Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2151/12.0TVLSB-A.L1-6
Relator: TERESA SOARES
Descritores: DECISÃO ARBITRAL
CONDENAÇÃO ILÍQUIDA
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) A liquidação de condenações ilíquidas proferidas por tribunal arbitral tem lugar no respetivo processo de execução seguindo-se, quando haja oposição, a tramitação da liquidação de sentença judicial.
II) A prestação de caução tem a finalidade de deixar garantido o cumprimento da decisão condenatória, enquanto e até que ela se torne definitiva.
III) A iliquidez da condenação não obsta ao direito de o apelado pedir a prestação de caução por parte do apelante, pois a razão de ser da norma mantém-se e é independente do carácter líquido ou ilíquido da obrigação.
IV) A necessidade de liquidação da condenação não permite concluir que só a quantia já liquidada pode ser objeto de caução; a iliquidez obrigará a realizar diligência probatórias sumárias no sentido de encontrar o valor provável do montante ilíquido, permitidas pelo artigo 983º nº 1 do CPC na redação do Decreto-Lei 303/2007, fixando a caução em quantitativo correspondente.
(AAC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

1. Da decisão proferida no processo arbitral, em que A…/F… demandaram I…,Lda., foi interposto recurso para este tribunal da relação.

Nessa decisão, julgado procedente o pedido reconvencional, foi a A… condenada a pagar à I…, quantia a apurar em liquidação posterior, correspondente ao “…valor dos prejuízos patrimoniais, passados e futuros, resultantes da perda de receitas da reconvinte, que tenham resultado ou venham a resultar da perda de clientela causada pela suspensão de dados fornecidos pelas farmácias, que a demandante devia disponibilizar…”;

2. A demandada/reconvinte I…, invocando o art.º 693º nº 2 CPC, requereu que as apelantes prestassem caução idónea pelo montante mínimo de 14 023 838,00€, alegando que esses são os prejuízos estimados até 2011 e que não está garantida por hipoteca ou por qualquer outra garantia.

3. As recorrentes deduziram oposição ao pedido de prestação de caução, dizendo que não há fundamento para que tenham de prestar caução por um valor que, segundo o acórdão do tribunal arbitral, é ilíquido, carecendo de ser apurado posteriormente.

4. Baixados os autos à 1.ª instância para, entre outras questões, ser apreciado este pedido, veio o mesmo a ser indeferido, por despacho do  seguinte teor:

“A questão que desde logo se coloca é a de saber se há fundamento para que as recorrentes prestem caução pelo valor de quantia a liquidar posteriormente.

Vejamos.

Segundo o artº 693º nº 2 do CPC (redacção do DL 303/2007) “Não querendo ou não podendo, obter execução provisória da sentença, o apelado que não esteja já garantido por hipoteca judicial pode requerer, na alegação, que o apelante preste caução.” (sublinhado nosso).

Conforme bem refere Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil) em anotação ao artº 693º nº 2 CPC, “ Já no que respeita à aplicabilidade do nº 2 nos parece que o seu âmbito é mais restrito, visando unicamente as decisões que condenem na realização de uma prestação cujo incumprimento possa ser coercivamente efectivado através do processo de execução nas suas diversas modalidades. Assim o indica o segmento que alude à “execução provisória da sentença…”.

Ou seja, apenas é possível ao recorrido provocar a prestação de caução pelo recorrente quando esteja munido de decisão imediatamente exequível, ainda que provisoriamente. Doutro modo, faltando-lhe esse título imediatamente exequível, não pode o apelado obter a prestação de caução pelo apelante (Cf. Ac. Rel Évora, de 04/12/97, BMJ 472, 585).

No caso dos autos, a recorrente A… foi condenada a pagar à recorrida “…valor dos prejuízos patrimoniais, passados e futuros, resultantes da perda de receitas da reconvinte, que tenham resultado ou venham a resultar da perda de clientela causada pela suspensão de dados fornecidos pelas farmácias, que a demandante devia disponibilizar…”(ponto 13º da Decisão do Acórdão do Tribunal Arbitral, a fls 3654) e mais foi decidido “Remeter a liquidação destes prejuízos, até ao limite do pedido, para execução de sentença”(ponto 14º da Decisão do Acórdão do Tribunal Arbitral, a fls 3654).

Ora, a liquidação posterior desta decisão proferida ao abrigo do artº 661º nº 2 do CPC, terá de ser feita de acordo com o mecanismo processual previsto nos artºs 378º e segs do CPC, não tendo, por conseguinte, a recorrida título executivo, como decorre do artº 47º nº 5 do CPC: a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo.

Portanto, a recorrida não possui título executivo e, por conseguinte, está-lhe vedado provocar a prestação de caução pela recorrente.

Em face do exposto e decidindo:

 - Indefiro a requerida prestação de caução pelas recorrentes.”

  5. Deste despacho interpõe a recorrida/reconvinte o presente recurso, com as seguintes CONCLUSÕES:

 A) O presente recurso tem por objecto o do Douto Despacho, na parte em que decidiu indeferir a requerida prestação de caução pelas recorrentes, por entender, em suma,  que: “(…) a liquidação posterior desta decisão proferida ao abrigo do art 661º nº 2 do CPC, terá de ser feita de acordo com o mecanismo processual previsto nos arts 378º e segs do CPC, não tendo, por conseguinte, a recorrida título executivo, como decorre do artº 47º nº 5 do CPC: a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo.

Portanto, a recorrida não possui título executivo e, por conseguinte, está-lhe vedado provocar a prestação de caução pela recorrente.”

 B) Entendeu o Tribunal a quo que a Sentença arbitral não é título executivo.

 C) Ora, salvo o devido respeito, na nossa lei adjectiva vigora o princípio da equiparação da decisão arbitral à decisão judicial, ao qual está subjacente o entendimento de que o processo arbitral comporta as mesmas garantias que o processo judicial (cfr. art.46º, nº 1, al. a), e 48º, nº 2, do CPC).

 D) Significa isto que: as decisões arbitrais são exequíveis nos termos em que o são as decisões dos tribunais comuns.

 E) Em regra, as decisões dos tribunais comuns só constituem título executivo depois de verificado o seu trânsito em julgado. Porém, tal regra comporta uma excepção: o caso de o recurso interposto de tal sentença ter efeito meramente devolutivo (cfr. art. 47º, nº 1, do CPC).

 F) No caso em apreço será a excepção que nos importa, tendo em conta que, o recurso da decisão proferida pelo tribunal arbitral – e admitido pelo Tribunal a quo sem oposição das ali Recorrentes e aqui Recorridas - tem efeito meramente devolutivo.

 G) Do exposto, resulta evidente a necessidade de concluir, em sentido diverso do Tribunal a quo, isto é, quando o recurso interposto da decisão arbitral tenha efeito meramente devolutivo, a mesma constitui título executivo provisório.

 H) E não se diga, como entendeu o Tribunal a quo, que com base no art. 47º, nº 5, do CPC, falta à sentença arbitral um dos requisitos da obrigação exequenda, a liquidez.

 I) Na verdade, da leitura daquele preceito, há duas conclusões que se impõem quanto à liquidação de obrigações ilíquidas:

a. Quando o título executivo é uma sentença e a liquidação da obrigação exequenda não dependente de simples cálculo aritmético, a liquidação ocorre em processo declarativo, nos termos do disposto no art. 378.º, n.º 2 e ss., do CPC;

b. Quando o título executivo não é uma sentença e a liquidação da obrigação exequenda não dependente de simples cálculo aritmético, a liquidação ocorre na acção executiva, nos termos do disposto no art. 805.º do CPC.

 J) Uma dúvida poderia então subsistir: quando o título executivo é uma decisão equiparada à sentença, isto é a decisão arbitral, e a liquidação da obrigação exequenda não dependente de simples cálculo aritmético, a liquidação ocorre em processo declarativo ou em acção executiva?

 K) Na resposta àquela questão importa, antes de mais, analisar o que dispõe o art.  805.º, n.º 4, do CPC quanto à liquidação de obrigações cuja liquidação não dependa de simples cálculo aritmético em que o título executivo não seja uma sentença judicial.

 L) Ora, da análise do sobredito preceito resulta evidente que o legislador reitera que, quando o título executivo não é uma sentença judicial e a liquidação da obrigação exequenda não dependa de simples cálculo aritmético, a liquidação ocorre na acção executiva, sendo o executado de imediato citado para contestar, nos termos aí previstos.

 M) E nem se diga que, com o uso do termo sentença judicial, o legislador não pretendeu afastar a aplicação às decisões equiparadas/decisões arbitrais do regime previsto para a liquidação obrigações, cuja liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, quando o título seja uma sentença judicial,

Porquanto,

 N) A alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, no nº 4 do art. 805º do CPC consistiu, precisamente e apenas, na inclusão daquele termo: “Judicial”, ou seja, onde se lia: “não sendo o título executivo uma sentença”, lê-se agora: “sendo o título executivo uma sentença judicial”.

 O) A verdade é que, esta alteração era amplamente reclamada pela nossa doutrina, dando-se aqui por reproduzido o que ficou escrito nas notas de rodapé supra.

 P) E este entendimento é o único compatível com a extinção do poder dos árbitros que ocorre com a notificação do depósito da decisão que pôs termo ao litígio e a limitação do poder jurisdicional dos árbitros ao prazo acordado pelas partes para a prolação da sobredita decisão, e com a inexistência de convenção para a liquidação ter lugar no tribunal arbitral (como ocorre nos presentes).

 Q) Ora, se em qualquer dos casos (acção declarativa ou executiva) a liquidação tem natureza incidental, que sentido faria remeter a decisão para um tribunal de competência genérica, completamente alheio ao processo arbitral em que foi proferida a decisão e, bem assim, à acção executiva em que a mesma será executada.

R) Mais do que argumentos jurídicos, foram os argumentos de ordem pragmática que acabaram a determinar o legislador a impor a competência do tribunal de execução para a liquidação da decisão arbitral, mesmo quando esta condene em obrigação ilíquida. No mesmo sentido, vide, por todos, MARIANA FRANÇA GOUVEIA, in Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2012, 2.ª Edição, Almedina, p. 265.

 S) Por todo o exposto ressalta que, a falta de liquidez da obrigação não afasta a exequibilidade da decisão arbitral, sendo esta título executivo, sempre que o recurso da mesma interposto tenha, como sucede no caso sub judice, efeito meramente devolutivo.

T) Termos em que, salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo ao indeferir o pedido de prestação de caução, com base na inexistência de título executivo.

 U) Cumpre ainda sublinhar que o que a ora Recorrente requereu, ao abrigo do disposto no art. 693.º, n.º 2, do CPC, foi que fosse ordenada a prestação de uma caução, pelas Recorridas, em valor não inferior a €14.023.838,00, montante máximo em que estas foram condenadas pela decisão arbitral.

 V) Na resposta à ampliação do objecto de recurso, onde se pronunciam sobre o pedido de prestação de caução deduzido pela aqui Recorrente, as Recorridas citam (mal) ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, para defender que o art. 693º, nº 2 do CPC só é aplicável às “decisões que condenem na realização de uma prestação cujo incumprimento possa ser coercivamente efectivado através do processo de execução nas suas diversas modalidades” e para concluir que, uma vez que as aqui Recorridas “não foram condenadas a pagar qualquer montante líquido à Recorrida ou cuja liquidação não dependa de simples cálculo aritmético” não poderia ser deferido o pedido de prestação de caução.

 W) Entendimento que veio a ser sufragado pelo Tribunal a quo, mas que está, salvo o devido respeito, ultrapassada pela alteração legislativa operada e acima referida.

X) A condenação pelo tribunal arbitral em obrigação genérica, reitera-se, não afasta a exequibilidade da decisão arbitral, quando da mesma, foi interposto recurso com efeito meramente devolutivo.

 Y) As lamentações das Recorridas são assim, salvo o devido respeito absurdas, e ainda mais se tornam se tivermos em consideração que a caução requerida não se destina a ser dada em cumprimento daquela obrigação de indemnização, mas apenas em garantia, até ao trânsito em julgado, do mesmo.

 Z) Sublinhe-se, aliás, o flagrante contraste, da posição das partes neste processo, já que para garantir um alegado – e já judicialmente desmentido - direito de crédito que as aqui Recorridas reclamavam no processo arbitral (que, saliente-se, apenas foi julgado procedente em €896.400,00), foram arrestados os créditos detidos pela aqui Recorrente sobre os seus clientes, num montante de €18,289,745.69;

 AA) A este valor haverá que somar o valor que a Recorrente, conforme resultou provado na decisão arbitral, consignou em depósito, a favor das aqui  Recorridas, de €622.596,06, em processo especial que se encontra suspenso a  aguardar o trânsito em julgado dos presentes autos e que só por si, quase que chegava para garantir o crédito que viram judicialmente reconhecido.

BB) O que tudo torna esse arresto absurdo – e evidencia a flagrante injustiça da diferença de atitude das Recorridas perante a prestação de caução justamente peticionada e a gritante injustiça da decisão recorrida.

 CC) Não é despiciendo sublinhar que é expectável que, atenta a complexidade do processo, vá decorrer um longo prazo até ao trânsito em julgado da decisão arbitral e que não estando a aqui Recorrente garantida por qualquer hipoteca judicial ou qualquer outra garantia, todo o risco corre do seu lado.

 DD) Senão vejamos, as Recorridas que só obtiveram o reconhecidamente judicial de apenas cerca de 900 mil euros, mantêm uma garantia de crédito por via de arresto de mais de 18 milhões de euros, a que acresce uma consignação em depósito de cerca de 600 mil euros…

EE) Já a Recorrente que viu serem-lhe reconhecidos judicialmente créditos sobre

as Recorridas até mais de 14 milhões de euros, não consegue garantir o seu crédito por uma simples prestação de caução…

FF) É isso que também está aqui em causa! Garantir-se a igualdade e assegurarem-se os créditos potenciais! Depois, deixar-se-á aos tribunais – no seu tempo – fazer Justiça!

 GG) Termos que que se conclui que a douta decisão recorrida está em violação do disposto nos arts. 47.º, n.º 1 e 5, 48.º, n.º 2, 805º, n.º 4, e 693.º, n.º 2, todos do CPC, devendo ser revogada, na parte em que indeferiu o pedido pela aqui  Recorrente de prestação de caução, e substituída por outro que defira o pedido de prestação de caução e fixe o valor da mesma em, pelo menos, € 14.023.838,00.  

6. As recorridas contra-alegaram, defendendo a manutenção da decisão, invocando em abono dessa posição, além do mais, o Ac. do STJ de  17 de Março de 1998 no processo n.º 97A866 e disponível em www.dgsi.pt, que sustenta o seguinte:

“I – O crédito que a sentença reconhece, confere sempre ao vencedor o direito de exigir do vencido a prestação de caução (artigo 693 n. 2 do CPC67).

II – Para que tenha lugar a prestação de caução nos termos do artigo 693 n. 2 cit. necessário se torna que, cumulativamente, concorram três requisitos: que haja uma decisão condenatória a ordenar a satisfação de certa prestação; que haja recurso de tal decisão; e que o autor ou recorrido solicite a prestação de caução por não poder (v.g., por ter sido fixada ao recurso efeito suspensivo), ou não querer executar a decisão condenatória”. 

7. Nada obsta ao conhecimento do recurso.

8. O âmbito do recurso determina-se pelas conclusões dos recorrentes (artigos 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 CPC– sendo a decisão recorrida anterior à data da entrada em vigor do novo CPC, aplica-se o regime anterior, por interpretação decorrente do art.º 7.º da L.41/2013 de 26/6 ), só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o Tribunal deva conhecer oficiosamente (artigo 660º, n.º 2, ex vi artigo 713º, n.º 2 CPC)

A matéria a ter em consideração é a que consta do relatório.

Apreciando a questão de saber se em caso de condenação ilíquida (de tribunal arbitral) pode o apelado requerer que o apelante preste caução ao abrigo do art.º 693.º do CPC, na redacção do DL. 303/07.

A prestação de caução surge com uma única finalidade: deixar garantido o cumprimento da decisão condenatória, enquanto e até que ela se torne definitiva.

Assim, interposto recurso duma decisão, este recurso pode ter o efeito de suspender ou não suspender a execução da decisão.

Caso suspenda a execução- efeito suspensivo -, pode o apelado, por ficou por via do efeito fixado ao recurso, impedido de executar a decisão, (ainda que provisoriamente) exigir que o apelante preste caução, obtendo assim uma garantia de que, caso a decisão se mantenha, ela virá a ser cumprida, obstando a que o apelante inviabilize que o apelado venha a conseguir concretizar o direito que já viu reconhecido, embora provisoriamente.

Caso o recurso não suspenda a execução – efeito devolutivo –então o apelado pode executar (provisoriamente) a decisão; mas porque ainda não está o direito consolidado e uma execução tem implicações que podem ser mais ou menos dispendiosas, a lei permite-lhe optar pela prestação de caução, por parte do apelante, em detrimento da execução provisória.

Este o quadro previsto no artigo 693.º do CPC.

 Se estivermos perante uma “condenação líquida”, a aplicação destas regras não suscita dúvidas.

Dúvidas têm vindo a suscitar-se quando temos, como no caso concreto, uma condenação ilíquida.

   Quer na decisão recorrida, quer nas alegações giza-se, a nosso ver,  alguma confusão entre o título executivo e a prestação de caução, fazendo-se apelo ao art.º 47 n.º5 do CPC que dispõe: ”Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 661.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 6 do artigo 805.º.”

Não vemos fundamento para a interdependência encontrada.

É uma evidência que qualquer decisão que constitua uma condenação ilíquida, total ou parcial, só poderá ser executada, no tocante à parte ilíquida  depois de se ter obtido a respectiva liquidação. E é esta evidência que está consagrada no citado art.º 47.º n.º5 do CPC

     Mas daqui não nos parece ressaltar argumento decisivo, como se faz na decisão recorrida, para se concluir que quem não tem uma decisão líquida não tem título executivo e logo, não pode pedir a prestação de caução.

O que se dispõe no art.º 47.º n.º5 está reflectivo no n.º 7 do art.º805.º: “Se uma parte da obrigação for ilíquida e outra líquida, pode esta executar-se imediatamente.”

Estes preceitos são uma mera concretização do princípio básico do direito executivo, que estipula que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”-  art.º 45.º

Que uma condenação, enquanto for ilíquida, não pode ser directamente exequível, é um facto.

Se provêm dum tribunal judicial, a liquidação processa-se nos próprios autos, reabrindo-se a instância do processo declarativo respectivo – art.º 378.ºn.º2 (anteriormente corria um apenso de execução sentença, onde se operava a liquidação).

Se provêm dum tribunal não judicial –onde cabe o arbitral- ( e porque se questionava se a competência cabia ao mesmo tribunal arbitral ou aos tribunais judiciais- veja-se o Ac. desta Relação 17.04.2008 Proc. Nº2514/2008-6, citado pelas recorridas nas suas contra-alegações, onde se defendeu que a liquidação devia correr no tribunal arbitral), resolve-se a questão com a liquidação no próprio processo executivo –Art.º 805.º n.º4 - seguindo-se, caso haja oposição, a mesma tramitação que se segue para a liquidação de sentença judicial.

Não é assim acertada a afirmação feita na decisão recorrida de que a liquidação da decisão arbitral haja de ser feita de acordo com o mecanismo processual previsto nos art.ºs 378º e segs do CPC.

A interpretação que fazemos e que também é a defendida pela apelada, sai reforçada com o Novo CPC, onde, mantendo a mesma orientação que constava do anterior art.º 805.º, veio agora o legislador (ciente da divergência  de entendimentos, no tocante a saber se a liquidação cabia aos tribunais comuns ou arbitrais) dispor expressamente que a liquidação das decisões arbitrais é feita no processo executivo, cabendo ao exequente fazer a liquidação no requerimento executivo - art.º 716.º n.ºs 1, 4 e n.º 5.º do NCPC.

Antes da entrada em vigor do NCPC e no sentido de que a liquidação de decisão arbitral haveria ser feita nos tribunais comuns, no âmbito do processo executivo veja-se Acordãos desta Relação de Lisboa de 2009/7/7, proc. 8461/08 e de 2011/2/22, proc. 20853/08, acessíveis na base de dados da DGSI. 

   A nosso ver, dos preceitos indicados nada de conclusivo se pode retirar para dilucidar a questão que vem colocada.

   A decisão recorrida, bem como as apeladas, vão buscar apoio no Cons. Abrantes Geraldes, mas a nosso ver sem que apoio efectivo tenham. É que a restrição que este autor faz prende-se apenas com o tipo de condenação/execução – pagamento de quantia certa, prestação de facto, entrega de coisa  certa –, para concluir que a caução prevista no art.º 693.º n.º 2 só é de admitir nas situações em que a condenação se reporta a direito de crédito, justificando tal restrição em face da exclusão que se faz no preceito em relação à existência de hipoteca.-ver Recursos em Processo Civil, 2008, p.211/212. Do que este autor aí escreve, outro alcance não logramos alcançar.

Para se aferir da admissibilidade da caução, nos casos de condenação ilíquida, outros contributos têm que ser buscados, sendo para nós especialmente relevante o entendimento desenvolvido no Acordão Uniformizador do STJ, de 13 de setembro de 2006, publicado no DR de 24 de Outubro de 2006.

Tirado a propósito do Código de Processo de Trabalho e da problemática da caução, em caso de condenação com uma parte líquida e outra ilíquida, tem contributos valiosos que nos merecem reflexão.

Fazendo apelo ao elemento sistemático, vem a encontrar a solução na seguinte ponderação:

“É notória, no que aqui releva, a semelhança de regimes entre o Código de Processo Civil e o Código de Processo do Trabalho: a prestação de caução, em qualquer das hipóteses configuradas, visa assegurar o cumprimento da obrigação, sempre que o apelado não possa (ou não queira) executar provisoriamente a decisão sob recurso.

Sucede que, no regime adjectivo geral, a prestação de caução, por parte do apelante, só é consentida se o apelado não estiver já garantido por hipoteca judicial - cfr. O mesmo artigo 693º n.º 2 (versão actual e de pretérito).

Como se vê, a lei equipara a caução à hipoteca judicial, como garantias do apelado, no domínio da não execução das sentenças condenatórias impugnadas pela parte vencida.

Compreende-se que assim seja, visto que "... A sentença que condenar o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível, é título bastante para o registo de hipoteca sobre quaisquer bens do obrigado, mesmo que não haja transitado em julgado" - artigo 710º, n.º 1, do Código Civil.

Com efeito, se o credor operar esse registo, mal se perceberia a exigência de outra garantia, no caso, a caução.

Ora, a lei substantiva prevê expressamente, no exacto âmbito do preceito transcrito, a eventualidade de uma condenação em "prestação ilíquida", caso em que "... pode a hipoteca ser registada pelo quantitativo provável do crédito" - n.º 2 do mesmo preceito (sublinhado nosso).

E então, se a lei opera a assinalada equiparação entre as duas garantias, somos a concluir que a unidade do sistema jurídico suporta a interpretação no sentido de que, no caso, o montante da caução deva corresponder ao "quantitativo provável do crédito", abarcando, destarte, a condenação líquida e a condenação ilíquida.

Ademais, é essa a solução que melhor harmonia as decisões práticas: não sendo académico, como sabemos, hipotisar uma sentença condenatória que apenas integre um segmento ilíquido, sempre importaria resolver - na tese contrária - se era lícito ao apelante requerer, nesse caso, a atribuição do efeito suspensivo ao recurso - como a lei lhe faculta - sem prestar caução - como a lei indistintamente proíbe.

E não se afirme, em contrário, que nada justifica a prestação de caução relativamente ao segmento condenatório ilíquido, uma vez que só o segmento líquido é imediatamente exigível.

À semelhança do que acontece com a parte líquida, também a ilíquida pode ser objecto de execução provisória: a única diferença reside na necessidade de liquidação prévia - que esta última comporta - a operar, segundo o regime actual, na própria acção declarativa (art.º 378º n.º 2) e, segundo o regime de pretérito, no requerimento executivo (artigos 805º e 806º) todas eles do Código Processo Civil.

Dir-se-á, por fim, que o cálculo provisório do crédito ilíquido, para efeitos de fixação do montante da caução, pode, e deve ser feito no âmbito das diligências probatórias previstas no artigo 983º, n.º 1, do Código Processo Civil.”

   Temos por verdadeiramente impressiva a chamada de atenção, feita no acórdão, para os casos em que exista só condenação ilíquida e o recorrido pretenda ver atribuído ao recurso efeito suspensivo, sendo que a lei não o escusa de prestar caução.

     Ponderando este argumento e fazendo apelo às normas que regem na hipoteca, bem como à equiparação que a lei faz entre a caução e a hipoteca, no tocante às suas finalidades, para dispensar a caução quando já haja hipoteca, não encontramos suporte para se recusar ao apelado, em caso de condenação ilíquida, o direito de pedir a prestação de caução, por parte do apelante. A razão de ser da norma mantém-se e é independente do carácter líquido ou ilíquido da obrigação.

            Semelhante entendimento já tinha sido defendido no Ac. da Relação de Coimbra, 2004/5/4 proc. 1094/04, relatado pelo, então, Desembargador e agora Conselheiro, Garcia Calejo onde, além do mais, se indica o concreto caminho a prosseguir para ultrapassar o obstáculo da iliquidez, assim se discorrendo: “Aliás, visando, como já se disse, a caução assegurar o cumprimento da obrigação por parte do devedor, esse objectivo só será logrado se o respectivo montante corresponder ao total da condenação, aqui se englobando, obviamente, tanto as quantias líquidas como as ilíquidas.

É certo que em relação à parte ilíquida haverá que proceder, oportunamente, à respectiva liquidação, o que sucederá nos termos do art. 805º e segs. do C.P.Civil, sublinhando-se que à liquidação efectuada pelo exequente, pode opor-se o executado, isto é, a liquidação terá sempre que obedecer ao princípio do contraditório.
Mas desta realidade, salvo o devido respeito pela opinião contrária, não é possível partir-se para afirmação que só a quantia já liquidada pode ser objecto de caução. Tal ilíquidez obrigará sim, a realizar diligência probatórias ( que se deverão fazer de modo muito sumário ),
no sentido de encontrar o valor provável do montante ilíquido. Mas estas diligências, a nosso ver, são expressamente permitidas no art. 983º nº 1 do C.P.Civil.

Claro que após se encontrar o valor provável do montante ilíquido, este tornar-se-á num valor determinado e, como tal, será possível fixar a caução num quantitativo correspondente.”

   No caso dos autos este será também o percurso: uma indagação, tanto quanto possível sumária, ( sendo que não somos alheios à complexidade, quer da matéria quer do nível de litigância) para se concluir qual deva ser o valor  provável da condenação ilíquida, fixando-se depois à caução o valor que for encontrado.

Pelo exposto, acorda-se em, julgando procedente a apelação, revogar a decisão recorrida e em consequência vai admitida a prestação de caução, devendo o tribunal recorrido realizar as diligências que julgar pertinentes com vista à fixação do valor, nos termos do art.º 983.º n.º1 do CPC.

Custas pelas recorridas. 

Lx,  2014/3/27

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Teresa Soares

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Ana Lucinda Cabral

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Maria de Deus Correia