Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
99/20.3T8RGR.L1-6
Relator: NUNO LOPES RIBEIRO
Descritores: PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
DANO BIOLÓGICO
DÉFICE FUNCIONAL PERMANENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I.A perda da capacidade geral de ganho, que não se concretize em perda de rendimentos da profissão, é indeterminável, pelo que o seu valor deve ser fixado com recurso à equidade.

II.No caso concreto, pontuando défice funcional permanente de 2%, a idade de 56 anos à data do acidente e a circunstância de o lesado se encontrar já reformado por invalidez, embora realize trabalhos ocasionais não declarados, julga-se adequado fixar a indemnização devida, a título de dano biológico, em € 10.000,00.

III.Apenas os danos de natureza não patrimonial que revistam gravidade merecem a tutela do direito.

IV.No caso concreto, tendo em conta os parâmetros indemnizatórios, os valores arbitrados pelos Tribunais Superiores em casos similares e os danos sofridos pelo lesado, as sequelas que apresenta, o sofrimento que experimentou, a afectação permanente da sua imagem corporal [dano estético] e a afectação psicológica, conclui-se que a quantia de € 17.500,00 fixada pela 1.ª instância, como compensação dos danos não patrimoniais sofridos, revela-se ajustada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
           
I.Relatório


A intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra B, peticionando a condenação desta a pagar-lhe as quantias de (a) €30.000,00 a título de indemnização pela I.P.P. (Incapacidade Parcial Permanente) não inferior a 12,5% e (b) €17.500,00 a título de danos não-patrimoniais, tudo no valor global de €47.500,00, acrescido de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alega, em suma, o seguinte: no dia 14/07/2012 pelas 21:30 horas, na Rua ---, perto das bombas de combustível da »Repsol«, ocorreu um acidente de viação, envolvendo o veículo triciclo a motor, matricula---, conduzido por ---, o qual seguia juntamente com o seu pai, A, aqui autor e o veículo ligeiro de mercadorias, matrícula ---, conduzido por ---; alega que o condutor do veículo ---, de modo deliberado, investiu a sua viatura em direcção ao --- embatendo nesta viatura, provocando riscos e amolgadelas no mesmo e atirando o autor, que se encontrava junto ao mesmo, ao chão; considera resultar da Sentença proferida nos autos do Processo n.° 384/12.8PCRGR - Processo Comum (Tribunal Singular) que correu termos Juízo Local Criminal ---, a obrigação do condutor do veículo --- de indemnizar o autor; no pedido de indemnização cível deduzido nesse processo, as partes foram remetidas para os meios comuns; mediante contrato de seguro titulado pela Apólice n.° ---, o proprietário do  ---transferiu para a ré a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da sua circulação; logo após o acidente, o autor foi transportado de ambulância para o Hospital ---, onde lhe detectaram traumatismo crânio-encefálico sem perda de conhecimento, com ferida na região supraciliar direita com 2 cm de comprimento, fractura do prato externo da tíbia com indicação para osteossíntese com parafusos canulados e edema do dorso do pé direito com dificuldade na dorsiflexão, lesões que demandaram 90 dias para a cura com afectação da capacidade geral de trabalho em 30 dias e com afectação da capacidade de trabalho profissional em 90 dias; em 15/07/2012, teve alta da Cirurgia Geral para Ortopedia devido a fractura do prato externo da tíbia com indicação para fazer osteossíntese com parafusos canulados; em consequência, em 19/07/2012, foi submetido a operação sob ALR, para redução incruenta sob IM, fixação percutânea com 3pf canulados com anilha (60/ 68/ 72 mm); encerramento por planos; tala gessada cruropediosa, tendo permanecido 3 dias na unidade de ortotraumatologia do Hospital ---, tendo tido alta, em 21/07/2012; alega que em função das lesões descritas, o autor sofreu uma diminuição da sua capacidade de trabalho, com limitação dos movimentos, a que corresponde uma I.P.P. (incapacidade parcial permanente) de 12,5%; nasceu em 13/02/1956, pelo que, à data do acidente tinha 56 anos de idade e era camponês, auferindo a quantia diária de €30,00, que lhe era liquidada semanalmente, sem quaisquer recibos, ao sábado (dia normal de trabalho) no montante de €180,00; considera assim que tal implica um dano não-inferior a €30.000,00; mais alega que em virtude do acidente supra descrito, o autor sofreu imensas dores, desde logo o momento do acidente e durante três meses, tendo sido submetido a cirurgia e inúmeros e dolorosos tratamentos, medo e pânico no momento imediatamente anterior ao embate, tendo tido dores em montante não inferior a 3 numa escala de 7; prossegue descrevendo os demais danos não-patrimoniais que alega ter sofrido; considera que os mesmos devem ser quantificados em quantia nunca inferior a €17.500,00; termina formulando os pedidos acima enunciados.

A ré apresentou contestação, excepcionando a prescrição e aceitando especificadamente a existência do contrato do seguro, bem como o transporte para o Hospital, impugnando genericamente todos os demais factos alegados; termina peticionando a absolvição dos pedidos formulados.

Após convite, o autor respondeu à excepção deduzida, propugnando pela respectiva improcedência.

Foi dispensada a realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, onde se fixou o valor da causa e se julgou improcedente a excepção de prescrição, após o que identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

Procedeu-se à realização de audiência final, após o que foi proferida sentença, com o seguinte teor dispositivo:
Termos em que o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e condena o réu a pagar ao autor a quantia de €32.500,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal a contar da data da citação e até efetivo e integral pagamento.

***

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
I.Vem a Recorrente, ---, através do presente Recurso de Apelação, impugnar o julgamento de direito do Tribunal a quo, patente na douta sentença, na parte em que decidiu julgar parcialmente procedente o pedido contra si formulado pelo Autor, condenando-a no pagamento do montante indemnizatório de € 32.500,00 (trinta e dois mil e quinhentos euros), dos quais € 15.000,00 a título de “dano de incapacidade parcial permanente (IPP)” e € 17.500,00 a título de danos não patrimoniais.
II.Devidamente analisada a factualidade demonstrada nos autos e esta devidamente subsumida ao direito, aos critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, aos critérios da equidade, às regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, resultará inevitavelmente a fixação de montantes indemnizatórios, em valores inferiores aos fixados pelo tribunal a quo.
III.Resultando da matéria de facto provada que o Autor, à data do acidente tinha 56 anos de idade; estava reformado, mas desempenhava trabalho ocasional não-declarado, que continua a poder fazer, ainda que com eventuais dificuldades na realização de carga sobre o membro inferior direito; ficou com sequelas físicas que lhe conferem um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos, não ponderou o tribunal a quo devidamente as circunstâncias do caso concreto, ao fixar um valor de € 15.000,00, extravasando, salvo o devido respeito, a margem de discricionariedade consentida que legitima o recurso à equidade.
IV.Reputa a Recorrente por excessivo o montante fixado pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais no montante de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros).
V.Face ao exposto, a decisão recorrida violou nesta parte o disposto nos artigos 483.°, 496.°, n.°s 1 e 3, 562.°, 563.°, 564.° e 566.° do Código Civil, devendo ser parcialmente revogada, fixando-se a título de danos patrimoniais, tendo em conta a idade do Autor, o défice funcional permanente de 2 pontos de que ficou a padecer, o facto de se encontrar reformado à data do acidente, conseguindo, ainda que com eventuais dificuldades na realização de carga sobre o membro inferior direito, uma indemnização em montante não superior a € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) e, a título de danos não patrimoniais, tendo em conta a idade do Autor, os tratamentos a que foi sujeito e o quantum doloris, uma indemnização em montante não superior a € 7.000,00 (sete mil euros).
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. melhor suprirão, deverá o presente recurso ser julgado integralmente procedente e, em consequência, ser revogada a decisão proferida, que deverá ser substituída por outra que reduza os montantes indemnizatórios fixados pelo tribunal a quo, pois só assim se aplicará o Direito e se fará a verdadeira JUSTIÇA!

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O autor respondeu, com as seguintes conclusões:
1Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à recorrente, pretendendo, tão-somente retomar o status quo das indemnizações miseravelmente baixas, pagas em Portugal, pese embora, por força do legislador comunitário, o aumento do limite da responsabilidade tenha permitido remover o obstáculo à fixação de indemnizações justas.
2 Considerou, pois, bem, o Tribunal a quo ao fixar o valor de €. 15.000,00 (quinze mil euros), a título de dano de incapacidade parcial permanente (IPP).
3Considerou, pois, bem, o Tribunal a quo, o que tinha de considerar, no caso concreto. De facto, na decisão ponderou o que havia a ponderar, de acordo com a matéria de facto dada por assente, designadamente o grau de culpabilidade total do agente, e as demais circunstâncias do caso, entre outras, o grau de incapacidade, a idade à data do acidente, a zona afectada, e as limitações do lesado, traduzidas num esforço acrescido na realização das tarefas que desempenhava até então, sequelas com óbvio reflexo no dia-a-dia do A., ao ponto de ter deixado de desempenhar as tarefas que exercia até então, tudo, e sempre, devidamente ponderado pelo uso criterioso da equidade, como se vê.
4 Andou, igualmente, bem, o Tribunal a quo, ao fixar o valor de €. 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, tendo ponderado, também, o que havia a ponderar, nomeadamente a culpa exclusiva do condutor, as circunstâncias em que ocorreu o acidente, as condições económicas de A. e R., as lesões sofridas, a zona afectada, a sujeição a cirurgias, as cicatrizes, os internamentos, as dores sofridas e que para o resto da vida sofrerá, os esforços e incómodos decorrentes do acidente, o período de tempo no hospital, o período de tempo de recuperação e as sequelas com que ficou.
5Neste âmbito, ponderou, ainda, o Tribunal a quo, e muito bem, conforme decorre do teor da douta Sentença, o facto de a indemnização dever ter, também, uma função punitiva, e de constituir tendência actual da jurisprudência dos Tribunais Superiores abandonar uma certa parcimónia na fixação dos danos não patrimoniais, por forma a conceder uma tutela ressarcitória mais elevada e completa à integridade física do ser Humano.
6O Tribunal a quo ponderou, igualmente todas as circunstâncias e critérios legais e usou correctamente a equidade - justiça do caso concreto -, razão pela qual, deve ser mantida, também nesta parte, a douta sentença.
7A douta sentença sob recurso decidiu correctamente, de acordo com a prova produzida, e não viola qualquer norma ou princípio legal, encontrando-se devidamente fundamentada, de forma clara e precisa, quer na lei, quer na jurisprudência competentemente citada, uma e outra aplicada ao caso concreto, sempre devidamente temperada pela equidade, razão pela qual deve ser mantida na íntegra.
Nestes termos, mantendo na íntegra a douta Sentença sob recurso, V. Ex.as, Venerandos Desembargadores, farão a tão costumada JUSTIÇA!!!

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Foi proferido o seguinte despacho de admissão:
Por a decisão ser recorrível (artº 629º, nº 1 do Código de Processo Civil), a apresentação do recurso, tempestiva (artº 638º, nº 1 do Código de Processo Civil), efectuada por quem tem legitimidade para o efeito (artº 631º, nº 1 do Código de Processo Civil) e por ter sido cumprido o ónus previsto no artº 639º do Código de Processo Civil, admite-se o presente recurso.
O recurso é de apelação (artºs 644º, nº 1 a) do Código de Processo Civil), sobe nos próprios autos (artº 645º, nº 1 a) do Código de Processo Civil), de imediato e com efeito devolutivo da decisão (artº 647º, nº 1 do Código de Processo Civil).
Notifique e remeta os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

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II.Objecto e delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
Adequação da indemnização arbitrada, a título de danos biológico e não patrimonial.

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III.Os factos
Subiu da primeira instância o seguinte elenco de factos provados:
1. No dia 14 de Julho de 2012, pelas 21:30 horas, na Rua, perto das bombas de combustível da »Repsol«, ocorreu um acidente de viação envolvendo o veículo triciclo a motor, matricula X, conduzido por C, o qual seguia juntamente com o seu pai, A e o veículo ligeiro de mercadorias da marca Toyota, modelo Hilux 32 LN90, matrícula Y, conduzido por D.
2.O condutor do veículo de matrícula Y dirigiu a sua viatura em direcção ao veículo de matrícula X, embatendo nesta viatura, provocando riscos e amolgadelas no mesmo e atirando o autor ao chão, que se encontrava junto ao mesmo.
3.Por contrato de seguro titulado pela Apólice n.° --- o proprietário do Y transferiu para a ré a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da sua circulação.

4.Após o embate referido em 1, o autor foi transportado de ambulância para o Hospital---, onde lhe detectaram:
a.-traumatismo crânio-encefálico sem perda de conhecimento com ferida na região supraciliar direita com 2 cm de comprimento;
b.-fractura do prato externo da tíbia com indicação para osteossíntese com parafusos canulados e;
c.-edema do dorso do pé direito com dificuldade na dorsiflexão.

5.Resulta da perícia junta aos autos que em consequência das lesões sofridas em 4), o autor esteve impedido nos seguintes termos:
a.-Data de consolidação médico-legal das lesões: 18/01/2013;
b.-Défice funcional temporário total (correspondendo aos períodos de internamento e de repouso absoluto): entre 14/07/2012 e 21/07/2012 (8 dias);
c.-Défice funcional temporário parcial (correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses actos, ainda que com limitações): entre 22/07/2012 e 18/01/2013 (181 dias);
d.-Repercussão temporária na actividade profissional (correspondendo ao período de tempo durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da sua cura ou consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua actividade profissional habitual): entre 14/07/2012 e 18/01/2013 (189 dias);
e.-Quantum doloris: 4 numa escala de 7;
f.-Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (correspondendo a afectação definitiva da integridade física e(ou psíquica da pessoa, com repercussões na actividade da vida diária, incluindo as familiares e sociais, independente das actividades profissionais): Mc0617 (por sequelas de limitação na flexão do joelho direito até 110°, sem  limitações na extensão, sem instabilidades articulares ou edema) 2 pontos em 100;
g.-Repercussão permanente na actividade profissional: não-arbitrado, em virtude de se encontrar reformado; atendendo à actividade anteriormente exercida pelo autor (camponês), a perícia entendeu que essa actividade poderá ser exercida com eventuais dificuldades na realização de carga sobre o membro inferior direito;
h.-Dano estético permanente (correspondendo ao prejuízo estético da vítima): grau 1 e 7, atendendo às cicatrizes que apresenta na face e no membro inferior direito;

6.Em 14/07/2012, data do acidente, foi feita sutura de ferida supraciliar direita Nylon 5, havendo suspeita de fractura prato libial direita.
7.Em 15/07/2012, teve alta da Cirurgia Geral para Ortopedia devido a fractura do prato externo da tíbia com indicação para fazer osteossíntese com parafusos canulados.
8.Em 19/07/2012, foi submetido a operação sob ALR, para redução incruenta sob IM, fixação percutânea com 3pf canulados com anilha (60/ 68/ 72 mm); encerramento por planos; tala gessada cruropediosa.
9.Permaneceu 3 dias na unidade de ortotraumatologia do Hospital do Divino Espirito Santo em Ponta Delgada, tendo tido alta, em 21/07/2012.

10.Resulta da perícia junta aos autos que em consequência das lesões sofridas em 4), o autor sofreu as seguintes sequelas:
a.-Face: cicatriz linear, praticamente imperceptível dado que a sua coloração é próxima do tom de pele do examinado, localizada na região supraciliar direita, com cerca de 2cm de comprimento, não-retráctil e não-dolorosa; a cicatriz não condiciona qualquer limitação da mímica facial;
b.-Membro inferior direito: três cicatrizes cirúrgicas localizadas nas faces anterior e lateral do joelho; é palpável material de osteossíntese (ponta de parefuso) na face medial do joelho, situação que não é alvo de incómodo para o autor; limitação na flexão do joelho com movimento máximo até aos 110°, sem alterações na extensão; sem instabilidade articular; sem amiotrofias do membro; sem edema do joelho ou do tornozelo; sem limitações na mobilidade do tornozelo;

11. O autor nasceu em 13/02/1956, pelo que, à data do acidente tinha 56 anos de idade.
12.À data do embate referido em 1), o autor encontrava-se reformado por invalidez; todavia, realizava trabalho ocasional não-declarado, auferindo a quantia diária de €30,00 que lhe era liquidada semanalmente, sem quaisquer recibos, ao sábado (dia normal de trabalho), no montante de €180,00.
13.Em consequência do embate referido em 1), o autor sofreu dores desde o momento do embate e pelo menos durante três meses.
14.O autor sentiu medo e pânico no momento imediatamente anterior ao embate, face à perspectiva de poder perder a vida, tendo, face à violência do embate, ficado incapacitado, com dificuldades em movimentar-se, situação que gerou imenso medo face à perspectiva de ficar parcial ou totalmente incapacitado.

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IV.O Direito

Da indemnização pelo dano biológico

A este respeito, considerou o tribunal a quo o seguinte:
a)- sobre o dano de incapacidade parcial permanente (IPP)
O autor vem peticionar a condenação da ré a pagar-lhe condenação desta a pagar-lhe as quantias de €30.000,00 a título de indemnização pela I.P.P. (Incapacidade Parcial Permanente) não inferior a 12,5%. Esta matéria entra no âmbito da questão da ressarcibilidade do designado »dano biológico«. Trata-se de uma matéria que já suscitou diversas pronúncias jurisprudenciais bem como a atenção da doutrina.
(…)
Em primeiro lugar, resulta dos factos provados e do enquadramento jurídico feito anteriormente que em consequência da conduta do condutor do veículo segurado pela ré, o autor sofreu (a) um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (correspondendo a afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussões na actividade da vida diária, incluindo as familiares e sociais, independente das actividades profissionais) de 2 pontos em 100 (2%) e (b) uma repercussão permanente na actividade profissional que não foi arbitrada, em virtude de se encontrar reformado; contudo, atendendo à actividade anteriormente exercida pelo autor (camponês), a perícia entendeu que essa actividade poderá ser exercida com eventuais dificuldades na realização de carga sobre o membro inferior direito (ponto 5, al.f) e g) dos factos provados); nestes termos, pode-se dizer com um grau de certeza que o autor sofreu uma lesão na sua integridade físico-psíquica em termos de poder integrar os pressupostos do designado »dano biológico«, nos termos acima referidos.
Em segundo lugar, na medida em que mais resulta dos factos provados que o autor se encontrava reformado por invalidez à data da lesão, o cálculo do dano não poderá feito por referência a lucros cessantes (no sentido dos rendimentos que deixou de obter por causa da lesão) ou de danos futuros (no sentido da perda de rendimento expectável em consequência da lesão) em virtude de, em bom rigor, inexistirem esses danos por impossibilidade legal.
Contudo, conforme vimos acima, a ausência de dano-consequência (os lucros cessantes e os danos futuros a que aludimos no parágrafo anterior) não implica que o dano- evento não seja ressarcível nos termos gerais; ora, na medida em que não é possível aferir com rigor o valor dos danos, na medida em que resulta dos factos provados que o autor não exerce uma actividade profissional declarada mas antes o que vulgarmente se designa como »biscates«, trabalho ocasional à margem da lei, os quais terão que ser efectuados com esforço acrescido, esforço esse que não deixa de se reflectir na sua vida pessoal, o Tribunal terá que recorrer à equidade, em obediência aos comandos legais (arts. 564°, n.° 2 e 566°, n.° 3 do Cód Civil).
Nestes termos, na ausência de mais elementos e de ponto de comparação, o Tribunal julga justo e equitativo fixar uma indemnização no valor de €15.000,00 pelo esforço acrescido que essa lesão irá provocar no remanescente da vida do autor (art 4°, al.a) do Cód Civil).
Termos em que o Tribunal considera justo e adequado fixar em €15.000,00 o valor da indemnização peio dano de incapacidade parcial permanente (IPP).
Sobre esta quantia acrescem juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

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Insurge-se a recorrente contra o arbitramento deste valor indemnizatório, defendendo que o mesmo não deverá ser superior a € 3.500,00.

Como é sabido, o dano biológico, perspectivado como afectação da integridade físico-psíquica do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.

Como se refere no Acórdão desta Relação, de 5/11/2020 (Pedro Martins - processo 12146/17.1T8LSB.L1), que procede a exaustiva resenha sobre a jurisprudência do STJ sobre a matéria, não publicado mas disponível para consulta em https://outrosacordaostrp.com/2020/11/05/ac-do-trl-de-05-11-2020-proc-12146-17-1t8lsb-l1-defice-funcional-permanente-de-6-da-integridade-fisico-psiquica-indemnizacao/:
I– O défice funcional permanente de 6% na integridade físico-psíquica da autora, é um dano que deve ser indemnizado, apesar de a autora não trabalhar à data da fixação de tal défice.
II– Esse dano não se confunde com as consequências não patrimoniais desse défice, pelo que a indemnização destas não se confunde com a indemnização daquele.
III– A determinação da indemnização deste dano é feita com recurso à equidade ao abrigo dos artigos 496/4 e 494 do CC; tendo em conta (i) os 28 anos da autora e a sua esperança de vida em 2018, (ii) aqueles 6% de défice, (iii) que o défice terá influência negativa em todas as actividades que a autora possa vir a exercer; (iv) a falta de culpa da autora no acidente; e (v) os valores atribuídos noutros casos judiciais, considera-se que ela deve ser fixada em 20.000€.

Acompanhamos esta decisão desta Relação, nomeadamente quando sintetiza:
A jurisprudência do STJ está hoje (2019/2020) mais ou menos estabilizada nas seguintes considerações que se reportam aos artigos 494, 496, 564 e 566 do CC:
1– O dano biológico – o dano-evento real sofrido pela pessoa no seu corpo, – pode levar a danos-consequências patrimoniais e não patrimoniais.
2– Estes danos patrimoniais são as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais, isto é, de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, e são qualificados como uma perda da capacidade geral de ganho.
3– O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica com uma certa percentagem abrange mais do que uma incapacidade profissional permanente com igual percentagem (e, por isso, dir-se-ia que se tiver sido fixada uma indemnização laboral pela incapacidade profissional, a indemnização do défice funcional complementa-a na medida em que ultrapasse aquela – embora aqui existam acórdãos em divergência).
4– Essa perda da capacidade geral de ganho – quando não for, ou não for só, a perda concretizada de rendimentos da profissão (por a pessoa não estar a trabalhar, no caso de estar desempregado, ainda não trabalhar por ser estudante, já não trabalhar por ser aposentado/desempregado, ou não se verificar incapacidade parcial permanente para o exercício da profissão habitual, apesar de o lesado ter de fazer esforços suplementares/acrescidos para o efeito, – é indeterminável, pelo que o seu valor deve ser fixado com recurso à equidade (por força do art. 566/3 do CC), em função dos seguintes factores: (i) a idade do lesado e a sua esperança de vida; (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente (isto é, a percentagem do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica); (iii) as suas potencialidades de ganho em profissão ou actividades económicas compatíveis com as suas qualificações e aquele défice; (iv) outros que se revelem no caso; e (v) jurisprudência anterior; e não pela aplicação das tabelas utilizadas para determinação dos danos patrimoniais resultantes da IPP para o exercício da profissão habitual [embora neste ponto continue a haver uma corrente forte de acórdãos do STJ que se continuam a referir a esta forma de cálculo como base para o posterior funcionamento da equidade].

***

No caso em análise, encontra-se apurado que o autor sofreu:
- um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (correspondendo a afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussões na actividade da vida diária, incluindo as familiares e sociais, independente das actividades profissionais) de 2 pontos em 100 (2%) e
- uma repercussão permanente na actividade profissional que não foi arbitrada, em virtude de se encontrar reformado; contudo, atendendo à actividade anteriormente exercida pelo autor (camponês), a perícia entendeu que essa actividade poderá ser exercida com eventuais dificuldades na realização de carga sobre o membro inferior direito (ponto 5, al.f) e g) dos factos provados).
Concorda-se, pois, que o autor sofreu uma lesão na sua integridade físico-psíquica em termos de poder integrar os pressupostos do designado dano biológico, nos termos acima referidos.
Na medida em que mais resulta dos factos provados que o autor se encontrava reformado por invalidez à data da lesão, concorda-se também com a sentença recorrida,  que o cálculo do dano não poderá feito por referência a lucros cessantes (no sentido dos rendimentos que deixou de obter por causa da lesão) ou de danos futuros (no sentido da perda de rendimento expectável em consequência da lesão) em virtude de, em bom rigor, inexistirem esses danos por impossibilidade legal.
Na medida em que não é possivel aferir com rigor o valor dos danos, o Tribunal terá que recorrer à equidade, nos termos do disposto nos arts. 564°, nº 2 e 566°, n° 3, do Código Civil.

O STJ, em Acórdão de 20/11/2019 (Nuno Pinto Oliveira), disponível em www.dgsi.pt, subscreveu o acórdão recorrido, com a seguinte síntese:
I– É equitativo compensar com o montante de 10.000€ o défice de 2 pontos na integridade física de uma jovem com 22 anos de idade, estudante do Curso de Ciências do Desporto e Educação Física, quando esse défice funcional, embora compatível com a sua condição de estudante, limita-a quando estejam em causa actividades desportivos em que haja contacto físico intenso ou outras que exijam um maior esforço do membro superior.
No caso em concreto, não vemos porque ultrapassar esse valor (de € 10.000,00), pontuando similar défice funcional permanente, a idade de 56 anos à data do acidente e a circunstância de o lesado se encontrar já reformado por invalidez, embora realize trabalhos ocasionais não declarados.
Pelo exposto, julga-se adequado fixar a indemnização devida, a título de dano biológico, em € 10.000,00, procedendo parcialmente a apelação neste ponto.

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Dos danos não patrimoniais
Insurge-se, por fim, o recorrente contra o valor fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais.

A este respeito, decidiu-se na decisão recorrida:
In casu, o Tribunal considera que o sofrimento do autor nos termos resultados dos factos provados é de molde a merecer a classificação como danos não-patrimoniais, uma vez que considera que esses sentimentos produziram uma situação de »injusto padecimento« ou de »especial gravidade«.
Com efeito, note-se que resulta dos factos provados que o (a) autor foi transportado para o hospital, tendo sofrido traumatismo crânio-encefálico e fractura do prato externo da tíbia, (b) teve que estar 8 dias em repouso absoluto, (c) a consolidação das lesões demorou 181 dias, (d) sofreu dores quantificáveis em 4 numa escala de 7, (e) foi submetido a intervenções cirúrgicas, (f) ficou com sequelas na forma de cicatrizes a face e no membro inferior direito e (g) sofreu dores durante, pelo menos, três meses (cfr pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 13 dos factos provados).
Ora, a hospitalização, a obrigação de estar em repouso absoluto, a circunstância de a consolidação ter dmorado 181 dias, as intervenções cirúrgicas e o facto de ter que sofrido dores durante três meses assumem a seriedade de merecer a qualificação de dano não- patrimonial, nos termos do disposto no art 496° do Cód Civil.
(…)
Tudo ponderado, o Tribunal considera que o valor de indemnização peticionado - €17.500,00 - afigura-se perfeitamente justo e adequado atendendo aos danos não- patrimoniais em que o autor incorreu (art 496°, n.° 3 do Cód Civil).
Sobre esta quantia acrescem juros legais desde a citação até efectivo e integrai pagamento.

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Passando de imediato à análise dos danos não patrimoniais invocados, sempre diremos que entre os danos indemnizáveis estão os danos de natureza não patrimonial que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito - art. 496º do Cód. Civil.

Como refere Vaz Serra, RLJ, 108, 221, Se o direito não deve tutelar somente os interesses económicos, mas também os espirituais, do homem, é razoável que o dano não patrimonial, derivado da inexecução de uma obrigação, seja susceptível de satisfação, tal como o dano patrimonial que dela eventualmente resulte.

Há que referir, no entanto, que, de acordo com o citado art. 496º, só os danos de natureza não patrimonial que revistam gravidade merecem a tutela do direito.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, pg. 434, A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou requintada).

Citando o STJ, em Ac. de 4/3/2004, disponível na base de dados http://www.dgsi.pt/jstj, Por outro lado, deverá ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. O montante indemnizatório (...) deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias do caso (arts. 496º/3 e 494º do Código Civil).

Desde há muito se firmou o entendimento de que, em razão da extrema dificuldade e delicadeza da operação de “quantificação” dos danos não patrimoniais e não obstante a infinita diversidade das situações, dever-se-ão ter presentes os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela jurisprudência corrigidos por outros factores em que se atenda à época em que os factos se passaram, à desvalorização monetária, etc.

Em cada caso, o julgador deve ter em conta as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta do lesante. A indemnização por danos não patrimoniais não se destina obviamente a repor as coisas no estado anterior, mas tão só a dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que amenizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica sofrida.

Para a determinação da compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de assim decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a dialéctica comparativa das situações económicas do lesante/responsável e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.

Na fixação do montante compensatório dos danos não patrimoniais associados à violação de certos tipos de bens pessoais (v. g., vida, integridade física, honra, personalidade moral), os ditames da equidade devem sobrepor-se à necessidade de salvaguarda da segurança jurídica.

No caso em apreço, deverá considerar-se:
A ausência de culpa do autor, na produção do evento;
5.Resulta da perícia junta aos autos que em consequência das lesões sofridas em 4), o autor esteve impedido nos seguintes termos:
a.- Data de consolidação médico-legal das lesões: 18/01/2013;
b.-Défice funcional temporário total (correspondendo aos períodos de internamento e de repouso absoluto): entre 14/07/2012 e 21/07/2012 (8 dias);
c.-Défice funcional temporário parcial (correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses actos, ainda que com limitações): entre 22/07/2012 e 18/01/2013 (181 dias);
d.-Repercussão temporária na actividade profissional (correspondendo ao período de tempo durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da sua cura ou consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua actividade profissional habitual): entre 14/07/2012 e 18/01/2013 (189 dias);
e.-Quantum doloris: 4 numa escala de 7;
h.-Dano estético permanente (correspondendo ao prejuízo estético da vítima): grau 1 e 7, atendendo às cicatrizes que apresenta na face e no membro inferior direito;

10.Resulta da perícia junta aos autos que em consequência das lesões sofridas em 4), o autor sofreu as seguintes sequelas:
a.-Face: cicatriz linear, praticamente imperceptível dado que a sua coloração é próxima do tom de pele do examinado, localizada na região supraciliar direita, com cerca de 2cm de comprimento, não-retráctil e não-dolorosa; a cicatriz não condiciona qualquer limitação da mímica facial;
b.-Membro inferior direito: três cicatrizes cirúrgicas localizadas nas faces anterior e lateral do joelho; é palpável material de osteossíntese (ponta de parefuso) na face medial do joelho, situação que não é alvo de incómodo para o autor; limitação na flexão do joelho com movimento máximo até aos 110°, sem alterações na extensão; sem instabilidade articular; sem amiotrofias do membro; sem edema do joelho ou do tornozelo; sem limitações na mobilidade do tornozelo;

11.O autor nasceu em 13/02/1956, pelo que, à data do acidente tinha 56 anos de idade.
13.Em consequência do embate referido em 1), o autor sofreu dores desde o momento do embate e pelo menos durante três meses.
14.O autor sentiu medo e pânico no momento imediatamente anterior ao embate, face à perspectiva de poder perder a vida, tendo, face à violência do embate, ficado incapacitado, com dificuldades em movimentar-se, situação que gerou imenso medo face à perspectiva de ficar parcial ou totalmente incapacitado.

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O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 05/12/2017 (Ana Paula Boularot), publicado em www.dgsi.pt., julgou equitativo o valor de € 20.000,00 num caso que tem algumas semelhanças com o caso dos autos, quanto à origem dos danos (acidente de viação), quanto à ausência de culpa da vítima, quanto ao sofrimento físico e psíquico (quantum doloris de grau 4), quanto ao dano estético (grau 3), quanto à repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer (grau 2) e quanto ao défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 7 (sete) pontos.

Este mesmo valor (€20.000,00) foi arbitrado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/11/2019 (Nuno Pinto Oliveira), publicado também em www.dgsi.p., num caso relativo a uma jovem de 22 anos e com semelhanças com o caso dos autos, quanto à origem dos danos (acidente de viação), quanto à ausência de culpa da vítima, quanto ao sofrimento físico e psíquico: (1) [d]as dores físicas e psíquicas desde o acidente até à data da consolidação das lesões avaliadas no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; (2) [d]as dores sentidas na face superior do ombro direito com as mudanças de temperatura e com os movimentos do braço direito nos últimos graus da abdução/antepulsão e rotação externa do ombro; (3) [d]o dano estético, representado pela cicatriz na omoplata direita, avaliado num grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; (4) [d]o desgosto que a autora sofre pelo facto de ter ficado com a cicatriz na omoplata; (5) [d]as limitações na actividade física e de lazer, resultantes do facto de ter deixado de praticar futsal, actividade que contribuía para o seu bem-estar e satisfação; (6) [d]o condicionamento da sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, que experimentou desde o acidente até à consolidação das lesões.

Tendo em conta os explicitados parâmetros indemnizatórios, os valores indemnizatórios arbitrados pelos Tribunais Superiores em casos similares e os danos sofridos pelo Autor, as sequelas que apresenta, o sofrimento que experimentou, a afectação permanente da sua imagem corporal [dano estético] e a afectação psicológica, só se pode concluir que a quantia de € 17.500,00 fixada pela 1.ª instância, como compensação dos danos não patrimoniais sofridos, revela-se ajustada.

Improcede, nesta parte, a apelação.

Desta maneira, procede apenas parcialmente a apelação, reduzindo-se o valor fixado na decisão recorrida a título de défice funcional permanente para € 10.000,00 e mantendo-se o restante decidido, quanto aos danos não patrimoniais e quanto à condenação no pagamento de juros de mora a contar desde a citação, sobre o valor total indemnizatório fixado (pois tal questão não foi objecto de recurso).

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Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na procedência parcial da apelação, fixar, a título de ressarcimento do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do autor, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), mantendo-se o restante decidido na sentença recorrida.
Custas por ambas as partes, nas duas instâncias, na proporção do respectivo decaimento.



Lisboa, 2 de Dezembro de 2021


Nuno Lopes Ribeiro
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas