Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2045/10.3TTLSB.L1-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: ASSOCIAÇÃO SINDICAL
ESTATUTOS
LEGALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: Verificando-se a alteração de um artigo dos Estatutos da Ré , Organização Sindical, ( que anteriormente eram legais) a qual determina , por essa via , que um outro artigo constante dos mesmos passe a violar uma norma de carácter imperativo, a nulidade daí decorrente não determina a extinção daquela, mas apenas a ineficácia da alteração levada a cabo”.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:O Ministério Público veio, nos termos previstos nos artigos 439º, 447º, nº 8 e 449º, nº 2 do Código do Trabalho, intentar acção declarativa de nulidade, contra CGSI – Confederação Geral dos Sindicatos, com sede nas Portas de Santo Antão, 117, 2º andar, Sala E, Lisboa.
Pede a declaração de nulidade do acto de constituição e estatutos da Ré e, em consequência, a respectiva extinção.
Alega , em resumo, que em Assembleia-Geral, que teve lugar em 12 de Janeiro de 2009, a Ré procedeu à alteração parcial dos respectivos estatutos.
Os estatutos foram registados no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social ( MTSS ), em 04.02.2009, sob o Nº 5/2009, a fls. 120 do Livro nº 2, tendo sido publicados no Boletim do Trabalho e Emprego nº 6, de 15.02.2009, in http//bte.gep.mtss.gov.pt ( doc. 3 ) ;
O MTSS deu conhecimento da alteração dos estatutos da Ré, ao abrigo das disposições conjugadas dos Arts. 447º, nºs 4 al. b) e 449º do CT, através do ofício que se junta ( doc. 4 ), entrado a 30.12.2009 na Procuradoria da República .
De acordo com a alteração dos estatutos levada a cabo pela Ré, o
artigo 8º passou a ter a seguinte redacção:
“ nº 1- Podem filiar-se na CGSI federações, uniões, sindicatos livres,
democráticos e independentes e trabalhadores por conta de outrem.
Todavia, o nº 1 do art. 16º dos estatutos da Ré estabelece que:
A assembleia geral é constituída por todas as associações sindicais filiadas, representadas por dois elementos de cada sindicato devidamente credenciados para tal.
Apesar da possibilidade de se filiarem trabalhadores por conta de outrem, o seu art. 16º não mereceu alteração, estando deste modo omissa a previsão dos referidos trabalhadores por conta de outrem participarem nas assembleias gerais da Ré uma vez que apenas fica contemplada a participação de associações sindicais.
Tal omissão contende com os princípios da organização e da gestão democráticas consagrados no Art. 451º do CT, vedando ao trabalhador por contra de outrem filiado na Ré o gozo do seu direito de participar na actividade da associação, entre outros, o direito de eleger e ser eleito
para os órgãos sociais da Ré previsto no art. 10º, nº b) uma vez que, não podendo participar na assembleia geral não pode exercer o seu direito de eleger e destituir a direcção executiva, a mesa da assembleia geral, o conselho fiscal e o conselho de disciplina, que fazem parte das competências dessa assembleia nos termos do disposto no Art. 17º, al. e) dos estatutos da Ré.
A aludida omissão viola preceito legal de carácter imperativo e enferma, por conseguinte, de nulidade nos termos dos Arts. 280º, 294º e 295º do Código Civil.
A referida nulidade é insuprível por afectar a própria existência e o funcionamento da associação e determinante da nulidade do acto de constituição e dos estatutos da Ré, prevendo a possibilidade de filiação de pessoas a quem está vedado o exercício de direitos consagrados para outros filiados.
A requerida foi citada e contestou.
Alegou, em síntese, uma questão prévia atinente ao não aproveitamento desta acção, por supostamente nada ter a ver com a 25/10.8 TVLSB, onde foi declara a incompetência absoluta daquele tribunal, sendo a
presente acção apresentada ao abrigo do disposto no art. 289º, nº 2º do  CPC.
Também invocou a excepção de caso julgado e a de  caducidade.
Veio a ser proferida decisão que , em sede de direito e decisória, logrou o seguinte teor:
“B ) De direito
Subscreve-se a fundamentação do autor, quando afirma que a
referida omissão (no art. 16,1, dos estatutos) contende com os
princípios da organização e da gestão democráticas consagrados
no Art. 451º do CT, vedando ao trabalhador por contra de outrem filiado na Ré o gozo do seu direito de participar na actividade da associação, entre outros o direito de eleger e ser eleito para os órgãos sociais da Ré previsto no art. 10º, nº b), uma vez que, não podendo participar na assembleia geral não pode exercer o seu direito de eleger e destituir a
direcção executiva, a mesa da assembleia geral, o conselho fiscal e o conselho de disciplina, que fazem parte das competências dessa assembleia nos termos do disposto no Art. 17º, al. e) dos estatutos da Ré. E que aludida omissão viola preceito legal de carácter imperativo e enferma, por conseguinte, de nulidade nos termos dos arts. 280º, 294º e
295º do Código Civil, sendo a referida nulidade insuprível por afectar a própria existência e o funcionamento da associação e determinante da nulidade do acto de constituição e dos estatutos da Ré, prevendo a possibilidade de filiação de pessoas a quem está vedado o exercício de direitos consagrados para outros filiados.
I.I.I. DECISÃO
Julgo procedente a acção e declaro a nulidade do acto de constituição e dos estatutos da Ré e declarando-se, em consequência, a extinção desta, nos termos previstos no Art. 447º, nº 8 do CT (aprovado pela L. nº 7/2009, de 12.02 ).
Custas pela ré.
Registe e notifique.
Comunique esta decisão ao respectivo Ministério, para registo e publicação no Boletim do Trabalho e Emprego” – fim de transcrição.
Inconformado o Réu recorreu.
Concluiu que:
(…)
O MºP contra alegou.
Concluiu que:
(…)
Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.
Nada obsta à apreciação.
                   
                                                        ***                             

A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
1 - Em Assembleia-Geral, que teve lugar no dia 12 de Janeiro de 2009, a Ré procedeu à alteração parcial dos respectivos estatutos, nos termos da acta que se junta (doc. 2 ), cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2 - Os estatutos foram registados no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social ( MTSS ), em 04.02.2009, sob o Nº 5/2009, a fls. 120 do Livro nº 2, tendo sido publicados no Boletim do Trabalho e Emprego nº 6, de 15.02.2009, in http//bte.gep.mtss.gov.pt ( doc. 3 ).
3 - O MTSS deu conhecimento da alteração dos estatutos da Ré, ao abrigo das disposições conjugadas dos Arts. 447º, nºs 4 al. b) e 449º do CT, através do ofício que se junta ( doc. 4 ), entrado a 30.12.2009 na Procuradoria da República.
4 - De acordo com a alteração dos estatutos levada a cabo pela Ré, o artigo 8º passou a ter a seguinte redacção: nº 1- Podem filiar-se na CGSI federações, uniões, sindicatos livres, democráticos e independentes e trabalhadores por conta de outrem.
5 - O nº 1 do art. 16º dos estatutos da Ré estabelece que: - A assembleia geral é constituída por todas as associações sindicais filiadas, representadas por dois elementos de cada sindicato devidamente credenciados para tal.

                                                       ****

Mais se consignam como provados[1] , ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 1º, alínea a) do CPC, ex vi da alínea a) do nº 2º do artigo 1º do CPT, por  relevantes para a decisão do presente recurso  , os seguintes factos:
6 – Em 6 de Janeiro de 2010, o MºPº intentou contra a aqui recorrente nas Varas Cíveis de Lisboa uma acção declarativa de nulidade , com processo ordinário, cuja petição inicial teve o teor constante de fls. 33 a 35 dos autos que aqui se dão por integralmente transcritas.
7 – A qual veio a ser distribuída com o nº 25/10.8TVLSB à 1ª Secção da 6ª Vara Cível de Lisboa.
8 – A qual , em 26-4-2010, veio a ser alvo do despacho constante de  fls. 66 cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito.
9 – Em 4 de Maio de 2010, o MºPº apresentou naquele processo o requerimento cuja cópia constante de fls. 67 do presente processo aqui se dá por reproduzido.
10 – Em 22 de Dezembro de 2009, a Exmª Chefe de Divisão da Direcção Geral  do Emprego e das Relações de Trabalho – Direcção de Serviços da Regulamentação Colectiva e Organizações do Trabalho – do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social lavrou a apreciação fundamentada sobre a legalidade da alteração dos Estatutos da aqui recorrente  constante de fls. 38 dos presentes autos que aqui se dá por integralmente transcrita.
11 – Em 21 de Março de 2007, a Assembleia Geral da Ré levou a cabo as alterações dos seus Estatutos constantes do BTE, nº 14, de 15 de Abril de 2007.[2]
                                                          ***

É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 684º nº 3º e 690º nº 1º do CPC ex vi do artigo 87º do CPT).[i]
In casu, afigura-se que a recorrente suscita quatro questões.
A primeira respeita a nulidade da sentença.
Segundo a recorrente a sentença recorrida ao conhecer da questão prévia [3] julgou em contradição com os seus fundamentos ( artigo 668º nº 1, alínea c) do CPC) , visto que a causa de pedir ínsita nas duas acções não corresponde .
Sustenta que a segunda contem factos novos, o que determina que se tenha violado o disposto no artigo 289º do CPC.
Todavia a arguição da nulidade de sentença , em sentido estrito, é manifestamente intempestiva.
É que não foi formulada expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso como impõe o disposto no nº 1º do artigo 77º do CPT( na redacção que lhe foi conferida pelo DL nº 295/2009, de 13 de Outubro), mas nas alegações e conclusões de recurso, tal como delas bem resulta.
Assim, mostra-se prejudicado o respectivo conhecimento.

                                                     *****

A segunda questão a dilucidar consiste em saber se efectivamente a sentença recorrida violou o disposto no artigo 289º do CPC.
É que no entendimento da recorrente a presente acção contem factos novos em relação aos articulados no processo que correu termos sob o nº 25/10.8TVLSB ( em que o aqui recorrente foi absolvido da instância – vide facto nº 8 supra consignado ) [4] o que leva a que se tenha violado o disposto no nº 2º do artigo 289º do CPC [5].
Porém, basta ler a petição inicial da presente acção [6] , bem como a daquela que correu termos na 1ª secção da 6ª Vara Cível de Lisboa[7] , sob o  nº 25/10.8TVLSB , para se ver que são idênticas, salvo no tocante à referência que na primeira é feita a esta última, bem como ao preceituado no nº 2º do artigo 289º do CPC ( nos seus artigos 2º e 3º - vide fls.  3).
Como se refere a tal título na decisão recorrida a petição inicial da presente acção é um decalque da que foi instaurada nas Varas Cíveis de Lisboa, salvo em relação aos supra mencionados acrescentos - cujo teor e relevo para a presente acção bem se compreendem - que não relevam para o efeito em causa.
Improcede, pois, o recurso neste ponto.

                                                      ****

A terceira questão a apreciar tem a ver com a verificação de uma excepção de caso julgado, isto é, a existência de uma acção já julgada e transitada, entre as mesmas pessoas, com as mesmas causa de pedir e pedido.
Nos termos do artigo 497º do CPC , aplicável por força do disposto na al a) do nº 2º do art 1º do CPT:
“1 – As excepções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repetir …;se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado.
2 – Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
3 – É irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais”.
Segundo o artigo 498º do CPC :
“1- Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 – Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 – Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 – Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas dias acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”.
Para Manuel de Andrade a noção de caso julgado material “consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais ( e até a quaisquer outras autoridades ) – quando lhes seja submetida a mesma relação quer a título principal ( repetição da causa em que foi proferida a decisão) , quer a título prejudicial ( acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação).
Todos têm que acatá-la , julgando em conformidade , sem nova discussão.
Esse acatamento é-lhe devido de modo absoluto” – Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Ldª, 1979, pág 305.
O mesmo autor ensina também que os fundamentos do caso julgado são por um lado o prestígio dos tribunais e por outro razões de certeza ou segurança jurídica.
Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa “ o caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça , da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que uma acção seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir.
Ele é , por isso, expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica.
O caso julgado das decisões judiciais é uma consequência da caracterização dos tribunais como órgãos de soberania ( artigo 113º, nº 1º da CRP )” – Estudos sobre o novo processo civil, Lex, pág 568.
Feitas estas considerações dir-se-á apenas que , no caso concreto, todavia como – e bem - se refere a tal título na decisão recorrida :
” Excepção de caso julgado - com a brevidade que a questão merece, indefere-se a mesma, porque a requerida, apesar de convidada para o efeito, não fez prova do que alegou (não juntou o respectivo documento), isto é, a existência de uma acção já julgada e transitada, entre as mesmas pessoas, causa de pedir e pedido ( que aliás da própria alegação se evidencia não ser o mesmo)” – fim de transcrição.
Assim, igualmente , cumpre considerar improcedente o recurso neste particular.

                                                     ***

A quarta  questão a apreciar consiste em saber se tendo-se procedido a uma mera alteração (parcial) dos estatutos da recorrente, se deve declarar a extinção da ora recorrente ou se , ao invés, apenas se pode declarar a nulidade das alterações até porque os Estatutos não foram publicados na íntegra.
E a tal título dir-se-á , desde já, que o recurso procede.
Todavia, antes de mais, salientar-se-á que neste ponto, a nosso ver, improcede a argumentação expendida pela recorrente atinente à falta de notificação do Presidente da Mesa da Assembleia Geral para alterar ou corrigir os estatutos no prazo de 180 dias ( vide fls. 108).
Embora tal alegação tenha sido feita em sede de contestação (vide artigos 10º a 12º - fls. 22/23), a verdade é que nesse mesmo articulado não foi apresentada ou requerida a produção de qualquer tipo de prova a tal título ( vide fls. 20 a 28), sendo certo que no tocante ao Autor [8] sempre foi apresentado o documento constante de fls. 10 contemplado no nº 10 da matéria de facto que acima se  deixou consignada.
E cumpre recordar que nas acções de impugnação de estatutos , deliberações de assembleias gerais ou actos eleitorais [9] , com os articulados devem ser requeridas quaisquer diligências de  prova [10]….
Ultrapassada tal questão há, agora, que salientar que os Estatutos da recorrente não se mostram nulos “ab initio” - isto é originariamente – nem isso é alegado, mas apenas subsequentemente por força de  alteração ao disposto no seu artigo 8º decorrente de Assembleia-Geral realizada em  12 de Janeiro de 2009, na qual a Ré procedeu a alteração parcial dos respectivos estatutos.
Nos termos dessa alteração o artigo 8º dos Estatutos da Ré passou a ter a seguinte redacção:
“Número um - Podem filiar-se na CGSI federações, uniões, sindicatos livres, democráticos e independentes e trabalhadores por conta de outrem “ ( vide ponto nº 4 da matéria assente).
Todavia constata-se que , anteriormente , através de alteração aprovada por Assembleia Geral realizada em 21 de Março de 2007 ( vide BTE ,1ª série ,  nº  14,  de 15-4-2007) esse artigo dos Estatutos já tinha a seguinte redacção:
Podem filiar-se na CGSI federações, uniões, sindicatos livres, democráticos e independentes e trabalhadores por conta de outrem  de acordo com o regulamento interno, sendo que antes disso  o artigo em causa, sob a epígrafe  filiados, regulava que podem filiar-se na CGSI todas as associações associações sindicais independentes , livres e democráticas ( vide BTE , 1ª série, nº  25, de 8.7.2001).
Por outro lado, o nº 1 do art. 16º dos Estatutos da Ré – que desde o início não foi alvo de qualquer alteração - estabelece que:
“A assembleia geral é constituída por todas as associações sindicais filiadas, representadas por dois elementos de cada sindicato devidamente credenciados para tal”.
Como tal constata-se que os Estatutos em causa passaram a conter norma contrária à lei, desde 15 de Abril de 2007 , tal como decorre do disposto nos artigos 483º , nº 4º [11], 484º, nº 1º [12]e  486º, alínea a) [13]todos do CT/2003.
E o mesmo se dirá do disposto no CT/2009 no tocante ao preceituado no nº 1º alínea a) do artigo 451º[14] , nº 1º alínea a) e nº 5º  e 8º do artigo 447º [15] e 449º [16]do CT/2009.
É que , como já se viu, todo o associado no gozo dos seus direitos tem o direito de participar na actividade da associação,  incluindo o de eleger e ser eleito para os corpos sociais e ser nomeado para qualquer cargo associativo , sem prejuízo de poder haver requisitos de idade e de tempo de inscrição.
Ora a alteração do artigo 8º dos Estatutos levada a cabo em 2007 ( e não apenas em 2009) passou a prever a filiação directa de trabalhadores por conta de outrem , sendo que o seu artigo 16º não contempla a possibilidade de os mesmos participarem nas assembleias gerais…., visto que regula:
“A assembleia geral é constituída por todas as associações sindicais filiadas, representadas por dois elementos de cada sindicato devidamente credenciados para tal”.
Daí a respectiva nulidade que decorrente do disposto nos artigos 280º[17], 294º [18]e 295º [19]do Código Civil.
Mas será que se deve considerar que a alteração de Estatutos levada a cabo em 2009 é ilegal ?
E , a nosso ver, a resposta é : ilegal , na supra mencionada perspectiva, não é.
A mesma provém da alteração do artigo 8º dos Estatutos  levada a cabo pela AG de 2007….que passou a incluir os trabalhadores por conta de outrem como sendo susceptíveis de serem associados da Ré, o que atenta a redacção do artigo 16º leva ao supra mencionado  resultado….
Assim, em rigor, atenta a causa de pedir invocada na presente acção ( a alteração operada pela AG de 2009) , o recurso teria proceder não se declarando extinta a Ré
Todavia esta tese é vulnerável ao argumento de que se está a pactuar com a ilegalidade dos Estatutos em causa, visto que a alteração levada a cabo pela AG de 2007 já contemplava essa possibilidade….
Na realidade , a possibilidade de os trabalhadores por conta de outrem  se filiarem na CGSI ( da qual resulta a desconformidade legal do artigo 16º dos Estatutos em causa ) provém de alteração levada a cabo em 2007 e não em 2009 , sendo que esta última apenas eliminou parte -  embora não a que , a nosso ver, importava alterar , ou esquecendo-se de alterar o artigo 16º….  -  da que já havia sido levada a cabo em 21 de Março de 2007 .
Como tal a questão , ainda que de forma implícita, redunda em saber se quer a alteração levada a cabo em 2009 quer a efectuada em 2007  devem considerar-se como afectando a própria existência e funcionamento da Ré determinando a nulidade do seu acto constitutivo e respectivo funcionamento ?
Entende-se negativamente.
É que o pedido formulado nos autos é “a declaração de nulidade do acto de constituição e estatutos da Ré e, em consequência, a respectiva extinção”.
Esgrimir-se-á contudo que o que foi invocado , em sede de causa de pedir, foi a alteração levada a cabo pela AG que se realizou em 12.1.2009 e não em 21.3.2007 ...
Como tal dir-se-á que apenas a primeira pode ser levada em conta na presente acção.
Todavia a operada em 2009 também se reporta - mais que não seja de forma implícita – àquela  que foi levada a cabo em 2007.
Por outro lado,  caso assim não fosse, atento o disposto no nº 2º do artigo 449º do CT/2009 , sempre se teria de considerar que se mantinha em vigor a redacção do artigo 8º do Estatutos conferida em 2007, que ainda assim implicava a respectiva ilegalidade atento o disposto no artigo 16º; o que não faz sentido….
E cumpre salientar que embora as associações possam ser declaradas judicialmente extintas, nomeadamente com fundamento na ilegalidade dos respectivos estatutos, [20] afigura-se que isso só deve ocorrer na fase da sua constituição inicial.
Neste sentido , aliás, aponta aresto desta Relação de 01-03-2001, Nº do Documento: RL2001030100113468 , Nº Convencional: JTRL00030715
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA , acessível em www.dgsi.pt.
Ora não é isso que acontece (quer tendo em conta a AG de 21.3.2007 quer a realizada em 12.1.2009) no caso concreto.
De facto, quer em 2007 quer em 2009 estamos perante alterações  (pontuais ) dos Estatutos da Recorrente que implicaram que uma das normas neles contidos tenha passado a violar (a supra mencionada) disposição que tem carácter imperativo.
Assim, afigura-se que a invalidade do artigo 8º dos Estatutos em apreço decorrente quer da alteração operada em 2007 quer da levada a cabo em 2009 não é susceptível de determinar a extinção da recorrente, mas apenas a nulidade das alterações introduzidas nesse particular.
Tal raciocínio resulta , não só do preceituado no nº 2º do artigo 449º do CT/2009, mas também do disposto no artigo 292º do Código Civil.
Segundo este preceito ( sob a epígrafe redução ) :
A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio , salvo quando se mostre que não teria sido concluído sem a parte viciada”.
Para António Menezes Cordeiro o primeiro requisito para aplicação desse preceito “é o de uma nulidade ou anulação meramente parcial.
Na base desta fórmula , algumas doutrina e jurisprudência têm admitido uma regra de divisibilidade dos negócios.
De modo algum : o que a lei diz é  o seguinte : a nulidade ou anulação ( quando seja) parcial não determina a invalidade do conjunto.”[21]
E refere ainda o mesmo Professor que “ o segundo requisito tem a ver com a vontade das partes no tocante ao ponto da redução: esta não opera quando se mostre que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada.
Bastará provar, pelas circunstâncias  objectivas ou pela vontade real duma das partes , conhecida pela outra – artigo 236º - ou pela sua vontade hipotética  e pela boa fé – artigo 239º - que sem a parte viciada , aquele concreto negócio não teria visto a luz.” [22]
In casu, é certo que não estamos perante um negócio jurídico.
Todavia a alteração em análise, no mínimo , configura um acto jurídico a que se aplicam , nos termos do disposto no artigo 295º do Código Civil, as mesmas regras, sendo certo que como também salienta Menezes Cordeiro “em termos de ónus de prova a situação é a seguinte:
“ o interessado na salvaguarda do negócio deverá invocar e provar os factos donde decorra a natureza meramente parcial da invalidade ;
-ao seu opositor caberá invocar e provar os factos donde se infira que, sem a parte viciada,  não teria havido negócio”.[23]
Ora é patente que a invocada nulidade (quer a decorrente da alteração introduzida em 2007 quer a da emenda , igualmente, pouco operante , para o efeito em  causa , dos Estatutos , introduzida em 2009 ) é parcial
O que está em causa é a nulidade do artigo 16º dos Estatutos da recorrente , resultante da alteração do teor do seu artigo 8º… em qualquer das redacções introduzidas (quer em 2007 quer em 2009).
Daí que não se vislumbre que deva implicar a invalidade do conjunto, que não se verificava inicialmente.
Por outro lado, o Mº Pº não alegou -  nem  demonstrou - que a alteração do artigo 8º dos Estatutos da recorrente sempre esteve dependente da manutenção da parte dos Estatutos ( isto é do seu artigo 16º) que passou a estar ferida da invocada nulidade …
E , a nosso ver, tal também não resulta claro da alteração levada a cabo em 2009, que também se pode dever a simples desatenção ou incorrecta interpretação de chamada de atenção anterior…
Como tal , afigura-se que se deve aplicar não só o disposto no nº 2º do artigo 449º do CT/2009 , mas também operar a redução referida no artigo 292º do Código Civil.
E igualmente não se detecta que esta última atente contra a confiança legítima da recorrente ( bem como dos seus associados) nem contra a materialidade que lhe esteve subjacente, visto que os Estatutos – mesmo com a anterior redacção que o seu artigo 8º tinha – continua a permitir-lhe prosseguir os seus fins e funções…, desde que a mesma não seja tomada em linha de conta..
Como tal afigura-se que a solução para a situação gerada pelas alterações estatutárias – menos adequadas ou mesmo infelizes , sobretudo a segunda…- encetadas pela Assembleia da recorrente [24]passa pela declaração de nulidade ( ineficácia ) [25] das alterações do artigo 8º dos Estatutos da Recorrente levadas a cabo quer pela Assembleia-Geral ocorrida em 12 de Janeiro de 2009 quer pela realizada em 21 de Março de 2007.
Cumpre ainda recordar que o artigo 239º (integração) do CC regula que na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.
Ora na situação em exame afigura-se evidente que a recorrente podia ter resolvido expressamente o problema que se gerou (nomeadamente através da alteração do disposto no artigo 16º dos seus Estatutos), se o tivesse previsto….; sendo certo, por outro lado, que certamente se os membros da Assembleia em causa tivessem previsto as consequências das alterações do preceito do artigo 8º dos Estatutos que levaram a cabo , sem a inerente alteração do artigo 16º não as teriam feito nos moldes verberados…
Como tal cumpre continuar a considerar em vigor a sua redacção primitiva.
                                                        ****

Nestes termos, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e em consequência declaram-se nulas ( e consequentemente ineficazes ) as alterações do artigo 8º do Estatutos da recorrente levadas a cabo nas Assembleias-Gerais ocorridas em 12 de Janeiro de 2009 e em 21 de Março de 2007.
Comunique-se, oportunamente, esta decisão ao competente Ministério para efeitos do disposto no nº 9º do artigo 447º e 449º, nº 4º ambos do CT/2009.
Custas pela apelante ( embora a recorrente não tenha sido declarada extinta a aludida norma sempre foi declarada nula).
DN (processado e revisto pelo relator -  nº 5º do artigo 138º do CPC).
   
Lisboa, 18 de Janeiro de 2012

Leopoldo Soares
José Eduardo Sapateiro
Maria José Costa Pinto
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[1] Baseados em documentos não impugnados constantes dos presentes autos.
[2] Matéria que sempre se pode ter em conta por constituir facto notório – vide artigo 514º do CPC.
[3] Nos seguintes moldes:
“ Questão prévia de não aproveitamento desta acção, por supostamente nada ter a ver com a 25/10.8 TVLSB, onde foi declara a incompetência absoluta daquele tribunal, sendo a presente acção apresentada ao abrigo do disposto no art. 289, 2, CPC:
Indefere-se a mesma, nem se compreendendo porque motivo é alegada, bastando ler os documentos juntos aos autos – certidão da p.i. da anterior acção a fls 33 e seg - para se concluir que esta acção é rigorosamente a mesma, aliás com alegação e pedido completamente decalcados.” – fim de transcrição.
[4] Vide fls. 66.
[5] Nos termos deste preceito ( alcance e efeitos da absolvição da instância):
“1 – A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto.
2 – Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e á caducidade dos direitos , os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se , quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias , a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.
3 -…
4 -…”.
[6] Vide fls. 2 a 5.
[7] Vide fls. 33  a 35.
[8] Vide fls . 2 a  5.

[9] Cujo processado se mostra contemplado nos artigos 164º a 168º do CPT.
[10] Vide artigo 166º do CPT.
[11] Que regulava ( sob a epigrafe de registo e aquisição de personalidade );  em relação a organização sindical), tal como resulta da subsecção II da Secção IV respeitante a Associações Sindicais:
“4 – No caso de a constituição ou os estatutos  da associação serem desconformes com a lei, o magistrado do Ministério Público promove dentro do prazo de  15 dias , a contar da recepção , a declaração judicial de extinção da associação.
[12] Que preceituava ( sob a epígrafe de alterações de estatutos) :
“1 – A alteração dos estatutos fica sujeita a registo e ao disposto nos nºs 2 a 4 do artigo anterior, com as necessárias adaptações”.
[13] No respeito pelos princípios da organização e da gestão democráticas, as associações sindicais devem reger-se, nomeadamente , em obediência às seguintes regras:
a)Todo o associado no gozo dos seus direitos sindicais tem o direito de participar na actividade da associação , incluindo o de eleger e ser eleito para a direcção e ser nomeado para qualquer cargo associativo, sem prejuízo de poderem estabelecer-se requisitos de idade e tempo de inscrição”.
[14] Segundo o qual, que concerne às associações sindicais e de empregadores,:
“1 – No respeito pelos princípios da organização e da gestão democráticas, as associações sindicais e as associações de empregadores devem reger-se, nomeadamente , em obediência às seguintes regras:
a) Todo o associado no gozo dos seus direitos sindicais tem o direito de participar na actividade da associação , incluindo o de eleger e ser eleito para os corpos sociais e ser nomeado para qualquer cargo associativo , sem prejuízo de poder haver requisitos de idade e tempo de inscrição”.
 
[15] O qual ( sob a epígrafe constituição, registo  e aquisição de personalidade) estatui:
“5 – Caso os estatutos  contenham disposições contrárias à lei, o serviço competente , no prazo previsto na alínea b) do número anterior , notifica a associação para que esta altere as mesmas , no prazo de 180 dias.
6-…
7-…
8 – Caso a constituição ou os estatutos inicias da associação sejam desconforme com a lei imperativa, o magistrado do Ministério Público no tribunal competente promove , no prazo de 15 dias a contar da recepção dos documentos a que se refere a alínea b) do nº 4º, a declaração judicial de extinção da associação ou, no caso de norma dos estatutos , a sua nulidade , se a matéria for regulada por lei imperativa ou se a regulamentação da mesma  não for essencial ao funcionamento da associação”.

[16] De acordo com tal preceito (alteração dos estatutos):
“1 – A alteração de estatutos   fica sujeita a registo e ao disposto nos nº s 2º a 6 do artigo 447º com as necessárias adaptações.
2- Caso as alterações dos estatutos da associação sejam desconformes com a lei imperativa  , o magistrado do MºPº, no tribunal competente promove , no prazo de 15 dias a contar da recepção dessas alterações , a declaração  judicial de nulidade das mesmas, mantendo-se em vigor os estatutos existentes à data da pedido de registo.
3 – Na situação referida no número anterior , é aplicado o nº 9º do artigo 447º.
4 – As alterações a que se refere o nº 1º só produzem efeitos em relação a terceiros após a publicação no BTE ou, na falta deste , 30 dias após  o registo.
[17] Nos termos do qual (requisito do objecto negocial):
“1 – É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física e legalmente impossível, contrário á lei ou indeterminável.
2 – É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”.
[18] Que estatui ( negócios celebrados contra a lei):
Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.
[19]  Nos termos deste preceito (disposições reguladoras) :
Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique , as disposições do capítulo precedente.
[20] Vide artigo 182º, nº 2º alínea d) do CC.
[21] Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral , Tomo I, 1999, pág . 586.
[22] Obra citada, pág 586.
[23] Obra citada, pág 586.
[24] Cumpre concluir – como é evidente – que para se alterar o artigo 8º do Estatutos , também havia que alterar o seu artigo 16º….
[25] Esta  em sentido amplo tem lugar sempre que um negócio não produz , por impedimento decorrente do ordenamento jurídico – como acontece no caso em apreço – no todo ou em parte , os efeitos que tenderia a produz , segundo o teor das declarações respectivas ( neste sentido Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, Ldª, 1975, pág . 466.
[i] Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos:
“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…
Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299.
Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões.
Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas  pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156).
Decisão Texto Integral: