Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13386/16.6T8LSB.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1– A perícia médica constitui um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, do que resulta que o juiz não está vinculado ao resultado da perícia singular ou da perícia colegial, sendo que na fixação da incapacidade deverá ponderar e valorar, segundo o seu prudente juízo, todos os elementos constantes dos autos que permitam determinar a incapacidade de que é portador o sinistrado.

2– Apenas o laudo devidamente fundamentado pode suportar a formação da convicção do julgador quanto à fixação da natureza e grau de incapacidade do sinistrado.

(Sumário elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.



Relatório:


Iniciaram-se os presentes autos com a participação apresentada pela BBB, S.A., junto dos serviços do Ministério Público, de acidente de trabalho em que é Sinistrada AAA.

Em 7.12.2016 realizou-se o exame médico legal que concluiu nos seguintes termos:
“ A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 21-09-2016.
- Incapacidade temporária absoluta fixável num período total de 482 dias.
-Incapacidade permanente parcial fixável em 14,6400%, desde 22-09-2016, com IPATH”.

Realizou-se a tentativa de conciliação da qual consta, além do mais:
“ Dada a palavra à sinistrada, por ela foi dito que aceita a conciliação, nos termos propostos pelo Ministério Público, reclamando o pagamento da quantia de € 13,20, a título de despesas e transportes com a deslocação ao INML de Lisboa, bem como a este Tribunal.
Pelo legal representante da seguradora foi então dito que reconhece o acidente dos autos como de trabalho, o nexo causal entre esse acidente e as lesões dele decorrentes, bem como a sua responsabilidade emergente do acidente em função da retribuição atrás referida.
Disse ainda não estar de acordo com a avaliação da incapacidade feita pela perita do INMLCF de Lisboa, pelo que não aceita a conciliação nos termos do acordo proposto pela Procuradora da República, aceitando contudo pagar a quantia de € 13,20, reclamada a título de transportes.”

Atenta a posição assumida pelas partes, a Digna Magistrada do Ministério Público deu as partes por não conciliadas e ordenou a remessa dos autos à Secção onde deveriam aguardar o requerimento para a realização de Junta Médica.

A CCC, Companhia de Seguros, S.A., veio requerer que a sinistrada seja submetida a exame por junta médica tendo deduzido, para o efeito, os seguintes quesitos:
1.-Quais as sequelas?
2.-Qual a IPP?
3.-Há lugar a atribuição de IPATH?
A sinistrada requereu que fosse ordenada a realização de inquérito profissional e estudo do posto de trabalho, o que foi determinado.

O Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP deu o seu parecer com data de 08.09.2017 e no que respeita à “Análise de Funções/Tarefas do Posto de Trabalho refere o seguinte:
“ Com base no seu testemunho, no entanto devidamente complementado com a consulta a dados documentais, recurso a estudos já realizados para postos de trabalho idênticos, classificação nacional de profissões, vídeos e documentação alojada na Web, apresentam-se, de seguida, os elementos considerados mais relevantes no que diz respeito aos conteúdos da actividade laboral desenvolvida pela trabalhadora, a qual se insere no âmbito das funções levadas a cabo por uma cozinheira.
De uma forma global
4.1.-Planeia, prepara e cozinha pratos a partir de receitas ou sob instrução do chefe de cozinha, em hotéis, restaurantes e outros locais-lava corta, pesa e mistura alimentos para cozinhar.
4.2.-Verifica a qualidade dos alimentos e das refeições confeccionadas;
4.3.-Desembala, verifica e armazena ingredientes (frigoríficos, armários, etc.);
4.4.-Regula a temperatura de fornos, grelhadores e outros equipamentos de cozinha-opera equipamentos para cozinhar (micro-ondas, fritadeira, etc.)
4.5.-Verifica e executa, sempre que necessário, a limpeza da cozinha e equipamentos, de modo a cumprir normas de segurança e higiene-mantém as áreas de trabalho dentro das normas sanitárias, de saúde e segurança; limpa, lava apetrechos e utensílios de confeção de alimentos-vidros, loiças e talheres;
Com mais pormenor
4.6.-Planeia a aquisição dos produtos que vão servir de base à confeção de diferentes refeições, verificando as existências, diagnosticando as necessidades de reposição de produtos e matérias-primas informando o encarregado;
4.7.-Organiza os víveres e outros produtos necessários à confeção de determinadas receitas ou pratos, tendo atenção à sua qualidade e estado de conservação-prepara as matérias primas a armazenar, verificando a sua qualidade e efectuando a sua limpeza e divisão em proporções-arruma e organiza os produtos e matérias primas em prateleiras, de diferentes alturas, e nas várias arcas frigoríficas, horizontais ou verticais, tendo em conta as necessidades entre os 10 a 20 quilos aproximadamente.
4.8.-Transporta com ambas as mãos e braços, para a cozinha, as matérias primas necessárias à confeção dos alimentos, utilizando os diferentes suportes ou recipientes, suportando-os nas mãos/braços, e/ou empurrando (pesos entre os 10 a 20 quilos aproximadamente);
4.9.-Calcula, mentalmente, as quantidades de produtos necessários para a confeção dos alimentos, em função dos pratos e número de refeições a servir.
4.10.-Efetua a preparação de carnes, peixes (amanha o peixe), aves, legumes (prepara os legumes), frutas e ouras matérias primas, a utilizar na confeção de refeições, designadamente “limpando”, cortando e descascando, com ambas as mãos, os referidos produtos, através de meios e ferramentas auxiliares tais como facas, tesouras, cutelos, etc;
4.11.-Confeciona, diariamente, sopas, pratos de carne, de peixe, de legumes, acompanhamentos, sobremesas e outros alimentos, misturando, em tempos e quantidades adequadas, os diversos ingredientes, utilizando processos manuais e/ou mecânicos;
4.12.-Procede, diariamente, à transformação dos ingredientes alimentares, utilizando fogões, fornos, “Monovolumes” (basculante fixa para panelas e taxos de grande dimensão, com peso aproximado dos 10 quilos quando cheio de alimentos), micro-ondas e outros equipamentos adequados à prática;
4.13.-Transporta cuvetes (com peso aproximado dos 15 quilos quando cheios com as refeições) da cozinha para o refeitório.
4.14.-Efetua, regularmente, a limpeza das bancadas e lavagem do chão utilizando vassoura, produtos de limpeza, mangueira de jato de água e rodo, para proceder ao escoamento da água-procede, com frequência diária, à remoção e acomodação do lixo em sacos, colocando-os nos contentores respectivos e empurrando os mesmos para zona exteriores adjacentes à cozinha;
4.15.-Realiza limpezas pormenorizada dos fogões, exaustores, fornos, grelhas e frigoríficos, etc., utilizando os materiais, produtos e utensílios mais adequados (por exemplo, escovas, esfregões e panos); efetua a limpeza de armários, incluindo os seus conteúdos (loiças, equipamentos e utensílios de cozinha), tendo de proceder à recolocação e arrumação dos mesmos;”

E quanto às “Exigências do Posto de Trabalho/Função, escreve-se no mesmo parecer, o seguinte:
“5.Para que a trabalhadora possa exercer o tipo de funções acima descrito, é necessário que seja capaz de responder aos seguintes requisitos:
Condições de execução do trabalho
5.1.-A trabalhadora deve ser capaz de trabalhar, quase sempre, em espaços fechados, com iluminação artificial permanente;
5.2.-A trabalhadora deve ter capacidade para suportar condições de trabalho de muito calor, vapores, e, por vezes, algum fumo;
Exigências físicas, locomoção, tipo e intensidade de esforço
5.3.-A trabalhadora deve conseguir adotar a posição ortostática (em pé), durante longos períodos (por vezes, ¾ horas ininterruptas);
5.4.-A trabalhadora deve ser capaz de se curvar e agachar, frequentemente, nos momentos de arrumo da dispensa;
5.5.-A trabalhadora deve ser capaz de segurar, transportar, levantar e baixar pesos que podem atingir os 15/20 quilos (panelas e tachos de grandes dimensões cheios de comida);
5.6.-A trabalhadora deve ter capacidade para efetuar flexões frontais do tronco e do pescoço; conseguir efetuar torções laterais do tronco e do pescoço, ser capaz de realizar extensões do pescoço; conseguir trabalhar com os braços estendidos em frente e/ou elevados acima do nível dos ombros;
5.7.-A trabalhadora deve ter condições para mobilizar integralmente pernas, pés, mãos, punhos e braços, assim como executar movimentos de preensão dos dedos da mão.

Exigências sensoriais, psicomotoras, cognitivas
5.8.-A trabalhadora deve possuir um adequado (preferencialmente apurado) sentido de paladar e olfacto;
5.9.-A trabalhadora deve possuir uma adequada coordenação motora, especificamente a coordenação mão-mão, mão-braço e dedos-mão;
5.10.-A trabalhadora deve ter a capacidade de mobilizar a  atenção, quando cozinha, para determinada tarefa (atenção concentrada), mas também para vários focos ao mesmo tempo (atenção distribuída), evitando, nomeadamente, acidentes (por exemplo queimaduras e cortes);
5.11.-A trabalhadora deve ter uma adequada coordenação motora e um adequado nível de atenção na realização de tarefas de limpeza, dado que está sujeita a trabalhar em piso molhado e escorregadio.

Outras exigências/fatores preferenciais
5.12.-A trabalhadora deve possuir um adequado sentido de responsabilidade (com muita atenção aos aspectos ligados às intoxicações alimentares)- ser capaz de agir em conformidade com as normas de segurança e higiene alimentar; evidenciar cuidados de higiene pessoal.
5.13.-A trabalhadora deve ter capacidade de organização (arrumação racional do posto de trabalho) e de trabalhar, por vezes, sob alguma pressão, conforme o volume de clientes;
5.14.-A trabalhadora deve ter capacidade para se adaptar a novos equipamentos, tecnologias, utensílios e novas abordagens gastronómicas.”

E concluiu que:
“ 14.-Face ao exposto e de modo a dar um contributo para a resolução da problemática  em apreço, designadamente para a decisão do Tribunal/Junta Médica considerar se a trabalhadora sinistrada está, ou não, capaz para desempenhar o seu trabalho habitual (tipo de tarefas e funções descritas no ponto 4), é de relevar, com os dados disponíveis nesta data, o seguinte:
14.1.-Tendo em conta o perfil de exigências da profissão/posto de trabalho descrito no ponto 5 e o seu testemunho, nomeadamente o exposto no ponto 12, somos de parecer que com as lesões sofridas no ombro esquerdo e punho direito estas são dificilmente compatíveis com o adequado desempenho profissional do tipo de tarefas e funções atrás descritas, bem como para outras profissões ou postos de trabalho similares ou conexos, que impliquem, nomeadamente, carregar pesos e movimentos repetitivos ao nível dos ombros e punhos.
14.2.-Mais se acresce que se apresenta difícil a sua integração plena noutras actividades laborais, mesmo que impliquem menor esforço físico devido, nomeadamente, à sua baixa escolaridade.
(…)”
Da ficha de aptidão para o trabalho junta a fls. 88 dos autos, datada de 28.11.2016 consta, sob a rubrica “Resultado de Aptidão para a função proposta ou actual,” “ Apto condicionalmente” e que “ Só pode pegar em cargas muito ligeiras, não pode fazer grandes esforços. Aconselha-se um posto de trabalho onde não seja exigível pegar em cargas. Aguarda decisão do Tribunal do Trabalho. Volta após consulta do seu médico assistente.”

Em 25.10.2017, realizou-se  o exame por junta médica, tendo os Srs. Peritos  Médicos, por unanimidade, feito constar do auto de exame o seguinte:
“ Após consulta dos elementos constantes dos autos, e observação da sinistrada-
Informa ser Dextra.
Apresenta rigidez ligeira na flexão palmar do punho direito, e conjugada de Grau II do Ombro Esquerdo.
Sem queixas a nível do pé lesionado.
Resposta a Quesitos fls.64:
1.-As descritas. (1.Quais as sequelas?)
2.-Ver quadro anexo (2.Qual a IPP?)
3.-Não, uma vez que a funcionalidade hoje observada, permite a reconversão do posto de trabalho, sendo cozinheira de 2ª (anexa-se ficha de aptidão para o trabalho, datada de 28.11.2016. (3.Há lugar a atribuição de IPATH?)
E atribuíram à Sinistrada um Coeficiente Global de Incapacidade IPP de 14,64% a partir de 22.09.2016.

Em 02.06.2018 foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“ Por tudo o que fica exposto e nos termos das disposições legais citadas:
a)-Fixo em 14,64% a I.P.P. que afecta a autora, desde 21/09/2016.
b)-Condeno a ré a pagar à autora o capital de remição da pensão anual de €973,24, acrescido de juros legais, sobre o montante do dito capital, desde 22/09/2016, e da quantia de € 13,20 a título de despesas de transporte.
Custas e despesas pela ré.
Fixo à causa o valor de €12.630,28-art.120º do CPT.
Registe e notifique.
DN.”

Inconformada, a Sinistrada recorreu e formulou as seguintes conclusões:
“a)-O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão de atribuição da IPATH à autora, e consequentemente não considerou tal facto como provado ou não provado.
b)-O relatório do Sr. Perito Médico do Tribunal e inquérito profissional e estudo do posto de trabalho, demonstram que a autora tem IPATH.
c)-O auto de junta médica e relatório de aptidão para o trabalho, recomendam a reconversão do posto de trabalho.
d)-O que significa que a autora tem incapacidades para desempenhar as funções inerentes ao trabalho habitual.
e)-Estando o auto por junta médica, como todos os outros, sujeita a livre apreciação do julgador, devia a sentença, na sua fundamentação, pronunciar-se sobre os restantes relatórios-inquérito profissional e estudo do posto de trabalho, relatório de aptidão para o trabalho e do Perito Médico do Tribunal.
f)-Da análise crítica da prova documental, verifica-se que a Autora não pode exercer a sua profissão habitual.
g)-A reconversão do posto de trabalho-referida pela junta médica e médico do trabalho-demonstra a incapacidade de a autora desempenhar as funções do trabalho habitual, sendo necessário a atribuição de uma nova categoria/funções distintas de cozinheira de 2ª.
h)-O tribunal a quo não explanou correctamente a fundamentação da decisão dos documentos juntos aos autos e já alegados.
i)-O que, salvo melhor opinião, configura erro de julgamento ou nulidade de sentença- art.615, n.º 1, al.d) do CPC.
j)-Se assim se não entender, e conforme resulta dos documentos juntos, deve ser considerado provado que a autora ficou com uma IPATH e consequentemente ser alterada a sentença recorrida, fixando-se à autora a IPATH, ou se assim não se entender, ser ordenada a reconversão profissional da autora.”

Termina pedindo que seja dado provimento ao recurso e que:
a)-Em conformidade com os documentos juntos, deve ser considerado provado que a autora ficou com IPATH e, consequentemente, ser alterada a sentença, fixando-se à autora a IPATH, ou se assim não se entender, ser ordenada a reconversão profissional da autora.
b)-Se assim se não entender deve ser declarada a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, n.º 1, al.d) do CPC.

Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido na espécie, modo de subida e efeito adequados.

Subidos os autos a este Tribunal, o Exmº. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Notificadas do parecer, as partes não responderam.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no presente recurso importa apreciar as seguintes questões:
-Se deve ser apreciada a arguida nulidade da sentença e, em caso afirmativo, se a sentença é nula.
-Se deve ser considerado provado que a Autora, em consequência do acidente dos autos, ficou afectada de uma IPATH e, consequentemente, deve ser alterada a sentença fixando-se-lhe uma IPATH.
-Se assim não se entender, se a Autora deve ser reconvertida no seu posto de trabalho.

Fundamentação de facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:
A)–No dia 28/05/2015, quando a autora, que nasceu em 01/11/1962, prestava o seu trabalho de cozinheira, ao serviço da entidade patronal “XXX, S.A.”, em execução de contrato de trabalho com esta celebrado, foi vítima de um acidente de trabalho, sofrendo as lesões constantes dos autos.
B)–À data do acidente, a autora auferia a retribuição anual de € 9.496,84.
C)–A entidade patronal, referida em A), tinha a responsabilidade civil, emergente de acidente de trabalho, transferida para a “CCC, S.A.”, em função da retribuição referida em B).
D)–A ré, na fase conciliatória, aceitou a existência e caracterização do acidente como sendo de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões apresentadas pela autora e o acidente e a responsabilidade emergente do acidente em função da retribuição auferida e transferida, bem como o pagamento da quantia de € 13,20, a título de despesas de transportes.
E)–Em exame médico efectuado no INML, o Sr. Perito Médico pronunciou-se no sentido de ser atribuída à autora uma I.P.P. de 14,64% com IPATH, desde a data da alta (21/09/2016), conforme relatório de fls. 40 a 43, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
F)–Efectuado o exame por junta médica, os Srs. Peritos emitiram o laudo de fls. 89 e
90, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual concluíram que a autora é portadora de lesões que se enquadram no Cap. I – 3.2.7.3 al. b) e no Cap. I – 7.2.2 al. a), da Tabela Nacional de Incapacidades, que lhe determinaram uma I.P.P. de 14,64%, desde a data da alta.

Por resultar da documentação junta aos autos e da tentativa de conciliação, em complemento à alínea A) dos factos provados, ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC, adita-se os factos seguintes:
-O acidente consistiu em a Sinistrada ter sido atropelada por um veículo ligeiro  ao atravessar uma passadeira.
-Do Boletim de Exame/Boletim de Alta/Ficha de Avaliação dos serviços da Ré Seguradora  (docs. de fls. 2 e 34), consta que, do acidente, resultaram as seguintes lesões: fractura fechada de uma ou mais falanges do pé, fractura fechada de Colles (antebraço, extremidade inf (antebraço direito), fractura extremidade superior úmero exp.-grande tuberosidade (braços), fractura Extremidade superior úmero f.-parte não especificada.
-Do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito do Trabalho de fls.40 a 43 consta que da nota de alta do serviço de Ortopedia do Hospital …, datada de 5.6.2015, foi diagnosticado à Sinistrada fractura distal do radio direito mais fractura proximal do úmero esquerdo (3 partes de Neer).

Fundamentação de direito.
Analisemos, em primeiro lugar, se deve ser apreciada a arguida nulidade da sentença e, em caso afirmativo, se a sentença é nula.
Nesta sede, invoca a Recorrente, em síntese, que o Tribunal a quo não deu como provado ou não provado que a Autora tem uma IPATH, nem na sua fundamentação consta uma análise crítica dos documentos juntos aos autos para a não atribuição de IPATH à Autora, omissão que, em seu entender, configura nulidade da sentença nos termos da al.d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
As causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente indicadas no artigo 615º do CPC.
E de acordo com a al.d) do nº 1 desta norma, a sentença é nula quando “ O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
Sobre a omissão de pronúncia, escrevem José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol.2º, pag.670, anotação que, embora se dirija ao artigo 668º do CPC é aplicável à al.d) do artigo 615º que manteve a mesma redacção:” Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.660-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…).”
Também sobre a omissão de pronúncia ensina o Professor Alberto do Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pags.142 e 143: “ A primeira parte do nº 4 declara nula a sentença que deixe de pronunciar-se sobre questão de que o juiz devia conhecer. Esta nulidade está em correspondência directa com o 1º período da 2ª alínea do art.660º- Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.(…)
Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”
E como se afirma no Acórdão do STJ de 11.03.2012, in www.dgsi.pt “1. A nulidade por omissão de pronúncia pressupõe que o tribunal não julgou uma questão que devia apreciar; não basta que não tenha considerado um argumento ou um elemento (nomeadamente probatório) que o recorrente entenda ser relevante.”.

Ora, a omissão a que se refere a Recorrente, não respeita a um vício que determina a nulidade da sentença, mas sim, a eventual violação, pelo Tribunal a quo, do disposto no nº 4 do artigo 607º do CPC que dispõe: “ Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

Analisada a decisão, verifica-se que a sentença enumera os factos provados que o Tribunal a quo entendeu revelarem interesse para a decisão da causa, nada referindo quanto aos factos não provados.

Contudo, face ao teor do facto da alínea F), resulta claro que considerou não ter ficado provado que a Recorrente ficou afectada de uma IPATH.

Por outro lado, embora a sentença recorrida não faça qualquer menção ao Parecer do IEFP, nem à Ficha de Aptidão Para o Trabalho juntos aos autos, o certo é que aderiu expressamente ao laudo dos Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta Médica por entender que não existem razões que possam fundamentar um entendimento diferente do daqueles, excluindo, assim, aqueles outros elementos de prova,  razão pela qual, estribando-se em tal laudo considerou provada a matéria sob a alínea F) e, em conformidade, fixou a IPP que afecta a Autora em 14,64%.

Consequentemente, conclui-se que não se verifica a alegada violação ao disposto no artigo 607º nº 4 do CPC, sendo certo que a questão de saber se a fundamentação a que aderiu a sentença recorrida é suficiente para se alcançar a conclusão a que chegou já terá de ser colocada noutra sede.

 Acresce que mesmo que se considerasse que estamos perante uma nulidade da sentença, o que, como já dissemos, não se considera, a verdade é que esta nem poderia ser conhecida por este Tribunal.

Com efeito, como se sabe, a arguição de nulidades da sentença, no processo laboral, obedece a um regime específico, o previsto no artigo 77º do CPT.

De acordo com o nº 1 do referido artigo, a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.

E como refere António Santos Abrantes Geraldes, in “ Recursos no Processo do Trabalho Novo Regime”, pag. 61 “ Em especial, as nulidades da sentença devem ser arguidas expressa e separadamente, como determina o artigo 77.º n.º 1, do CPT, exigência que vem sendo interpretada de forma rigorosa e cujo incumprimento determina o não conhecimento das mesmas.”

A título de exemplo, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.3.2016, in www.dgsi.pt em cujo sumário de escreve 1-A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.”

Visa tal regime permitir ao Tribunal que proferiu a sentença que, caso se verifique a invocada nulidade, a possa suprir antes da subida do recurso, dispondo o nº 3 do mesmo preceito legal que “A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ou ao juiz, conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso”.

Ora, analisado o requerimento de interposição do recurso, logo constatamos que a Recorrente não menciona nem anuncia que vai arguir a nulidade da sentença, sendo a arguição levada a cabo nas conclusões e no corpo alegatório, mas sem que o faça de modo destacado.

Ou seja, a Recorrente, no que se refere à arguição da “nulidade da sentença” não observou o disposto no artigo 77º nº 1 do CPT, sendo certo que não se trata de uma nulidade de conhecimento oficioso.

Consequentemente, por extemporânea, não se conheceria da arguida nulidade da sentença.
*

Apreciemos, agora, se deve ser considerado provado que a Autora, em consequência do acidente dos autos, ficou afectada de uma IPATH e, consequentemente, deve ser alterada a sentença fixando-se-lhe uma IPATH.

A este propósito importa referir, antes de mais, que a Sinistrada, ao pretender que lhe seja reconhecida uma IPATH, embora não o diga expressamente, está a impugnar a matéria da alínea F) dos factos provados na parte em que refere que as lesões de que a Autora é portadora lhe determinaram (apenas) uma IPP de 14,64%, desde a data da alta.

Fundamenta a sua pretensão na conclusão inserta no Parecer elaborado pelo IEFP, na Ficha de Aptidão para o Trabalho junta a fls. 88 dos autos, no auto de exame por Junta Médica  e no relatório do perito médico do Tribunal, defendendo que, da análise de todos estes documentos, decorre que a Autora não pode exercer a sua profissão habitual de cozinheira de 2ª e que se a própria junta médica e relatório do médico do trabalho recomendam a reconversão do posto de trabalho, significa que a autora ficou com incapacidade para o seu trabalho habitual, pelo que deverá ser-lhe fixada uma IPATH.

Sobre a incapacidade da Autora escreve-se na sentença recorrida o seguinte:
“A única questão controvertida nos autos, prende-se com a determinação da percentagem de I.P.P. com que a autora ficou afectada, em consequência do acidente sofrido - arts. 117º, nº 1, al. b) e 140º, nº 1, ambos do CPT.
Não existem razões que possam fundamentar um entendimento diferente do que foi expresso no laudo dos Srs. Peritos que constituíram a junta médica, no que concerne ao enquadramento das lesões, de que a autora é portadora, na T.N.I. e à I.P.P. atribuída, de acordo com tal enquadramento.
Assim sendo, haverá que fixar, em conformidade com o laudo, a I.P.P. que afecta a autora e, nos termos do disposto nos arts. 2º, 3º, 8º, 39º, 48º, nº 3, al. c), 71º, 72º e 75º, nº 1, todos da Lei nº 98/2009 de 04/09, condenar a ré no pagamento à autora do capital de remição da pensão anual de € 973,24 (€ 9.496,84 x 70% x 14,64%), devida desde 22/09/2016.”

Vejamos:
Tendo o acidente de trabalho ocorrido em 28.05.2015, ao caso é aplicável a Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro (cfr. arts. 187º e 188º da referida Lei).
Dispõe o artigo 19º da LAT:
“O acidente de trabalho pode determinar incapacidade temporária ou permanente para o trabalho.
2-A incapacidade temporária pode ser parcial ou absoluta.
3-A incapacidade permanente pode ser parcial, absoluta para o trabalho habitual ou absoluta para todo e qualquer trabalho.”
Por seu turno, determina o nº 3 do artigo 48º da LAT que “ Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações:
(…)
b)-Por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
(…)”.
A Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH) é definida por Carlos Alegre em “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais - Regime Jurídico Anotado”, 2.ª Edição, pag.96 do seguinte modo: “trata-se de uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho de uma específica função, actividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra actividade laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia, uma capacidade de ganho, em princípio diminuta”.

E como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.2.2018, in www.dgsi.pt “(…) V - A Incapacidade Permanente Absoluta Para o Trabalho Habitual (IPATH) pressupõe que atentas as limitações funcionais que resultaram do acidente de trabalho, o sinistrado não possa continuar a cumprir as tarefas que habitualmente desenvolvia, integradas no conteúdo funcional da respetiva profissão, com as exigências inerentes à mesma.
 (…).”

Ou seja, para que se considere que a Autora está afectada de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH), a invocada prova documental terá de revelar que esta está incapacitada a 100% para o exercício das suas funções de cozinheira de 2ª, isto é, que está impossibilitada, em absoluto, de exercer todas as funções ou o núcleo essencial das funções de cozinheira de 2ª, embora ainda tenha uma capacidade residual para exercer outra actividade laboral compatível com essa capacidade.

Ora, no caso, o exame médico legal junto a fls.40 a 43 dos autos afirma que a Autora é portadora de uma IPP fixável em 14,6400%, desde 22.9.2016, com IPATH e o Parecer do IEFP também conclui que as lesões de que é portadora a Recorrente são dificilmente compatíveis com o adequado desempenho profissional do tipo de tarefas e funções de cozinheira, bem como para outras profissões ou postos de trabalho similares ou conexos, que impliquem, nomeadamente carregar pesos e movimentos repetitivos ao nível dos ombros e punhos.

Por seu turno, a Ficha de Aptidão para o Trabalho refere que a Recorrente está apta condicionalmente para o trabalho, mas que só pode pegar em cargas ligeiras, não podendo fazer grandes esforços, aconselhando, assim, um posto de trabalho em que não seja exigido pegar em cargas.

E, por fim, os Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta Médica, após observação da Sinistrada e de todos os elementos constantes dos autos, responderam que não há lugar à atribuição de IPATH uma vez que a “funcionalidade hoje observada permite a reconversão do posto de trabalho”, sendo certo que, nessa data, observaram que a Sinistrada apresentava rigidez ligeira na flexão palmar do punho direito e conjugada de Grau II do ombro esquerdo.  

Ora, como é sabido,  a perícia médica constitui um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, do que resulta que o juiz não está vinculado ao resultado da perícia singular ou da perícia colegial, sendo que na fixação da incapacidade deverá ponderar e valorar, segundo o seu prudente juízo, todos os elementos constantes dos autos que permitam determinar a incapacidade de que é portador o sinistrado.

Na verdade, como se afirma no Acórdão deste Tribunal e Secção, proferido em 17.10.2012, na Apelação nº 25094/11.TTSNT.L1 e em que a ora relatora interveio como 2ª adjunta, “O exame por junta médica previsto no art.º 139.º do CPT, inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do disposto naquela norma, também pelas que no Código de Processo Civil disciplinam este meio de prova.
A prova pericial tem por objecto, conforme estatuído no art.º 388.º do CC “(..) a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” ou quando os factos “relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Recorrendo também aqui à lição, seguramente actual, do Professor Alberto dos Reis, elucida este que “O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 171].
Pese embora o perito dispor de conhecimentos especiais que o julgador não possui, a sua função é a de “auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos”, não impedindo tal que seja “um agente de prova e que a perícia constitua um verdadeiro meio de prova” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Op. cit., pp. 578].
Daí que, conforme estatuído na lei, a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo Tribunal (art.º 389.º do CC e 655.º do Cód. Proc. Civil ).
Como defendem aqueles autores “apesar de a resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente arbítrio dos juízes, que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere. Parte-se do princípio que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso de frequente divergência entre os peritos” [op. cit. pp. 583].
A aplicação do princípio da livre apreciação da prova à prova pericial, foi igualmente objecto de exaustiva apreciação por parte do Professor Alberto dos Reis, para concluir “(..)
É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas. Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo (..); mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.” [op. cit., pp.. 185/186]
Em suma, na prolação da decisão para fixação da incapacidade, a que alude o nº 1 do art.º 140.º do Cód. Proc. Trab., o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, isto é, o exame feito pela junta médica e o exame médico singular realizado na fase de conciliação. É o que logo decorre desse artigo, quando diz que a decisão é proferida “(..) realizadas as perícias referidas no artigo anterior (..)”, bem assim da própria arquitectura do processo, prevendo a realização obrigatória dos referidos exames médicos.
Contudo, tal não significa que o julgador está vinculado ao parecer dos senhores peritos, já que o princípio da livre apreciação da prova permite-lhe que se desvie do parecer daqueles, seja ele maioritário ou unânime.
Porém, quer adira ou quer se desvie, precisamente por a ele caber na sua livre convicção decidir, é-lhe sempre exigido que deixe expressa a sua motivação, isto é, os fundamentos ou razões por que o faz, ainda que com diferentes níveis de exigência.”
Por outro lado e como se afirma no Acórdão deste Tribunal e Secção proferido em 05.06.2013, no processo nº 60/12.1TTBRR.L1, em que a ora relatora também interveio como 2ª adjunta: “Certo é que, em qualquer caso, é sempre necessário que o Juiz conte com um resultado do exame pericial devidamente fundamentado, pois é a partir daí que se desenvolverá toda a apreciação com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador. Por outras palavras, o laudo, seja ele obtido por unanimidade dos peritos ou apenas por maioria, deve convencer pela sua fundamentação, pois só assim cumpre o propósito de facultar ao juiz os elementos necessários para fixar a natureza e o grau de incapacidade.”

Regressando ao caso, impõe-se afirmar que as respostas dos Srs. Peritos que constituíram a Junta Médica são claras quanto às lesões decorrentes do acidente de trabalho e correspondência à TNI.

Na verdade, os Srs. Peritos Médicos esclarecem que observaram uma rigidez ligeira na flexão palmar do punho direito e conjugada de Grau II do ombro esquerdo, lesões que integraram no Capítulo I-3.2.7.3 alínea b) da TNI ( Limitação conjugada da mobilidade (conjunto das articulações do ombro e cotovelo)- Admitem-se 3 graus: (…) Grau II- A elevação do braço forma com o tronco um ângulo de 90º, com limitação das rotações interna e externa, impedindo levar a mão à nuca, ao ombro oposto e à região lombar) e no Cap.I-7.2.2 alínea a)  (Flexão (Flexão palmar): mobilidade entre 45% e 90%), sem queixas a nível do pé lesionado.

Mas já não podemos dizer o mesmo quanto à conclusão de que não há lugar à atribuição de IPATH.

Com efeito, a este propósito, os Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta Médica concluíram, de modo lacónico, que não há lugar à fixação de IPATH “uma vez que a funcionalidade hoje observada, permite a reconversão do posto de trabalho, sendo cozinheira de 2ª.”

Ora, sobre a reconversão no posto de trabalho e embora a propósito da al.a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou doenças profissionais elucida o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 10/2014 de 28.5.2014, proferido no Proc. n.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1 (Revista), publicado no DR, I Série, de 30.6.2014: «A expressão "se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho", contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.»

E atenta a sua pertinência, transcreve-se, ainda, o seguinte trecho do mesmo aresto: “Já vimos que, por força do regime da reabilitação, o trabalhador sinistrado tem o direito à reabilitação e à reintegração e que este direito tanto existe nas situações de mera incapacidade parcial permanente, como de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Importa, pois, saber quando é que o sinistrado se pode considerar não reconvertível em relação ao posto de trabalho, sendo certo que a não reconvertibilidade em causa estará direccionada para as tarefas levadas a cabo pelo sinistrado no posto de trabalho que ocupava quando foi vítima do acidente.
De facto, o segmento «em relação ao posto de trabalho» ao qual se refere a reconvertibilidade aponta para as tarefas executadas pelo sinistrado no posto de trabalho com o qual o acidente se mostra conexionado e é nessa linha que aponta o regime de reabilitação e reintegração profissional.
A reconvertibilidade, por sua vez, exprime na língua portuguesa a susceptibilidade de reconversão e esta é a «adaptação de um trabalhador a uma nova função ou actividade profissional»(10).
A densificação deste conceito, no contexto em que o mesmo se mostra inserido naquele segmento normativo, terá que ser alcançada no quadro da articulação da não reconvertibilidade com o posto de trabalho que o sinistrado ocupava quando sofreu o acidente.
8- Assim, aquele segmento normativo «não reconvertível em relação ao posto de trabalho», como pressuposto da bonificação prevista naquela alínea, refere-se às situações em que o sinistrado não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente.
A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram.
Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido.
Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é susceptível de reconversão nesse posto de trabalho.
Aliás, já na vigência da TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, em vigor, TERESA MAGALHÃES e Outros, abordaram o conteúdo daquele segmento normativo, referindo que «em lado algum se define o conceito de reconvertível, bem assim como as circunstâncias da reconversão ou o tipo de actividade para a qual essa reconversão é considerada (para a actividade específica habitual - avaliação teórica -, ou no seu posto de trabalho - avaliação concreta? Não corresponderá antes a situação de não reconversão a um caso de IPATH?)»(11).
Adite-se que na linha da jurisprudência definida nesta secção(12) os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.”

Regressando ao caso, face à multiplicidade das tarefas/funções que integram o posto de trabalho da Sinistrada (cozinheira de 2ª) e exigências que delas decorrem e que se encontram devidamente descritas no Parecer do IEFP, perante a conclusão dos Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta Médica, ficámos sem saber que funções pode, afinal, a Sinistrada desempenhar.

E, nessa sequência, a fundamentação constante do auto de exame por Junta Médica não é suficiente para convencer que à Autora não deve ser atribuída uma IPATH e que pode ser reconvertida no seu posto de trabalho; falta esclarecer, de entre o elenco das suas funções, quais aquelas que a Autora pode efectivamente desempenhar, pois só assim  poderá o Tribunal concluir que a Autora pode retomar o desempenho das funções que tinha antes do acidente, embora com algumas limitações, ou que apenas poderá exercer algumas funções que se afiguram como meramente residuais relativamente ao núcleo essencial da sua categoria profissional o que poderá, eventualmente, determinar a atribuição de uma IPATH.

Consequentemente, há que afirmar que a Mmª Juiz aderiu a uma perícia médica que não traduz um juízo pericial devidamente fundamentado e esclarecedor da situação da Sinistrada.

 E porque a alínea F) dos factos provados se fundamentou nesse mesmo juízo pericial, conclusivo e genérico e que, por isso, exige concretização, sob pena de deficiência quanto à sua fundamentação, impõe-se, ao abrigo da al.c) do nº 2 do artigo 662º do CPC, a anulação da decisão proferida pela 1ª instância, devendo, nessa sequência, ser determinada a realização de nova Junta Médica da especialidade de ortopedia (embora tal não decorra dos autos, supõe-se que, atenta a natureza das lesões da Sinistrada, os Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta Médica são ortopedistas), a fim de ser esclarecida a questão acima referida (considerando as lesões  que apresenta a Autora, as funções ou tarefas do seu posto de trabalho e exigências do mesmo descritas no Parecer do IEFP, quais as funções que a Autora pode efectivamente desempenhar), após o que deve ser proferida nova sentença que fixe a incapacidade da Sinistrada.

Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar procedente a apelação e, em consequência, anulam a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância, devendo ser determinada a realização de nova Junta Médica da especialidade de ortopedia a fim de que esta esclareça a questão acima referida, após o que deve ser proferida nova sentença que fixe a incapacidade da Sinistrada.
Custas pela parte vencida a final.



Lisboa, 23 de Maio de 2018



Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Maria Paula Sá Fernandes