00, pelo dano estético, e de € 15.000,00, a título de Quantum doloris, decorrente das dores e sofrimentos que padeceu, em resultado do acidente de viação.

                Neste particular, com interesse para a decisão do pedido, ficou provado que, em consequência directa e necessária do embate, a ofendida sofreu inúmeras lesões, a saber, traumatismo craniano, com perda de conhecimento, traumatismo torácico à esquerda com fractura de arcos costais, vollet costal e hemotorax, e traumatismo ortopédico com múltiplas fracturas: diafisária do úmero esquerdo, diafisária e supra-condiliana do fémur direito, do sacro à esquerda, da bacia e bimaleolar da tibiotársica esquerda, as quais lhe determinaram, directa e necessariamente, 454 dias de doença com incapacidade para o trabalho, considerando a data do acidente e a data de 4 de Outubro de 2007, a que respeita a realização do exame médico, cujo auto de exame médico, subscrito pelo Dr. Josias Gil, integra fls. 119 a 121, tendo estas lesões implicado risco de vida para a ofendida.

                O quantum doloris é fixável no grau 4 duma escala de sete graus em gravidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo, as lesões resultantes, os tratamentos efectuados e o período de recuperação funcional. 

                O dano estético permanente é fixável no grau 3 duma escala de sete graus em gravidade crescente, decorrente das cicatrizes e da “descoordenação” dos movimentos do ombro e cotovelo esquerdo descritos – a este propósito, cfr. pontos 4., 5. e 7. da Matéria de Facto Provada.

               A matéria de facto supra referida integra o conceito de dano não patrimonial, o qual emergiu, directa e necessariamente, do acidente de viação.

               Por outro lado, a gravidade patente no caso concreto, sendo elevada, mostra-se, pois, relevante, merecendo a tutela do direito, de acordo com o disposto no art. 496.º CC.

               Nestes termos, tendo em consideração que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da condutora do veículo segurado na ré, as dores e sofrimentos padecidos pela demandante, que ficará sempre afectada pelo desgosto de se saber muito diminuída fisicamente, bem assim os demais factos apurados com interesse para a fixação desta indemnização, o tribunal decide, como equilibrado, avaliar, nesta parte, os danos não patrimoniais sofridos pela demandante L..., atendendo à natureza e extensão das lesões, e ao circunstancialismo em que as mesmas se desencadearam, reportado à data da propositura da acção, no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros).

                Não foram apurados quaisquer danos, de que a ofendida tivesse padecido, cuja liquidação importe efectuar em sede de execução de sentença.

*

           A compensação por danos não patrimoniais sofridos pela ofendida computa-se, assim, em € 30.000,00 (trinta mil euros), valor a que acresce a indemnização supra por danos patrimoniais de € 1.722,58 (mil setecentos e vinte e dois euros e cinquenta e oito cêntimos), num total de € 31.722,58 (trinta e um mil setecentos e vinte e dois euros e cinquenta e oito cêntimos).

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               Esta indemnização deve ser paga pela demandada “Companhia de Seguros – X, S.A.”, para a qual foi declinada a responsabilidade civil emergente do acidente de viação relativo à viatura marca OPEL, modelo ZAFIRA, de matrícula xx-xx-xx.

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IV. DECISÃO

Assim, pelo exposto, e tendo em conta as disposições legais consideradas, o Tribunal decide julgar a pronúncia parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente:

A) Julgam-se prescritas a responsabilidade e o procedimento contra-ordenacionais da arguida D..., pela autoria material das contra-ordenações ao disposto nos arts. 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, al. a) e 103.º, n.º 2, todos do Cód. Estrada;

B) Condena-se a arguida D..., pela prática, como autora material, de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelo art. 148.º, ns.º 1 e 3, com referência ao art. 144.º, als. c) e d), ambos do Cód. Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, o que perfaz o montante de € 1.280,00;

C) Julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante D..., e, consequentemente, condena-se a demandada “Companhia de Seguros – X, S.A.” a pagar à demandante o montante de 31.722,58, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de juros vencidos e vincendos, a contar da data da notificação da demandada e até efectivo e integral pagamento.

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Mais se condena a arguida D... nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 4 U.C.`s.

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               Custas cíveis a cargo da demandante D... e da demandada “Companhia de Seguros – X, S.A.”, na proporção do decaimento – art. 527.º do Cód. Processo Civil, aplicável ex vi art. 523.º Cód. Processo Penal.

*

(…

Conhecendo, dir-se-á:

1. Deverá ser aplicada à arguida não a pena contida na sentença mas sim outra de prisão de um mês substituída por dias de multa, e no quantitativo de €15,00 / dia?

Esta tema suscita o conhecimento de uma questão prévia, e que é a da possibilidade da admissibilidade do recurso interposto pela assistente na parte em em que pugna pela alteração/ modificação, da pena de multa que foi aplicada à arguida.

É por todos consabido que o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que "o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir." (Assento n.º 8/99, de 30 de outubro de 1997, CJ/STJ V.III.21, CJ/STJ VII.II.26, BMJ 470-47 e 486-21e DR I-A 10 de agosto de 1999).

A jurisprudência mais recente, de que é exemplo o acórdão de fixação de jurisprudência nº 5/2011, de 9 de fevereiro de 2011, proferido no proc.º n° 148/07, tratando de questão diversa, não infirma a jurisprudência fixada naquele acórdão, continuando a entender-se que o interesse em agir do assistente depende da invocação pelo mesmo de um interesse concreto e próprio.

Posição que já havia sido reafirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, mormente no seu acórdão de 24 de outubro de 2002, proferido no processo 02P3183 e consultável in Jusnet ("O recurso é de rejeitar, na medida em que a assistente/recorrente não dispõe de [concreta] legitimidade para recorrer (pois que a decisão recorrida não a «afecta» nem foi «contra ela proferida» - art.s 69.2.c e 401.1.b do CPP) nem alegou - e, menos ainda, «demonstrou» - «um concreto e próprio interesse em agir»").

Sendo que sobre esta matéria também se pronunciou o Tribunal Constitucional, que, no seu acórdão 205/2001, de 9 de maio de 2001, proferido no processo 372/00, que decidiu julgar conformes à Constituição, designadamente ao princípio do Estado de direito e direito de intervenção do ofendido no processo penal, as normas constantes dos artigos 69.1, 69.2.c, 401.1.b, e 401.2 do Código de Processo Penal, na interpretação fixada pelo Assento n.º 8/99, que restringe a legitimidade do assistente para impugnar a decisão condenatória no que concerne à escolha e medida concreta da pena imposta ao arguido, condicionando-a à prova de específico interesse em agir.

( vide neste sentido o AC do TRL de 19.11.2015, in www.dgsi.pt )

Ora no caso dos autos a recorrente/ assistente, para que dúvidas não subsistam, não invocou,  nem se vislumbra que o tenha, diga-se, no resente recurso aquele especifico interesse em agir que detivesse “in casu” e propiciassse assim a  sua viabilidade, logo a sua apreciação.

Como se refere no C.P.P. Comentado de António Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2014, p. 1286, no tocante ao segmento da decisão respeitante à espécie e medida da pena, "parece impôr-se a conclusão de que o assistente, porque portador de interesses alheios àquelas "ideias e exigências transcendentes" que o Estado visa com a aplicação das penas, carece de legitimidade para atacar a sentença na parte em que esta fixa a espécie e medida da pena por não o afectar e não ser contra ele proferida".

Assim, nestes termos decide-se rejeitar parcialmente o recurso apresentado pela assistente, mormente no tocante á  espécie de pena que foi aplicada à arguida, face ao que atrás se exarou, o que se declara.

    Já acima se delimitou o âmbito do conhecimento do recurso interposto pela assistente perante este Tribunal, resolvida que está a questão prévia que dele emanava.

           

Considerando-se obviamente, o recurso interposto pela assistente, inexistem agora quaisquer outras questões prévias a decidir e é patente que não foi manifestamente impugnada a matéria de facto que foi dada como assente na sentença recorrida, pelo que a mesma se tem por definitivamente imutável.

Estatui porém o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo tais vícios também de conhecimento oficioso, sendo eles:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.     

                                                     

Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença/ acórdão que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. Explicitando:          

                                                                                 

A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.

 Ora a tal respeito diremos que o vício previsto na al. a), do nº 2 do citado art.410º, do CPP, trata consabidamente de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.

Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, no “ Curso de Processo Penal”, Vol. III, pag.339/340 «é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada».

Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida (desiderato que parece querer ser alcançado pelos recorrentes na arguição deste vicio), que são coisas distintas, e como tal não podem ser confundidas.

Pelo que se conclui não existir no acórdão recorrido qualquer insuficiência da matéria de facto que foi dada como provada para a decisão de direito que foi proferida em concreto, relativamente a ambos os arguidos, julgando-se improcedente neste segmento os recursos interpostos.

A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. 

  

Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.      

O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das “legis artis” (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).

 Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).                                          

Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.

Logo o erro notório na apreciação da prova é o “que se verifica quando da leitura, por qualquer pessoa medianamente instruída, do texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, for detectável qualquer situação contrária à lógica ou regras da experiência da vida” – Ac. STJ 2/2/2011 (rel. Cons. Pires da Graça), www.dgsi.pt.

Desta limitação resulta que fica “desde logo vedada a consulta a outros elementos do processo nem é possível a consideração de quaisquer elementos que lhe sejam externos”.

 É que o recurso tem por objecto a decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida” - Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 339 (no mesmo sentido, isto é, entendendo-se que o erro tem que resultar do texto da decisão recorrida, sem recurso a outros quaisquer elementos, ainda que constantes do processo, vai a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores - cfr., por todos, os Acs. STJ de 2/2/2011 e de 23/9/2010 (rel. Maia Costa e Souto Moura respectivamente, www.dgsi.pt).

De forma particularmente clara exarou o STJ, no seu Ac. de 14/04/93, rel: Ferreira Vidigal, www.dgsi.pt, que: “para poder falar-se em erro notório na apreciação da prova refere-se que o colectivo, ao julgar a prova por si exibida, haja cometido um erro evidente, acessível ao observador comum e que o mesmo conste da própria decisão - e não já da motivação desta - por si só ou de acordo com as regras da experiência, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos, ainda que constantes do próprio processo”.

Ora neste caso e considerando-se a decisão em análise, resulta claro não padecer esta de qualquer enfermidade que a inquine com os atrás apontados vícios.

  Fazendo - se um escrutínio com a  leitura da sentença condenatória facilmente se infere desde já que esta não encerra em si qualquer incongruência, sendo clara, precisa,  e racionalizando, o como, o quando, e o porquê da decisão.

   Inexiste qualquer outro vício ou nulidade.

    Posto isto avancemos.

Cumpre assim apreciar e decidir:

Nos artigos 71º e 72º, do Código de Processo Penal encontra-se consagrado o princípio da adesão obrigatória da acção civil ao processo penal, segundo o qual, o direito à indemnização por perdas e danos sofridos com o ilícito criminal deve ser exercido no próprio processo penal, enxertando-se o procedimento civil a tal destinado na estrutura do procedimento criminal em curso.

      Ora, de acordo com o artigo 129º, do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime será regulada pela lei civil, encontrando-se o regime da responsabilidade civil extracontratual decorrente da prática de actos ilícitos estabelecido no artigo 483º, número 1, do Código Civil, nos termos do qual, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

      Como é sabido, consagra-se nesta disposição legal o princípio básico da responsabilidade civil por factos ilícitos, à luz do qual a imposição ao lesante da obrigação de indemnizar depende da verificação dos seguintes pressupostos: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante - culpa; d) o dano; e) nexo de causalidade entre o facto e o dano (vd. ALMEIDA COSTA, “Direito das Obrigações”, 4a edição, p. 364; ANTUNES VARELA, “Das Obrigações em geral”, 8a edição, vol. I, p. 533; PIRES DE LIMA, ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, anotação ao artigo 483º, p. 416).

      Nestes termos, o nascimento da obrigação de indemnizar assenta, antes de mais, sobre um facto do lesante, dominável ou controlável pela vontade, quer esse facto se traduza numa acção (violação de um dever geral de abstenção), quer consista numa omissão ou abstenção (violação de um dever jurídico especial de praticar o acto que teria impedido a consumação do dano).

       Do segundo elemento constitutivo da obrigação de indemnizar – ilicitude – decorre que só será gerador de responsabilidade o facto que seja ilícito ou antijurídico, ou seja, que esteja em oposição com a ordem jurídica, podendo esta ilicitude consistir na lesão de direitos de outrem ou na violação de norma destinada a proteger interesses alheios (RUI DE ALARCÃO, “Direito das Obrigações”, polic., 1983, p. 240).

      Pressuposto ou condição da obrigação de indemnizar é ainda a imputação desse facto ao lesante a título de culpa (“dolo ou mera culpa”), entendendo-se por comportamento culposo aquele que merece a censura ou reprovação do direito. A culpa exprime, assim, um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente que, dadas as suas capacidades pessoais e em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de outro modo, sendo justamente neste juízo de censura que reside a causa ou fundamento da deslocação do dano da esfera jurídica do prejudicado para a do lesante (RUI DE ALARCÃO, op. cit., p. 224).

      Ao nascimento desta obrigação de indemnizar é ainda essencial a existência de um dano, ou seja, que o facto ilícito praticado tenha causado um prejuízo a alguém, sendo certo que a obrigação de indemnização que emerge da responsabilidade civil tem precisamente em vista tornar indemne (sem dano) o lesado, colocando-o na situação em que estaria sem a ocorrência do facto danoso (vd. MOTA PINTO, “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra, 1992, p. 114).

      Como acima se deixou dito, o último elemento constitutivo da responsabilidade civil por facto ilícitos consiste no nexo de causalidade entre o facto e o dano, que se traduz no juízo de imputação objectiva do dano ao facto que lhe deu causa, ou seja, no estabelecimento de um elo de ligação entre a conduta do agente e o embate que se lhe seguiu e os danos nesse seguimento provocados, uma vez que, nos termos do artigo 563º, do Código Civil, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

       Relativamente à obrigação de indemnizar, dispõe o artigo 562º, do Código Civil, que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização, adiantando o artigo 563º, do mesmo diploma, que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Englobam-se nesses danos quer o concreto prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

      Estabelece, ainda, o artigo 566º, do Código Civil, que a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, tendo a indemnização em dinheiro como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

      No que respeita aos danos não patrimoniais, o artigo 496º, número 1, do Código Civil, prescreve que só serão atendidos aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

      A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, reparando-se apenas os danos que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral (ANTUNES VARELA, op. cit., p. 628).

     Na avaliação de tais danos, não pode o Tribunal deixar de ter presente que, como acima se deixou dito, a obrigação de indemnização tem aqui uma natureza mais compensatória do que indemnizatória, não se podendo deixar de ter presente a sua vertente sancionatória (ANTUNES VARELA, op. cit., p. 630).

       Neste particular, impõe-se referir que não é fácil o cálculo de um montante indemnizatório sempre que se trata de compensar dores e prejuízos de ordem moral bem como sequelas permanentes, seguindo-se, normalmente, o critério pelo qual a quantia em dinheiro há-de permitir alcançar situações ou momentos de prazer ou alegria bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade da dor e /ou sequelas.

A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (artº 496 nº 1 do Código Civil).

Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas.

         De resto, tratando-se de lesão de bens e direitos de personalidade, essa gravidade deve ter-se, por regra, como consubstanciada: deve exigir-se para bens pessoais um tratamento diferente do reservado para as coisas.

Tal indemnização não deverá confinar-se a uma dimensão puramente simbólica, mas assumir uma expressão significativa com relevo no quadro de vida do lesado e com repercussão sancionatória para o lesante, importando ainda considerar o alargamento dos limites de cobertura do seguro obrigatório a que se tem assistido. Todavia, no critério a adoptar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando, até por uma questão de justiça relativa, uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como impõe o nº 3 do artigo 8º do CC, de forma a evitar exacerbações subjectivas.

             Uma vez que, à data de tal facto, a responsabilidade pelos danos causados a terceiros pela referida viatura, se encontrava transferida para a recorrente através de um “contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel “(contrato de seguro é, no âmbito do seguro automóvel, um negócio jurídico através do qual uma das partes, a seguradora, assume perante a outra, o segurado, a obrigação de indemnizar os danos causados a terceiros por força de um acidente de viação, mediante o pagamento pelo segurado de uma prestação certa e periódica (o prémio), sendo predominante a sua qualificação como contrato a favor de terceiro [vd., respectivamente, GUERRA DA MOTA, “O contrato de seguro terrestre”, 1o, p. 271; MOTA PINTO, “Cessão da Posição Contratual”, 1970, p. 33, e LEITE DE CAMPOS, “Seguro de responsabilidade civil fundada em acidente de viação”, 1971, p. 152 e sgts.), também, nos termos do artigo 64º, número 1, alínea a), do Decreto-lei número 291/2007, de 21 de Agosto, as acções destinadas à efectivação de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório (coisa aliás que, e bem, foi devidamente ponderado na sentença sob censura).

      Acrescenta-se que, o artigo 4º, número 1, do Decreto-lei número 291/2007, de 21 de Agosto, impõe a obrigação de segurar a toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre, não estabelecendo qualquer diferenciação consoante tais danos sejam causados a título doloso ou negligente.

      Por outro lado, o citado artigo 11º, número 1, alínea a), do Decreto-lei número 291/2007, de 21 de Agosto, ao definir a abrangência do seguro de responsabilidade previsto no citado artigo 4º, número 1, do mesmo diploma, limitou-se a remeter para a obrigação de indemnizar estabelecida na lei civil, não tendo especificado se se tratava apenas da obrigação de indemnizar baseada em negligência ou se incluía também a baseada em dolo, de onde será de concluir, por apego ao princípio do legislador razoável [cf. artigo 11º, do Código Civil] que se teve ali em vista toda a obrigação de indemnizar estabelecida na lei, independentemente de estar fundada na culpa (negligente ou dolosa) ou no risco, interpretação essa de acolher, e não se correndo, temos a certeza e neste particular desiderato, o “risco” de como escreveu, Voltaire de seu nome François Marie Arouet, que “ sejam as leis claras, uniformes e precisas, porque interpretá-las quase sempre é o mesmo que corrompê-las”.

   A recorrente pretende em suma com o presente recurso o seguinte ( vide pontos 2 e 3):

           Dever ser fixada uma indemnização para o ressarcimento dos prejuízos decorrentes do dano sinistral da saúde (em devir) no montante de €20 000,00 (vinte mil euros), como também, dever ser fixada uma indemnização para o ressarcimento dos prejuízos decorrentes dos danos do sinistro não patrimoniais, no montante de €40 000,00 (quarenta mil euros).

          Assim temos que as pretensões da recorrente,  assentam tão só na discordância do montante indemnizatório que foi fixado pelo Tribunal “ a quo”, pretendendo o seu aumento para os valores que indica.

         Vejamos se lhe assiste razão:

         A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que a indemnização não deve seguir critérios miserabilistas e deve corresponder a um montante pecuniário que proporcione prazeres e distracções capazes de neutralizar, tanto quanto possível, os danos não patrimoniais que suportados pelo lesado. Mais deverá englobar a compensação pelos danos estéticos e sociais e os derivados da impossibilidade de a pessoa se dedicar a actividades agradáveis e outras.

Na verdade a norma do artº 496º/3 do CC, aliás citado na sentença recorrida, e o disposto no artº 566º/3 CC remetem-nos, segundo doutrina firmada, para um critério objectivo que decorre do próprio preceito.

Assim, neste caso, para calcular a compensação a atribuir por danos não patrimoniais, nos termos do n.º 1 do art. 496.º do CC, o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” [como a gravidade do dano], o que, desde logo, revela a natureza também sancionatória da obrigação de indemnizar”.

Acresce que, como também tem sido repetido na Jurisprudência, na perspectiva de uma salutar afinação de critérios para evitar discrepâncias que conduzem a injustiças relativas, é decisiva a ponderação da jurisprudência em casos do mesmo tipo.

Assim e sob este tema exarou.se no Ac do STJ, de 04-06-2015: “A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso”.

Cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” (acórdão de 25 de Junho de 2002, www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321).

Pelo enquadramento da pretensão da assistente, acabado de relatar, a primeira questão sob apreciação deve ser enquadrada no âmbito da discutida problemática do dano biológico que, segundo se tem entendido, pode ser ressarcido, tanto a título de danos patrimoniais, como de danos não patrimoniais.

Há que atender em principio à preocupação de uniformização de critérios em ordem à consecução da justiça relativa, remetendo-se para o acervo jurisprudencial acima assinalado, salientando ainda o seguinte trecho do Ac. da RL de 06.11.2013, onde se lê que:

“A questão dos danos patrimoniais futuros não pode ser apreciada apenas numa vertente ligada à capacidade geral de ganho do lesado que faz apelo às Tabelas Matemáticas (usadas para calcular as reservas matemáticas e a capitalização das pensões devidas por acidentes de trabalho), havendo paralelamente a esta perda de ganho (que até pode não existir, nomeadamente por o lesado estar desempregado, ou não trabalhar por opção, estar reformado etc), aquela que advém para a vítima pelo facto de ver reduzidas a sua capacidade de trabalho e/ou a sua autonomia vivencial.

Assim pela incerteza resultante destas fórmulas meramente indicativas, o critério último que deve nortear a determinação do valor da indemnização relativa aos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente e consequente perda de capacidade de ganho, é o da equidade, isto é, o da justiça do caso concreto.

Com vista a alcançar tal objectivo, seguindo o critério dominante na jurisprudência perfilha-se o entendimento de que a indemnização pelo dano futuro decorrente da frustração de ganhos deve atingir-se através de um capital adequado a produzir um rendimento que se extinga no fim do previsível período da vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de salário”.

No caso dos autos assente está que a ora recorrente/ assistente, tinha à data da ocorrência do sisnistro 82 anos, igualmente e fazendo um cotejo dos autos constata-se que estes já estão em juízo há cerca de 10 anos, coisa que convenhamos não é muito curial, nem é o desejável, pois todo o cidadão tem direito a uma justiça” pronta” ( no sentido de celeridade) de modo a não frustar a actualidade que uma decisão final venha a espelhar, com todos os inconvenientes que tal pode acarretar.

Debruçemo-nos sob o caso concreto sem mais demoras, e para tal retroagimos ao que na sentença proferida pelo Tribunal “ a quo”, a este propósito,  refere :

“A demandante L... peticiona, igualmente, o pagamento do montante global de € 45.000,00, decorrentes da violação do direito à integridade física e psíquica (dano biológico) e do dano patrimonial futuro.

Apreciando a questão, assinala-se que, a este título, o que releva é a exigência de proporcionar à autora meios económicos equivalentes aos de que tenha sido privada devido ao acidente, de modo tal que se reconstitua a situação que existiria se o mesmo não tivesse ocorrido, nos termos do art. 562.º do Cód. Civil.

Neste particular, provou-se que, em resultado das sequelas decorrentes do acidente de viação que a vitimou, a demandante padece de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 23 pontos – cfr. ponto 6. da Matéria de Facto.

Têm sido várias as decisões dos nossos Tribunais Superiores, em particular do Supremo Tribunal de Justiça, no que concerne à indemnização devida por danos futuros associados a Incapacidade Permanente Parcial, designadamente sobrevinda em resultado de acidente de viação.

A Incapacidade Permanente Parcial constitui, de per se, um dano patrimonial indemnizável, constituindo um dano patrimonial futuro, como se observa nos acórdãos do S.T.J., de 04/12/1996 e de 08/06/1993, in BMJ 462, pp. 396, e in CJSTJ, tomo II, pp. 138, respectivamente, independentemente da prova de um concreto prejuízo pecuniário dela emergente, dado a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, no que concerne ao binómio resistência/capacidade de esforços – neste sentido, cfr., igualmente, os arestos do S.T.J. de 05/02/1987, in BMJ 364, pp. 819, de 17/05/1994, in CJSTJ, tomo II, pp. 101, e de 24/02/1999, in BMJ 484, pp. 359.

No caso vertente, a saúde da demandante sofreu, indubitavelmente, um dano, que tem de ser juridicamente protegido e quantificado.

Tal tipo de dano é um conceito normativo e tomado por vezes como sinónimo de dano à saúde; o chamado dano biológico, conceito eminentemente médico-legal, não pretende significar senão a diminuição somático-psíquica do indivíduo, sendo o dano à saúde um conceito jurídico-normativo que progressivamente se vem identificando com o dano corporal – neste sentido, cfr. João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Teses, Almedina, 2001, pp. 99. 

Nestes termos, não se suscitam dúvidas no que respeita a uma incapacidade funcional permanente de integridade físico-psíquica (fixável em 23 pontos) que irá acompanhar a demandante pela vida fora, aumentando a dificuldade das tarefas diárias, limitando as suas aptidões e bem estar.

Impõe-se, pois, a este título, uma compensação à autora pelos danos futuros, perfeitamente previsíveis, que resultarão daquela incapacidade funcional permanente, fixável em 23 pontos, com uma inerente maior penosidade ou dificuldade nas tarefas do dia a dia, em sintonia com o estatuído no art. 564.º, n.º 2 do Cód. Civil, diploma que dispõe “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização será remetida para decisão ulterior”.

Propõe-se, esta via, reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – art. 562.º do Cód. Civil.

A repercussão negativa da respectiva incapacidade funcional permanente centrar-se-á na diminuição de condição física, resistência e capacidade de esforços por parte da demandante, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.

E é precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.

Face aos critérios indemnizatórios civilísticos, a atribuição da indemnização nenhum apelo faz, nem tem que fazer, às repercussões do sinistro no dia a dia profissional (laboral) do lesado. Do que se trata é antes de actividade do lesado como pessoa e não como trabalhador, podendo ocorrer, o que não é raro, que determinada lesão produza uma incapacidade fisiológica significativa sem qualquer repercussão ou sequela de ordem laboral.

Sobre os possíveis critérios de que a jurisprudência nacional tem lançado mão na tentativa de quantificar as lesões à integridade funcional psico-somática (dano fisiológico), salienta-se o Ac. do STJ de 16/03/1999, CJSTJ, Tomo I, pp. 168 a 170, e também o estudo do Cons.º Sousa Dinis “Dano Corporal em Acidentes de Viação – Cálculo da Indemnização em Situações de Morte, Incapacidade Total e Incapacidade Parcial”, in CJSTJ, Ano IX, tomo I, pp. 5 e ss..

Tais critérios servem apenas de índices auxiliares para aplicação de um juízo de equidade e isto porque na avaliação dos prejuízos o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso e que o tornam único e diferente – cfr. acórdãos do S.T.J. de 04/02/1993, C.J.S.T.J., ano 1, tomo I, pp. 129, de 05/05/1994, C.J.S.T.J., ano 2, tomo II, pp. 86, de 28/05/1995, C.J.S.T.J., ano 3, tomo III, pp. 36 e de 15/12/98, C.J.S.T.J., ano 6, tomo III, pp. 155.

Retornando ao caso vertente, ponderando os factores apontados, de onde se salienta a idade da ofendida à data do acidente (82 anos), o seu elevado grau de incapacidade e as circunstâncias próprias do caso concreto, e tendo também presente que, recebendo antecipadamente a quantia em dinheiro, esse valor, em termos de poder aquisitivo, será, normalmente, superior ao que provavelmente viria a ter com o decurso dos anos, temos por ajustada, neste particular, fixar-lhe uma indemnização no montante de € 10.000,00 (dez mil euros).”

Atento o que atrás se exarou e os factos que resultaram provados com relevância juridica para  esta questão, nomeadamente para o cálculo da indemnização, não podemos deixar de concuir pela total concordância com a decisão e seus fundamentos a que chegou o Tribunal “ a quo”, pelo que nenhum reparo existirá a fazer, concordando-se com o montante fixado, ou seja €10 000,00 ( dez mil euros) e pensamos que por ser clara, coerente e justo a fixação de  tal montante, o qual se mostra devidamente explanado na sentença.

Nestes termos improcede este segmento do recurso interposto pela assistente.

Vejamos agora o outro segmento do recurso atrás identificado:

- dever ser fixada uma indemnização para o ressarcimento dos prejuízos decorrentes dos danos do sinistro não patrimoniais, no montante de €40 000,00 (vinte mil euros).

Ora neste articular desiderato provou-se que:

 Em consequência, esta sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório clínico de fls. 64, a saber, traumatismo craniano, com perda de conhecimento, traumatismo torácico à esquerda com fractura de arcos costais, vollet costal e hemotorax, e traumatismo ortopédico com múltiplas fracturas: diafisária do úmero esquerdo, diafisária e supra-condiliana do fémur direito, do sacro à esquerda, da bacia e bimaleolar da tibiotársica esquerda, as quais lhe determinaram, directa e necessariamente, 454 (quatrocentos e cinquenta e quatro) dias de doença com incapacidade para o trabalho, considerando a data do acidente e a data de 4 de Outubro de 2007, a que respeita a realização do exame médico, cujo auto de exame médico, subscrito pelo Dr. Josias Gil, integra fls. 119 a 121, e delas resultaram risco de vida.

O quantum doloris é fixável no grau 4 duma escala de sete graus em gravidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo, as lesões resultantes, os tratamentos efectuados e o período de recuperação funcional. 

 Em resultado das sequelas decorrentes do acidente de viação que a vitimou, a demandante padece de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 23 pontos. 

O dano estético permanente é fixável no grau 3 duma escala de sete graus em gravidade crescente, decorrente das cicatrizes e da “descoordenação” dos movimentos do ombro e cotovelo esquerdo descritos.

A demandante L..., nascida a 2 de Março de 1924, pesem os 82 anos de idade que tinha à data do acidente, era uma pessoa autónoma, muito activa e conversadora, que, pelo menos nos últimos seis anos, que antecederam o acidente que a vitimou, prestava, diariamente, a sua colaboração, em regime de voluntariado, na Caritas Diocesana de Lisboa, na Parede.

Residia na Rua x, prédio sem elevador, onde vivia sozinha e realizava todas as tarefas domésticas, sem qualquer ajuda, com total autonomia.

Haverá aqui que aduzir que decorridos  mais  de 10 anos sobre o acidente, a ora recorrente tem já a provecta idade de 92 anos, e na altura da dedução do pedido civel, esta era uma pessoa com uma vida perfeitamente autónoma e activa, fazendo ainda voluntariado na “Caritas Diocesiana de Lisboa, na Parede”.

Ora das lesões sofridas resultaram um risco de vida para esta ( vide auto de exame médico), teve um quantum doloris de grau 4 numa escala de sete, tendo ficado 454 dias doente com incapacidade para o trabalho. Para além disto acresce que esta ficou com sequelas DFPIFP, fixável em 23 pontos, sendo que o dano estético permanente é fixável no grau 3 numa escala de sete em gravidade crescente, decorrente das cicatrizes e da “ descoordenação” dos movimentos do ombro e cotovelo esquerdo.

A recorrente peticionou nesta sede, o pagamento do montante de € 10.500,00, a título de danos morais complementares, de € 2.500,00, pelo dano estético, e de € 15.000,00, a título de Quantum doloris, decorrente das dores e sofrimentos que padeceu, em resultado do acidente de viação.

Já se enfatizaram os factos/danos/consequências que a recorrente sofreu, com relevância que resultaram provados nesta sede e supra descritos e que estes indúbitavelmente preenchem o conceito de dano não patrimonial, o qual emergiu, directa e necessariamente, do acidente de viação para aquela.Como se refere na sentença recorrida e concordando-se com o seu teor:

                “Por outro lado, a gravidade patente no caso concreto, sendo elevada, mostra-se, pois, relevante, merecendo a tutela do direito, de acordo com o disposto no art. 496.º CC.

               Nestes termos, tendo em consideração que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da condutora do veículo segurado na ré, as dores e sofrimentos padecidos pela demandante, que ficará sempre afectada pelo desgosto de se saber muito diminuída fisicamente, bem assim os demais factos apurados com interesse para a fixação desta indemnização, o tribunal decide, como equilibrado, avaliar, nesta parte, os danos não patrimoniais sofridos pela demandante L..., atendendo à natureza e extensão das lesões, e ao circunstancialismo em que as mesmas se desencadearam, reportado à data da propositura da acção, no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros).

Ora tendo em conta que o pedido feito pela assistente se cifrava em €28 000,00, entendemos perfeitamente adequado o valor fixado pelo Tribunal “ a quo”, o qual reportou a indemnização à data da propositura da acção ( dedução do pedido cível, portanto), pelo que aqui também não se nos oferece qualquer reparo a sentença revidenda, confirmando-a  também neste segmento.

Por fim haverá que apreciar a questão dos juros ( ponto 4).

Sufraga a recorrente que a contagem dos mesmos deverá ser feita, não a partir da data fixada na sentença, mas sim desde a data da oclusão do acidente.

Os juros moratórios, constituem no seu núcleo duro, o ressarcir o credor dos danos que sofreu em consequência do retardamento do pagamento da indemnização fixada a final, neste caso.

Ora no caso de acidente de viacção o crédito de juros apenas se constitui com a citação do  devedor, uma vez que os juros legais(…) vencem-se quando nascem ( vide o Ac da RC de 26.10.1999, in CJ, 1999, 4º-50), sendo que a seguradora fica constituida em mora e deve, por isso ser condenada no pagamento dos juros moratórios desde o momento da notificação para contestar o pedido civel deduzido, ( vide neste sentido e entre outros, os AC do STJ, 9.4.1997 in CJ/STJ, 2º-177,  AC STJ de 23.5.2002 in JSTJ000329/ITIJ/Net e AC STJ de 3.12 1998, BMJ, 482º.211/ no seu sumário pontoIV e AC do STJ de 8.2.1990, BMJ,394º-469) e não desde a data da oclusão do acidente, conforme é pretendido pela recorrente, sendo que esta pretensão não tem qualquer suporte legal, pelo que a conclusão a retirar só poderá ser de se julgar não provido também este segmento do recurso interposto pela assistente.

Ainda quanto aos juros e nesta sede, exaramos o seguinte, sendo certo que a fixação dos mesmo na sentença recorrida se mostra feita de forma correcta e conforme à lei, senão vejamos:

Na sentença recorrida não foi utilizado qualquer critério actualizado no cômputo e fixação do montante indemnizatório devido á assistente quanto aos danos biológocos (danos futuros), patrimoniais  e não patrimoniais.

A questão dos juros moratórios no caso de fixação de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, tem sofrido ao longo do tempo um percurso díspare, tendo sido no pretérito tratado quer pela doutrina , quer pela jurisprudência, não de forma unânime, e concretamente quanto ao inicio da contagem dos mesmos.

Esta disparidade foi sendo colmatada, encontrando-se na presente data perfeitamente balizada pela nossa jurisprudência.

Esta questão, agora ultrapassada pela nossa jurisprudência, como se disse,“estratificou-se” no sentido de que só são devidos juros de mora desde a citação se a sentença não disser expressamente que a mesma foi valorada à data da mesma – cfr. a título de exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-1-1997, BMJ 463,638; e o Acórdão da Relação de Évora de 15-1-1998, BMJ 473,581. Sendo certo que o Assento nº 4/2002 de 27-6-2002 uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

Ora, e cingindo-nos assim ao segmento de capital indemnizatório que a recorrente reclamava os peticionados juros desde a oclusão do acidente ( data do mesmo), o certo é que na verdade,  nenhuma atualização foi operada, na sentença recorrida, bastando para tal relê-la com a devida atenção.

Destarte, tendo presente o disposto no art.º 805º, n.º 3, do Código Civil, e o Acórdão Uniformizador de jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 4/2002 (in DR n.º 146, de 27/06/2002), não tendo as indemnizações fixadas, sido objeto de cálculo actualizado nos termos do art.º 566º, n.º 2, daquele Código, (sendo tal até expressamente referido na sentença recorrida) nada obsta a que os reclamados juros de mora se vençam a partir da notificação do pedido cível, conforme o decidido, pelo que se mantém imutável nesta parte a decisão proferida em primeira instância, pois mesmo tendo presente o disposto no art.º 805º, n.º 3, do Código Civil, e o já atrás referido Acórdão uniformizador de jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 4/2002 (in DR n.º 146, de 27/06/2002), não tendo a indemnização fixada, sido objeto de cálculo atualizado nos termos do art.º 566º, n.º 2, daquele Código, como claramente não aconteceu no caso dos autos, nada obsta a que os reclamados juros de mora se vençam a partir da notificação (vide aqui, Ac TRL de 18.09.2015, in www.dgsi.pt).

Já no que respeita aos danos patrimoniais, as referências reportam-se a factos temporalmente localizados e, quanto a eles, não existem quaisquer vestígios ( na sentença recorrida) da realização de operações de adaptação temporal daquela. Em tal contexto, justifica-se a plena aplicação do regime de compensação da erosão pecuniária vertido no n.º 3 do art. 805.º e no n.º 1 do art. 806.º, do Código Civil. Será  assim de sufragar a decisão propalada pelo Tribunal de 1ª instância, não havendo aqui qualquer reparo nem correcção a fazer, tanto mais que uma decisão actualizadora da indemnização, em rigor, pressupõe que sobre algo já quantificado incida algum elemento ou índice de actualização, situação que  se não se reconduz  necessariamente ao cálculo da indemnização com base da teoria da diferença da esfera patrimonial a que se reporta o artº 566º nº 2 do C.C., coisa aliás que não se verificou “ in casu”, pois o Tribunal de 1ª instância não “usou” na fixação da indemnização o já propalado critério actualizador. Resta aduzir também que embora questionada parcialmente a fixação dos juros devidos, estes o foram correctamente no caso “sub judice”, veja-se assim e novamente que no Acórdão (de uniformização de jurisprudência) do Supremo Tribunal de Justiça 4/2002, de 9 de Maio de 2002 [publicado no Diário da República, I Série A, de 27 de Junho de 2002],  onde se decidiu que sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º, do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, número 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.

       Ora, o juízo de equidade, formulado nos termos do artigo 496º, número 3, do Código Civil, de que resulta o montante da indemnização, é um juízo actualista, pois esse valor é aquele que se considera como correcto no momento em que a questão se decide.Para se formular esse juízo não se recua no tempo, procurando encontrar o montante que na data do acidente, na data da propositura da acção ou na data da citação do réu seria o adequado. Como, e  bem  se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2007 [acessível, via internet, no sítio www.dsg.pt], se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, coisa que, de forma patente não sucedeu no caso dos autos. (vide AC TRC de 29.12.2012, in www.dgsi.pt).

           Também e reportando-nos ao Acórdão (de uniformização de jurisprudência) do Supremo Tribunal de Justiça 4/2002, haverá não só de reter, e neste caso em concreto no ponto 7, onde se procede á uniformização de jurisprudência, acordando numa norma interpretativa nos termos que já atrás deixámos expressos, mas também, e por redundante, à própria fundamentação ínsita naquele acórdão, pois é comum ler-se amiúde em peças juridicas que tal se reportará tão só aos danos não patrimoniais.

Ora tal é uma inverdade, pois, de facto e debruçando-nos nós sobre a totalidade daquele texto (com 8 votos de vencido), dele claramente resulta,  e citando, “não há que distinguir entre danos não patrimoniais e danos patrimoniais e ainda entre as diversas espécies ou categorias de danos patrimoniais, uma vez que todos são indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, do cálculo actualizado constante do nº2 do artº 566º do C.C/ vide ponto 4.7. do supra citado Acórdão”.

 

            Cairá em falência assim o presente recurso nas suas diferentes vertentes, não tendo sido violada qualquer uma das normas invocadas pela recorrente na sentença revidenda, mostrando-se os vários “quantum” indemnizatórios fixados, face às lesões e sequelas sofridas pela recorrente, e já referidas, equitativamente equacionadas e concomitantemente arbitradas, bem como se conclui estar bem ajuizado a data do vencimento do cômputo dos juros devidos relativos a cada um dos danos sofridos, fixados e catalogados pelo Tribunal “a quo”.

 Improcede assim in totum o recurso interposto pela recorrente.

             Uma última nota:  Na sentença existe manifestamente um lapso de escrita na sua parte decisória, e pelos vistos por ninguém detectado, senão agora e por este Tribunal da Relação, senão vejamos ( e transcrevendo):

(…)

C) Julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante D..., e, consequentemente, condena-se a demandada “Companhia de Seguros – X, S.A.” a pagar à demandante o montante de 31.722,58, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de juros vencidos e vincendos, a contar da data da notificação da demandada e até efectivo e integral pagamento.

(…)

            Custas cíveis a cargo da demandante D... e da demandada “Companhia de Seguros – X, S.A.”, na proporção do decaimento – art. 527.º do Cód. Processo Civil, aplicável ex vi art. 523.º Cód. Processo Penal.

         Ora de facto fácilmente se constata que a demandante cível não é a arguida (…), mas sim a assistente de seu nome L..., devidamente identificada nos autos.

           De facto e nos segmentos atrás transcritos  ali deveria constar ( vide artº 380º nº 1  b) e nº 2 do C.P.P.), não o nome da arguida mas sim o da assistente, ou seja L....

         Assim nos termos das disposições legais supra citadas, procede-se à coreccção da sentença nos termos e segmentos  atrás referidos, eliminando-se o nome da arguida ( e por constituir lapso de escrita, e não comportando qualquer modificação essencial da sentença/ sendo por todos perceptível) e apondo-se no seu lugar o nome da assistente, L..., que deverá ser corrigido pelo Tribunal “ a quo”.

    DISPOSITIVO

Em face do exposto acordam as juízas que compõem a 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em:

1.Nos termos do disposto no artigo 380º nº 1  b) e nº 2 do C.P.P. , procede-se à coreccção da sentença nos termos e segmentos atrás referidos, eliminando-se o nome da arguida (que por constituir lapso de escrita, não comporta qualquer modificação essencial da sentença) e apondo-se no seu lugar o nome da assistente, L..., a efectuar pelo Tribunal “ a quo”, após o devido e legal trânsito em julgado da presente decisão.

2.Julgar “in totum” não provido o recurso interposto pela assistente e ora recorrente, devidamente identificada nos autos, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

         3.Custas e legais acréscimos a cargo da recorrente.

Notifique e D.N.

Lisboa, 22 de Setembro de 2016

(Processado integralmente em computador e revisto pela relatora, artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal/ versos em branco;)

Filipa Costa Lourenço

Margarida Vieira de Almeida