Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1137/14.4TVLSB.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
CONHECIMENTO OFICIOSO
ANULAÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / REVOGADA
Sumário: I. Quando o juiz fundamenta a razão pela qual conhece oficiosamente de questão que não lhe foi suscitada, não incorre a sentença em nulidade por conhecimento de questão de que o tribunal não podia conhecer.

II. Os efeitos da anulação de contrato de seguro são especialmente prevenidos pela Lei do Contrato de Seguro, constituindo um regime especial que impede, por via do artigo 285º do Código Civil, a aplicação do regime geral constante do artigo 289º do mesmo Código.

III. Pretendendo o segurado o cumprimento do contrato de seguro e sendo-lhe oposta a excepção de anulação do mesmo pelo segurador, a ela podendo, mas nada opondo, o segurado, não pode o tribunal conhecer oficiosamente e condenar o segurador, na procedência da anulação, a devolver os prémios de seguro pagos.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório[1]

CC viúva, cabeça de casal da herança aberta por óbito de HC, veio, por si, e na qualidade de legal representante do seu filho menor, FC, únicos herdeiros e habilitados como sucessores de HC, intentar a presente acção declarativa com processo comum contra GENERALI VIDA – COMPANHIA DE SEGUROS S.A., pessoa colectiva n.º 502403209, peticionando a sua condenação a reconhecer e cumprir o contrato de seguro celebrado, pagando ao Banco Millenium BCP o capital em dívida relativo ao crédito à habitação associado a um contrato celebrado por HC, no valor de 88.200€, acrescido de juros de mora desde a citação e até integral pagamento, bem como no pagamento de todas as quantias entretanto efectuadas ou a efectuar pela A, no âmbito daquele contrato, após o falecimento de HC.

Em síntese, alegaram que HC celebrou com a Ré um contrato de seguro que previa como sinistro o falecimento do segurado, o que ocorreu, sendo que a Ré declinou a responsabilidade com fundamento em omissão de declarações e, com esse fundamento, informou que anulara a correspondente adesão, violando as regras da boa-fé e traindo a confiança resultante da aceitação do pagamento dos prémios de seguro.

Contestou a Ré, excepcionando a preterição de litisconsórcio necessário e a anulabilidade do contrato de seguro, por o segurado, à data da sua celebração, padecer de doenças várias, que à data conhecia e que intencionalmente omitiu.             Subsidiariamente, invocou a licitude da recusa de pagamento, em razão de que caso a R houvesse tomado conhecimento de tais doenças nunca teria aceitado a celebração do contrato.

Em face da excepção de preterição de litisconsórcio necessário, os AA. requereram e foi-lhes deferida a intervenção do Banco Comercial Português, S.A., que contestou por desconhecimento, afirmando-se credor não satisfeito do valor em dívida, e no mais fazendo seu o articulado dos AA.

Fixado à causa o valor de €82.200,00 e saneados os autos, com indicação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, sem reclamações, veio a proceder-se a julgamento, no decurso do qual foi requerida a inquirição do mediador de seguros, que veio a ser indeferida, do que foi interposto recurso com subida imediata e em separado, e como tal admitido.
 
Concluído o julgamento, foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
“Pelo exposto, julgo a acção improcedente, porque não provada, e, em consequência, absolvo a R GENERALI VIDA – COMPANHIA DE SEGUROS S.A. do pedido.
Por força do decidido, condeno a Ré a devolver à Autora todas as quantias que recebeu durante a vigência do contrato de seguro referido nos autos, a título de prémios pagos pela Autora e seu marido, acrescidas de juros à taxa comercial desde as datas dos pagamentos ocorridos, a liquidar em incidente.
Valor da causa: o fixado em Saneador.
Custas pelos AA., sem prejuízo de os mesmos beneficiarem de apoio judiciário.
Registe e notifique”.
Inconformada, a Ré interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1 – A sentença enferma de nulidade, nos termos do preceituado no artigo 615º, nº 1, als. d) e e) do CPC;
2 - Não tendo sido pedido pela Autora qualquer devolução dos prémios, nem sequer a título meramente subsidiário, não poderá agora vir o Tribunal condenar a parte que viu a sua defesa por excepção ser julgada procedente, a devolvê-los. Trata-se claramente de uma condenação em objecto diverso do pedido, numa situação em que o Tribunal optou por conhecer de uma questão que nunca foi invocada e tem por base uma causa de pedir diversa da causa de pedir da A.
3 – Acresce que, nunca a ora Recorrente poderia ser condenada a devolver os prémios respeitantes à parte suportada pelo marido da A., hoje falecido, na medida em que esse crédito, entrando no acervo hereditário, apenas por todos os herdeiros poderia ser reclamado, sob pena de violação do disposto no artigo 2133º do CC. E teria que ser reclamado numa acção diversa, com diferente causa de pedir.
4 - A jurisprudência fixada no assento do STJ nº 4/1995 não pode ter aplicação à situação dos autos.
5 - Não são aplicáveis ao caso dos autos os efeitos decorrentes da nulidade e previstos no preceituado no artigo 289º do CC, na medida em que o preceituado nos artigos 24º, 25º e 26º do DL nº 72/2008, de 16.4, estipula um regime específico.
6 - A prova documental produzida nos autos, conjugada com a matéria de facto dada como provada e constante da douta sentença recorrida, permite concluir que as falsas declarações prestadas pela Pessoa Segura aquando da celebração do contrato de seguro foram dolosas e não meramente negligentes, pelo que a sentença violou quanto dispõe o artigo 25º da LCS;
7 – Mormente, não pode ser descurado que em sede de audiência de julgamento, a A. juntou correspondência da Axa respeitante ao seguro anterior, celebrado antes do contrato objecto dos presentes autos, da qual consta que, relativamente ao falecido, o seguro em causa havia tido um agravamento de 150% para a cobertura morte e havia sido recusada a cobertura de invalidez.
8 - Tendo já um seguro anterior aceite nas referidas condições, é manifesto que o falecido bem sabia que a sua informação clinica que conscientemente omitiu seria da maior relevância para a apreciação do risco por parte da Recorrente, não podendo ignorar que, se tivesse declarado a verdade, o seguro nunca seria aceite.
9 - Pretendeu pois a Pessoa Segura, claramente, obter uma vantagem ao mudar de seguradora dando as respostas que deu ao questionário médico que acompanhou a proposta de seguro, pelo que o facto elencado sob o ponto 74º da matéria de facto dada como não provada, a manter-se como facto, deverá passar para os factos provados, com a seguinte redacção: “resultou provado que a omissão de informações ocorreu de forma consciente/dolosa.
10 - Em consequência e por força desta alteração, é de aplicar ao caso o preceituado no artigo 25º e não o preceituado no artigo 26º do DL nº 72/2008, de 16.4.
11 – Ainda que houvesse lugar à devolução dos prémios, o que se alega sem conceder, jamais se poderá considerar que existe mora da Recorrente “desde as datas dos pagamentos ocorridos” conforme consta da sentença recorrida, e, muito menos, condenação em juros à taxa comercial, tendo a sentença recorrida violado quanto dispõem o § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial, os artigos 559º, 804º, nº 2 e 805º, nº 1 do CC e o disposto na portaria n.º 291/03, de 08.04.
12 - À data dos pagamentos dos prémios, A. e seu marido estavam obrigados a cumprir o contrato, liquidando tal prestação. Ao invés, a ora Recorrente, nessa data, nada tinha evidentemente que devolver, na medida em que só em virtude da sentença se concluiu que existiram falsas declarações. Não estava pois, a Recorrente, como é evidente, em mora à data dos pagamentos ocorridos.
13 - Por outro lado, a taxa de juro comercial é aplicável apenas relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, o que não é o caso da A.
14 - Pelo que sempre seria de aplicar o preceituado no artigo 559º do CC, com a taxa de juro prevista na Portaria nº 291/03, de 08.04.
15 – Termos em que, tudo ponderado, deve ser revogada a sentença recorrida, absolvendo-se a ora Recorrente em conformidade com o supra exposto, sem qualquer condenação “por força do decidido”.
Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações. Não tendo também sido interposto recurso pelos Autores, entende-se que a pendência do recurso por eles interposto previamente em separado, não interfere com a decisão a proferir no presente recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir são:
1ª - Nulidade da sentença por condenação em objecto diverso do pedido;
2ª - Reapreciação da decisão sobre a matéria de facto;
3ª - Inaplicabilidade do regime geral de consequências da nulidade do contrato;
4ª - Inexistência de mora e a não aplicação do regime de juros comerciais.
III. Matéria de facto
1.º Mediante proposta subscrita em 19 de Janeiro de 2009 e que viria a ser aceite a A e o seu marido HC acordaram com a R em celebrar um contrato de seguro de “vida crédito à habitação”, titulado pela apólice GENERALI VIDA, com o n.º 0422.50031723.000, com as seguintes condições:
- Tomador de Seguro: HC
- Segurados: HC e CC
- Beneficiário Aceitante Irrevogável: Millennium BCP
- Validade: 10 anos
- Efeitos: a partir do dia 01 de Fevereiro de 2009
- Capital: 88.200,00 € (síntese dos artigos 12.º e 13.º da douta Petição/motivação: acordo das partes e exame de doc. n.º 3, junto com a douta Petição)
2.º Nos termos das condições especiais, a Ré obrigou-se a “(…) pagar o capital seguro, após o falecimento de uma das Pessoas Seguras, se este ocorrer antes de findo o prazo do contrato. (…)”
(motivação: acordo das partes e exame de doc. n.º 3, junto com a douta Petição)
3.º HC faleceu a 16 de Fevereiro de 2011 (artigo 14.º da douta Petição/ motivação: cfr. doc. 4, junto com a douta Petição).
4.º A Autora e falecido marido pagaram sempre os prémios que lhe eram anualmente apresentados pela seguradora, ora Ré. (artigo 15.º da douta Petição/acordo).
5.º Quando a Autora (como cabeça de casal e legal representante do menor Filipe Castro) participou o falecimento do seu marido a Ré declinou o pagamento do capital seguro, invocando a nulidade do contrato, alegando prestação de falsas ou inexactas declarações, por parte da Autora e do seu falecido marido, no momento da subscrição da apólice. (artigo 17.º da douta Petição/exame de fls. 191)
Da Contestação
6.º
A Proposta de Seguro supra aludida é composta por um questionário de saúde que foi respondido pelas Pessoas Seguras, constando no final do mesmo e imediatamente antes da assinatura das Pessoas a Segurar:
“ADVERTÊNCIA: (…) Declarações falsas, inexactas, reticentes ou omitidas, quer no que respeita a dados de fornecimento obrigatório, quer facultativo, são da responsabilidade dos Clientes e tornam o contrato nulo.” (síntese do artigo 14.º da douta Contestação/Motivação: doc. n.º 4, junto com a douta Contestação)
15º
Consta igualmente no final do dito questionário e imediatamente antes da citada “Advertência”:
“Confirmo(amos) que as declarações precedentes são verdadeiras, exactas e completas (…)” (síntese do artigo 15.º da douta Contestação/Motivação: doc. n.º 4, junto com a douta Contestação)
16º
E termina com a assinatura das Pessoas Seguras. (síntese do artigo 16.º da douta Contestação/Motivação: doc. n.º 4, junto com a douta Contestação)
17º
À pergunta sobre se sofre ou sofreu de algum acidente ou doença, física ou psíquica, suportado por sequelas que o tornem inválido, que tenham interrompido a sua actividade por mais de três semanas consecutivas ou mais de 90 dias em um ano, nos últimos 5 anos ou que tenham implicado ou impliquem a realização de tratamentos psicoterapêuticos, a Pessoa Segura, neste caso o falecido, respondeu “NÃO”. (síntese do artigo 17.º da douta Contestação/Motivação: doc. n.º 4, junto com a douta Contestação) 18º
À pergunta sobre se sofre ou sofreu: do aparelho respiratório (asma, enfisema, tuberculose, etc), cardiocirculatório (malformações congénitas, cardiopatia isquémica, valvulopatia, arritmia, insuficiência cardíaca, doenças do miocárdio ou pericárdio, hipertensão arterial, arteriosclerose, flebosclerose, etc) e digestivo (úlcera gástrica ou duodenal, colite ulcerosa, gastroenterite, hemorragias gastrointestinais, pólipos, hemorroidal, doenças do esófago ou inflamatórias crónicas do intestino, infecções do fígado, vias biliares, pâncreas, etc), a Pessoa Segura, neste caso o falecido, respondeu “NÃO”; (síntese do artigo 18.º da douta Contestação/Motivação: doc. n.º 4, junto com a douta Contestação)
19º
À pergunta sobre se sofre ou sofreu de doença óssea, articular ou da coluna vertebral, neurológica ou psiquiátrica (epilepsia, paralisia, depressão, acidente vascular cerebral, etc), ginecológica e/ou do aparelho genito-urinário, dos olhos (glaucoma, doenças da retina), da tiróide, distúrbio hormonal, tumor (maligno ou benigno), obesidade, dislipidémia, diabetes, gota e de outras doenças ou distúrbios não referidos, a Pessoa Segura, neste caso o falecido, respondeu “NÃO”. (síntese do artigo 19.º da douta Contestação/Motivação: doc. n.º 4, junto com a douta Contestação)
20º
À pergunta sobre se esteve internado em hospitais, sanatórios ou casas de saúde por doenças ou intervenções cirúrgicas, a Pessoa Segura, neste caso o falecido, respondeu “NÃO”; (síntese do artigo 20.º da douta Contestação/Motivação: doc. n.º 4, junto com a douta Contestação)
21º
À pergunta sobre se alguma vez realizou exames clínicos (análises clínicas, consultas a especialistas ou pesquisas particulares) que tenham revelado situações de anormalidade (…), a Pessoa Segura, neste caso o falecido, respondeu “SIM”, tendo esclarecido no campo próprio que se tratava de exames de rotina, com resultados normais. (síntese do artigo 21.º da douta Contestação/Motivação: doc. n.º 4, junto com a douta Contestação)
22º
À pergunta sobre se se sente doente ou prevê alguma situação da sua saúde que necessite de tratamento médico, internamento ou intervenção cirúrgica, a Pessoa Segura, neste caso o falecido, respondeu “NÃO”. (síntese do artigo 22.º da douta Contestação/Motivação: doc. n.º 4, junto com a douta Contestação)
23º
À pergunta sobre se toma medicamentos, a Pessoa Segura, neste caso o falecido, respondeu “NÃO”. (síntese do artigo 23.º da douta Contestação/Motivação: doc. n.º 4, junto com a douta Contestação)
24º
Neste tipo de contratos em que o risco de funcionamento das coberturas contratadas tem por base o estado de saúde da Pessoa Segura, é fundamental para a Ré, conhecer em pormenor o seu historial clínico. (síntese do artigo 24.º da douta Contestação/Motivação: facto notório/depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f))
28º
Neste tipo de contratos existe um questionário tão exaustivo quanto genérico, para que cada Pessoa Segura, possa esclarecer a seguradora do seu estado de saúde. (síntese do artigo 28.º da douta Contestação/Motivação: facto notório/ depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f))
29º
Sendo que só em certas situações, como quando é assinalada a existência de alguma patologia, quando a idade da pessoa segura é já bastante avançada ou quando os capitais contratados são de montante elevado, é que as seguradoras, habitualmente, sujeitam o interessado a exames. (síntese do artigo 28.º da douta Contestação/ depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f))
30º
Por assim ser, o procedimento normal da Ré para a generalidade das situações, como de qualquer outra seguradora que labore no ramo vida, é o de se bastar com a análise do questionário respondido pela Pessoa Segura. (síntese do artigo 30.º da douta Contestação/ depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f))
31º
Sendo que a mesma, é expressamente advertida, conforme o supra exposto, de que tem de responder com verdade. (síntese do artigo 31.º da douta Contestação/ depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f)
32º
Porquanto é com base em tais respostas que a seguradora, avalia o risco de cada contrato em concreto e fixa o valor dos respectivos prémios, podendo inclusivamente, decidir não contratar, de todo. (síntese do artigo 32.º da douta Contestação/depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f)
33º
A avaliação do risco é assim feita, para a generalidade dos casos e ressalvadas as excepções supra referidas, com base nas declarações prestadas por cada Pessoa Segura. (síntese do artigo 33.º da douta Contestação/ depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f)
34º
Tendo sido dessa forma que foi celebrado o contrato de seguro objecto dos presentes autos. (síntese do artigo 34.º da douta Contestação/ depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f)
35º
Perante a proposta de seguro apresentada e atento o questionário respondido pelo A., a Ré concluiu que nenhum exame de diagnóstico seria de efectuar. (síntese do artigo 35.º da douta Contestação/ depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f)
36º
Confiando, como em qualquer outra situação, nas declarações prestadas. (síntese do artigo 36.º da douta Contestação/ depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f)
37º
O contrato de seguro assim celebrado perdurou até ao dia 28 de julho de 2011, data em que a A. efetuou a participação do óbito de HC, ocorrido a 16 de fevereiro de 2011. (síntese do artigo 37.º da douta Contestação/Motivação: acordo/ depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f))
38º
Na sequência da participação, a Ré, como habitualmente, solicitou, entre outros documentos, relatório de autópsia e cópia integral da ficha clínica do Médico de Família respeitante ao falecido. (síntese do artigo 38.º da douta Contestação/motivação conforme doc. n.º 5, junto com a douta Contestação/ depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f))
39º
Compulsando o relatório de autópsia, verifica-se que HC poderá ter falecido de Enfarte Recente do Miocárdio, associado a cardiopatia isquémica crónica e aterosclerose coronária grave. (síntese do artigo 39.º da douta Contestação/
Motivação: conforme doc. n.º 6, junto com a douta Contestação/ depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f))
40º
Compulsando o registo clínico do médico de família, verifica-se que HC padecia de hipertensão com complicações desde, pelo menos, 2007. (síntese do artigo 40.º da douta Contestação/Motivação: conforme doc. n.º 7, junto com a douta Contestação/ depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f))
41º
E tomava medicação permanente para a hipertensão. (síntese do artigo 41.º da douta Contestação/ Motivação: conforme doc. n.º 7, junto com a douta Contestação/ depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f))
42º
Na consulta de 13.08.2008 consta que “vai fazer bypass gástrico em Novembro de 2008.”, pesando, nessa altura, 135 kg. (síntese do artigo 42.º da douta Contestação/
Motivação: conforme doc. n.º 7, junto com a douta Contestação)
45º
Na consulta de 27 de janeiro de 2009, consta que apresenta veias varicosas da perna com linfagite e lesão traumática, o que significa que tinha varizes. (síntese do artigo 45.º da douta Contestação/Motivação: conforme doc. n.º 7, junto com a douta Contestação)
46º
Nessa mesma consulta, consta também “procedimento administrativo (CIT)”, o que significa a emissão de Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho (CIT), (síntese do artigo 46.º da douta Contestação/Motivação: conforme doc. n.º 7, junto com a douta Contestação)
47º
Na consulta de 09 de fevereiro de 2009 consta que vai ser internado para drenagem da infecção da ferida da perna, com nova emissão de Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho (CIT), (síntese do artigo 47.º da douta Contestação/ Motivação: conforme doc. n.º 7, junto com a douta Contestação)
51º
Da conjugação dos citados elementos clínicos, pode concluir-se que o falecido padecia de hipertensão arterial com complicações à data da subscrição da proposta de seguro e do preenchimento do questionário de saúde. (síntese do artigo 51.º da douta Contestação/Motivação: conforme doc. n.º 7, junto com a douta Contestação/ depoimentos das testemunhas infra identificadas sob as als. d) a f))
52º
Tomava medicação permanente para o efeito. (síntese do artigo 52.º da douta Contestação/Motivação: conforme doc. n.º 7, junto com a douta Contestação/ depoimentos das testemunhas infra identificadas sob as als. d) a f))
53º
Era obeso e estava proposto para bypass gástrico. (síntese do artigo 53.º da douta Contestação/Motivação: conforme doc. n.º 7, junto com a douta Contestação/ depoimentos das testemunhas infra identificadas sob as als. d) a f))
54º
E tinha veias varicosas na perna. (síntese do artigo 54.º da douta Contestação/
Motivação: conforme doc. n.º 7, junto com a douta Contestação/ depoimentos das testemunhas infra identificadas sob as als. d) a f)) 55º
Além de que estava de baixa por incapacidade temporária à data da subscrição da proposta e do preenchimento do questionário de saúde. (síntese do artigo 55.º da douta Contestação/Motivação: conforme doc.s n.º s 4 e 7, juntos com a douta Contestação)
56º
A hipertensão arterial é caracterizada pela constante elevação dos valores sistólicos (pressão máxima) e/ou diastólicos (pressão mínima) da pressão arterial medida em condição de repouso. (síntese do artigo 56.º da douta Contestação/Motivação: facto notório/ depoimentos das testemunhas infra identificadas sob as als. d) a f))
57º
Podendo originar Enfarte do Miocárdio, acidente vascular cerebral, insuficiência renal e dissecção de aorta. (síntese do artigo 57.º da douta Contestação/
Motivação: depoimentos das testemunhas infra identificadas sob as als. d) a f))
58º
A hipertensão é um factor de alto risco para o desenvolvimento de obstruções nas coronárias (aterosclerose), que podem levar ao Enfarte do miocárdio. (síntese do artigo 58.º da douta Contestação/Motivação: depoimentos das testemunhas infra identificadas sob as als. d) a f))
59º
Constando do registo clínico do falecido que, em maio de 2009, foi acompanhado em cardiologia, pode concluir-se, do ponto de vista clínico, que o mesmo já apresentava queixas associadas à cardiopatia isquémica crónica e à arterosclerose em data muito anterior. (síntese do artigo 59.º da douta Contestação/depoimentos das testemunhas infra identificadas sob as als. d) a e))
60º
E concretamente, antes da subscrição da proposta de seguro e do preenchimento do questionário de saúde. (síntese do artigo 60.º da douta Contestação/Motivação: depoimentos das testemunhas infra identificadas sob as als. d) a e))
61º
A Pessoa Segura, neste caso, o falecido, tinha, pois, conhecimento de que padecia das supra citadas doenças à data do preenchimento da proposta de seguro – 29 de janeiro de 2009. (síntese do artigo 61.º da douta Contestação/Motivação: depoimentos das testemunhas infra identificadas sob as als. d) a e))
62º
Caso tivesse respondido com verdade ao questionário de saúde que acompanhou a proposta de seguro, à pergunta sobre se sofre ou sofreu: do aparelho respiratório (asma, enfisema, tuberculose, etc), cardiocirculatório (malformações congénitas, cardiopatia isquémica, valvulopatia, arritmia, insuficiência cardíaca, doenças do miocárdio ou pericárdio, hipertensão arterial, arteriosclerose, flebosclerose, etc) e digestivo (úlcera gástrica ou duodenal, colite ulcerosa, gastroenterite, hemorragias gastrointestinais, pólipos, hemorroidal, doenças do esófago ou inflamatórias crónicas do intestino, infecções do fígado, vias biliares, pâncreas, etc), a Pessoa Segura, neste caso o falecido, deveria ter respondido “SIM”. (síntese do artigo 62.º da douta Contestação/depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f))
63º
À pergunta sobre se sofre ou sofreu de doença óssea, articular ou da coluna vertebral, neurológica ou psiquiátrica (epilepsia, paralisia, depressão, acidente vascular cerebral, etc), ginecológica e/ou do aparelho genito-urinário, dos olhos (glaucoma, doenças da retina), da tiróide, distúrbio hormonal, tumor (maligno ou benigno), obesidade, dislipidémia, diabetes, gota e de outras doenças ou distúrbios não referidos, a Pessoa Segura, neste caso o falecido, deveria ter respondido “SIM”.
(síntese do artigo 63.º da douta Contestação/Motivação: regras da experiência e da normalidade, face à demais prova produzida)
65º
À pergunta sobre se se sente doente ou prevê alguma situação da sua saúde que necessite de tratamento médico, internamento ou intervenção cirúrgica, a Pessoa Segura, neste caso o falecido, deveria ter respondido “SIM”. (síntese do artigo 65.º da douta Contestação/Motivação: regras da experiência e da normalidade, face à demais prova produzida)
66º
À pergunta sobre se toma medicamentos, a Pessoa Segura, neste caso o falecido, deveria ter respondido “SIM”. (síntese do artigo 66.º da douta Contestação/Motivação: regras da experiência e da normalidade, face à demais prova produzida)
67º
No campo próprio do questionário para especificar as respostas “SIM”, deveria o falecido ter indicado que padecia de hipertensão arterial com complicações, tomando medicação e sendo vigiado para o efeito com submissão a análises, era obeso, tinha colocado bypass ou estava proposto para tal e tinha varizes nas pernas, com infecção, estando por isso, à data do preenchimento do questionário de saúde, de baixa por doença. (síntese do artigo 67.º da douta Contestação/ Motivação: regras da experiência e da normalidade, face à demais prova produzida)
68º
Caso a Ré tivesse, à data do preenchimento da Proposta de Seguro, tomado conhecimento da real situação clínica falecido nos termos supra expostos, nunca teria aceite o seguro, nas condições em que o fez. (síntese do artigo 68.º da douta Contestação/depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f), quando conjugado com o doc. n.º 8 junto com a douta Contestação)
69º
Para a avaliação do risco e decisão de aceitação ou não de um determinado contrato de seguro do Ramo Vida, a Ré socorre-se de tabelas, com classificação das doenças, suas características e suas consequências, denominadas bases técnicas de aceitação, assim como critérios de subscrição clínica, que são utilizadas pelo seu ressegurador, estando, aliás, obrigada a fazê-lo ao abrigo do contrato de resseguro. (síntese do artigo 69.º da douta Contestação/Motivação: depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f), quando conjugado com o doc. n.º 8 junto com a douta Contestação)
70º
Com base nas referidas tabelas e critérios, a constatação em conjunto de hipertensão com complicações e medicação permanente, veias varicosas, obesidade e de que existia indicação médica para colocação de bypass gástrico teria levado à não aceitação do contrato de seguro. (síntese do artigo 70.º da douta Contestação/Motivação: depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f), quando conjugado com o doc. n.º 8 junto com a douta Contestação)
71º
No caso de colocação de bypass, isoladamente considerado, a Ré estaria obrigada a aguardar pelo menos até 6 meses após a cirurgia, com a ressalva de que não se demonstrou que HC tivesse colocado bypass. (síntese do artigo 71.º da douta Contestação/Motivação: depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f), quando conjugado com o doc. n.º 8 junto com a douta Contestação)
72º
Após o que pediria documentação clínica e dependendo da mesma, poderia aceitar contratar com agravamento ou não aceitar, de todo. Motivação: depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f), quando conjugado com o doc. n.º 8 junto com a douta Contestação)
73º
A constatação de qualquer das restantes supra referidas patologias isoladamente consideradas, teria levado igualmente a Ré a solicitar exames complementares e, dependendo dos resultados, a aceitar com um agravamento do prémio ou a não aceitar de todo. (síntese do artigo 73.º da douta Contestação/Motivação: depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f), quando conjugado com o doc. n.º 8 junto com a douta Contestação)
74º
Em face do exposto, a Pessoa Segura, aquando do preenchimento da proposta de seguro, omitiu informações determinantes para a avaliação do risco, (síntese do artigo 74.º da douta Contestação/Motivação: conclusão que decorre da demais prova produzida)
75º
Esta omissão impossibilitou a Ré de conhecer as supra citadas patologias, sua dimensão e contornos. (síntese do artigo 74.º da douta Contestação/Motivação: depoimento da testemunha infra identificada sob a al. f), quando conjugado com o doc. n.º 8 junto com a douta Contestação)
78º
Por carta de 23 de Novembro de 2011, a Ré informou a A. de que considerava o contrato de seguro anulado. (síntese do artigo 78.º da douta Contestação/Motivação: conforme doc. n.º 9, junto com a douta Contestação).
79º
Tendo prestado igual informação à instituição bancária que figura no contrato como beneficiário irrevogável. (síntese do artigo 79.º da douta Contestação/
Motivação: conforme doc. n.º 10, junto com a douta Contestação).
Do douto Requerimento de Resposta à Contestação
Em 16.02.2011, data do óbito de HC, o valor referente à hipoteca n.º 10245596093 era de 84.179,11€ (síntese do artigo 9.º; Motivação: exame do doc. de fls. 231)
A A pagou as prestações em dívida relativas ao contrato objecto de seguro até 25.11.2011, mês em que entrou em incumprimento, o que motivou a que o chamado instaurasse execução, que corre os seus termos. (síntese do artigo 10.º; Motivação: exame de fls. 230 a 271 e fls. 315)
Factos não provados
Em face da prova produzida, não resultaram provados os seguintes factos da douta Contestação:
25º
Sujeitar cada interessado a exames médicos financiados pelas seguradoras para apuramento do estado clínico de cada Pessoa Segura que, em cada momento, é designada para figurar nos contratos deste ramo, é incomportável. (motivação: não ter sido produzida prova bastante do alegado)
26º
Primeiro, por ser dispendioso.
(motivação: não ter sido produzida prova bastante do alegado)
27º
E segundo, por implicar o recurso a um corpo clínico variado, que as seguradoras não dispõem, nem têm que dispor. (motivação: não ter sido produzida prova bastante do alegado)
43º
Ora, a colocação de bypass gástrico implica uma intervenção cirúrgica, com internamento. (síntese do artigo 43.º da douta Contestação/motivação: não ter sido produzida prova bastante do alegado)
44º
Donde se pode concluir, pela informação supra exposta, que o falecido terá estado internado e terá realizado a intervenção cirúrgica para colocação de bypass em Novembro de 2008. (motivação: não ter sido produzida prova bastante do alegado)
Que HC terá colocado bypass gástrico em novembro de 2008, (motivação: não ter sido produzida prova bastante do alegado)
64º
À pergunta sobre se esteve internado em hospitais, sanatórios ou casas de saúde por doenças ou intervenções cirúrgicas, a Pessoa Segura, neste caso o falecido, deveria ter respondido “SIM”.
74.º Não resultou provado que a omissão de informações tenha ocorrido de forma consciente/dolosa. (motivação: não ter sido produzida prova bastante do alegado)
**
O demais articulado não expressamente enumerado supra constitui matéria conclusiva, jurídica ou irrelevante, a qual, s.m.o, não admite decisão nesta sede.

IV. Apreciação
1ª questão:
Vem invocada a nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, nº 1, als. d) e e) do CPC, uma vez que a Autora não pediu qualquer devolução dos prémios, nem mesmo a título subsidiário, ocorrendo, na condenação que a esse respeito foi proferida, condenação em objecto diverso do pedido. Para mais, a Autora não poderia reclamar a parte do seu falecido marido, o que só poderia ser feito por todos os herdeiros e numa acção diversa, com diferente causa de pedir. A disciplina do Assento nº 4/1995 não tem aplicação aos autos.
Dispõe o artigo 615º nº 1 do CPC que a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia conhecer e quando condene em objecto diverso do pedido.
Compulsados os articulados e as posições que as partes tomaram ao longo dos autos, é certo que os Autores não pediram, nem inicialmente, quer a título principal quer subsidiário, nem quando responderam às excepções deduzidas na contestação, a devolução dos prémios por ambos suportados na vigência do contrato de seguro.
Deste modo, saber se o tribunal podia ter conhecido da questão dos efeitos da procedência da excepção – anulabilidade invocada – e condenado nesses efeitos (devolução dos prémios pagos), só pode resolver-se, face ao princípio dispositivo, na inquirição do poder ou do dever de conhecimento oficioso da questão – artigo 608º nº 2 do CPC.
O tribunal sustentou-se no regime geral da anulabilidade e na aplicação analógica do Assento nº 4/1995. Com efeito, depois de concluir pela demonstração da excepção e em conformidade julgar a acção improcedente, considerou: “Porém, haverá que concluir que - coerentemente - é devida a restituição dos prémios pagos por força do contrato de seguro, o que constitui decorrência necessária da citada al. b), do n.º 1, do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril. Com efeito, sempre se teria que considerar que existe analogia de casos com a Jurisprudência fixada no douto assento do STJ n.º 4/1995, que estabeleceu a seguinte doutrina: “(…) Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico, invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no n.º 1 do artigo 289 do Código Civil.”
A nosso ver, não ocorre a nulidade invocada. Não porque o artigo 26º, mais possivelmente o nº 4 al. b), determine, como determina, a devolução dos prémios, no caso do sinistro ocorrer antes do segurador apurar a existência de omissões ou inexactidões nas informações necessárias à avaliação do risco prestadas pelo segurado ou tomador do seguro a título negligente, porque nem sempre que a lei determina um efeito favorável a determinada parte deve o juiz decidi-lo desse modo – ou seja, apesar da lei consagrar direitos, há que fazer a distinção sobre se os mesmos se encontram na disponibilidade do beneficiário ou não – mas sim, não ocorre nulidade, porque o tribunal recorrido se fundamentou na aplicação analógica da disciplina do assento, em cujo corpo se refere precisamente a conversão da causa de pedir. Isto é, no caso nele previsto, que o tribunal recorrido entendeu aplicar-se aqui por analogia, se previne precisamente o não pedido e a diversidade da causa de pedir, e se entende relevar, a partir da finalidade jurídico-económica, uma vontade hipotética, que autoriza pois a pronúncia e a decisão do tribunal.
Lê-se com efeito nas considerações produzidas em tal Assento que:
“Seguindo o entendimento do Prof. Doutor Vaz Serra, exposto na RLJ, n.° 109, pp. 308 e seguintes (em anotação ao acórdão fundamento), somos de parecer que a conversão da causa de pedir (inicialmente na pressuposição de contrato válido) bem pode fazer-se ao abrigo do artigo 293.° do Código Civil, pelo menos em causa assente na nulidade do negócio (como foi decretada jurisdicionalmente), já que razoável é pensar que esta última seria invocada pelo peticionante se houvesse previsto a nulidade do contrato em cuja pretensa validade se escudara para demandar.
Com tal em nada se agrava a posição do demandado, já que, válido ou nulo o negócio, sempre ele seria obrigado ao que lhe é pedido, além de se evitar ao peticionante o ónus de propor nova acção (com acento na nulidade) e cujos efeitos e fins seriam os mesmos, evitar esse que o princípio da economia processual aconselharia.
Como adianta o dito professor no comentário e artigo citado, o contrato nulo (ao contrário do expendido no acórdão fundamento) não é um nada jurídico, mas algo de existente (embora de errada perfeição, diremos nós), já que tal realidade existencial é revelada pelo instituto da conversão a que respeita o artigo 293.° do Código Civil.
Como refere o Prof. Doutor Eduardo Correia, separata da Revista da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XXIX, «requisito de conversão é antes que a vontade hipotética se conclua da finalidade jurídico-económica, ou de outra espécie efectivamente tida em vista pelas partes». (fim de citação).
Ora, quando o juiz assim releve um dispositivo hipotético e juiz o utilize – tornando-o público às partes – para fundamentar a sua própria pronúncia, o que temos não é a nulidade da sentença, cujo regime se estabelece sobre violações de princípios fundamentais de direito substantivo e processual, sobre violações evidentes de mero raciocínio, em casos não previsíveis pelas partes, e portanto intoleráveis para a ordem jurídica e sancionáveis com a não produção de qualquer efeito, mas uma situação que se pode aproximar, no caso concreto, de erro de direito na aquisição da legitimidade de decisão judicial.
Nestes termos, improcede a invocada nulidade de sentença, sem prejuízo da sua apreciação como erro de direito, na 3ª questão do recurso.
2ª questão:
A recorrente sustenta que “o ponto 74º da matéria de facto dada como não provada, a manter-se como facto, deverá passar para os factos provados, com a seguinte redacção: “resultou provado que a omissão de informações ocorreu de forma consciente/dolosa”.
O teor de tal ponto é “Não resultou provado que a omissão de informações tenha ocorrido de forma consciente/dolosa”.
Ora, desde logo, tem de se interpretar “consciente/dolosa” como realidade única, porque consciente é evidente que foi, em face do que resulta do facto provado nº 61 (da contestação) e seguintes. Portanto, o que está em causa é saber se se provou que a actuação do falecido segurado foi dolosa.
O dolo, neste sentido e para efeitos do artigo 25º da Lei 72/2008, caracteriza-se nos termos do artigo 253º do Código Civil, isto é, como a sugestão ou artifício, intencionalmente determinada, que induz o declaratário segurador a produzir a aceitação da proposta de contrato de seguro. E é evidente, em face do que resultou provado, que a apelante não só não teria contratado nos termos em que o fez (com o prémio que estabeleceu) como não teria contratado de todo, se as informações prestadas o tivessem sido com verdade.
Porém, em bom rigor, e em sede de matéria de facto, afigura-se-nos que “não resultou provado que a omissão tenha ocorrido de forma consciente/dolosa” ou na versão pretendida “isso mesmo resultou provado”, encerra uma conclusão que não é admissível, por força do artigo 607º do CPC, constar da decisão sobre a matéria de facto. Com efeito, não se podendo “entrar” na mente do declarante, saber se este intencionalmente prestou informações que induziram a contraparte em erro, querendo mesmo fazê-lo, haverá de resultar da conjugação de todo o circunstancialismo que rodeou a declaração.
Além do circunstancialismo que se apura a partir dos factos provados, a recorrente sustenta a procedência da sua pretensão com base no que resulta de documento que juntou em audiência, relativo à comunicação que a AXA seguradora havia feito num seguro de vida financiamento ao falecido, anteriormente à celebração do contrato de seguro dos autos, e no qual lhe havia comunicado que considerava existirem factores de agravamento do risco, referindo que, em consequência, o prémio seria a 150%. Deste modo, estava o falecido consciente que, ao prestar informação inexacta à Ré, poderia obter um prémio não agravado e com isso uma vantagem, que quis efectivamente obter.
Pese embora a recorrente não tenha pedido ao tribunal ad quem que dê esse facto como provado, pede que o tribunal ad quem o considere para que possa dar como provado o “facto” que temos para nós não é facto mas conclusão. Pensamos assim estar autorizados a conhecer do referido facto, aliás, do verdadeiro facto.
Porque, como resulta da audiência e dos termos subsequentes, não houve qualquer impugnação do referido documento junto a fls. 491, formando-se pois acordo sobre ele, adita-se à matéria de facto o seguinte:
“Com data de 6.12.2005, a AXA, Companhia de Seguros, S.A., dirigiu a HC, sob o assunto “Análise de Risco Vida e Saúde” (Vida Financiamento), carta em que lhe comunicou que “Em resultado da análise efectuada constatámos a existência de factores agravantes no risco que nos é proposto. Desta forma, apenas nos será possível aceitá-lo em condições especiais. Aceitação apenas na cobertura Morte. Agravamento do prémio em 150%”
3ª questão:
Esta questão subdivide-se em duas:
- Podia o tribunal recorrido ter conhecido oficiosamente e condenado a Ré a devolver os prémios de seguro pagos pela Autora e seu falecido marido?
- É devida a devolução desses prémios?
Como vimos, o tribunal recorrido apelou aos efeitos da declaração de anulabilidade e convocou ainda o Assento 4/1995 que referiu aplicável por analogia.
A recorrente sustenta a inaplicabilidade do regime geral, por existência de disciplina legal específica.
Com o devido respeito pelo tribunal recorrido, entendemos que assiste razão à recorrente.
Com efeito, por força do artigo 285º do Código Civil, a regra do artigo 289º do mesmo Código só é aplicável na falta de regime especial.
Ora, o mecanismo instituído pelos artigos 23º a 26º da Lei nº72/2008 constitui de facto um regime especial, em que o legislador ponderou a especificidade do contrato de seguro, criando um mecanismo de balanço ou equilíbrio próprio, contestável que seja, entre o contraente mais fraco e o mais forte, prevenindo precisamente os pontos vulneráveis do mais forte e as exigências especiais de protecção do mais fraco, onerando o segurador com especiais deveres de informação ao tomador de seguro ou segurado, e onerando este, por via do cumprimento do dever de informação por parte do segurador, com especial dever de prestar informação verdadeira e completa. E em consequência deste especial regime, entendeu que se a informação inexacta ou omissa se deve a simples negligência, isto é, à violação de deveres de cuidado na prestação da informação, então haverá lugar a devolução temporalmente proporcional de prémios, mas se tal prestação de informação inexacta ou omissão de informação é intencional, dolosa, mais ainda, se com essa indução intencional em erro se visa obter uma vantagem indevida – no sentido de que a contraparte não aceitaria segurar o risco nos termos em que o fez – então a consequência – e é uma punição (e mais uma vez, contestável que seja o legislador estabelecer uma punição em matéria contratual) – é a perda total dos prémios pagos.
Por aqui, seriámos então levados a prosseguir a investigação para saber se dos factos provados resulta negligência ou dolo, e em função disso determinar a devolução ou o seu montante.
Porém, entendemos ainda que assiste razão à apelante quando defende que o tribunal não podia ter conhecido e condenado oficiosamente na referida devolução.
Com efeito, o Assento 4/1995 começa precisamente por estabelecer a sua aplicabilidade aos casos em que o tribunal tenha conhecido oficiosamente da nulidade.          Compreende-se: - se é o tribunal que decide oficiosamente (e note-se, ao tempo da prolação do assento, não era líquido que devesse ser dado conhecimento prévio da intenção dessa decisão), a parte não contando com essa decisão não se podia ter prevenido formulando um pedido subsidiário de restituição de todo o prestado. Por isso, o Assento considerou que se devia ficcionar a normalidade da situação: - se a parte soubesse que a sua pretensão principal não seria deferida por via da nulidade, então teria pedido – é a função económico-jurídica do direito – a devolução de tudo quanto havia prestado.
Ora aqui o caso é totalmente diverso, e não há quaisquer razões de analogia: - não foi o tribunal quem decidiu oficiosamente, a anulabilidade do seguro foi suscitada como excepção na contestação, na resposta às excepções os AA. não responderam, em nada, a essa excepção, e tendo tido oportunidade, então, de suscitarem o pedido subsidiário, nada fizeram, como de resto nem sequer no presente recurso pugnam pelo bem fundado da decisão, pois que não contra-alegaram. Quer dizer, no presente caso, as consequências da anulação estiveram inteiramente na dependência da vontade das partes, devendo prevalecer por isso o princípio dispositivo: - se não formularam, tendo possibilidade de o fazer, pedido subsidiário de devolução dos prémios pagos, entende-se que prescindiram desse direito – o qual, lembre-se, nenhumas razões de ordem pública, nem mesmo a protecção do cliente mais fraco, digamos assim, exigem que seja coberto pelo selo da indisponibilidade.
Assim sendo, procede esta questão, pelo que não podendo o tribunal recorrido ter conhecido e condenado, como conheceu e condenou, a única consequência é a revogação, pura e simples, da condenação.
Fica assim prejudicado o conhecimento do mérito da devolução ordenada, bem como a 4ª questão relativa aos juros de mora e ao seu regime.     
Em suma, procede o recurso.
Não tendo os recorridos contra-alegado e procedendo o recurso de decisão oficiosamente tomada pelo tribunal recorrido, entende-se que não há decaimento de qualquer das partes, pelo que não são devidas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento ao recurso e em consequência revogam a sentença recorrida na parte em que condenou “a Ré a devolver à Autora todas as quantias que recebeu durante a vigência do contrato de seguro referido nos autos, a título de prémios pagos pela Autora e seu marido, acrescidas de juros à taxa comercial desde as datas dos pagamentos ocorridos, a liquidar em incidente”.
Sem custas.
Registe e notifique.

Lisboa, 28 de Junho de 2018

Eduardo Petersen Silva

Cristina Neves

Manuel Rodrigues

[1] Com aproveitamento do relatório da sentença recorrida.