Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
133/10.5PCLRS.L1-3
Relator: MARIA PERQUILHAS
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL
PREPARAÇÃO PARA A DEFESA
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: O meio de prova não substitui o facto; Este tem que constar da acusação, ou não estando há que se assegurar o direito ao contraditório, respeitando-se simultaneamente a estrutura acusatória do nosso processo penal e a independência do tribunal.

Tem que ser este facto, contante da acusação ou trazido ao processo com o cumprimento destes princípios (artº 358º do CPP), que integrará e fundará a decisão, devidamente baseado nos meios de prova apresentados e discutidos.

A inclusão de factos provados na sentença diversos dos constantes da acusação, sem que o tribunal tenha cumprido com o disposto no artº 358º do CPP, importa a nulidade na sentença tal como previsto no artº 379º, nº 1, al. b), do CPP, a qual foi deviamente arguida pela recorrente ____.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão proferida na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


Nos presentes autos veio o ____ e ____ interpor recurso do Acórdão de 08 de Maio de 2018 que condenou os arguidos como co-autores de um crime de abuso de confiança, na forma continuada, p. e p. no art. 205°, n.° 1 e art. 30°, n.º 2 do Código Penal, na pena 9 meses de prisão, suspensa por um ano, na condição de, no prazo de nesse prazo, pagarem ao assistente, ____ – Santo António Cavaleiros a quantia de € 5.000 (cinco mil euros), por conta do pedido de indemnização cível e disso fazer prova nos autos bem como, na qualidade de demandados, a pagarem ao demandante ____ – Santo António Cavaleiros a quantia de 20.966,94 (vinte mil novecentos e sessenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 13.02.2010 até integral e efectivo pagamento e absolve-o do restante peticionado

Para o efeito apresentou as seguintes conclusões:

O arguido ____:
1- A discordância do arguido ____, relativamente à sentença condenatória, tem a ver com a determinação da medida concreta da pena e suspensão da execução da pena de 9 meses de prisão na condição de pagar o valor de €5.000,00 por conta do pedido de indemnização cível ao assistente e disso fazer prova nos autos no prazo de um ano;
2Entendendo-se que tal sentença violou o disposto nos artigos 40°, 71°, 50°, e 51° nos. 1 e 2, todos do Código Penal;
3- Tendo o Tribunal a quo violado também o disposto pelo art.° 13 da C. Rep. Portuguesa, relativamente ao Princípio da igualdade nomeadamente porquanto "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei" e "ninguém pode ser prejudicado em razão de situação económica, condição social (...)";
4- Em audiência de julgamento, o arguido fez uma confissão parcial dos factos e demonstrou estar arrependido pelos crimes cometidos, e tal deveria ter sido valorado pelo Tribunal a quo;
5- Aliás, no que concerne à factualidade relativa às condições pessoais, familiares e económicas do arguido, resultou esta provada pelas suas declarações, que se mostraram credíveis, pelas declarações da arguida sua esposa e filho de ambos, constando tal dos factos provados p. 28. a 31. e 35. a 37.;
6-  O alcoolismo deve ser encarado como uma doença, tendo sido referido pelo próprio arguido e testemunha de defesa ____ em audiência de julgamento que o arguido consumia álcool em excesso, e conforme consta da motivação da decisão de facto p. 3 da sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou as declarações prestadas pelo filho do arguido, ou seja que "o pai ficou desempregado em 2007 ou 2009, passou a embriagar-se com frequência", o que atenua a sua culpa pelos factos praticados, e tal também deveria ter relevado na determinação da medida concreta da pena, a qual deveria ser suspensa na sua execução sem subordinação à condição de pagamento de parte da indemnização;
7- Actualmente o arguido, do ponto de vista familiar, reside com a esposa e um filho ainda estudante, em diferente residência, porquanto por dificuldades económicas em 2012 o casal perdeu o imóvel onde residiam por falta de pagamento das prestações mensais ao Banco, sendo notória a situação de insuficiência económica do arguido;
8-  E, por outro lado, os 56 anos de idade do arguido, o seu estado de saúde depressivo e ansioso, bem como a medicação diária a que se encontra sujeito — cfr. ponto 30. dos factos provados — dificultam o exercício de uma actividade profissional e cumprimento da condição imposta pelo Tribunal a quo, não sendo previsível antever que o arguido venha a conseguir uma colocação laborai que lhe proporcione rendimentos, ou assim não sucedendo eventualmente conseguindo trabalho sempre o vencimento será bastante reduzido;
9- Aliás, nos factos provados o Tribunal a quo considerou que o arguido "é operador de rampa e está desempregado desde finais de 2009", pelo que deveria ter sido correctamente valorado tal facto, não sendo assim razoável exigir ao arguido o pagamento de €5.000,00 ao assistente, e em tão curto espaço de tempo, já que é notória a desproporção entre tal valor e as actuais disponibilidades económicas do arguido;
10- A casa de morada de família, único bem que o casal possuía, foi perdida por não conseguirem pagar as prestações ao Banco, e não lhe são conhecidos quaisquer bens, ou à arguida, sua esposa;
11- O Tribunal a quo não deveria assim ter condicionado a suspensão da execução da pena de prisão do arguido ao pagamento parcial da indemnização, já que as condições pessoais do arguido, ao tempo da condenação e dentro de um futuro previsível, não lhe possibilitam, sem culpa sua, a satisfação de tal requisito;
12- Sempre se dirá também, quanto aos antecedentes criminais do arguido, que a condenação sofrida pelo mesmo é de diferente natureza da dos autos — condução de veículo automóvel em estado de embriaguez- e respeita a facto ocorrido há cerca de nove anos (16.01-2010),
13- E, por outro lado, também decorreram cerca de 9 anos desde a prática dos ilícitos cfr. consta dos factos provados 1. a 37. da sentença recorrida, pelo que muito tempo está decorrido, o que implica que as razões de prevenção geral e especial relativamente ao crime cometido não sejam tão elevadas, não tendo o arguido outros processos pendentes;
14- Existem condições objectivas e subjectivas favoráveis à aplicação ao arguido de uma pena de prisão suspensa na sua execução, sem subordinação ao cumprimento de condições, a qual é manifestamente suficiente e adequada às finalidades das penas e exigências de prevenção gera' e especial, que não se mostram elevadas no caso do arguido, existindo ainda um juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido nestes termos;
15- A sentença recorrida, com a opção pela pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano, sob condição de pagamento de indemnização no prazo de um ano, vem colocar em causa a subsistência do arguido, porquanto o Tribunal a quo para a sua decisão não valorou correctamente os factos provados nos pontos 35. e 36. da sentença recorrida, no respeitante ao desemprego (aliás de longa duração atendendo a que o seu último emprego data de 2009) e à ausência de apoios do Estado e de outros rendimentos do arguido;
16- Acresce que o Tribunal a quo considerou a sua inserção social, pessoal e económica, nos pontos 28. a 31. e 35. a 37. dos factos provados, ou seja que o arguido é desempregado (aliás de longa duração) e não tem quaisquer apoios do Estado, mas para a determinação concreta da pena a aplicar, o Tribunal a quo teria de cumprir o disposto nos artigos 400 e 71°, ambos do Código Penal, e nomeadamente ter em atenção o referido no nº 2, al d) deste último artigo - "as condições pessoais do agente e a sua situação económica", tendo em vista as exigências de prevenção geral e especial e a reintegração do arguido em sociedade;
17 No caso concreto do arguido, a aplicação de uma pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução sob condição de pagamento de indemnização de €5.000,00 no prazo de 1 ano, é manifestamente desadequada, desproporcional/exagerada, porquanto é uma obrigação imposta ao arguido que não é razoável exigir-lhe — note-se que está desempregado e em estado depressivo - factos provados p. 35. e p. 30. - devendo, ao contrário, ser aplicada uma pena ao arguido que vise a reintegração social do mesmo, sendo suficiente para assegurar as finalidades da punição a pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano, sem qualquer condição, tendo em conta a finalidade das penas e face ao disposto nos artigos 40°, 71°, 50°, e 51° n°s. 1 e 2, todos do Código Penal,
18- A sentença recorrida deve assim ser revogada e substituída por outra em que seja aplicada ao arguido ____ uma pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução, sem subordinação à condição de pagamento de parte da indemnização, ou, se assim não for o entendimento de V. Exas, deve ser reduzido o valor da indemnização imposta, porque manifestamente excessiva, alterando-se, assim, as condições da suspensão da execução da pena de 9 meses de prisão.
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A arguida _-------_ apresentou recurso, motivando-o e concluiu do seguinte modo:

1- No entendimento do Tribunal a quo, entre Janeiro de 2007 a Janeiro de 2010, os arguidos ____ e ____, decidiram apoderar-se de cheques e quantias que recebiam enquanto administradores do condomínio e fazerem suas aquelas quantias (ponto 6), num total de € 20.966,94 (ponto 17).
2- Porem, sob o ponto 7 dá como provado que nesse período os arguidos depositaram 40 cheques, sacados sobre a conta bancária à ordem do condomínio, no montante global de € 19.407,03, na conta bancária n.º PT____, da Caixa Geral de Depósitos, de que ambos eram titulares, limitando-se a enumerar 23 cheques, cuja soma perfaz apenas o montante de € 14.323,03 ao invés dos €19.407,03.
3- Atento o desfasamento aqui apontado, tomando por bom o valor referido no ponto 8, o que se faz como mera hipótese de raciocínio, de que os arguidos, utilizando quantias depositadas na conta de que ambos eram titulares, efectuaram o pagamento de despesas do condomínio no montante de € 7.966,06, a conclusão vertida no ponto 9 “verificado o montante de receitas do condomínio depositado nas contas dos arguidos e o pagamento das despesas do condomínio que os arguidos realizaram através das suas contas bancárias verifica-se uma diferença de €11.440,97”, padece de um erro de calculo, já que o valor apurado seria de €9.356.97em vez dos €11.440,97 concluídos pelo Tribunal a quo.
4- Sob a alínea ii. ponto 11 dá-se como provado que a arguida ____ levantou ao balcão o cheque n.º ____, de 11.06.2008, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 1.860,00. Sucede que cheque que ali se refere, tem o valor de €860,00, ao invés dos 1.860,00 inscrito naquele ponto.
6- Desconhecemos se se trata de um simples lapso / erro de escrita, porém, da leitura da douta sentença não nos é possível aferir se o mesmo foi apenas um lapso de escrita, ou, pelo contrário, inquinou os valores apurados pelo Tribunal a quo, uma vez que omite os cálculos através dos quais apurou o valor global, o que impede o seu escrutínio.
7- Atenta a construção do ponto 12 : no triénio de 2007 a 2009 os valores em caixa, à guarda dos arguidos (saldo da gerência em 01.01.2007, valores recebidos em caixa - quotas de condomínio e rendas do condomínio recebidas em numerário - e cheques levantados à ordem da CGD do condomínio para reforço de caixa ascendeu a € 17.300,51, não conseguimos aferir se o lapso supra mencionado foi ou não levado para o cálculo quer do valor ali apurado, quer do valor final de € 20.966,94, que no entender do Tribunal a quo os arguidos usaram para seu proveito próprio.
8- O Tribunal a quo deveria ter discriminado cada uma das parcelas ali referidas, diga-se, de cada um dos valores recebidos em caixa - quotas de condomínio, rendas do condomínio recebidas em numerário - e cheques levantados à ordem da CGD do condomínio para reforço de caixa, para boa apreensão e escrutínio dos cálculos que realizou para o apuramento dos valores.
9- Ao agir como agiu, frustra a possibilidade de qualquer juízo sobre a bondade dos cálculos e da respectiva decisão, deformação com que inquina a conclusão vertida no ponto 13 de que nesse mesmo período os arguidos procederam ao pagamento, em numerário, de despesas do condomínio no montante global de € 7.774,54.
10- As ausências aqui notadas referem-se á conduta que os arguidos, no entendimento do tribunal, tiveram e por força da qual praticaram o ilícito em que vêm condenados. São factos integrantes, constituintes do ilícito imputado aos arguidos, pelo que, a douta Sentença não podia deixar de os descrever.
11- Pese embora, na fundamentação da douta Sentença, o Tribunal a quo indica ter sido- determinante para o apuramento dos montantes em falta a perícia do NAT junta a fls. 1276, com base em todos os elementos contabilísticos, informações bancárias e cheques juntos aos autos, ... (documentação bancária, extractos bancários, listagens de cheques e cópias dos cheques), fls... (receitas, despesas, recibos e facturas) e actas do condomínio de fls..” atentas quer as condicionantes referidas naquele relatório pericial, designadamente no que concerne aos pagamentos de quotas de condomínio em numerário, sobre os quais não foi feita qualquer prova, às despesas do ano de 2009 – cuja prestação de contas desse ano não foi feita pelos arguidos – evidenciando-se no relatório pericial um valor de despesa do condomínio anormalmente baixo por comparação aos valores dos anos de 2007 e  2008  quer quanto ao assalto à viatura do Arguido ____ e consequente desaparecimento de vária documentação contabilística do Condomínio, entendemos que era obrigação do Tribunal a quo, verter na sentença condenatória que profere o itinerário lógico do raciocínio que explana, de modo a permitir a sua sindicância.
12- Entende a Recorrente que a douta Sentença padece do vício da insuficiência da decisão da matéria de facto provada, nos termos do preceituado no artigo 410, n.º 2, alínea a) do C.P.P., resultando tal vicio do texto da decisão recorrida, em relação aos seguintes pontos referentes à descrição dos cálculos, porquanto dá como provado o valor consignado no Relatório Pericial, sem no entanto, dar como “provado” ou “não provado” os concretos factos que dele constam essenciais para o seu apuramento.
13- Sem prescindir, a acusação deduzida contra os arguidos, para onde se remete, imputava-lhes, entre Janeiro de 2007 a Janeiro de 2010, a apropriação indevida dos montantes titulados por 30 cheques, emitidos sobre a conta do Condomínio do prédio sito na ____, __, em Santo António dos Cavaleiros, de que foram administradores ao longo daquele período, os quais que se destinavam ao pagamento de despesas do Condomínio, tendo os arguidos feito suas as quantias neles tituladas, no montante total de Euros 20.002,63 (vinte mil e dois euros e sessenta e três cêntimos).
14- Nela é descrito cada um dos 30 cheques, bem como o modo como alegadamente cada um desses cheques entrou na esfera patrimonial dos arguidos, diga-se através crédito em conta própria.
15- No dia 08-05-2018 o Tribunal a quo notificou os arguidos do
seguinte despacho: produzida a prova o Tribunal considera indiciariamente provado o seguinte facto: Os arguidos fizeram suas a quantia total de €20.966,94 (vinte mil novecentos e sessenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos). Trata-se de uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação (já que nesta o montante apropriado era apenas de €20.002,63), alteração que ora se comunica à defesa, nos termos do disposto no art.º 358º do Código de Processo Penal.”
16- Ora, a douta Sentença proferida, dá como provado que os arguidos entre Janeiro de 2007 a Janeiro de 2010, decidiram apoderar-se de cheques e quantias que recebiam enquanto administradores do prédio e fazerem suas aquelas quantias. (ponto 6) e nesse período os arguidos depositaram 40 cheques, sacados sobre a conta bancária à ordem do condomínio, no montante global de € 19.407,03, na conta bancária n.º PT____, da Caixa Geral de Depósitos, de que ambos eram titulares, (sob o ponto 7) enumerando 23 desses 40 cheques, cuja soma perfaz o montante de 14.323,03€!
17- Mais entende que os arguidos, através de contas bancarias de que ambos eram titulares, efectuaram o pagamento de despesas do condomínio no montante de € 7.966,06 (ponto 8), e apura uma diferença de € 11.440,97, entre o montante de receitas do condomínio depositado nas contas dos arguidos e o pagamento das despesas do condomínio que os arguidos realizaram através das suas contas bancárias (ponto 9).

18– Deu ainda como provado que:

12.- No triénio de 2007 a 2009 os valores em caixa, à guarda dos arguidos (saldo da gerência em 01.01.2007, valores recebidos em caixa - quotas de condomínio e rendas do condomínio recebidas em numerário - e cheques levantados à ordem da CGD do condomínio para reforço de caixa ascendeu a € 17.300,51.
13.-  Nesse mesmo período os arguidos procederam ao pagamento, em numerário, de despesas do condomínio no montante global de € 7.774,54.
14.- Assim, deveria existir em caixa, a 31.12.2009, e ter transitado para a nova administração a quantia de € 9.525,97, o que não se verificou.
15.- Conforme previamente acordado, os arguidos dos cheques a que se refere o ponto 7 depositados na sua conta bancária, fizeram seus a quantia de € 11.440,97.
16.- Dos valores em caixa referidos no ponto 12 os arguidos fizeram seus a quantia de € 9.525,97.
17.- Assim, fizeram suas a quantia total de € 20.966,94 (vinte mil novecentos e sessenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos) usando as mesmas para seu proveito próprio, bem sabendo que aquelas quantias não lhe pertenciam e que agiam contra a vontade, interesse e sem conhecimento dos restantes condóminos.
19- A factualidade pela qual os arguidos vêm condenados é diversa da factualidade descrita na acusação. O modus operandi imputado aos arguidos na acusação é distinto daquele que foi dado como provado em sede de Sentença.
20- Sucede que a factualidade, pela qual os arguidos vêm condenados, não foi, em momento algum, comunicada aos arguidos, constituindo a Sentença absoluta surpresa quanto a essa matéria. Ante o que, salvo devido respeito por diferente opinião, é nosso modesto entender que o Tribunal a quo, ao agir como agiu, enfermou de nulidade a douta sentença proferida, nos termos do previsto na alínea b), do n.º 1 do artigo 379.º do Código do Processo Penal, nulidade que aqui se evidencia e invoca para os devidos e legais efeitos.
21- No modesto entendimento da recorrente, o Tribunal a quofez uma incorreta apreciação da prova produzida em audiência, incorrendo em erro de julgamento ao decidir como decidiu a matéria dos pontos 15, 16, 17, 20 e 21 da matéria de facto dada como provada, isto, sem prejuízo do que já se referiu quanto ao apuramento dos valores vertidos nos pontos 7,8, 9 12,13, 14 e 17, não só quanto à impossibilidade de sindicância dos cálculos apresentados, mas também quanto aos valores de entradas e saídas em dinheiro, designadamente do ano de 2009, sobre os quais nem sequer foi produzida prova para o seu apuramento concreto.
22- Erro de julgamento com que o Tribunal a quo inquina também a decisão sobre os factos não provados, porquanto, por respeito à prova produzida o Tribunal a quo devia ter dado como provado o alheamento da gestão do condomínio, feita pelo arguido, seu marido em quem confiava, bem como a depressão com que se encontrava acometida à data dos factos.
23- Mal andou o Tribunal a quo, no descrédito que dá à factualidade relativa ao alheamento da recorrente no que concerne à gestão do condomínio, estribando a sua decisão na postura da arguida em julgamento, nos depoimentos de varias testemunhas, co-administradores que ao longo do ano de 2009 a interpelaram para prestar contas, ao que esta se escudava, protelando reuniões, na sua presença nas assembleias, no seu nível de literacia e no facto de o arguido possuir uma conta de que era único titular que nunca utilizou para depósito de verbas do condomínio, o que, no entender do Tribunal a quo seria normal se estivesse a tentar esconder alguma coisa á arguida, para desvalorizando os declarações da própria, do arguido e o depoimento do filho de ambos.
24- O Tribunal a quo devia ter tomado em consideração a globalidade da prova produzida, conjugado os depoimentos e declarações prestadas e ter presente o decurso do tempo – dos 10 anos – que separavam o julgamento da factualidade que ali estava a ser analisada, os seus efeitos na vida das pessoas e as relações que elas estabelecem enquanto realidades vivas, dinâmicas, sujeitas a mutações.
25- De que pode relevar a referência à postura da Recorrente em julgamento, que, sem qualquer descrição, no entender do Tribunal a quo não se coaduna com a postura de uma pessoa profundamente deprimida, apática, sem vontade, submissa e dominada pelo seu cônjuge?
26- O Tribunal parece olvidar que a Recorrente, ainda que não totalmente recuperada, conforme documentação medica junta aos autos na sessão de 20180215, ainda que profundamente envergonhada, hoje é o único sustento da casa. Tem a seu cargo o marido, desempregado há 10 anos, este sim, agora deprimido e apático, inativo e até mesmo um pouco confuso.
27- Em sede de audiência de julgamento, ficou demonstrado que esta não era a realidade vigente à data dos factos, antes pelo contrario, factualidade que o Tribunal a quo, que olvida por completo, fazendo tabua rasa dinâmica que o decurso do tempo imprime à vida, às pessoas e às relações e com isso põe em descredito a verdade que lhe foi evidenciada, descorando o juízo de prognose póstuma que sobre si impendia.
28- Na sessão de 20161109105851 a arguida explicou ao Tribunal, que à data estava desempregada, em casa, com os dois filhos menores, acometida por uma depressão e que era o seu marido, em quem confiava, que tratava de tudo, quer da gestão do lar quer da gestão do condomínio de que ela era administradora, minuto 2.05 eu confiava, não me cortavam a agua, o gaz, a luz e eu confiava, eu tinha elevadores, as pessoas não se queixavam, para mim estava tudo bem. Apenas e só em 2009 é que se apercebeu que algo estaria errado, quando começou a receber alertas de pagamentos em atraso e pedidos de contas, para os quais não tinha informações e que ainda assim o arguido negava, nunca lhe tendo dado qualquer explicação para o sucedido, o qual, nessa altura começou a aparecer em casa embriagado. 29 29 – Declarações que reitera na sessão 20180215152322, onde, ao minuto 11 refere ter mudado de vida e atitude em 2010/2011, quando foi confrontada com a eminente perda da casa e começou a trabalhar, na paróquia, inicialmente em voluntariado e hoje em regime de contrato.
30- Já o arguido nas declarações que presta nesse mesmo dia, 20161129111902  explica ao Tribunal, com clareza como é que fazia a gestão do condomínio, detalhando operações, procedimentos. Ao minuto 7 refere que uma vez ou outra pedi à minha esposa para levantar ou depositar, ela fazia o que eu dizia. Referindo ao minuto 8 que a arguida não andava bem, que estava deprimida. Por volta do minuto 14 explica que foi ele quem se apresentou na assembleia de 2010 porque entendeu que era ele o único responsável.
31- Ao minuto 21 refere há 30 e tal anos que estamos juntos, sempre foi assim, ela não controlava, eu é que controlava o dinheiro e o que havia .. , ao minuto 34.50, a instâncias da Digníssima Procuradora prossegue dizendo ela não fazia mínima ideia dessas coisas, nada não fazia ideia nenhuma, á pergunta quem ia ao supermercado, afirma, quem pagava era eu, esclarecendo que a esposa leccionou apenas durante 5 anos, deixou de conseguir colocação, situação de desemprego que agravou      o          seu      estado depressivo.
32- Nas segundas declarações que presta, o arguido na sessão 2010215153948, reitera ser ele quem sempre controlou o dinheiro da casa, ao minuto 4 refere que a esposa ficou com depressão desde o nascimento dos filhos, e que nessa sequência sempre ficou ele com o controle de tudo. 33 – Ao minuto 10, esclarece, hoje já não é assim, hoje quem controla a casa é a minha esposa, porque confiança ela já não tem em mim, isto desde 2011/2012. esclarecendo até o incumprimento do crédito á habitação e a consequente perda da casa omitiu à esposa, que só tomou conhecimento da situação quando já estava perdida.
34- Por seu turno, a Testemunha ____, filho dos Arguidos, médico de profissão, na sessão 20180307120210, para cuja integralidade remetemos, esclarece o Tribunal sobre a relação do casal, descreve o papel de cada um deles e o ascendente que o arguido, à data dos factos, tinha sobre a arguida. Refere que quem fazia as contas do condomínio era o pai a mãe passava a limpo sendo que, ele mesmo chegou a ajuda-la nessa tarefa, ditando. É peremptório em dizer que a arguida só soube da utilização das verbas do condomínio quando começou a haver dívidas do condomínio por pagar, descrevendo que tal descoberta gerou uma grande confusão la em casa, a mãe quando descobriu já o valor era muito avultado, ai descobriu a divida já era avultada superior a 10.000,00€ (repare-se que este é o valor que o arguido entendia ser o valor em divida no inicio de 2010, quando procedeu á entrega da administração) foi um choque para ela. A testemunha fala da condição e saúde da arguida à data e do seu temor de que o arguido saísse de casa e lhe tirasse os filhos, eu vou-me embora e tu ficas sozinha, não vais arranjar mais ninguém e levo os filhos comigo, porque tu estás desempregada. (vd. minuto 2 a 4).
35- Afirma que o dinheiro do prédio não foi lá para casa, nem ele nem a mãe, nunca descobriram para onde foi o dinheiro. Refere que para a mãe foi um enorme choque esta situação, não pelo elevador da divida, mas pela existência da divida em si.
36- Esclarece que Mãe perante a descoberta sugeriu que se pedisse ajuda aos vizinhos, mas tal não colheu o aval do pai. Depois começaram os vizinhos a bater à porta. Ao minuto 7, descreve um episódio de uma vizinha da PSP (a testemunha ____ co-administradora em 2009) lá ter ido bater à porta e oferecer ajuda para fazerem as contas e de a arguida, contrariada, em respeito às indicações do arguido, recusar essa ajuda.
37- É-nos ininteligível que o Tribunal a quo não tenha alcançado que os factos em apreço nos presentes autos, a subsequente perda da propriedade da casa de morada de família e a ruína financeira que os arguido os conduziu a família, arrasaram a confiança que a arguida nele depositara, a qual confrontada pelas dificuldades financeiras em que se viu envolvida, não teve outra solução que não fosse procurar ganhar o sustento para o seu agregado familiar, o que, associado ao alcoolismo e degradação do comportamento do arguido, gerou um volte face no papel que cada um deles assumiam na relação, até porque, se quem traz o dinheiro é quem manda, hoje esse é o papel da Arguida.
38- Esta factualidade é perfeitamente evidenciada pelas declarações dos arguidos e pelo do depoimento da testemunha ____, que o Tribunal, em obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, devia ter valorado e dado como provado.
39- No que concerne aos depoimento das testemunhas ____ e ____, tão valorados pela douta sentença, todos eles co-administradores com a Arguida em 2009 e que atenta a situação sentiram-se traídos por esta, a titulo de exemplo, sobre o estado das suas relações com os arguidos, veja-se o inicio do depoimento da testemunha ____ 20180215160742,  (minuto 1.40).
40- Acresce que o depoimento das mesmas cinge-se ao comportamento que a arguida assume em 2009 muito depois da última eleição, no momento em já havia descoberto o arguido estaria a fazer uma utilização das verbas do condomínio não consentânea aos interesse deste.
41- O facto de a Arguida, inclusive acompanhada pelo seu marido, se apresentar nas assembleias, não pode nem deve ser suficiente para que se afirme que uma “pessoa pró-activa”. Nem o facto de ter permanecido na administração nos aos de 2008 e 2009. Aliás, tal como se depreende do minuto 7 do depoimento da testemunha ____ 20180215160742, a renomeação da Arguida nesse ano foi absolutamente casuística, sem sugestão da própria, até porque, conforme o Arguido referiu nas suas declarações, a administração era constituída por três elementos, dois impostos pelo regulamento e outro a designar e nunca nenhum dos condóminos se oferecia para o lugar.
42- Lamentavelmente o Tribunal a quo não teve em atenção, nem sequer mencione, o depoimento da testemunha José ...... 20180307105257, para o qual se remete, o qual foi co-administrador do condomínio em 2007 e espontaneamente refere que o foi conjuntamente com o senhor ____, por assim estar convencido.
43- A alusão ao nível de literacia da arguida – licenciada em línguas e literaturas modernas, salvo o devido respeito, é completamente despropositada, porquanto, tal grau não faz dela uma pessoa imune seja ao que for. Ao invés o Tribunal parece esquecer que os arguidos são casados entre si e as dinâmicas que se estabelecem numa relação conjugal, bem como que era o arguido – também ele com frequência universitária – quem levava dinheiro para casa!
44- O argumento de que o arguido tinha uma conta da qual é único titular e não utilizou tal conta, o que seria normal se estivesse a tentar esconder alguma coisa à arguida, é, salvo o devido respeito, um profundo equívoco do Tribunal a quo.
Com tal argumento, o Tribunal parece esquecer que a utilização que o arguido fazia das verbas do condomínio estava dependente da entrega, designadamente de cheques, por parte da arguida, a qual era feita no pressuposto de que essas verbas eram creditadas na conta de ambos, para que, através do cartão multibanco dessa conta, fossem pagas facturas do condomínio, de que entregava/ exibia os respetivos talões à arguida.
45- Ora, se arguido, ao invés de fazer os depósitos na conta titulada por ambos, o fizesse na conta titulada por ele mesmo, de imediato, estaria a dar a conhecer a sua conta secreta à arguida, como ainda a estaria a alertar para eventuais irregularidades, pondo em causa a confiança que este depositava nele, o que, ai sim, não faria qualquer sentido!
46- Como não faz sentido a crédito dado pelo Tribunal a quo a que testemunhas que vieram justificar a constituição da divida imputada aos arguidos para suportar os estudos dos filhos, nomeadamente através de uma inquilina do condomínio, que tinha uma papelaria numa loja do prédio, fornecia os livros de Medicina para o filho mais velho em troca das rendas vide 20180307125110 minuto 5 a minuto 6.30, cuja proprietária, por infortúnio não se encontrou.
47- Ora, impunha-se ao Tribunal a quo uma ponderação diferente sobre a prova, à luz das regras de experiência comum, com isso dar como provado que que a arguida nunca foi administradora de facto, que limitava-se a assinar os cheques que lhe eram pedidos para assinar pelo co-arguido, a quem os confiava, desconhecendo o destino subsequente dos mesmos.
Que, à data dos factos a arguida foi acometida de depressão profunda passando o tempo a dormir, pelo que todos os assuntos do condomínio e da sua vida pessoal eram tratados pelo seu marido.
48- Mais se impunha, sem prejuízo do que se refere quanto aos cálculos, que a arguida não fosse visada na matéria relativa aos pontos 15, 16,17 20 e 21, porquanto a mesma era alheia à gestão das finanças do casal e do condomínio, como era desconhecedora da concreta utilização que o marido -arguido – fazia dessas verbas, de que não foi, directa nem indiretamente beneficiaria, nunca para tal tendo dado os eu acordo nem aval, razão pela qual se impugna essa matéria, devendo a decisão que recaia sobre a mesma ilibar a arguida, que, como se deixou provado, não concorreu com culpa para a pratica dos alegados factos.
49- A Douta Sentença recorrida suspendeu a execução da pena de prisão em que condenou a recorrente e o seu marido recorrente mediante a condição na condição de, no prazo de 9 meses, pagarem ao assistente, ____ – Santo António Cavaleiros a quantia de € 5.000 (cinco mil euros), por conta do pedido de indemnização cível e disso fazer prova nos autos.
50- Quanto ao enquadramento económico-financeiro dos arguidos A Douta Sentença, entre os pontos 29 e 35 da matéria de facto provada, conclui que os arguidos são casados entre si e vivem juntos com um filho de 22 anos. Na sequência de dificuldades económicas perderam o imóvel onde viviam em 2012. Arguido está desempregado desde finais de 2009 e não recebe qualquer apoio do estado, a arguida é auxiliar de acção social e aufere 650 euros líquidos mensais. Paga 300 euros de renda de casa.
51- As condições de vida e habitação dos arguidos, respectivos rendimentos disponíveis, proveitos, património, despesas e outras referências do foro económico, revelam-se essenciais para a decisão da imposição de um dever indemnizatório como condição suspensiva da pena de prisão.
52- Atenta a factualidade apurada pelo Tribunal a quo dos 650,00€ que constituem o rendimento de um agregado familiar dos arguidos, composto por três pessoas, após o pagamento da renda da habitação, dispõem de 350,00€ para fazer face aos custos gerais do agregado familiar (energia, água, comunicações, deslocações) alimentação calçado e vestuário de três pessoas, montante que, sem necessidade de outras considerações se revela manifestamente insuficiente para suprir as necessidades básicas do agregado familiar dos arguidos.
53- É-nos absolutamente ininteligível a base em que Tribunal a quo alicerçou a sua convicção para estabelecer com um prazo tão curto – apenas 9 meses – para o cumprimento do dever imposto como condição suspensiva da pena, num valor manifestamente excessivo atentas as possibilidades dos arguidos.
54- A subordinação da suspensão da pena de prisão ao cumprimento de deveres vem prevista e no artigo 51º do Código Penal, consagrando o seu n.º 2 o princípio da razoabilidade a que a mesma deverá obedecer.
55- A concretização do referido princípio deverá ser norteada pelo respeito aos princípios da proporcionalidade e da exigibilidade dos deveres impostos – princípios básicos do Estado de Direito, consagrados na Constituição da Republica Portuguesa.
56- Com respeito aos princípios supra, na decisão dos deveres impostos aos arguidos como condição da suspensão da pena aplicada, o Tribunal a quo, não pode deixar de atender às reais e efectivas possibilidades de cumprimento, pelos arguidos, dos deveres impostos, abstendo-se da imposição daqueles cujo cumprimento se perspective impossível, sob pena de estar simplesmente a adiar a execução da pena de prisão.
57- No caso vertente, porque o dever imposto corresponde ao pagamento, pelo arguido, de uma indemnização ao assistente, o Tribunal a quo, para a fixação do montante e forma de pagamento deveria ter tendido às concretas possibilidades e capacidades económico-financeiras dos condenados, as quais terão de ser aferidas a partir daquilo que os arguidos puderem de acordo com as suas forças.
58- tenta a natureza da imposição e a impossibilidade do seu cumprimento à data da imposição, tal condicionamento da suspensão além de revelar-se ofensivo dos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação das penas, configura uma (inconstitucional) prisão por dívidas. 56 – Acresce que, atenta a débil condição de saúde (física e mental) do Arguido, a sua idade e condição de desemprego há cerca de 10 anos, que não torna expectável que este consiga no próximo ano granjear qualquer tipo de rendimento, que possa auxiliar a aqui recorrente no sustento do agregado e no pagamento da injunção decretada.
60- Ora, como supra referimos, a matéria de facto vertida na douta Sentença, permite, sem margem para duvidas, avaliar o desrespeito da decisão imposta pelo princípio da razoabilidade, cuja concretização conhece consagração constitucional, pelo que, violou o n.º 2 do artigo 50º do Código Penal, não devendo por isso ser exigível a imposição à recorrente, já que,
61- O cumprimento do dever imposto perspectiva-se impossível, inexequível à partida, correspondendo tal imposição, tão só, ao adiamento a execução da pena de prisão, em clara violação com o Principio da razoabilidade e aos princípios da proporcionalidade e da exigibilidade dos deveres impostos – princípios básicos do Estado de Direito, consagrados na CRP.

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Recebido o recurso o MP na primeira instância respondeu, pugnando pela manutenção do decidido, apresentando para tanto as seguintes conclusões:

Quanto ao arguido ____:

Quanto aos factos dados como provados e a sua subsunção aos dispositivos legais aplicados, nenhum reparo nos merece a sentença ora em crise.
- O Recorrente agiu com dolo directo.
- Os factos ocorreram durante um período alargado de tempo – de Janeiro de 2007 a Janeiro de 2010, só tendo sido descoberta a sua actuação porquanto deixou de existir dinheiro para o pagamento das contas correntes do condomínio (água, luz e EME), tendo o arguido e a co-arguida se apropriado da quantia de €20.966,94.
- Cumpre elucidar que tais dívidas do condomínio queixoso, surgiram devido à apropriação indevida das verbas que foram entregues pelos condóminos à co-arguida ou ao arguido, no âmbito do exercício do cargo de administrador que a co-arguida exercia e que o arguido, enquanto marido daquela usava também, para pagamento das obrigações decorrentes da gestão do edifício, valores esses que os arguidos usaram em seu proveito.
- Sendo que o arguido foi condenado na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com condições mínimas, ou seja a de pagar nesse período a quantia de 5000€ ao demandante cível (recorde-se que o valor apropriado supera os €20.000).
- Ora quer a dosimetria penal de 9 meses não é excessiva, quer a condição imposta (pagar 5000 euros ao demandante), também não é exagerada e, caso não seja exequível para o arguido, terá sempre o escape legal previsto no artigo 56°, do Código Penal, porquanto a infracção deve ser por motivos grosseiros e não só por incapacidade económica.
- Assim, ponderadas estas considerações somos do entendimento que existe a necessidade de se alterar o padrão de comportamento do arguido, que nos fazem crer que a pena a que o mesmo foi condenado é claramente suficiente e adequada, pois só assim as finalidades de prevenção especial serão atingidas pela pena.
- Concluindo e considerando as exigências de prevenção geral e especial ao caso em concreto, conjugado com a protecção de bens jurídicos, a reintegração do agente na sociedade e o princípio da culpa, o Ministério Público considera adequada a pena em que o recorrente foi condenado.
Vossas Excelências, no entanto, e decidindo, farão a costumada justiça.

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Quanto à arguida Teresa, apresentou as seguintes conclusões:

- Quanto aos factos dados como provados e a sua subsunção aos dispositivos legais aplicados, nenhum reparo nos merece a sentença ora em crise.
- Desde logo, versando o recurso sobre matéria de facto deve especificar-se os pontos de facto incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa e que provas que devem ser renovadas, com referência às respectivas gravações, tendo lugar a transcrição.
- O que não sucede no recurso em apreço.

- No entanto, considerando as alegações do recorrente, importa desde já reflectir sobre as seguintes questões:
1)- Do erro notório na apreciação da prova;
O erro notório só pode referir-se a factos que caibam no thema probandum e este é definido pelo objecto do processo (Ac. do STJ de 17-4-1997, BMJ 466-209).

Este vício ocorre quando:
a) da análise do texto da sentença recorrida;
b)- por si ou conjugada com as regras da experiência (Ac. do S.T.J. de 27-1-1999, BMJ 483-140);
c)- qualquer homem medianamente dotado (Ac. do S.T.J. de 24-3-1999, BMJ 485, 281)
d)-  se apercebe da existência de vícios notórios - o erro é notório quando é notado ou sabido de todos, ou quando se apresenta como manifesto, evidente, transparente. Insofismável (Ac. do S.T.J. de 25-3-1999, BMJ 485-286).

- O erro notório tem de resultar da análise da matéria de facto.
- Logo, os motivos de facto que fundamentaram a decisão não se confundem com os factos provados nem com os meios de prova.
- Trata-se dos elementos que à luz das regras da experiência e de acordo com critérios lógicos de pensamento racional, levam a que a convicção do Tribunal se forme num certo sentido.
- E, não existe qualquer erro notório.
- Bem pelo contrário, existe uma perícia, elaborada pelo Núcleo de assessoria técnica da PGR, na qual se fundamentou a sentença e que foi totalmente olvidada pela Recorrente.
10º- Tal perícia, devidamente notificada a todos os sujeitos processuais, nunca foi questionada por nenhuma das partes e as suas conclusões não foram questionadas.
11º- Todos a aceitaram por boa e conforme.
12º- Tal perícia concretizou os factos que estavam expostos de forma mais sucinta na acusação, espelhando e enquadrando (a bem da verdade material), os factos descritos no libelo acusatório.
13º- Não existe qualquer alteração da matéria de facto (substancial ou não), ao contrário o que pretende a Recorrente.
14º- Ao invés, existe uma perícia que permitiu a concretização dos factos espelhados na acusação, sendo que os factos dados como provados na sentença contemplam ao detalhe a actuação dos arguidos, revertendo para os factos apurados na perícia, ao pormenor.
15º- A respeito do valor das perícias, passamos a citar o ilustre Professor Germano Marques da Silva, que refere: - É apodíctico: a prova pericial é um meio de prova (assim chamado por apresentar aptidão para ser, por si mesmo, fonte de conhecimento (in Curso de Processo Penal, II, 3ª ed. revista e actualizada, 2002, pág. 209).

16º- A respeito das perícias, os tribunais superiores, já por diversas vezes se debruçaram, sendo que realçamos os seguintes acórdãos:

b)– Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4-03-2015:
“I.- O valor da prova pericial é acrescido em relação aos outros meios na medida em que «[o] juízo técnico, científico ou artístico inerente á prova pericial presume-se subtraído á livre apreciação do julgador», o qual, se dele divergir, deve fundamentar a sua discordância (artigo 163.º, n.ºs 1 e 2). II. A descrição que o relatório pericial faz da máquina apreendida e do seu modo de funcionamento resulta do conhecimento especializado do perito sobre o tipo de máquinas em causa, sendo certo que nenhum elemento de prova foi apresentado ao tribunal a quo que lhe permita divergir do juízo contido no relatório pericial”.
b) Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 06.07.2017:
-“I- O legislador português consagrou um modelo de perícia preferencialmente pública, regra que apenas é afastada por impossibilidade ou inconveniência - artigos 152.º, 153.º 154.º, nº 1 e 160º-A do Código de Processo Penal, constituindo, portanto, um regime misto com prevalência de intervenção de organismos públicos, com a qualidade pericial a assentar numa certificação pública, sem exclusão da possibilidade hipotética de apresentação de perícias contraditórias quando não existam organismos públicos reconhecidos para a realização da perícia; (...)
A perícia, bem ao invés, é um meio de prova que deve ser produzido quando o processo e a futura decisão se defrontam com conhecimentos especializados que estão para além das possibilidades de constatação e/ou percepção, efectivas ou presumidas, do tribunal em três campos do saber, os técnicos, os científicos e os artísticos.
Exame é o verter em auto de condições materiais, sem opinar ou emitir juízos. Ou seja, sem conclusões. Perícia é a emissão de um juízo especializado em determinada área do saber, considerando certos factos assentes;
(...)
A falta da realização da perícia nos casos em que é necessário a detenção de especiais conhecimentos técnicos, artísticos ou científicos, configura um vício que é de conhecimento oficioso e contido no artº 410º nº 2 al. a) do CPP, ou seja a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.
17º- Concluindo, a perícia nunca foi questionada por nenhum dos arguidos, e as conclusões ali apresentadas não foram contestadas.
18º- Pelo que a sentença deu como provados os factos que constam da perícia, procedendo por isso, a um alinhamento diferente da estrutura do libelo acusatório.
19º- A arguida defendeu-se atempadamente, de todos os factos de que estava acusada e de todos os factos que constam da sentença.
20º- Motivo pelo qual é parecer do Ministério Público que não assiste qualquer razão à Recorrente, quanto às nulidades que pretende assacar à douta sentença agora em crise, porquanto a sentença limitou-se a transcrever os factos plasmados no relatório pericial e cuja descrição se encontrava também na acusação (ainda que de forma menos explicativa) e bem andou o Mtm°. Juiz “a quo”, em enquadrar os factos apurados no tipo legal pelo qual veio a condenar a Recorrente, tendo por base, em parte, o relatório pericial o qual nunca foi colocado em causa pela arguida.
21º- Efectivamente existe um lapso de escrita no ponto 11) da sentença, pois compulsado o cheque facilmente se apura que o valor não é de “€1860”, mas tão somente de “€860”, valor este que foi o contabilizado pela perícia efectuada (fls. 22 e anexo V) – fls. 42 da perícia).
22º- Ou seja o valor que foi levado em conta, em termos de valor final foram os 860 euros que efectivamente constam do cheque e não os “1860” euros que por evidente lapso de escrita constam do texto da sentença.
23º- Quanto ao número de cheques, quer a acusação, quer a sentença não foram exaustivas (ao invés da perícia que descreveu todos os cheques usados pelos arguidos), porquanto expressamente o Mtm°. Juiz “a quo” menciona no ponto 7) da sentença: - “...Assim, nesse período os arguidos depositaram 450 cheques, sacados sobre a conta bancária nº PT 50 000350 0810005062973081, da Caixa Geral de depósitos, de que ambos eram titulares, entre os quais os seguintes...” (sublinhado nosso).
24º- A perícia especificou em concreto, quais os cheques em causa (cfr. anexo V), da perícia) e a sentença elencou exemplificativamente 23 cheques.
25º- Assim, da conjugação e ponderação de todos os elementos probatórios disponíveis era inevitável se dessem como provados os factos constantes da sentença condenatória, uma vez que a convicção do Tribunal relativamente aos factos provados fundou-se na análise crítica da prova, nomeadamente na perícia junta aos autos, quanto aos factos que requeriam especiais conhecimentos técnicos.
26º- Não houve, pois, interpretação arbitrária da prova.
27º- Tudo foi devidamente ponderado e relacionado.
28º- Sem necessidade de tecer outros considerandos, cumpre afirmar que na decisão recorrida não existe qualquer erro judiciário e muito menos um erro tão crasso que salte aos olhos, sem necessidade de qualquer exercício mental.
29º- Desde logo, versando o recurso sobre matéria de facto, deve especificar-se os pontos de facto incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa e que provas que devem ser renovadas, com referência às respectivas gravações, tendo lugar a transcrição.

30ºNo entanto, considerando as alegações do recorrente, sempre se dirá, quanto á credibilidade das testemunhas:
- A" livre apreciação da prova a que alude o artigo 127° do Código de Processo Penal não é reconduzível a um íntimo convencimento, a um convencimento meramente subjectivo sem possibilidade de justificação objectiva, mas a uma liberdade de apreciação no âmbito das operações lógicas probatórias que sustentem um convencimento qualificado pela persuasão racional do juízo e que, por isso, também externamente possa ser acompanhado no seu
processo formativo segundo o princípio da publicidade da actividade probatória" (Ac.
do S.T.J. de 3-3-1999 (P. 29/98) de 3-Mar-1999, Bol. do Min. da Just., 485, 248).
31º- Pelo que nada existe que permita induzir que as testemunhas ouvidas não são credíveis.
32º- Muito pelo contrário, o tribunal a quo fundamentou a sua convicção relativamente aos testemunhos.
33º- Concluindo, ponderados os argumentos invocados pela Recorrente na motivação do seu recurso, não podemos deixar de considerar que não lhe assiste qualquer razão e que a sentença recorrida não merece reparo algum.
34º- A decisão de direito, em matéria criminal, baseia-se apenas nos factos previamente dados como provados em sede de audiência de discussão e julgamento.
35º- Tendo isto como ponto assente e analisados os factos que o Tribunal a quo deu como provados na decisão recorrida constata-se que a condenação da recorrente resultou da convicção que o Tribunal a quo formou com base na prova, frisa-se, em toda a prova produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento.
36º- Assim, e ao contrário do que pretende fazer crer a Recorrente, o Tribunal a quo socorreu-se de uma apreciação ponderada e conjugada de toda a prova produzida, a qual permitiu ao mesmo Tribunal concluir pela condenação do arguido.
37º- Afigura-se-nos que, no essencial, a Recorrente se prevalece do direito de discordar da apreciação efectuada pelo Tribunal a quo relativamente à apreciação da matéria de facto.
38º- E, pese embora o facto de a Recorrente poder discordar da posição assumida na decisão recorrida quanto à valoração da matéria de facto por não se conformar com o valor concedido pelo julgador ao depoimento prestado por uma testemunha em detrimento de outra ou outras, de sentido divergente, a verdade, porém, é que tal divergência de opinião não constitui fundamento legal de reexame da matéria de facto que, enquanto tal, é não é sindicável.
37º- Por fim, quanto à testemunha ____, não nos foi indiferente a grande proximidade manifestada por este relativamente à sua mãe – arguida Teresa e o distanciamento existente relativamente ao pai – o arguido ____.
38º- Esta testemunha, claramente pugnou pela inocência da mãe.
39º- Não se pode deixar de ter presente que, no ordenamento jurídico onde nos movemos vigora um princípio fundamental: o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127°do Código de Processo Penal.
40º- Não se verificando, como não se verificam, quaisquer das situações excepcionais, há que acatar a posição assumida pelo Mm° Juiz no exercício do poder jurisdicional que lhe foi conferido e ao abrigo da liberdade de apreciação da prova que lhe assiste (vide, por todos, o Acórdão do STJ, de 13.02.91, AJ n° 15/16, 7 "(...) se o Recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o n°2 do art." 4100 do Código de Processo Penal, mas fora das condições previstas neste normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo Tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que, sobre os mesmos, ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no art. 127° (...)").
41º- Por todo o exposto, e considerando o que acima ficou dito quanto à prova produzida em audiência de julgamento, afigura-se que não tem razão o Recorrente quanto às questões afloradas na sua motivação, uma vez que, tendo em atenção a factualidade dada como provada, outra não poderia ser a conclusão a retirar pelo Tribunal a quo.
42º- Em conclusão, da análise e simples leitura da sentença recorrida, não resulta que a prova produzida haja sido erroneamente apreciada, nem, tão pouco, que a fundamentação não tenha sido tão exaustiva quanto por lei se impõe.
43º- Muito pelo contrário, o tribunal a quo fundamentou de forma assaz exaustiva, quanto à sua convicção e alicerçado no relatório pericial junto ao autos.
44º- Quanto á dosimetria penal
Os factos ocorreram durante um período alargado de tempo – de Janeiro de 2007 a Janeiro de 2010, só tendo sido descoberta a sua actuação porquanto deixou de existir dinheiro para o pagamento das contas correntes do condomínio (água, luz e EME), tendo o arguido e a co-arguida se apropriado da quantia de €20.966,94.
45º- Cumpre elucidar que tais dívidas do condomínio queixoso, surgiram devido à apropriação indevida das verbas que foram entregues pelos condóminos à arguida ou ao co-arguido, no âmbito do exercício do cargo de administrador que a arguida exercia, valores esses que os arguidos usaram em seu proveito.
46º- Sendo que a arguida foi condenado na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com condições mínimas, ou seja a de pagar nesse período a quantia de 5000€ ao demandante cível (recorde-se que o valor apropriado supera os €20.000).
47º- Ora quer a dosimetria penal de 9 meses não é excessiva, quer a condição imposta (pagar 5000 euros ao demandante), também não é exagerada e, caso não seja exequível para o arguido, terá sempre o escape legal previsto no artigo 56º, do Código Penal, porquanto a infracção deve ser por motivos grosseiros e não só por incapacidade económica.
48º- Assim, ponderadas estas considerações somos do entendimento que existe a necessidade de se alterar o padrão de comportamento da arguida, que nos fazem crer que a pena a que a mesma foi condenada é claramente suficiente e adequada, pois só assim as finalidades de prevenção especial serão atingidas pela pena.
49º- Concluindo e considerando as exigências de prevenção geral e especial ao caso em concreto, conjugado com a protecção de bens jurídicos, a reintegração do agente na sociedade e o princípio da culpa, o Ministério Público considera adequada a pena em que a recorrente foi condenada.
Vossas Excelências, no entanto, e decidindo, farão a costumada justiça.

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O Demandante Civil ____ – Santo António Cavaleiros respondeu aos recursos interpostos, apresentando as seguintes conclusões:
a)- A sentença do Tribunal a quo não merece qualquer reparo, nem tão pouco deverá ser objecto da alteração requerida pelo arguido;
b)Consequentemente, deverá manter-se a decisão do Tribunal a quo, uma vez que, ao contrário do que é pretendido pelo recorrente, a mesma não enferma de qualquer vício, nomeadamente, da violação dos arts. 40.º, 71.º, 50.º e 51.º n.º 1 e 2 do CP;
c)- A sentença ora recorrida também não viola o disposto no art. 13.º da CRP;
d)- O recorrente ____, em audiência não confessou os factos, nem mostrou arrependimento;
e)- Pelo contrário, o recorrente optou numa fase inicial pelo silêncio, para posteriormente apenas reconhecer que entre o deve e haver das contas com o condomínio e a sua própria conta poderá ter havido alguma quantia a devolver;
f)- Em audiência, a estratégia do recorrente sempre foi reconhecer que depositava cheques do condomínio na sua conta particular, bem como levantava ao balcão outros cheques do condomínio, apenas e somente para facilitar o condomínio já que este não possuía um cartão multibanco, meio de pagamento hoje em dia muito utilizado;
g)-  O reconhecimento pelo ora recorrente de ter sido ele o único a exercer, de facto, a administração do condomínio, não poderá ser considerado como confissão parcial dos factos;
h) O recorrente sempre que em audiência foi confrontado com factos inequívocos, demonstrativos de ter praticado tal ilícito, optou por alegar uma amnésia e uma depressão que o impediam de se pronunciar sobre essas mesmas evidências e factos;
i)- O recorrente em audiência de julgamento também nunca se arrependeu ou pediu desculpas pelos seus actos;
j)- O Tribunal a quo, na ausência de total arrependimento, não teria de ter em consideração os argumentos agora utilizados pelo recorrente;
k)- Em termos abstratos, a pena aplicável ao crime de abuso de confiança, é de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias;
l)- Nos termos do art. 70.º do CP, o qual estabelece que se ao crime forem aplicáveis em alternativa, a pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
m)- No caso concreto, o Tribunal a quo, tendo presente as exigências e os objetivos da prevenção geral e especial, optou por condenar o recorrente numa pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano;
n)- Não obstante o recorrente ter sido condenado em momento posterior por crime de diferente natureza, verificou-se um elevado grau de ilicitude do facto, bem como dolo intenso, ao que acresce a falta de arrependimento do recorrente pelos factos cometidos e o tempo em que se manteve a conduta ilícita, pelo que a não aplicação de pena não privativa da liberdade não realizaria de forma adequada as finalidades na punição;
o)- A opção do tribunal a quo, por aplicar ao recorrente uma pena de prisão, embora suspensa, mostra-se adequada às finalidades da punição;
p)- Pois a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, devendo o Tribunal atender, em concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele;
q)- O Tribunal a quo, na determinação da medida concreta da pena teve em conta todas as circunstâncias que se impunham no caso concreto e melhor elencadas na sentença ora recorrida;
r)- Foram assim ponderados pelo Tribunal a quo, na concreta medida penal, todos os elementos de facto, agravantes e atenuantes da responsabilidade criminal.
s)- O Tribunal a quo, tendo como objetivo primordial, entre outros, a reintegração do recorrente, determinou que a pena de prisão aplicada seria suspensa pelo período de 1 ano;
t)- Porque se trata de uma condenação pela prática de crime contra o património, que no caso assume uma dimensão económica significativa, a satisfação das finalidades da punição aconselham que a suspensão da execução da pena de prisão deva ser subordinada à condição resolutiva de pagamento da indemnização devida ao ofendido:
u)- No presente caso a indemnização devida ao ofendido é no montante de 20.966,94€, sendo que o Tribunal a quo fez depender essa condição do pagamento, no prazo de 1 ano, de apenas 5.000,00€, respeitando assim o “princípio da possibilidade” entre este valor e as atuais possibilidades económicas do recorrente;
v)- Até porque esta condenação não foi aplicada somente ao ora recorrente, mas também, e de forma solidária, à arguida ____;
w)- Só assim não será permitido ao condenado eximir-se ao cumprimento de uma pena privativa da liberdade, sem que lhe seja exigida a reposição do prejuízo provocado ao ofendido;
x)- Caso contrário, estar-se-ia a proporcionar ao condenado a oportunidade de beneficiar economicamente da sua conduta ilícita;
y)- Ademais, a obrigação do recorrente de reparar pelo seu esforço as consequências do seu comportamento ilícito, contribui para os objetivos pedagógicos da pena substitutiva, contribuindo ainda para uma certa pacificação social, já que o ofendido sente que de alguma forma a pena aplicada tem efeitos na sua esfera, pelo ressarcimento, pelo menos, de uma pequena parte do prejuízo causado;
z)- Não se concebe nem tão pouco se aceita que o mesmo esteja desde 2009 desempregado, uma vez que as suas habilitações e a sua idade não são compatíveis com um tão longo período de desemprego, sendo antes de mais reveladores de uma falta de vontade e de hábitos de trabalho;
aa)- A condição suspensiva imposta pelo Tribunal a quo, de pagamento de 5.000,00€ à assistente irá certamente obrigar o recorrente a trabalhar para obter meios que lhe garantam o pagamento daquele montante, bem como a contribuir para o sustento da sua família, ao mesmo tempo criando-lhe hábitos de trabalho;
bb)- Será mais do que razoável exigir de um arguido condenado pela prática de um crime, o pagamento da indemnização destinada a ressarcir os danos emergentes desse crime;
cc)- Os danos emergentes do crime praticado pelo recorrente foram no montante de 20.966,94€, sendo que a condição suspensiva depende apenas do pagamento, no prazo de ano, da quantia de 5.000,00€, ou seja, cerca de 1/4 do montante daquele prejuízo;
dd)- Por se tratar de uma responsabilidade solidária com a arguida ____, esta responsabilidade (do recorrente) é somente de 1/8;
ee)- O regime de condicionamento da suspensão da execução da pena decido pelo Tribunal a quo não viola o disposto no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), já que nestes casos, o que está em causa é a responsabilidade civil resultante de conduta criminosa, sendo que o dever de indemnizar mais não é do que uma das consequências jurídicas do crime, tal como a pena principal;
ff)- Não merece qualquer censura ou reprovação a sujeição do benefício da suspensão da execução da pena de prisão de uma indemnização, mesmo que visto à luz da Constituição da República Portuguesa;
gg)- Nos termos supra expostos, entende a assistente que a douta sentença proferida nos presentes autos, não merece qualquer reparo, nem tão pouco deverá ser objeto de alteração, devendo manter-se a decisão.

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A Srª PGA junto desta Relação emitiu parecer de fls. 1515 a 1516, no sentido de “assistir razão à recorrente ____, nos seguintes segmentos do seu recurso:
A sentença não elencou nos factos provados quais os montantes e quais os cheques que estiveram na base do apuramento da quantia 19.407,03 euros referenciado no ponto 7 da sentença, sendo que da afirmação "de os arguidos terem depositado 40 cheques" a sentença apenas descrimina 23 cheques, cujos montantes apenas ascende a 14.323,03 euros.
Não explicita o tribunal, em sede de fundamentação, a razão de não ter elencado os restantes cheques e montantes, aludindo apenas "ter sido determinante para o apuramento dos montantes em falta a perícia do NAT junta a f Is. 1276 dos autos", sem curar de levar ao elenco dos factos provados a discriminação dos "apurados montantes em falta",

Assim, pelos fundamentos aduzidos nas conclusões 2 a 12 do recurso em causa, considera-se igualmente padecer a sentença do vício previsto na alínea a) do n°2 do art. 410° do CPP.

Por outro lado, admite-se que o conteúdo da comunicação por parte do tribunal, nos termos do art. 358° do CPP, ocorrida na audiência de 08.05.2018, a fls. 1418, de alteração não substancial de factos, deveria ter abarcado o teor dos pontos 12 a 17 que se deram como provados na sentença, reveladores de um distinto modus operandi dos arguidos, não constante da acusação pública deduzida a fls. 313 dos autos, pelo que se admite a existência da nulidade da sentença invocada na conclusão 19 do recurso da arguida.

Pelo exposto, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos dos arguidos, pronunciamo-nos pela revogação da sentença e subsequente envio dos autos ao tribunal de la instância a fim de ser suprida a nulidade e vício de decisão apontados.”
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Decidindo:
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar artºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 410º nº 2 CPP.

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A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
1.- Os arguidos eram, à data dos factos, e ainda são casados entre si.
2.- Entre Janeiro de 2007 e Janeiro de 2010, ____ foi administradora do condomínio do prédio sito na ____, 4, em Santo António dos Cavaleiros, ____.
3.- O arguido, embora não fosse administrador de direito, era administrador de facto do referido condomínio, recebendo e dando quitação dos pagamentos de quotização efectuados por outros condóminos, procedendo a depósitos e levantamentos bancários, e exercendo outras funções inerentes ao exercício do cargo, com excepção da assinatura dos cheques.
4.- Os arguidos, a arguida enquanto administradora eleita e o arguido enquanto administrador de facto, eram responsáveis pela área financeira, tendo acesso a cheques do condomínio, cheques que a arguida ____ assinava e preenchia – juntamente com outro administrador do prédio.
5.- Aqueles cheques destinavam-se ao pagamento de despesas do condomínio.
6.- Porém, entre Janeiro de 2007 a Janeiro de 2010, os arguidos ____ e ____, decidiram apoderar-se de cheques e quantias que recebiam enquanto administradores do prédio e fazerem suas aquelas quantias.

7.- Assim, nesse período os arguidos depositaram 40 cheques, sacados sobre a conta bancária à ordem do condomínio, no montante global de € 19.407,03, na conta bancária n.° PT____, da Caixa Geral de Depósitos, de que ambos eram titulares, entre os quais os seguintes:
i.-O cheque n.° 7931622162, de 07.07.2008, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 800,00.
ii.-O cheque n.° 7031622163, de 09.07.2008 emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 525,00.
iii.-O cheque n.° 34316221677, de 23.07.2008 emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 1.286,00.
iv.-O cheque n.° 4331622166, de 04.08.2008 emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 1.260,00.
v.-O cheque n.° 5231622165, de 11.08.2008, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 860,00.
vi.-O cheque n.° 2531622168, de 04.09.2008, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 904,33.
vii.-O cheque n.° 0731622170, emitido em 27.09.2008, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 712,00.
viii.-O cheque n.° 1631622169, de 30.09.2008 emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 847,00.
ix.-O cheque n.° 7660251001, de 26.11.2008, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 406,87.
x.-O cheque n.° 8560251000, de 12.12.2008, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 151,00.
xi.-O cheque n.° 5660251014, de 27.01.2009, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 521,00.
xii.-O cheque n.° 4760251015, de 02.02.2009, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 265,00.
xiii.-O cheque n.° 3860251016, de 04.02.2009, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 367,00.
xiv.-O cheque n.° 6560251013, de 13.02.2009, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 131,00.
xv.-O cheque n.° 8360251011, de 07.03.2009, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 270,00.
xvi.-O cheque n.° 9460250999, de 09.04.2009, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 210,00.
xvii.-O cheque n.° 2260251007, de 23.12.2008, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 541,00.
xviii.-O cheque n.° 3631622156, de 04.12.2007, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 846,51.
xix.-O cheque n.° 3914319134, de 28.09.2007 emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 950,00.
xx.-O cheque n.° 4531622155, de 25.10.2007, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 500,00.
xxi.-O cheque n.° 7514319130, de 11.07.2007, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 600,00.
xxii.-O cheque n.° 1831622158, de 23.01.2008, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 869,32.
xxiii.-O cheque n.° 5714319132, de 03.10.2007, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 500,00.
8.– Os arguidos, utilizando quantias depositadas na conta bancária n.° PT____, da Caixa Geral de Depósitos, e da conta bancária PT50003300000007581976005, do Millennium BCP, de que ambos eram titulares, efectuaram o pagamento de despesas do condomínio no montante de € 7.966,06.
9.–Verificado o montante de receitas do condomínio depositado nas contas dos arguidos e o pagamento das despesas do condomínio que os arguidos realizaram através das suas contas bancárias verifica-se uma diferença de € 11.440,97.

10.–O arguido _-------_ levantou ao balcão os seguintes cheques
i.-O cheque n.° 1900582201, de 16.02.2007, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 600,00.
ii.-O cheque n.° 6614319131, de 26.07.2007, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 600,00.
iii.-O cheque n.° 1414319126, de 07.05.20007, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 743,00.
iv.-O cheque n.° 2314319125, de 23.04.2007, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 1.006,60.
v.-O cheque n.° 2800582200, de 21.03.2007, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 600,00.

11.–A arguida _-------_ levantou ao balcão os seguintes cheques:

i.-O cheque n.° 2731622157, de 30.06.2008, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 270,00.
ii.-O cheque n.° ____, de 11.06.2008, emitido pelo condomínio do prédio acima identificado, que se destinava ao pagamento de despesas do condomínio, no valor de Euros 1.860,00.

12.–No triénio de 2007 a 2009 os valores em caixa, à guarda dos arguidos (saldo da gerência em 01.01.2007, valores recebidos em caixa - quotas de condomínio e rendas do condomínio recebidas em numerário - e cheques levantados à ordem da CGD do condomínio para reforço de caixa ascendeu a € 17.300,51.
13.–Nesse mesmo período os arguidos procederam ao pagamento, em numerário, de despesas do condomínio no montante global de € 7.774,54.
14.–Assim, deveria existir em caixa, a 31.12.2009, e ter transitado para a nova administração a quantia de € 9.525,97, o que não se verificou.
15.–Conforme previamente acordado, os arguidos dos cheques a que se refere o ponto 7 depositados na sua conta bancária, fizeram seus a quantia de € 11.440,97.
16.–Dos valores em caixa referidos no ponto 12 os arguidos fizeram seus a quantia de € 9.525,97.
17.–Assim, fizeram suas a quantia total de € 20.966,94 (vinte mil novecentos e sessenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos) usando as mesmas para seu proveito próprio, bem sabendo que aquelas quantias não lhe pertenciam e que agiam contra a vontade, interesse e sem conhecimento dos restantes condóminos.
18.–Os arguidos sabiam que os cheques depositados e os valores recebidos em numerário destinavam-se ao pagamento de despesas do condomínio.
19.–Bem sabiam que estavam na posse dos cheques e das quantias em numerários porque eram administradora e administrador de facto do condomínio.
20.–Ainda assim, fizeram suas as tais quantias, usando as mesmas para seu proveito próprio, bem sabendo que aquelas quantias não lhe pertenciam e que agiam contra a vontade, interesse e sem conhecimento dos restantes condóminos.
21.–Os arguidos ____ e ____ agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
22.–Até ao momento os demandados não restituíram a quantia de € 20.966,94.
23.–As contas relativas aos exercícios de 2007, 2008 e 2009 foram aprovadas pela Assembleia de Condomínio.
24.–Em 13.02.2010, foi realizada uma assembleia de condóminos onde foi levantada a questão de desvio de fundos do condomínio e pedido ao arguido a restituição dos valores.
25.–A arguida não tem antecedentes criminais.
26.–O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 10.10.2011 e proferida no processo 21/10.5PTLRS, na pena de 40 dias de multa e em 4 meses de proibição de conduzir, pela prática, em 16.01.2010, de um crime de condução em estado de embriaguez.
27.–No período de 2007 a 2009 a arguida esteve desempregada.
28.–Em data não concretamente apurada dos anos de 2008 e 2009, o arguido ficou desempregado.
29.–Os arguidos atravessaram dificuldades económicas que culminaram em 2012 com a perda do imóvel em que viviam.
30.–Actualmente o arguido apresenta um quadro depressivo e ansioso, estando medicado.
31.–Os arguidos são casados entre si e vivem juntos com um filho de 22 anos.
32.–A arguida é auxiliar de acção directa e aufere 650 euros líquidos mensais.
33.–Paga 300 euros de renda de casa.
34.–Possui como habilitações literárias Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas.
35.–O arguido é operador de rampa e está desempregado desde finais de 2009.
36.–Não recebe qualquer apoio do estado.
37.–Possui como habilitações literárias frequência do 4º ano do Curso de Sociologia.

2.–MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

Com relevo para a discussão da causa não se logrou provar a seguinte matéria de facto:
Que a arguida nunca foi administradora de facto, que limitava-se a assinar os cheques que lhe eram pedidos para assinar pelo co-arguido, a quem os confiava, desconhecendo o destino subsequente dos mesmos.
Que, à data dos factos a arguida foi acometida de depressão profunda passando o tempo a dormir, pelo que todos os assuntos do condomínio e da sua vida pessoal eram tratados pelo seu marido.
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A Arguida _------__, entre outros fundamentos, invocou:
a)- nulidade da sentença com fundamento em insuficiência da matéria de facto (sendo certo que sempre o este Tribunal teria que analisar se existem os vícios previstos no art.º 410.º do CPP ex oficio);
b)- nulidade da sentença por inclusão na mesma de factos diversos dos constantes da acusação, com violação do disposto no artº 358ºdo CPP.
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O conhecimento de qualquer das nulidades invocadas inviabiliza o conhecimento dos restantes fundamentos de recurso. Assim, impõe-se por elas começar, entendendo-se útil conhecer de ambas ainda que a primeira proceda.
Consta da motivação das conclusões de recurso “Ora, a douta Sentença proferida, dá como provado que os arguidos entre Janeiro de 2007 a Janeiro de 2010, decidiram apoderar-se de cheques e quantias que recebiam enquanto administradores do prédio e fazerem suas aquelas quantias. (ponto 6) e nesse período os arguidos depositaram 40 cheques, sacados sobre a conta bancária à ordem do condomínio, no montante global de € 19.407,03, na conta bancária n.º PT____, da Caixa Geral de Depósitos, de que ambos eram titulares, (sob o ponto 7) enumerando 23 desses 40 cheques, cuja soma perfaz o montante de 14.323,03€!”

Analisada a decisão em crise, verifica-se que se dá como provado nos pontos 6 e 7 o seguinte:

6.- Porém, entre Janeiro de 2007 a Janeiro de 2010, os arguidos ____ e ____, decidiram apoderar-se de cheques e quantias que recebiam enquanto administradores do prédio e fazerem suas aquelas quantias.
7.- Assim, nesse período os arguidos depositaram 40 cheques, sacados sobre a conta bancária à ordem do condomínio, no montante global de € 19.407,03, na conta bancária n.° PT____, da Caixa Geral de Depósitos, de que ambos eram titulares, entre os quais os seguintes:” e descrimina identificando com o respectivo número, apenas 23 cheques, no valor total de 14.323,03 (800,00  +  525,00 + 1.286,00 + 1.260,00 + 860,00 + 904,33 + 712,00 + 847,00 + 406,87 + 151,00 + 521,00 + 265,00 + 367,00 + 131,00 + 270,00 + 210,00 + 541,00 + 846,51 + 950,00 + 500,00 + 600,00 + 869,32 + 500,00).”

No entender do Demandante Civil trata-se de um mero lapso de escrita ou de cálculo perfeitamente rectificável, dado que na motivação da decisão de facto o tribunal a quo afirma ter-se baseado na perícia elaborada e desta consta que facto que os arguidos depositaram 40 cheques e não 23 e que o valor era na verdade de 19.407,03 (fls. 1276 e ss).

Terá o Demandante civil razão? Trata-se de um mero lapso ou de um vício? E sendo um vício acarreta a nulidade da decisão?
Não assiste qualquer razão ao Demandante Civil.

O Relatório pericial analisa todos os movimentos realizados e por conseguinte analisa muitos mais cheques que os considerados pela decisão. Uns porque a sua utilização nenhum ilícito consubstanciava, e outros cujo uso não foi destinado ao que deveria, ou pelo menos não na sua totalidade. Nesta segunda categoria de cheques são efectivamente identificados 40 cheques, e o valor é efectivamente o que se refere no ponto 7 da decisão com suporte no Relatório.

Não obstante, a existência de um meio de prova onde consta a evidência de um determinado facto, só o torna penalmente relevante se ele constar da enumeração dos factos provados constante da sentença.

O art.º 374º do CPP, sobre os requisitos da sentença, determina no seu n.º 2 “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados[2], bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, sancionando o art.º 379º, do mesmo diploma legal, com nulidade[3] a sentença que não contenha as menções referidas no citado n.º 2 do art.º 374º.

Assente que está que a sentença tem que conter a discriminação exacta dos factos que considera provados e não provados, cumpre decidir se a indicação realizada a título exemplificativo, por parte do Tribunal a quo, realiza ou não esta exigência legal.

É jurisprudência assente que, v. entre outros: Ac. STJ de 15.01.1997, na CJ/STJ, tomo I/97, p. 181; Ac. STJ de 05.02.1998, publicado na CJ/STJ, tomo I/98, p. 189; Ac. STJ de 11.02.1998, BMJ 474º, p. 151; Ac. STJ de 02.12.1998, publicado na CJ/STJ, tomo III/98, p. 229, a enumeração dos factos provados e não provados refere-se apenas aos factos essenciais à caracterização do crime e circunstâncias relevantes para a determinação da pena e não aos factos inócuos, mesmo que descritos na contestação.

Ora, a enumeração dos cheques cujos valores os arguidos levantaram e fizeram, ainda que de forma parcial, seus, é relevante para o preenchimento do tipo legal de crime, nomeadamente para o apuramento do dolo e especialmente da culpa, elementos constitutivos subjectivos e relevantes para a determinação da medida concreta da pena.

Não se trata pois de um mero lapso ou erro suprível.

A entender-se que se trata de um lapso, então ele consubstanciaria um erro de cálculo pois a soma aritmética dos valores dos cheques discriminados não perfaz a quantia dada como provada, mas sim outra. Todavia, como se conclui da interpretação da decisão como um todo, da utilização da expressão “entre os quais”, e do despacho proferido em acta (fls. 1418 vº) relativo a alteração não substancial dos factos descritos na acusação a que se faz referência no Relatório da Sentença, o tribunal não cometeu qualquer lapso ou erro de cálculo quando indica que o valor de 19.407,03 no ponto 7 dos factos provados, e que refere corresponder a 40 cheques, quando a soma dos cheques concretos que identifica, 23, apenas perfaz o total de € 14.323,03. O que se passa é bem diferente. O Tribunal a quo deu como provado que os arguidos depositaram 40 cheques sacados sobre a conta bancária do Condomínio, nº PT____, da Caixa Geral de Depósitos, no valor total de 19.407,03, de forma conclusiva, pois não discrimina os factos que permitam a sindicância nesta parte, quer por parte da arguida quer deste Tribunal (ao contrário do que consta do Relatório pericial de fls. 1276 e ss., mais concretamente ponto 32 do relatório e Anexo V do mesmo fls. 1300).

Competia ao Tribunal, até na sequência da alteração não substancial de factos que realizou e comunicou aos arguidos e demais intervenientes, discriminar todos os cheques donde resulta provado o que adiantou ainda em sessão de Audiência de julgamento. Sem que estes factos constem da decisão o tribunal não pode considerar provado o valor de 19.407,03 que refere no ponto 7 citado. Os factos provados não podem ser conclusivos. Antes devem assentar em factos donde se possa concluir o preenchimento da facti speci da norma em causa. Indicar como provado uma conclusão consubstancia uma violação do direito de defesa do arguido por constituir impossibilidade de sindicância do decidido, violando o direito do arguido a um processo equitativo cfr artº 6º da Convenção dos Direitos do Homem (CDH).

Pode a decisão aproveitar-se corrigindo-se o valor indicado na sua exacta correspondência aos 23 cheques identificados? Não.

O vício de insuficiência apontado, que no caso se materializa na utilização em simultâneo de uma conclusão de facto e uma indicação exemplificativa, fere toda a decisão já que o valor indicado, correspondente á soma dos 40 cheques referidos mas não identificados, de que os arguidos se terão apropriado tiveram relevância a nível da determinação do grau da ilicitude e da culpa, logo na determinação da medida concreta da pena. Ou seja, este vício fere toda a decisão.

Por todo o exposto, não temos dúvidas em concluir, na esteira do defendido pela arguida ____ e pela Srª PGA junto deste Tribunal, que a sentença enferma de vício de insuficiência da matéria de facto, que a lei comina com nulidade, prevista nos artºs 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) e 410º, nº 2, al. a) todos do Código de Processo Penal.
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Não obstante a procedência da nulidade decorrente da insuficiência de matéria de facto, tendo sido invocada e porque se verifica, entendemos dever conhecer da segunda nulidade apontada pela recorrente.
A recorrente ____, e a Srª PGA junto deste Tribunal, secunda a posição daquela, afirma na sua conclusão 19 – A factualidade pela qual os arguidos vêm condenados é diversa da factualidade descrita na acusação. O modus operandi imputado aos arguidos na acusação é distinto daquele que foi dado como provado em sede de Sentença.
20– Sucede que a factualidade, pela qual os arguidos vêm condenados, não foi, em momento algum, comunicada aos arguidos, constituindo a Sentença absoluta surpresa quanto a essa matéria. Ante o que, salvo devido respeito por diferente opinião, é nosso modesto entender que o Tribunal a quo, ao agir como agiu, enfermou de nulidade a douta sentença proferida, nos termos do previsto na alínea b), do n.º 1 do artigo 379.º do Código do Processo Penal, nulidade que aqui se evidencia e invoca para os devidos e legais efeitos”.

Para que se analise esta questão há que olhar para a acusação pública, para o despacho onde se comunica a alteração não substancial dos factos e para os que vieram a constar na sentença final como provados.

Na sentença consta, nos pontos 12 a 17, “12. No triénio de 2007 a 2009 os valores em caixa, à guarda dos arguidos (saldo da gerência em 01.01.2007, valores recebidos em caixa - quotas de condomínio e rendas do condomínio recebidas em numerário - e cheques levantados à ordem da CGD do condomínio para reforço de caixa ascendeu a € 17.300,51.
13.– Nesse mesmo período os arguidos procederam ao pagamento, em numerário, de despesas do condomínio no montante global de € 7.774,54.
14.– Assim, deveria existir em caixa, a 31.12.2009, e ter transitado para a nova administração a quantia de € 9.525,97, o que não se verificou.
15.– Conforme previamente acordado, os arguidos dos cheques a que se refere o ponto 7 depositados na sua conta bancária, fizeram seus a quantia de € 11.440,97.
16.– Dos valores em caixa referidos no ponto 12 os arguidos fizeram seus a quantia de € 9.525,97.
17.– Assim, fizeram suas a quantia total de € 20.966,94 (vinte mil novecentos e sessenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos) usando as mesmas para seu proveito próprio, bem sabendo que aquelas quantias não lhe pertenciam e que agiam contra a vontade, interesse e sem conhecimento dos restantes condóminos.”

Ora, este modus operandi não encontra qualquer correspondência nem qualquer facto que conste da acusação pública de fls. 355 a 365. Na acusação pública o ilícito cuja prática é imputada aos arguidos baseia-se no depósito dos cheques que encontram correspondência na discriminação do ponto 7 da sentença e na apropriação de parte dos seus valores.

O modus operandi que o tribunal a quo vem a dar como provado nos pontos 12 a 17 da sentença recorrida resulta da prova pericial realizada.

Dito isto, cumpre analisar se tendo os arguidos sido notificados da perícia ainda se pode concluir pela existência do vício, ou como parece resultar da resposta do Demandante Civil, este conhecimento e fundamento probatório destes factos afastam esta nulidade. Como se referiu já supra, o meio de prova não constitui o facto em si mesmo. Os arguidos têm o direito a conhecer os factos que lhes são imputados e a organizar a sua defesa de acordo com esses mesmos factos, bem como o direito a contradizer as provas apresentadas e a apresentar as que entendam. O meio de prova não substitui o facto; Este tem que constar da acusação, ou não estando há que se assegurar o direito ao contraditório, respeitando-se simultaneamente a estrutura acusatória do nosso processo penal e a independência do tribunal. Tem que ser este facto, contante da acusação ou trazido ao processo com o cumprimento destes princípios (artº 358º do CPP), que integrará e fundará a decisão, devidamente baseado nos meios de prova apresentados e discutidos.

E não se confunda o valor da prova pericial, cuja apreciação se presume subtraída à livre apreciação do julgador (artº 163º CP), com a situação sub judice. Não é de valoração de prova que tratamos, mas sim do facto sobre o qual a mesma recaiu, que não se encontrava na acusação pública e por conseguinte não foi alvo de defesa por parte dos arguidos.

Ora, como se referiu já, apesar de a fls. 1418 vº constar a comunicação, por parte do tribunal, da existência de uma alteração substancial dos factos, a saber: “Produzida a prova o Tribunal considera indiciariamente provado o seguinte facto: Os arguidos fizeram suas a quantia total de € 20.966,94 (vinte mil novecentos e sessenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos).
Trata-se de uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação (já que nesta o montante apropriado era apenas de 20.002,63), alteração que ora se comunica á defesa, nos termos do disposto no art.º 358.º do Código de Processo Penal. a verdade é que nada é referido sobre os factos que vêm na sentença a fazer parte do elenco dos provados sob os números 12 a 17.

Estabelece o Artigo 358.º, sobre a alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, que:
1-Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.”

Decorre do exposto que se verifica uma desconformidade entre a acusação pública e a sentença, respeitante ao modo de execução dos factos por parte dos arguidos, sem que o tribunal tenha comunicado tal alteração, ainda que a considerasse não substancial. Esta comunicação por parte do tribunal aos arguidos impunha-se-lhe por força do disposto no artº 358º, nº 1, para que estes, querendo, pudessem organizar a sua defesa em conformidade, sendo que tal omissão consubstancia igualmente uma violação do princípio do acusatório e do contraditório, e do direito a um processo equitativo (artº 6º da CDH).

Entender-se de forma diferente, consubstanciaria uma interpretação inconstitucional da norma constante do art.º 358 do CPP, como se decidiu no Ac. do Tribunal Constitucional nº 674/99, DR, II Série de 25-02-2000: “Julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 358º e 359º do CPP, quando interpretadas no sentido de se não entender como alteração dos factos - substancial ou não substancial - a consideração, na sentença condenatória, de factos atinentes ao modo de execução do crime, que, embora constantes ou decorrentes dos meios de prova juntos aos autos, para os quais a acusação e a pronúncia expressamente remetiam, no entanto aí se não encontravam especificadamente enunciados, descritos ou discriminados por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República.”

A inclusão de factos provados na sentença diversos dos constantes da acusação, sem que o tribunal tenha cumprido com o disposto no artº 358º do CPP, importa a nulidade na sentença tal como previsto no artº 379º, nº 1, al. b), do CPP, a qual foi devidamente arguida pela recorrente ____.

Termos em que igualmente se julga nula a sentença recorrida por verificação das nulidades previstas nos art.ºs 374º, nº 2, 379º, nº 1, al.s a) e b), nº 2 e 410º, nº 2, al. a).
*

A procedência das nulidades invocadas pela Recorrente, ____, torna inútil o conhecimento das demais questões constantes das motivações de recurso de ambos os recorrentes.
*

Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes nesta Relação de Lisboa, em:
a)- Julgar provido o recurso interposto pela arguida ____, revogando-se a decisão proferida, devendo proceder-se à repetição da audiência de julgamento com cumprimento do disposto no art.º 358º do CPP e supridas as nulidades apontadas.
b)- Sem custas.



Lisboa, 7 de novembro de 2018

(dispensa de serviço devidamente concedida pelo CSM)

Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária, que assina a final (artº 94º, nº 2 do CPP).



(Maria Perquilhas)
(Rui Miguel Teixeira)


[1]Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e  na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271);  o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de  Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363. 

[2]Sublinhado nosso.
[3]“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;”