Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5418/08.8TBALM.L1-1
Relator: EURICO REIS
Descritores: MORA
DEFEITO DA OBRA
INTERPELAÇÃO
PRAZO CERTO
REPARAÇÃO DA COISA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A interpretação de uma qualquer norma jurídica, seja ela de natureza substantiva ou adjectiva, tem forçosamente que obedecer aos critérios consubstanciados nos três números do art.º 9º do Código Civil, aos quais acrescem, para a construção do conceito “solução mais acertada”, as exigências inscritas nos artºs 335º (proporcionalidade assente na posição que o valor ético que valida a norma e a torna em verdadeiro Direito ocupa na Hierarquia de Valores que enforma e dá consistência ao tecido social comunitário) e 334º do mesmo Código, destacando-se neste último e sem prejuízo de haver de atender também às finalidades económicas e sociais dos direitos em causa, a atenção que é dada, em primeira linha, à boa-fé e aos bons costumes (isto é, novamente e sempre, aos valores éticos que constituem os pilares estruturantes da Comunidade, que validam as normas legais produzidas pela forma prevista na Constituição e que servem de padrão aferidor quando está em causa apreciar a adequação das condutas individuais aos padrões comportamentais reputados exigíveis à vivência em Sociedade, sendo esses padrões os que são típicos de um qualquer diligente bom pai (ou boa mãe) de família ou, o que conceptualmente é o mesmo, de um qualquer declaratário normal colocado no lugar do real declaratário).
2. Tem na letra da Lei bem mais do que um mínimo de correspondência verbal e corresponde à solução ética e socialmente mais acertada e proporcionada, a interpretação do estatuído nos artºs 1218º a 1225º do Código Civil da qual resulta que o direito consubstanciado no art.º 1223º desse diploma só pode ser exercido se a empresa construtora/vendedora, perante a existência de defeitos da obra devidamente comprovados, se recusar a reparar esses defeitos ou não o fizer em prazo razoável estipulado pelo adquirente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

1. RB intentou contra “NS, LDA” a presente acção declarativa de condenação em regime processual simplificado (DL n.º 108/2006, de 8 de Junho), que, sob o n.º …, foi tramitada pelo 1º Juízo de Competência Cível da comarca de A…, e na qual, após realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida a sentença que se estende por fls 435 a 458 do processo e cujo decreto judicial tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência, decido absolver a Ré “NS, LDA” dos pedidos contra ela formulados.
Custas pelo A. (cfr. Artigo 446º, n.º 1, do CPC)
Registe e notifique. ...” (sic - fls 458).

Inconformado com essa decisão, o Autor dela recorreu (fls 464), rematando nestes termos as suas alegações:
“Nestes termos e nos mais de Direito que doutamente suprirá, requer a V. exas que se dignem revogar a Sentença proferida, ordenando-se a sua substituição por uma que condene a Ré/Recorrida a indemnizar o Autor/Recorrente em valor correspondente à reparação dos defeitos considerados provados” (sic - fls 476, corrigindo-se o evidente lapso de escrita cometido pelo Autor).
E, para sustentar essa pretensão, formula esse apelante as seguintes 18 conclusões:
1. A Sentença Recorrida, embora considerando provada a maior parte dos defeitos invocados pelo Autor, indeferiu o pedido do Autor de ser ressarcido do custo das reparações orçamentadas e executadas por terceiro, por entender que o dono-da-obra deve exercer judicialmente os direitos que lhe são conferidos pelos artigos 1221º e seguintes do Código Civil de forma sequencial e subsidiária.
2. Assim, só seria legítimo o exercício do direito de indemnização por conta das despesas de reparação realizadas por terceiros, a título excepcional, se (i) o empreiteiro se constituísse em mora definitiva, depois de incumprido um prazo adicional razoável concedido pelo dono da obra (ii) as reparações em causa revestissem um carácter manifestamente urgente. Entendeu, contudo, que o Autor/Recorrente não fez prova destes pressupostos.
3. Esta posição consubstancia uma errada interpretação do artigo 1223º do Código Civil, ignorando a redacção da norma que lhe confere um carácter verdadeiramente autónomo em relação aos direitos previstos nos artigos anteriores, em vez de complementar ou subsidiário: o exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais.
4. Se o seu exercício não o exclui, o seu não exercício, por maioria de razão, também não pode excluir a aplicação do direito a indemnização nos termos gerais do direito.
5. Sendo o direito de indemnização exercido no âmbito das regras gerais do incumprimento das obrigações contratuais, os únicos pressupostos de tal responsabilização exigíveis são os previstos dos artigos 798º, 805º e 808º do Código Civil.
6. Estes pressupostos foram cumpridos no caso concreto, pelo que nenhum pressuposto adicional – como o exercício prévio, e ainda por cima, judicial, dum outro direito - poderia ser exigido ao Autor.
7. O Autor/Recorrente não deixou de exigir à Ré/Recorrida, extra-judicialmente, a eliminação dos defeitos detectados na obra através das missivas datadas de 04/09/2007; 01/10/2007; 21/01/2008, consideradas provadas (v. resposta aos quesitos 49, 50 e 53).
8. Nenhuma disposição legal impunha que esse direito devesse ter sido exercido judicialmente (e não apenas extra-judicialmente), pelo que a Sentença Recorrida incorreu em erro na determinação do direito aplicável.
9. O incumprimento definitivo da obrigação de eliminação de defeitos confere ao lesado (dono-da-obra) o direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados por esse incumprimento (artigo 798º do Código Civil), no caso concreto correspondente ao custo das obras de eliminação dos defeitos realizadas ou a realizar por terceiros.
10. Não tem cabimento que se imponha que o dono-da-obra obtenha primeiro, em acção declarativa, uma sentença que condene o empreiteiro a cumprir uma obrigação definitivamente incumprida e só na respectiva acção executiva se permita, finalmente, que ele próprio ou terceiro procedam às obras de reparação ou construção. Caso assim fosse, a interpelação extra-judicial consubstanciaria um acto inútil, desprovido de consequências ou cominações.
11. A interpelação admonitória prevista no artigo 808º.1 do Código Civil importa a fixação dum prazo peremptório, com a cominação de que a obrigação se considera definitivamente incumprida.
12. A Sentença Recorrida, não obstante reconhecer esta interpelação, considera que a mesma não era idónea a constituir a Ré em mora já que: (i) na sequência das mesmas, a Ré fez deslocar alguns técnicos ao imóvel (que não consta que tenham resolvido qualquer defeito); (ii) não fixavam prazo para que a Ré procedesse à sua eliminação.
13. No entanto, o facto de os técnicos se terem deslocado ao imóvel, sem que tenham reparado qualquer dos defeitos denunciados, não afasta a mora no cumprimento duma obrigação.
14. Por outro lado, sendo certo que o Autor não definiu uma data limite, concreta, para a supressão dos defeitos, sempre exigiu “urgência” e “brevidade” - que não são, propriamente, conceitos indetermináveis – sendo que numa das missivas (25/10/2007) chega a fazer referência ao mês de Novembro como prazo para a resolução dum defeito em concreto.
15. Os factos provados são idóneos e suficientes a considerar que a Ré incorreu em incumprimento definitivo, nos termos dos artigos 805º.1 e 808º.1 do Código Civil.
16. Este incumprimento, definitivo e culposo, legitima o pedido do Autor a ser ressarcido dos prejuízos sofridos, materializados, precisamente, no custo das reparações executadas por terceiros.
17. Já quanto ao segundo requisito invocado na Sentença, a manifesta urgência na reparação dos defeitos concretamente verificados, desconhecemos que o mesmo encontre qualquer fundamento legal, sendo que a própria Sentença é omissa quanto ao mesmo.
18. Independentemente de ser, ou não, urgente a reparação dos defeitos, sempre se trataria dum incumprimento definitivo do contrato de empreitada, legitimador dos direitos previstos nos artigos 798º e seguintes do Código Civil, que em momento algum prevê a urgência como condição de exercício de tais direitos” (sic - fls 472 a 475).

A Ré contra-alegou (fls 481 a 495), pugnando pela confirmação da sentença recorrida e rematando essa sua peça processual com as seguintes 16 conclusões:
A) Ao caso vertente, é aplicável o regime dos defeitos da obra no contrato de empreitada, pois a R. NS assume o duplo estatuto e construtora/empreiteira e vendedora.
B) No caso de o empreiteiro ser em simultâneo o vendedor, o legislador privilegia em matéria de vícios ou defeitos dos prédios, o primeiro estatuto em detrimento do segundo, aplicando o regime do contrato de empreitada.
C) Da aplicação do referido regime legal, decorre que a detecção de defeitos no imóvel confere ao comprador lesado o direito de ver ressarcidos os prejuízos sofridos, o que não pode ser feito de forma arbitrária, de acordo com as conveniências do comprador lesado, devendo ser seguida, até por uma questão de razoabilidade, a ordem prevista nos arts 1221º a 1223º CC.
D) A lei impõe ao dono da obra um iter procedimental ou sequencial de carácter obrigatório: denúncia em devido tempo ao empreiteiro dos defeitos exibidos pela obra, assim lhe conferindo (ao empreiteiro) a possibilidade da sua eliminação ou, em caso de impossibilidade dessa eliminação, exigir-lhe uma nova construção (art.º 1221.º, n.º 1, do CC); só se frustrada essa “démarche” lhe será facultado exigir (ao empreiteiro) a redução do preço acordado ou a resolução do contrato (art.º 1222.º, n.º 1, do mesmo diploma).
E) É ao empreiteiro, tendo em conta as leges artis e os conhecimentos técnicos inerentes, que cabe averiguar se os defeitos são elimináveis, e se o dono da obra discordar da opinião do empreiteiro, compete ao tribunal decidir (com apelo a critérios objectivos) se os defeitos são ou não elimináveis, não cabendo ao comitente (dono da obra) a opção entre eliminar os defeitos ou realizar uma nova obra.
F) Somente nos casos em que estiverem em causa reparações objectivamente urgentes, prementes ou necessárias (não tendo o empreiteiro procedido atempadamente à sua eliminação), o dono da obra poderá agir com base nos princípios da acção directa geral ou do estado de necessidade plasmados nos art.ºs 336.º e 339.º, ambos do CC.
G) Nos presentes autos, não estamos perante um incumprimento definitivo por parte da R. – quer porque não houve recusa peremptória na eliminação dos defeitos, quer porque não foi fixado (e não acatado) um prazo admonitório – sendo necessário o recurso à via judicial para obrigar o vendedor/empreiteiro a eliminar os defeitos, e se necessário, promover a execução dessa condenação, estando-lhe vedada a auto-tutela do seu direito.
H) A obrigação da R. não se pode considerar definitivamente incumprida, porquanto a exigência de “urgência” e “brevidade”, ou a meras alusões temporais, sem a fixação concreta de um prazo para cumprir, é insuficiente para tal desiderato.
I) O A. não interpelou a R. nos termos legais para proceder às obras para eliminação dos defeitos, a R. não se constituiu em mora e, portanto, não pode o A. pretender substituir-se à mesma.
J) Tal interpretação admonitória pressupunha, além da intimação para o cumprimento, a fixação de um prazo certo para o cumprimento, a declaração cominatória de que a obrigação se teria por definitivamente não cumprida se não se verificasse o cumprimento dentro daquele prazo, sendo conditio sine qua non de uma eventual resolução contratual, o que o A. não logrou provar, como lhe competia.
K) Impõe-se a aplicação do princípio dispositivo, previsto no art. 264º CC, do qual decorre que o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, sob pena de nulidade da sentença.
L) Nesta óptica, o tribunal deve cingir a sua apreciação dos factos alegados e da pretensão do A. manifestada nos presentes autos.
M) Uma vez que essa pretensão era a de substituir-se à R. e realizar a reparação a expensas da R, o tribunal A Quo esteve bem em julgar improcedente a acção, porquanto a lei não permite esta actuação sem mais por parte do A.
N) Não colhem igualmente quer a pretensão do A. em ver a R. condenada no pagamento de quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença referente ao custo da reparação dos defeitos que entretanto vierem a notar-se, pois nem sequer resultou provado que tenham sido detectados outros defeitos do imóvel, quer o pedido de condenação da R. no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, uma vez que o A. não fez prova da existência de danos dessa natureza que merecessem a tutela do direito.
O) Em suma, a douta sentença recorrida faz uma correcta aplicação do direito á factualidade provada.” (sic - fls 491 a 494).
Estes são, pois, os contornos da lide a dirimir.

2. Considerando o conteúdo das conclusões das alegações do ora apelante (as quais são aquelas que delimitam o objecto do recurso, impedindo esta Relação de conhecer outras matérias) as questões a dirimir nesta instância de recurso são, por ordem lógica e ontológica, as seguintes:
- na relação contratual em apreço ocorreu ou não mora ou incumprimento definitivo por parte da Ré?
- na relação contratual em apreço pode ou não o Autor substituir-se à Ré na reparação de eventuais defeitos de que padece a obra por esta realizada?

E sendo esta a matéria que compete julgar, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por estarem cumpridas as formalidades legalmente prescritas, tendo sido oportunamente colhidos os Vistos dos Ex.mos Desembargadores Adjuntos.

3. Em 1ª instância foram declarados provados os seguintes factos:
“a) O Autor adquiriu por escritura pública realizada em … de Outubro de 2007, à Ré, o imóvel sito na Rua …, nº. …, registado na Conservatória do Registo Predial de A… sob o nº. … e inscrito na Matriz Predial Urbana da freguesia da S…, sob o nº. … - al. A) dos factos assentes;
b) A Ré é uma sociedade que se dedica à construção de imóveis e subsequente venda dos mesmos - al. B) dos factos assentes;
c) Foi a Ré que construiu o imóvel identificado em a) - al. C) dos factos assentes;
d) O puxador e o espelho da porta da rua encontram-se riscados - resposta ao ponto 1º da base instrutória;
e) As paredes e o tecto do hall de entrada apresentam sinais de humidade - resposta ao ponto 2º da base instrutória;
f) As paredes e tecto da cozinha apresentam sinais de humidade – resposta ao ponto 4º da base instrutória;
g) Atrás da porta foi feita uma reparação, com betume de cor diferente ao da inicialmente utilizada pela R. - resposta ao ponto 13º da base instrutória;
h) Nos rodapés do quarto pequeno ao cimo das escadas, do lado direito, falta verniz numa aresta junto à porta de entrada e o rodapé encontra-se descolado da parede numa extensão de cerca de 1 m - resposta ao ponto 14º da base instrutória;
i) A colocação de ligação eléctrica da caixa da TV, para ligação de amplificador de sinal está inacabada - resposta ao ponto 15º da base instrutória;
j) Algumas junções entre as placas que compõem o soalho estão a abrir - resposta ao ponto 16º da base instrutória;
k) Falta verniz numa aresta do rodapé do quarto médio, junto à porta - resposta ao ponto 17º da base instrutória;
l) A varanda do quarto necessita de nova pintura - resposta ao ponto 18º da base instrutória;
m) Algumas junções entre as placas que compõem o soalho estão a abrir ou a alargar - resposta ao ponto 19º da base instrutória;
n) O soalho está negro devido a infiltrações - resposta ao ponto 20º da base instrutória;
o) As paredes do quarto apresentam sinais de humidade decorrentes de infiltrações - resposta ao ponto 21º da base instrutória;
p) Falta verniz numa aresta do rodapé junto à porta do quarto (suite) - resposta ao ponto 22º da base instrutória;
q) Algumas junções entre as placas que compõem o soalho do quarto referido em p) estão a abrir - resposta ao ponto 24º da base instrutória;
r) Falta acabamento em reboco, estuque e pintura na sustentação do aparelho de ar condicionado - resposta ao ponto 25º da base instrutória;
s) Falta rematar por baixo do módulo de gavetas na zona do roupeiro da suite - resposta ao ponto 26º da base instrutória;
t) Faltam cerca de 50 mm de rodapé entre as duas portas de correr existentes (da zona do roupeiro para o WC da suite) - resposta ao ponto 27º da base instrutória;
u) Existem algumas lascas de madeira no acabamento das portas do WC da suite - resposta ao ponto 28º da base instrutória;
v) Inexistem extractores eléctricos - resposta ao ponto 29º da base instrutória;
w) No WC do corredor, a misturadora da banheira apresenta o alternador entre a torneira e o chuveiro avariado - resposta ao ponto 30º da base instrutória;
x) No sótão, a borracha inferior da porta de acesso à varanda está danificada - resposta ao ponto 32º da base instrutória;
y) Existem fissuras e humidade em várias paredes - resposta ao ponto 33º da base instrutória;
z) Falta, pontualmente, betume nos rodapés - resposta ao ponto 34º da base instrutória;
aa) A caixa de ligações do aparelho de ar condicionado encontra-se desprotegida com as ligações visíveis - resposta ao ponto 35º da base instrutória;
 bb) O quadro eléctrico está inacabado e desprotegido - resposta ao ponto 36º da base instrutória;
cc) Os interruptores existentes não funcionam - resposta ao ponto 37º da base instrutória;
 dd) A pintura existente está gasta - resposta ao ponto 38º da base instrutória;
 ee) Existem pequenas zonas no portão exterior que foram pintadas posteriormente, indiciando a existência anterior de ferrugem - resposta ao ponto 39º da base instrutória;
 ff) Inexiste zona de escoamento de água entre a garagem e o pátio da casa - resposta ao ponto 41º da base instrutória;
 gg) A água que cai no logradouro escoa para a rua - resposta ao ponto 42º da base instrutória;
 hh) As pinhas dos algerozes estão por colocar - resposta ao ponto 43º da base instrutória;
 ii) As águas pluviais ficam acumuladas nos algerozes- resposta ao ponto 44º da base instrutória;
 jj) Nas zonas comuns algumas pedras apresentam linhas de clivagem, que poderão ser de origem natural ou artificial (neste caso, quando a pedra é partida ou reparada), havendo, porém, dois espelhos em que a pedra foi reparada - resposta ao ponto 45º da base instrutória;
 kk) O muro separador do lote nº. 19 e nº. 21 tem fissuras - resposta ao ponto 46º da base instrutória;
 ll) As paredes exteriores do imóvel apresentam fissuras - resposta ao ponto 47º da base instrutória;
 mm) As paredes estão manchadas - resposta ao ponto 48º da base instrutória;
nn) O A. comunicou os defeitos no imóvel à R., através de duas cartas datadas de 04 de Setembro de 2007, juntas a fls. 40 a 51, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - resposta ao ponto 49º da base instrutória;
 oo) Em 1 de Outubro de 2007 o A. entregou nova carta, junta a fls. 52 e 53, solicitando a reparação dos defeitos - resposta ao ponto 50º da base instrutória;
 pp) Em Outubro de 2007 deslocaram-se ao imóvel dois técnicos do empreiteiro para visionar a escada - resposta ao ponto 51º da base instrutória;
 qq) O A. remeteu à R. o fax junto a fls. 54 a 56, solicitando a limpeza e tratamento das escadas - resposta ao ponto 52º da base instrutória;
 rr) Em 21 de Janeiro de 2008, o A. voltou a remeter carta à R. solicitando a reparação dos defeitos, nos termos constantes do documento junto a fls. 57, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - resposta ao ponto 53º da base instrutória;
 ss) O A. juntou os orçamentos que constam de fls. 63 a 65 - resposta ao ponto 54º da base instrutória;
 tt) O Autor juntou um relatório (apenso por linha aos presentes autos) sobre vícios e defeitos do imóvel - resposta ao ponto 55º da base instrutória;
 uu) O imóvel reúne condições de funcionalidade e comodidade à excepção das als. d) a mm) dos factos provados - resposta ao ponto 57º - 1ª parte - da base instrutória;
 vv) O imóvel que o A. comprou à R. é novo e a sua construção terminou poucos meses antes da aquisição pelo A. - resposta ao ponto 57º - 2ª parte - da base instrutória;
 ww) O A. recebeu a chave do imóvel e teve acesso ao mesmo antes da celebração da escritura - resposta ao ponto 58º da base instrutória;
xx) O A., antes da celebração da escritura pública de compra e venda solicitou à R. que fizesse algumas reparações e trabalhos para correcção de algumas situações - resposta ao ponto 59º da base instrutória;
 yy) A R., entre o dia 04 de Setembro de 2007 e o dia … de Outubro de 2007, destacou funcionários seus para que fossem ao imóvel e procedessem à correcção de anomalias solicitadas - resposta ao ponto 60º da base instrutória;
 zz az)) Na sequência da carta de 01 de Outubro de 2007 enviada pelo A. à R., esta última destacou novamente técnicos para irem ao local fazer mais arranjos - resposta ao ponto 61º da base instrutória;
 aaa) E, após o fax de 25 de Outubro de 2007 enviado pelo A. à R., esta última destacou novamente funcionários para irem ao imóvel efectuar reparações - resposta ao ponto 62º da base instrutória;
 bbb) O A. não habita o imóvel - resposta ao ponto 63º da base instrutória;
 ccc) Os ralos de escoamento do imóvel, se não for feita a sua limpeza, acumulam folhas e terra podendo provocar entupimentos - resposta ao ponto 65º da base instrutória;
 ddd) Após a aquisição do imóvel pelo A. ocorreu um entupimento do ralo da varanda do 1º andar, por falta de limpeza e vigia da casa, acumulando água que não escoou e foi-se infiltrando para o interior da casa - resposta ao ponto 67º da base instrutória;
 eee) Existia repartidor à data da entrega do imóvel que foi verificado pela empresa C – entidade certificadora das telecomunicações - resposta ao ponto 68º da base instrutória;
fff) O espelho dos degraus da escada tem polimento e não a zona do cobertor, que não deve ser polida por forma a evitar escorregamentos - resposta ao ponto 70º da base instrutória;
ggg) O corrimão é de madeira e foi envernizado – resposta ao ponto 71º da base instrutória.” (sic - fls 437 a 443).

4. Discussão jurídica da causa.
4.1. Na relação contratual em apreço ocorreu ou não mora ou incumprimento definitivo por parte da Ré?
4.1.1. Ao iniciar a análise crítica do recurso intentado pelo apelante, interessa recordar que a sua função institucional e social dos Juízes é a de dirimir os conflitos que realmente existam e sejam submetidos ao seu julgamento e na medida necessária e indispensável à resolução desses conflitos ou litígios, devendo no exercício dessa actividade, no mínimo, ter sempre presente, o Princípio da Parcimónia ou Navalha de Occam (ou de Ockham), postulado lógico atribuído ao frade franciscano inglês William de Ockham, que viveu entre 1287 e 1347 dC, que enuncia que ”as entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade”, sendo, neste caso, as “entidades” os passos lógicos do silogismo judicial através dos quais se opera a subsunção dos factos provados na previsão das normas que regulam a concreta relação material controvertida.
Deste modo, porque as partes não disputam que ao presente litígio se aplica o regime jurídico do contrato de empreitada previsto, nomeadamente, nos artºs 1207º a 1230º do Código Civil - de facto, lendo bem as alegações de recurso do apelante, um qualquer diligente bom pai (ou boa mãe) de família ou, o que conceptualmente é o mesmo, um qualquer declaratário normal colocado no lugar do real declaratário (artºs 487º n.º 2 e 236º n.º 2 do Código Civil) facilmente constatará que, como não podia deixar de ser, o Autor apenas se insurge contra a interpretação que na sentença recorrida é feita daqueles normativos, em particular do art.º 1223º - e porque assim tem mesmo de ser, dado que o Autor comprou o imóvel dos autos à empresa que o construiu (art.º 1225º n.º 4 do Código Civil), torna-se inútil, por impertinente e dilatório, tecer uma elaborada argumentação justificativa dessa bem evidente conclusão.
E, feita que está esta clarificação, importa aferir do mérito das críticas formuladas pelo recorrente à sentença lavrada em 1ª instância, não sem antes sublinhar que a interpretação de uma qualquer norma jurídica, seja ela de natureza substantiva ou adjectiva, tem forçosamente que obedecer aos critérios consubstanciados nos três números do art.º 9º do Código Civil, aos quais acrescem, para a construção do conceito “solução mais acertada”, as exigências inscritas nos artºs 335º (proporcionalidade assente na posição que o valor ético que valida a norma e a torna em verdadeiro Direito ocupa na Hierarquia de Valores que enforma e dá consistência ao tecido social comunitário) e 334º do mesmo Código, destacando-se neste último e sem prejuízo de haver de atender também às finalidades económicas e sociais dos direitos em causa, a atenção que é dada, em primeira linha, à boa-fé e aos bons costumes (isto é, novamente e sempre, aos valores éticos que constituem os pilares estruturantes da Comunidade, que validam as normas legais produzidas pela forma prevista na Constituição e que servem de padrão aferidor quando está em causa apreciar a adequação das condutas individuais aos padrões comportamentais reputados exigíveis à vivência em Sociedade, sendo que esses padrões são os típicos do diligente bom pai (ou boa mãe) de família ou declaratário normal colocado no lugar do real declaratário a que antes já se fez referência).
4.1.2. Nesta sede de recurso, sustenta o apelante que, face à previsão/estatuição do art.º 1223º do Código Civil (cuja redacção se mantém inalterada desde o já longínquo ano de 1994 - DL n.º 267/94, de 25 de Outubro) e perante as sucessivas interpelações extrajudiciais que dirigiu à Ré, ao contrário do decidido em 1ª instância, lhe era legítimo (e lícito) substituir-se a essa demandada na reparação dos defeitos da obra, contratando para tanto uma terceira entidade, e exigir a essa sociedade o pagamento dos custos dessa reparação.
A esse propósito é conveniente sublinhar que, efectivamente, o texto do art.º 1223º do Código Civil (“O exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais.”), atribuí ao lesado o direito a ver-se ressarcido das suas perdas em termos que vão para além do que se encontra estabelecido nos artºs 1221º e 1222º do mesmo Código, mas tal é perfeitamente normal e próprio tendo em conta que nestes últimos normativos apenas se regulam os direitos à eliminação dos defeitos, à resolução do preço e à resolução do contrato.
E nada mais, quando é certo que, em termos gerais, “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (idem, art.º 562º), o que inclui também o dever de pagamento de indemnizações a título de danos morais, matéria que escapa totalmente ao escopo daqueles artºs 1221º e 1222º.
Nesta conformidade e tendo em atenção o exacto petitório da presente acção, salvo no que respeita ao pedido de condenação da Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 5.000,00 a título de danos morais, é por referência ao que se encontra previsto nos artºs 1220º a 1222º, 1224º e 1225º que se poderá operar o julgamento do pleito.
4.1.3. Retomando a escalpelização do argumentário expendido pelo ora apelante contra a sentença do Tribunal de 1ª instância, forçoso se torna referir, face à matéria de facto declarada provada neste processo, que é a única de que o este Tribunal Superior pode e deve socorrer-se para dirimir o litígio, que apenas quanto à limpeza e tratamento das escadas exteriores do imóvel o Autor fez menção de datas concretas para que a Ré procedesse a esses trabalhos (fls 54 e 55 - “num qualquer dos próximos sábados do mês de Novembro”) e, mesmo assim, tratou-se de uma “solicitação” e não da imposição de um prazo certo e determinado para cumprimento dessa obrigação.
Nestas condições, porque, inequivocamente, “brevidade”, “urgência” e “rapidez”, por “maiores” que sejam, são conceitos demasiado fluídos e incertos, não é realmente possível afirmar que a Ré se encontra em mora, tanto mais que não só não existe, por parte desta demandada uma afirmação de recusa da correcção dos defeitos - sem que agora seja o momento para discutir quais são, destes, aqueles que correspondem a efectivos vícios de construção (relativamente aos quais existe o dever de reparar) e quais resultam de actos imputáveis a condutas do Autor (em que esse dever não existe) – como, pelo contrário, existem manifestações reais dessa vontade de proceder à reparação dos defeitos.
Mais se esclarece que não entende este Tribunal Superior que o lesado está obrigado, antes de poder proceder, por si próprio (ou contratando uma terceira entidade para o efeito), à reparação dos defeitos e vícios aludidos nos artºs 1218º e 1220º do Código Civil, a prosseguir a via crucis da interposição de uma acção declarativa seguida de execução para poder, finalmente, intentar uma nova acção declarativa para exigir o pagamento do preço da reparação dos defeitos.
De facto, nada na Lei exige um tal percurso, bastas vezes excruciante.
Todavia, o que um lesado na situação do Autor está obrigado a fazer é:
a) delimitar, de um modo absolutamente claro e inequívoco, o objecto das reparações a que, segundo o seu entendimento, o construtor está obrigado,
b) estabelecer, igualmente de um modo absolutamente claro e inequívoco, o prazo para conclusão dessas reparações, e
c) comunicar tudo isso ao construtor.
E, obviamente, estar capacitado para provar, para além de qualquer dúvida razoável, porque é sobre si que impende o ónus de prova (artºs 341º, 342º n.º 1 e 346º do Código Civil), que os defeitos invocados são mesmo vícios da obra, que o prazo fixado é razoável e que o destinatário da comunicação a recebeu devidamente.
Ora, nada disso se verifica nestes autos.
O que permite, sem que, insiste-se, haja aqui que discutir quais dos vícios denunciados constituem efectivos defeitos de construção e quais são imputáveis a actos ou comportamentos do Autor, concluir, sem mais, que a Ré não se constituiu em mora.
E tanto basta para sufragar a posição jurídica sustentada pelo Mmo Juiz a quo na sentença que aqui se escrutina.
4.1.4. E, por tudo o exposto, julgam-se, no essencial, improcedentes as conclusões 1ª a 15ª das alegações de recurso do apelante, com as consequências para a sentença recorrida que adiante se enunciarão.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.

4.2. Na relação contratual em apreço pode ou não o Autor substituir-se à Ré na reparação de eventuais defeitos de que padece a obra por esta realizada?
4.2.1. No que tange a esta segunda questão jurídica de que cumpre conhecer nesta sede de recurso, face ao teor da determinação contida no ponto 4.1. supra, pouco mais há a adiantar às razões aí expostas para justificar a improcedência de também esta pretensão do apelante.
Isto porque, insiste-se, o Autor, ao interpelar extrajudicialmente a Ré não estabeleceu, como deveria ter feito, um prazo certo para a reparação dos denunciados defeitos da obra
Em todo o caso, o apelante tem razão quando se insurge quanto ao argumento invocado na sentença recorrida que acrescenta a exigência da verificação de uma manifesta urgência na reparação dos defeitos concretamente verificados como um requisito necessário para que o adquirente de imóvel construído pelo vendedor possa substitui-se a esta na realização das obras necessárias à satisfação de tal desiderato.
A questão é diversa e reconduz-se sempre à já aludida falta de fixação de prazo para reparação dos defeitos, sendo a urgência ou não das obras um elemento que não é essencial - ou essencialmente relevante - na aferição da procedência ou improcedência do pedido formulado pelo Autor nestes autos.
Não deixa, contudo, de ser de assinalar o esforço de defesa da sentença que é feito pela Ré quando faz apelo aos institutos da acção directa e do estado de necessidade previstos, respectivamente, nos artºs 336º e 339º do Código Civil.
Mas, interpretando essas normas à luz dos supra aludidos critérios definidos nos artºs 9º, 334º e 335º do mesmo Código, bem como considerando o estatuído nos artºs 1311º, 1312º e 1314º ainda desse diploma, facilmente se conclui ser essa argumentação insustentável para o que se discute nesta acção (e na presente apelação).
Aliás, repare-se que, mesmo nas situações reguladas pelo art.º 1036º do Código Civil - mas o autor é o proprietário do imóvel e não o arrendatário -, ainda que exista uma real e efectiva urgência na realização de obras no locado, também aí se exige que o senhorio esteja em mora.
Como não podia deixar de ser.
4.2.3. E, por tudo o exposto, julgam-se também improcedentes as conclusões 16ª a 18ª das alegações de recurso do apelante e, consequentemente, como resultado da conjugação deste decretamento com o consubstanciado no ponto 4.1.4. do presente acórdão e só por essas razões, confirma-se o decreto judicial absolutório contido na ora sindicada sentença recorrida.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.

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5. Pelo exposto e em conclusão, com os fundamentos enunciados no ponto 4.1. do presente acórdão, julga-se improcedente a apelação e confirma-se o decreto judicial absolutório proferido através da sentença recorrida.

Custas pelo apelante.
Lisboa, 03/06/2014

Eurico José Marques dos Reis
Ana Maria Fernandes Grácio
Afonso Henrique Cabral Ferreira