Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6909/16.2T8LSB.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE
TRANSFERÊNCIA
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Escrevendo a autora numa carta ao réu que tinha havido [entre ela e o BES] uma negociação para a subscrição de valores mobiliários da ESI, SA, e apresentando um extracto bancário, recebido por ela depois disso, em que se refere a compra desses mesmos valores, pelo menos desde o recebimento de tal extracto tem conhecimento daqueles dados, pelo que não pode, mais de um ano depois, pedir a anulação da subscrição por erro sobre o objecto do negócio e sobre o destinatário da subscrição, por tal direito, a existir, ter caducado (art. 287/1 do CC).
II. A eventual responsabilidade indemnizatória do BES pela comercialização de papel comercial da ESI não foi transferida para o NB, por força da subalínea (vii) da alínea (b) [do n.º 1] do anexo 2 da deliberação do BdP de 03/08/2014, mesmo depois de clarificada/ajustada pela deliberação do BdP de 11/08/2014 (e muito menos depois de clarificada e alterada pelas deliberações de 29/12/2015 do BdP), a não ser que se alegassem, e viessem a ficar provados, os pressupostos da segunda metade de tal subalínea, o que não foi feito nem estava na lógica da petição inicial fazer.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados.


Relatório:


L-LDA, intentou, em 16/03/2016, a presente acção, no que ainda importa, contra o NB-SA, pedindo que (a) se declare a anulação do contrato de subscrição de aplicação financeira “ES International SA 10/11/14 40ªem PTE47AJM0453”, com fundamento em erro sobre o objecto do negócio e à pessoa do destinatário e, em consequência, se condene o réu a restituir à autora 200.000€, referente ao capital utilizado pelo BES na subscrição da referida aplicação financeira, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados à taxa legal desde a data da respectiva subscrição (20/11/2013) até integral e efectivo pagamento; ou, subsidiariamente, (b) se condene o réu a ressarcir a autora, em virtude de incumprimento contratual imputável ao BES por violação dolosa e grave dos deveres de informação e de lealdade que sobre si impendiam na relação contratual estabelecida com a autora, do capital utilizado na subscrição daquela aplicação financeira, ou seja, dos 200.000€ com os juros referidos; ou, subsidiariamente, (c) faça essa condenação em virtude de culpa in contrahendo imputável ao BES.

Alega para tanto, na parte que agora interessa e muito em síntese, que a autora, em 26/06/2013, contratou com o BES a constituição de um depósito a prazo, pelo período de 2 anos, sob a designação “Depósito a Prazo BES Crescente Empresas”, no valor de 200.000€, que se venceria a 16/06/2015; até Outubro de 2013, inclusive, o depósito a prazo vinha reflectido todos os meses nos extractos bancários que lhe eram dirigidos pelo BES, na rubrica referente a «depósitos poupança»; no decurso de Novembro de 2013, o sócio gerente da autora recorda-se de ter sido contactado pelo gestor de conta que lhe comunicou, verbalmente, que o depósito a prazo dos 200.000€ tinha sido convertido numa outra aplicação do BES com vencimento a um ano, garantindo-lhe que o investimento era seguro e que tinha uma rentabilidade superior ao investimento/ /depósito Crescente; ou seja, diz, a subscrição da referida aplicação financeira foi realizada por iniciativa do gestor de conta da autora, sem o prévio conhecimento e consentimento desta; o sócio gerente da autora não se recorda de ter assinado qualquer documento escrito referente a tal investimento, mormente um contrato de subscrição; o gestor de conta não entregou à autora cópia dos formulários de subscrição da referida aplicação financeira, nem a nota informativa e a ficha técnica ou cópia das instruções para desmobilização do depósito a prazo que existia na instituição do BES e cujo valor foi utilizado para subscrição da referida aplicação; o único “indício” de que o depósito efectuado pela autora em Junho de 2013 tinha sido realmente convertido noutra aplicação veio reflectido no extracto bancário relativo a Novembro de 2013, no qual era indicado, nos movimentos de conta, uma «Compra Fora De Bolsa De Es Intl 40ªem», em 20/11/2013, com vencimento a «10/11/2014» (cfr. extracto que se junta como doc. n.º 5 e se dá por integralmente reproduzido); ou seja, do extracto bancário o gerente da autora não conseguia verificar que aplicação financeira tinha sido efectuada, não obstante, a autora confiou na seriedade da instituição com quem estava a contratar, nunca suspeitando que o investimento efectuado pelo gestor de conta pudesse ter, na verdade, características distintas de um depósito a prazo; pois, caso contrário, a autora não teria autorizado a mobilização dos seus recursos para uma aplicação financeira que comportasse algum risco, porquanto a sua preocupação maior sempre foi a de preservação do capital investido, pois dele depende a continuidade da actividade comercial da autora; a declaração negocial emitida pela autora – a ter existido, pois, até à data, o réu não fez qualquer prova do pretenso contrato de subscrição… – ocorreu com errada representação das qualidades daquilo que versava o negócio – i.e. a aplicação financeira proposta pelo réu –, porque atinge os motivos determinantes da vontade da autora em contratar: ademais, incorreu a autora, na pessoa do seu legal representante, em erro quanto à pessoa do declaratário, pois sempre acreditou que o seu dinheiro tinha sido utilizado numa aplicação financeira do BES – tal como sucedeu com o depósito a prazo –, e não de um qualquer terceiro, cuja identidade, sede e património desconhecia totalmente; invoca o disposto nos arts. 251, 247, 253 e 254 do CC, para dizer que há dolo do BES ou pelo menos erro da autora (quanto ao objecto do negócio e quanto à pessoa do declaratário), com a consequência da anulabilidade do negócio.

O BES– que foi parte no processo, tendo deixado de o ser depois da declaração de impossibilidade da instância (pedida pela autora) por força da declaração de insolvência do BES – impugnou estas afirmações da autora e excepcionou a caducidade do eventual direito à anulação pretendida, dizendo, na parte que interessa, que: não poderá corresponder à verdade a alegação da autora, desde logo, quando confrontada com o teor do doc. n.º 13, datado de 14/08/2014, que a autora confessa ter tido conhecimento (artigo 44.º da PI) e onde constava de forma expressa a referência ao papel comercial da ESI; também não poderá corresponder à verdade, quando confrontada com o doc. n.º 15 (carta da autora datada de 18/11/2015), de onde resulta que a autora desde o início estava na posse de informação sobre as características da aplicação (negociação para subscrição de tal produto) bem como da identidade do emitente. Daqui resulta que a autora não podia ignorar que o produto em causa não era um produto do BES, mas sim da ESI. Por outro lado, da carta enviada pelo réu em 11/03/2015 (doc. n.º 14), resulta evidente que foi comunicado à autora a identidade do emitente, bem como que era sobre este que incumbia a responsabilidade pelo pagamento dos instrumentos de dívida; por outro lado, a autora afirma, relativamente ao doc. n.º 5 junto com a PI, «extracto integrado de n.º 12/2013”, que apenas conseguiu verificar nos movimentos de conta uma «Compra Fora de Bolsa De ES Int 40ªem», em 20 de Novembro de 2013, com vencimento a «10.11.2014»; tal afirmação não poderá corresponder à verdade, na medida em que do extracto junto não resultam apenas e só as referências que a autora dele pretende retirar e por ser demais evidente que a autora se apercebeu, logo no momento em que recebeu o extracto de Novembro de 2013, que havia subscrito Papel Comercial da ES International S.A., com data Próximo Pagamento Cupão 10.11.2014. Na verdade e, contrariamente ao alegado pela autora, dos movimentos de conta não consta a indicação do vencimento da compra fora de bolsa, pelo que, se a autora afirma ter constatado no extracto que o vencimento era 10.11.2014, tal apenas ocorre porque a autora terá verificado na página 3 do doc. n.º 5 no detalhe do seu património financeiro a existência do campo valores mobiliários, por ser dele que consta a informação da data de vencimento, bem como a indicação, clara e expressa, da subscrição de papel comercial da ES Internacional SA. Com efeito, se é verdade que a autora se apercebeu no documento referido da data de vencimento da aplicação, não poderá corresponder à verdade que nada mais tenha verificado do extracto, pois a informação que já havia sido transmitida à autora, nele constava de forma clara. Assim, pelo menos, desde a emissão do doc. n.º 5 (Novembro de 2013) que a autora estava na posse das informações necessária para peticionar a anulabilidade do negócio; como a acção foi proposta já decorrido um ano após a cessação do erro-vício, tal direito caducou (art. 287 do CC); pois que o negócio jurídico celebrado entre a autora e o BES tem-se por cumprido no momento em que o BES aceita e executa a ordem de subscrição da autora, o que ocorreu logo na altura. Acresce que, contrariando a alegação da autora de que o seu principal objectivo era a preservação de capital, privilegiando aplicações sobre a forma de depósitos a prazo, ainda que tivessem uma rentabilidade menor, do doc. 24 junto aos autos pela autora, resulta que a autora em 23/10/2013 efectua uma «Venda Fora de Bolsa de 245.000 Obrigações da BES Finance 10/12 12E06, no valor de €73.335,65.» E analisado o extracto integrado de conta n.º 12/2014 apresentado como doc. n.º 26, verifica-se que, Dezembro de 2014, a autora detinha  também, um investimento em Obrigações da BES LDN 5% 23/04/2019 no valor de 55.266€. Investimentos que contrariam as afirmações da autora de que apenas pretendia produtos sem qualquer risco.

Também o réu (NB) excepcionou, nos mesmos termos mas com muito menor desenvolvimento, a caducidade do eventual direito da autora; para além disso, impugnou a transferência para si das eventuais responsabilidades do BES, por força das exclusões (v) e (vii) da alínea (b) do ponto 1 do anexo 2 da deliberação do BdP de 03/08/2014, clarificada/ajustada por deliberação de 11/08/2014, tendo também em conta as deliberações de 29/12/2015 do BdP.

Foi proferido saneador em que se julgou procedeu a excepção de caducidade deduzida pelo réu e, consequentemente, julgou-se extinta a instância quanto à causa de pedir referida em (a), passando a apreciar os pedidos subsidiários (b) e (c) que julgou improcedentes, absolvendo o réu do[s] pedido[s].

A autora vem recorrer deste saneador-sentença – para que aquelas decisões sejam revogados e substituídos por outra que ordene o prosseguimento dos autos -, terminando as suas alegações pondo em causa a caducidade declarada, arguindo a nulidade da decisão por falta de fundamentação e impugnando a absolvição do réu.

As questões a decidir são as acabadas de referir.

O réu contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.
*

Da caducidade.

A decisão recorrida entende que o eventual direito da autora à anulação da subscrição da aplicação financeira em causa no pedido principal já caducou, em síntese pelo seguinte:
“Tendo a autora invocado erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio, nos termos dos art. 251 e 247 do CC, tinha a mesma, nos termos do art. 287/1 do CC, o prazo de um ano subsequente à cessação do vício em causa para arguir a anulabilidade do negócio.
Desde logo, entendemos que, quando da recepção do extracto referente a Dezembro de 2013, a autora tomou necessariamente conhecimento do alegado erro, i.e., que não havia sido efectuado qualquer depósito a prazo ou análogo no valor de 200.000€, mas a aplicação de tal valor em valores mobiliários. De tal extracto junto com doc. 5 com a p.i. resulta com clareza, quanto a nós, que tal aplicação se traduziu na compra papel comercial da “Es International, S.A.” – 40ª emissão”, tendo como próxima data de pagamento do cupão em 10/11/2014. É claríssima a descrição da aplicação financeira e a identidade da sociedade emitente. Para a possibilidade, não crível, que a autora não tenha olhado para tal extracto, nem para os seguintes – o que ela não alega sequer! – apenas a si se deve culpabilizar.

Ainda que assim não se entenda, afigura-se-nos que a autora, pelo menos, aquando da recepção da carta do réu, datada de 11/03/2015 - carta em que aconselha a reclamação de créditos junto do processo de insolvência da ESI, através do preenchimento de formulário e junção de determinado documentos – a autora não podia ter continuado em erro uma vez que tal comunicação nenhum sentido faria caso a autora tivesse efectuado um depósito a prazo ou uma qualquer “aplicação financeira” sem risco. O facto da referida carta ser standard abrangendo outras sociedades emitentes para além da ESI não invalida isto.

A ser verdade a alegação da autora no sentido de ter desconsiderado tal carta por ter pensado tratar-se de um lapso, o que não é crível, uma vez, mais apenas a si se deve responsabilizar.

Para a cessação do erro, nos termos e para os efeitos do art. 287/1 do CC, bastam os elementos que a autora tomou conhecimento conforme referido.

Tendo em atenção que a presente acção foi instaurada em 15/03/2016 e que o réu foi citado em 22/03/2016 conclui-se que, no caso, foi instaurada para além do prazo de um ano previsto no acima citado preceito.

Contra isto, diz a autora:
2. No que concerne à excepção de caducidade do direito à anulação, não podia a mesma proceder, porquanto, à data da instauração da presente acção e da citação do réu (22/04/2016), não tinha ainda decorrido o prazo de um ano, estabelecido no art. 287/1 do CC, sobre a data em que a autora teve conhecimento sobre a pessoa do declaratário e as reais características do objecto do negócio cuja anulação se requer.
3. Com efeito, o simples facto da aplicação financeira em discussão nos autos ter vindo reflectida nos extractos bancários da autora, a partir de Dezembro de 2013, não significa que a autora passasse, automaticamente, a ter conhecimento – pleno, consciente, objectivo, completo e preciso – das características da aplicação financeira subscrita, até porque a mesma estava identificada, nos extractos bancários, de forma abreviada, através de siglas e numeração que apenas uma pessoa com conhecimentos técnicos na área da banca poderia facilmente compreender.
4. Acresce frisar que os extractos bancários não substituem a documentação referente ao investimento, ou seja, o contrato de subscrição, a nota informativa e a ficha técnica da aplicação financeira e as instruções para a desmobilização do depósito a prazo constituído pela autora em Junho de 2013, que, nos termos do art. 17 do Decreto-Lei 69/2004, de 25/03, e do art. 312 do Código de Valores Mobiliários, deveria ter sido oportunamente entregue à autora aquando da “subscrição” do papel comercial em apreço, mas que não foi.
5. Em conformidade, a autora não podia razoavelmente ter tomado conhecimento – pleno, consciente, objectivo, completo e preciso – do erro quanto ao objecto do negócio e quanto à pessoa do declaratário através dos aludidos extractos bancários.
6. Já em Novembro de 2014, quando o réu foi interpelado pela autora para o reembolso do capital aplicado, após o vencimento da aplicação financeira, uma vez mais limitou-se a comunicar à autora que o problema estaria resolvido em breve, solicitando-lhe não retirasse o dinheiro que estava depositado no BES e que, em consequência da medida de resolução do BdP, foi transferido para o réu, pelo que, também nessa ocasião, não foi a autora informada sobre a identidade da sociedade emitente ou as reais características da aplicação financeira em questão.
7. Posto isto, se a aplicação financeira “subscrita” pela autora tinha sido comercializada e publicitada pelo BES, a autora não tinha razões para pensar que a aplicação não tinha sido emitida pelo BES, mas por outra entidade, muito menos por uma entidade estrangeira para si totalmente desconhecida.
8. No que concerne à carta enviada pelo réu à autora, datada de 11/03/2015, junta como doc. n.º 14 à P.I., importa notar que a mesma não individualiza qualquer entidade emitente, bastando-se em fazer referência às várias sociedade do GES.
9. Em abono da verdade, a carta junta como doc. n.º 14 à P.I. corresponde a uma carta minutada, quiçá redigida e expedida de forma automática, sem qualquer elemento de individualização ou concretização.
10. Aliás, a dita carta nem tão-pouco identifica a pretensa aplicação financeira subscrita pela autora, motivo pelo qual esta acabou por concluir que a carta junta como doc. n.º 14 tratar-se-ia de um lapso do réu.
11. Por outro lado, a carta junta como doc. n.º 14 à P.I. foi enviada por via postal simples, pelo que, não obstante a referida carta estar datada de 11/03/2015, não podemos concluir, como precipitadamente fez o tribunal a quo, que a mesma foi recebida pela autora nessa mesma data ou, de resto, antes de 15/03/2015 ou de 22/03/2015.
12. Na verdade, constituindo a caducidade matéria de excepção, o ónus da prova recaia sobre o réu, nos termos do art. 342/2 do CC, ou seja, era ao réu que competia demonstrar que a autora tinha recebido a mencionada missiva antes de 22/03/2015.
13. Prova que o réu não logrou produzir.
14. Consequentemente, não podia o tribunal a quo ter julgado procedente a excepção de caducidade do direito à anulação do negócio, quando a data a partir da qual começava a contar o prazo de um ano previsto art. 287/1 do CC não estava sequer assente.

Decidindo:

No documento n.º 15, apresentado pela autora, carta enviada pela autora em 18/11/2015 ao réu, consta o seguinte:
“[…] os valores mobiliários em causa em assunto identificado [200.000 ES INTL 40ªEM com o ISIN PTE47AJM0453] foram comercializados e publicitados pelo BES, tendo esta sociedade [a autora] sido aliciada para adquirir tais títulos – repita-se, ao balcão do BES – por se tratar de um investimento de capital garantido”, conforme garantido pelos V. funcionários bancários.
Mais, durante a breve negociação para a subscrição de tal produto financeiro, sempre nos foi garantido que a ES International, SA, era uma instituição do grupo GES, sólida e extremamente lucrativa”
[…].              
No documento n.º 5 apresentado pela autora, extracto integrado n.º 12/2013 de 01/12/2013, consta, na 1ª de 4 páginas a referência à posição financeira, num espaço destinado a poupanças e investimentos:
Depósitos à ordem 2099,06€
Depósitos poupança 110.086,23€
Outras aplicações financeiras 0€
Fundos de investimento 0€
Valores mobiliários 200.000€
[…]
Na página 2, no espaço destinado à descrição dos movimentos de conta / conta BES negócios, está escrito: data: 20/11/2013, data valor: 20/11/2013, descritivo: Compra Fora de Bolsa De ES Int 40ªem», Débito: 220.225€ […]
E mais abaixo um outro espaço separado dedicado ao BES DP Crescente.
Na página três existem três espaços diferentes referentes a detalhe do património financeiro, um dedicado a depósitos à ordem, outro dedicado a depósitos poupança, onde está um BES DP Crescente Empresas no valor de 110.086,23€ e outro dedicado a valores mobiliários   onde está obrigações e títulos participação, Es International Sa 10/11/2014 40ªem 200.000€, cotação 29/11/2013 100% Papel Comercial PTE47AJM0453 data próximo pagamento de cupão 10/11/2014.
Estes documentos não foram impugnados pelo BES nem pelo réu.
A carta do doc. n.º 15 corresponde a uma confissão extrajudicial escrita dirigida ao réu, tendo força probatória plena (art. 358 do CC) pelo menos de que a autora entende que houve uma negociação prévia entre ela e o BES para a subscrição, pela autora, de valores mobiliários de ESI, SA, uma empresa do Grupo ES, comercializados pelo BES, um investimento de capital.
No doc. n.º 5 apresentado pela autora, serve para prova de que, depois disso, a autora recebeu um extracto integrado da sua conta no BES (naturalmente do conhecimento da autora antes de 01/01/2014, já que ela nunca sugeriu que os extractos não eram enviados com a periodicidade normal), em que se fazia a distinção entre depósitos à ordem, depósitos poupança e valores mobiliários, dele resultando que era confirmada a compra, em 20/11/2013, fora de bolsa de ES Int 40ªem», com o valor de débito: 220.225€, que nada tinha a ver com depósitos da autora no BES.
Quer isto dizer, desde logo, que: (i) não é verdade o dito pela autora nesta acção, ou seja, que só soube do investimento em causa depois dele feito pelo seu gestor de conta; (ii) pelo menos antes de 20/11/2013 houve uma negociação entre a autora e o BES (por intermédio do gestor da conta da autora) para subscrição de valores mobiliários/papel comercial do ESI, SA, uma empresa do GES, comercializados pelo BES; (iii) a autora sabia que não se tratava de depósitos a prazo.
Assim, não só não se prova que a autora tenha estado em erro antes da subscrição que pretende anular por pensar que estava a fazer um depósito no BES, quando afinal estava a fazer um investimento em papel comercial de uma empresa que não era do BES, como se prova o contrário.
Por isso, a autora pelo menos desde 20/11/2013 sabe o contrário do que aquilo em que alega estar em erro. Pelo que, se vício houvesse, ele teria cessado nessa data, tendo a autora um ano depois da cessação para intentar a acção a pedir a anulação da subscrição. Não o tendo feito até 16/03/2016, é evidente que esse eventual direito à anulação da subscrição tinha caducado (art. 287/1 do CC) há muito mais de 1 anos, e por isso já não podia ser exercido.
Pelo que a decisão recorrida deve ser confirmada.
É que, por outro lado, a autora não tem razão quando pretende dar relevo ao desconhecimento que teria tido do concreto investimento que fez porque, no caso, a autora, dizendo que apenas depois da “subscrição” (pelo gestor da conta) tinha tido conhecimento dela, o que a autora alegava de facto era que apenas tinha aceite, depois da subscrição, esse estado de coisas, porque estava convencida de que estava a fazer um depósito no BES, e não que não tivesse conhecimento das características concretas do investimento feito. O que estava em causa – aquilo que o alegado pela autora tornou objecto da acção - eram erros que, como se viu, não se verificaram, e não um eventual desconhecimento das características das coisas adquiridas. Quanto ao resto da argumentação da autora, ele fica prejudicado pelas razões aduzidas para o que antecede.
*  
 
Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação.
Diz a autora:

16. A sentença não foi devidamente fundamentada, pois o tribunal a quo não discriminou os factos que considerou provados e não provados, não procedendo, por isso, ao exame crítico das provas produzidas, incumprindo, desse modo, o dever estabelecido nos n.ºs 3 (1.ª parte) e 4 (1.ª parte) do artigo 607 do CPC.
17. Ademais, o tribunal a quo não indicou, interpretou e aplicou as normas jurídicas correspondentes aos factos provados, na esteira do estabelecido no n.º 3 (2.ª parte) do artigo 607 do CPC.
18. O tribunal a quo não procedeu à qualificação jurídica dos factos provados no caso sub judice – que traduziriam a pretensa “ilegitimidade substantiva” do réu –, nem determinou a previsão legal a que os mesmos se ajustariam, porquanto tais factos não foram, desde logo, enunciados.
19.- Assim sendo, conclui-se que o efeito jurídico atribuído pelo tribunal a quo à situação controvertida em apreço carece de justificação.
20.- Por conseguinte, a sentença sob censura é nula por falta de fundamentação – de facto e de direito –, nos termos dos artigos 154 e 615/1-b do CPC.
*

Decidindo:

No caso dos autos, o tribunal decidiu implicitamente com base na evidente inviabilidade da acção, não com base em factos que pudesse ter como assentes. Confrontou os pedidos subsidiários e as respectivas causas de pedir com o facto alegado pela autora para demonstrar a transferência do passivo para o réu - a resolução do BdP de 03/08/2014 - e chegou à conclusão de que, face ao alegado, a acção não poderia proceder porque o pressuposto essencial à procedência era essa transferência e este pressuposto manifestamente não se verificava. Tudo como se verá de seguida.
Não se pode pois dizer que há falta de fundamentação da decisão recorrida, quer de facto quer de direito.
*

Da transmissão das responsabilidades em causa nos autos do BES para o réu.

A sentença recorrida, já se viu, entende que esta transferência não se verificou, porque:
A causa de pedir é a responsabilidade civil contratual com fundamento na alegada responsabilidade do BES, enquanto intermediário financeiro, alegadamente transmitida ao NB; ora, tal eventual crédito consubstancia uma contingência prevista na al. b) (vii) do nº 1 do anexo 2 à deliberação do BdP de 03/08/2014 (20h) e, consequentemente, não se transmitiu para o réu.
[…]
[E] contrariamente ao alegado pela autora da deliberação de 14/08/2014 do BdP e do comunicado do réu, com a mesma data, não se retira, de modo algum, uma qualquer obrigação do réu em compensar os clientes de retalho detentores de dívida de entidades do GES, como a autora.
Com efeito, se se atentar no ponto 3 de tal deliberação, verificamos que se trata de uma mera recomendação ao réu, subordinada a várias condições previstas nas várias alíneas aí previstas, designadamente prévia definição e aprovação das condições para tal; elaboração de inventário exaustivo dos títulos que se encontram naquelas condições a apreciar pelo réu; nenhum pagamento pode ser sem feito sem autorização do BdP; apenas poderia abranger investidores não qualificados e clientes que tenham subscrito até a 14/02/14; o acordo deve ser feito por escrito ficando claro que se rege por razões puramente comerciais e, de modo algum, representa a assunção de responsabilidade pela comercialização de tais títulos ou a confissão da prática de qualquer conduta lesiva dos clientes.
Também, da análise da comunicação do réu resulta apenas uma intenção de comprar o papel comercial da ESI e Rioforte aos clientes de retalho do réu (“o réu está determinado em comprar (…)” e “(…) conta ter todas essas questões resolvidas (…) para apresentar aos clientes propostas comerciais de compra do referido papel comercial)”.
Pelo exposto, não se pode afirmar que o réu tenha assumido publicamente a responsabilidade pelo reembolso do papel comercial comercializado [escreveu-se reembolsado por lapso] pelo BES tout court. Acresce que a autora não faz qualquer alusão sequer a que o réu lhe tenha apresentado qualquer proposta comercial/acordo e que ela o tenha subscrito.”

Contra isto diz a autora [transcreve-se apenas a parte útil das suas conclusões sobre a matéria]:
23. Desde logo, porque o tribunal a quo incorre em manifesto erro na apreciação da matéria de facto alegada pela autora em sede de PI.
24. Note-se que nos pedidos subsidiários formulados pela autora, a causa de pedir é a responsabilidade civil contratual com fundamento na violação pelo BES dos deveres de informação e de lealdade que sobre si impendiam no quadro da relação bancária existente, em concreto, no contrato de subscrição da aplicação financeira em discussão.
25. Não é, portanto, unicamente o incumprimento de um contrato de intermediação financeira, o qual a autora nem tão-pouco sabe se alguma vez existiu.
26. Realmente, o BES nunca informou a autora de que estava a contratar no âmbito de um contrato de intermediação financeira e de que as aplicações por si comercializadas eram emitidas por entidades terceiras estrangeiras, pelo que a hipótese de estarmos perante um contrato de intermediação financeira é isso mesmo – uma hipótese –, a qual foi invocada pela autora por mero dever de patrocínio, mas sem conceder (vide artigo 170.º da PI).
[…]
28. O […] tribunal a quo […] bastou-se em apreciar a questão da intermediação financeira, não fazendo qualquer referência ou menção à relação bancária ou, em especial, ao contrato de subscrição da aplicação financeira.
29. Justamente, no âmbito da relação jurídica bancária, quer o banco quer o cliente podem ficar adstritos à troca de informações em virtude da assunção contratual de obrigações específicas relativas à prestação de informações, ou em virtude da imposição legal de deveres específicas de informação resultantes de cláusulas contratuais gerais ou de lei estrita (cfr. Menezes Leitão, Informação Bancária e Responsabilidade, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. II – Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 234).
30. Enquanto instituição de crédito, impediam sobre o BES deveres específicos de informação em virtude de imposição legal.
[…]
37. Em conformidade, faltando o BES ao cumprimento dos deveres de informação e de lealdade que impendiam sobre si no âmbito da relação contratual estabelecida com a autora, tornou-se o BES responsável pelos prejuízos causados à autora, nos termos do art. 798 do CC.
38. Com a resolução do BdP de 03/08/2014, a posição contratual que antes a autora tinha com o BES transmitiu-se para o réu – não só a sua posição como cliente comum, como depositante, mas também a sua posição como adquirente de papel comercial.
39. Na verdade, a responsabilidade do réu resulta precisamente do teor da deliberação do CA do BdP de 03/08/2014 e também do facto de este ter assumido publicamente o reembolso do valor investido por clientes do BES em papel comercial.
40. Com efeito, em 14/08/2014, o réu comunicou publicamente que estava «determinado em comprar aos clientes de retalho do NB o papel comercial da ESI e RioForte, subscritos na rede de retalho do BES até 14/02/2014» (cfr. comunicado junto como doc. n.º 13 à P.I.).
41. Ou seja, o réu assumiu publicamente a responsabilidade pelo reembolso do papel comercial comercializado pelo BES.
42. Por outras palavras, houve a assunção pública por parte do réu da obrigação de restituição.
43. Pelo que, ao actuar como actuou, o BES veio demonstrar que a responsabilidade discutida nos presentes autos agora pertence-lhe, em virtude das deliberações do CA do BdP, tomadas em 03 e 11/08/2014.
44. Em conformidade, as deliberações do CA do BdP de 29/12/2015, reflectidas nos docs. n.º 1 e 2 juntos à Contestação do réu, a aplicarem-se no caso vertente, resultariam inócuas para a boa decisão da causa, atento o reconhecimento da dívida pelo réu, por via da assunção pública da sua responsabilidade pelo reembolso do papel comercial comercializado pelo BES, em Agosto de 2014.
*

Decidindo:

Trata-se agora da apreciação da decisão recorrida quanto aos dois pedidos subsidiários formulados pela autora.
O primeiro é o da condenação do réu a ressarcir a autora, em virtude de incumprimento contratual imputável ao BES, por violação dolosa e grave dos deveres de informação e de lealdade que sobre si impendiam na relação contratual estabelecida com a autora.
O segundo é o mesmo, mas com uma causa de pedir diferente, ou seja, agora em virtude de culpa in contrahendo imputável ao BES.
Ou seja, em ambas as hipóteses está em causa uma suposta responsabilidade civil do réu por condutas imputáveis ao BES e, nesta medida, tanto dá que se fale, quanto à primeira, em violação de deveres de conduta no âmbito de uma relação contratual bancária ou no âmbito de um contrato de intermediação financeira.
Ora, na deliberação do BdP de 03/08/2014 (20h) que transmite o passivo do BES, uma das alíneas que respeitam ao passivo que não se transmite, ou seja que está excluído dessa transmissão [subalínea (v) da alínea (b) do anexo 2], diz:
(b) As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o NB, com excepção dos seguintes (“Passivos Excluídos”):
(vii)-Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o GES.  
Com a deliberação do BdP de 11/08/2014, destinada à clarificação e ajustamento do perímetro dos activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão do BES transferidos para o NB, a exclusão prevista na subalínea (vii) da alínea (b) [do que passou a ser o n.º 1] do anexo 2 da deliberação do BdP de 03/08/2014 ficou com a seguinte redacção:
(vii)-Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o GES, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30/06/2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”
Assim, esta exclusão abrange a indemnização pedida pela autora nos dois pedidos agora em causa, ou seja, ela é matéria excluída da transmissão. Excepto se se verificassem os pressupostos da excepção à exclusão prevista na segunda metade da alínea, que não são minimamente alegados pela autora.
Neste sentido, embora para casos que não são idênticos, sendo-o embora a razão de decidir, vejam-se os acs do TRL de 06/07/2017, proc. 6961/16.0T8LSB.L1-2; do TRL de 29/06/2017, 34398/15.1T8LSB.L1-2; do TRP de 20/06/2017, proc. 220/16.6T8PVZ.P1; do TRL de 08/06/2017, proc. 3379-16.9T8LSB.L1-6; do TRL de 26/04/2017, proc. 31251/15.2T8LSB.L1-7; do TRL de 26/04/2017, proc. 35924/15.1T8LSB-7; do TRL de 07/03/2017, proc. 48/16.3T8LSB-L1-7 (que referência também o do TRC de 25/10/2016, proc. 2088/15, publicado na CJ); do TRL de 06/10/2016, proc. 1387-15.6T8PRT-A.L1-8; do TRC de 15/12/2016, proc. 6906/15.5T8VIS.C1 (decidindo, numa acção intentada em 25/11/2015, que a deliberação do BdP de 29/12/2015 não dava origem à inutilidade superveniente da lide, devendo o NB prosseguir na instância como substituto processual do BES, aceitando implicitamente que com tal deliberação se tinha retransferido a obrigação do NB para o BES).
Contra, mas apenas do ponto de vista da legitimidade processual, sem discussão da questão substantiva, veja-se o ac. do TRL de 16/03/2017, proc. 31755/15.7T8LSB-A.L1-6; e, falando em dúvida sobre os sujeitos da relação material controvertida, face às deliberações do BdP de 29/12/2015, veja-se o ac. do TRL de 10/11/2016, proc. 26688/15.0T8LSB-A.L1-6 (do mesmo colectivo de juízes do ac. anterior), fazendo intervir na acção o FdR para além do BES e do NB.
*

A autora invoca, no entanto, três elementos que apontariam em sentido contrário.
Um é a deliberação do BdP de 14/08/2014 que no seu ponto 3 diz o seguinte:
“Relativamente a proposta do CA do NB referente ao tratamento comercial dos clientes de retalho, que tenham subscrito títulos de divida emitidos por entidades do GES, o CA do BdP delibera […] recomendar ao NB o seguinte:
a)- Compete ao órgão de administração do NB definir e aprovar as condições para as eventuais operações de pagamento de compensações, exclusivamente por razoes comerciais, a clientes de retalho detentores de títulos de divida de entidades do GES, desde que tais condições assegurem um impacto positivo, ou quanto muito neutro, ao nível dos seus resultados, rácios de solvabilidade e posição de liquidez. Em particular, tais operações não devem comprometer o cumprimento dos rácios mínimos de solvabilidade em vigor;
b)- Não pode ser feito qualquer pagamento sem que o BdP aprecie o conteúdo de um inventário exaustivo dos títulos de divida emitida por entidades do GES (desagregado por tipo de instrumento, individualizando o papel comercial, e emitente, autonomizando a ESI e a Rioforte) detidos, por clientes de retalho de entidades que integrem o grupo NB, à data de 14/02/2014 e que se encontrem ainda por liquidar. Este inventário deve […]
c)- O inventario referido na alínea anterior deve […]
d)- Qualquer pagamento a um determinado cliente de retalho deve […]
e)- Apenas podem ser realizados pagamentos a clientes de retalho que sejam investidores não qualificados, determinados de acordo com as regras previstas no Código dos Valores Mobiliários, que tenham originalmente adquirido os títulos de divida através de entidade que integre actualmente o grupo NB, em data anterior a 14/02/2014 (data da proibição de comercialização de divida de entidades do ramo não-financeiro do GES junto de clientes de retalho com estatuto de investidores não qualificados, tal como determinada pelo BdP);
g)- Os acordos a celebrar com os clientes relativos a operações de pagamento acima referidas devem ser reduzidos a escrito e devem conter, pelo menos, as seguintes cláusulas:
i)- Declaração do NB de que a celebração do acordo é realizada por razoes puramente comerciais e não envolve, da parte do NB, a assunção de quaisquer responsabilidades pela comercialização dos títulos, nem a confissão da prática de qualquer conduta lesiva dos clientes.
ii)- Declaração do NB de que qualquer responsabilidade resultante da comercialização dos títulos em causa não se transferiu para o NB, como resulta da alínea (vii) da alínea b) do Anexo 2 da deliberação de 03/08/2014 (20h) com as clarificações e modificações introduzidas pela deliberação de 11/08/2014 (17h);
iii)- Declaração do cliente através da qual este renuncie a qualquer pretensão indemnizatória relacionada com a comercialização dos títulos em causa;
h)- O NB deve desenvolver e implementar procedimentos de controlo que garantam o cumprimento das condições e termos aprovados, bem como a sua imediata demonstração com vista a verificação pelo auditor externo, pelo órgão de fiscalização do NB e pelas autoridades competentes.

O outro é um comunicado do réu também de 14/08/2014, no qual se diz:
O NB está determinado em comprar aos clientes de retalho do NB o papel comercial da ESI e RioForte, subscritos na rede de retalho do BES até 14/02/2014, tal como fora anteriormente afirmado pelo BES.
Este processo sofreu algum atraso, face ao que era desejado pelo NB, atendendo à necessidade de acerto de algumas questões técnicas com o BdP, nomeadamente salvaguarda de obrigações prudenciais e de outras obrigações que resultaram do próprio processo de resolução.
O NB conta ter todas essas questões resolvidas, com o BdP, num curto prazo, para apresentar aos clientes propostas comerciais de compra do referido papel comercial.
Ora, o saneador-sentença já respondeu ao argumento que resulta destes elementos com a parte transcrita acima.

De qualquer modo, diga-se:
Da parte do BdP há uma posição nítida de que considera que a responsabilidade indemnizatória não cabia ao BES e não foi transferida para o réu, embora aceite que, por razões exclusivamente comerciais, o réu venha a propor uma solução comercial para os seus clientes de retalho que vieram do BES.
Já da posição do réu parece resultar, naquela data, o entendimento de que a responsabilidade do BES se transferiu para ele, mas esta posição do réu não o obriga, só por si, a nada, e não tem suporte na exclusão referida e, como diz o saneador-sentença, a autora não diz que tal se tenha vindo a concretizar em alguma coisa.
*

A autora invoca um terceiro elemento que é a posição assumida pela Comissão do Mercados de Valores Mobiliários e que pode ser vista numa resposta sobre a matéria, em http://www.cmvm.pt/pt/AreadoInvestidor/Faq/Pages/20141006m.aspx; diz-se aí:
6. O NB assegura o reembolso do capital de obrigações emitidas por empresas pertencentes ao GES (por exemplo: ESI, Rio Forte, ESFG) e comercializado junto dos clientes de retalho do Grupo BES?
O BdP, no dia 14/08/2014, esclareceu que todas as obrigações ou outros títulos representativos de dívida não emitidos pelo BES devem ser reembolsados pelos respectivos emitentes, uma vez que são estes os devedores dos créditos relativos a esses títulos ou obrigações.
Nos termos da deliberação do CA do BdP, eventuais propostas de diferente tratamento dos clientes de retalho que detenham estes instrumentos, de que o NB não é devedor, e que se revelem importantes para a preservação da relação de confiança com os clientes, dependem de condições que têm de ser definidas pelo CA do NB.
Estas considerações não se aplicam a títulos que tenham sido comercializados pelo BES junto de clientes de retalho envolvendo compromissos de reembolso de capital e de rendimento, designadamente sob a forma das designadas “Séries Comerciais” ou de Gestão de Carteiras (ver grupo III de questões abaixo).

E abaixo:
“6.- O que são os títulos com um código que se inicia por SCBES (séries comerciais) e qual a situação dos seus detentores? O código que se inicia por SCBES é um código meramente interno utilizado pelo BES. Estes instrumentos correspondem a investimentos em obrigações (emitidas pelo BES) ou acções preferenciais (de entidades relacionadas com o BES) e foram designados pelo BES como séries comerciais. Na sua substância, consistiu na aquisição de títulos pelos clientes em mercado secundário, com a promessa de recompra futura pelo BES, numa data predeterminada e a um preço predefinido, prometendo desta forma ao cliente, na maturidade do investimento, a recuperação do capital investido, assim como da rentabilidade acordada. Por isso, a CMVM transmitiu ao NB a orientação de que tais compromissos com os clientes deverão ser respeitados. A administração do BES e o auditor externo tiveram o mesmo entendimento, tendo nas contas referentes a Junho de 2014 sido constituídas provisões específicas para eventuais perdas decorrentes da satisfação daqueles compromissos. A forma como tais compromissos serão satisfeitos dependerá das opções comerciais do NB, que, todavia, deverão ser compatíveis com as orientações do BdP e da CMVM.”
Ou seja, a CMVM faz uma leitura restritiva da deliberação da deliberação do BdP de 14/08/2014, que parece consequente com a parte final da subalínea (vii) da alínea (b) do n.º 1 do anexo 2 das deliberações do BdP de 03/08/2014 e 11/08/2014, isto é, no sentido de que, se se puder falar de compromissos de reembolso de capital e de rendimento, então é esta hipótese que se aplica no caso de se estar perante clientes de retalho e não a da primeira parte da alínea, sendo esta a leitura que também se sugeriu acima, estando-se pois na dependência, entre o mais, de se poder falar em ‘estipulações contratuais até 30/06/2014’.
*
    
Podiam-se pôr, agora, duas hipóteses:

Uma, já sugerida, era dizer que se verificam os pressupostos da parte final da subalínea (vii) da alínea (b) do n.º 1 do anexo 2 da deliberação de 03/08/2014 com a redacção que lhe foi dada pela deliberação de 11/08/2014. Mas já se viu que a autora nada alegou nesse sentido, nem teria razão para o fazer, na lógica do alegado por ela, já que ela diz que nenhum contrato foi celebrado, houve apenas uma ‘subscrição’ que ela aceitou manter depois do gestor da conta no BES o ter decidido unilateralmente. Não há pois estipulações contratuais/compromissos que tenham sido invocados.
Outra hipótese é dizer que a posição do réu, tal como revelada pelo comunicado de 14/08/2014, se teria traduzido numa assunção da dívida. Ou seja, não se estaria perante uma responsabilidade do BES transferida para o réu, mas uma responsabilidade, assumida, originalmente, pelo réu. No entanto, não há factos alegados pela autora que apontem, nesse sentido, nem é esse o objecto do processo. O objecto da acção é uma responsabilidade do BES transferida para o réu, não uma responsabilidade constituída originalmente na esfera jurídica do réu. Dito ainda de outro modo: a autora não está a exigir responsabilidades do réu por actos praticados por este, mas por actos praticados pelo BES e que depois, por facto de terceiro (BdP), teria sido transferida para o réu.
*

A isto – que, no caso dos autos, bastaria – acrescenta-se a referência que o saneador-sentença faz a duas deliberações do BdP de 29/12/2015.

Na primeira, dita “contingências”, o BdP veio, entre o mais:
A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do anexo 2 da deliberação de 03/08/2014, não foram transferidos do BES para o NB quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20h do dia 03/08/2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;
B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o NB os seguintes passivos do BES:
[…]
(iii)- Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de activos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 03/08/2014;
[…]
(vi)- Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo BES enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e
[…]
Na segunda, dita perímetro, o BdP delibera, entre o mais, o seguinte:
A) A subalínea (vii) da alínea (b) do n.º 1 do anexo 2 passa a ter a seguinte redacção:
“Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respectivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respectivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30/06/2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”
[…]
E) É aditado um novo n.º 11, com a seguinte redacção:
“O disposto nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do presente anexo devem ser interpretadas à luz das clarificações constantes do anexo 2C”.
[…]
Ora, perante a amplitude dada pela deliberação ‘perímetro’ à redacção da subalínea (vii) da alínea (b), que, para além do mais, tornou os pressupostos (a) e (b) de exigência cumulativa, e as clarificações constantes das várias alíneas transcritas acima da deliberação ‘contingências’, bem como as retransmissões determinadas nas duas deliberações, tudo com poderes autênticos e efeitos retroactivos a 03/08/2014, se não se considerasse que, no caso dos autos, o que antecede era suficiente, tinha agora que ficar certo que os passivos exigidos nesta acção não se podiam considerar transferidos para o réu à data da propositura da acção.
O que também tem relevo para o seguinte: mesmo que se entendesse que o eventual direito da autora à anulação da subscrição em causa no pedido principal não tinha caducado, a restituição pedida pela autora, contra o réu – que, aliás, como diz o réu, não podia ser mais do que a comissão cobrada pelo BES para a intermediação na compra dos valores mobiliários e nunca a restituição do preço naturalmente pago à ESI, SA, e não ao BES – estaria também excluída da transmissão para o réu.
*

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas pela autora.


Lisboa, 14/09/2017


Pedro Martins
Arlindo Crua
António Moreira