Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2978/12.2TBTVD.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: REGIME DE COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
BENS COMUNS DO CASAL
BENS PRÓPRIOS
MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. No regime de comunhão de adquiridos, a regra de que os bens adquiridos na constância do casamento são comuns pode ser afastada, entre outros casos, demonstrando-se a sub-rogação indirecta nesses bens de bens próprios de qualquer dos cônjuges, desde que, como resulta da alínea c) do artigo 1723º do Código Civil, a proveniência dos bens e valores utilizados na aquisição seja mencionada no documento que titula o acto aquisitivo ou em documento com intervenção de ambos os cônjuges. Inexistindo estes requisitos, o bem deve ser havido como comum.
2. Admite-se que as formalidades exigidas na alínea c) do citado normativo possam ser supridas por qualquer meio de prova que demonstre que o pagamento foi feito apenas com dinheiro de um dos cônjuges ou com bens próprios de um deles, apenas se estiverem unicamente em causa os interesses dos próprios cônjuges, i.e., nas relações internas entre cônjuges.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:



I. RELATÓRIO:


MANUEL …….. e MARIA …….., residentes na Rua ……, Tomar e ANA ……, residente em ……, intentaram, em 25.10.2012, contra ANTÓNIO ……., residente na ……., acção declarativa, sob a forma de processo sumário, através da qual pedem que se reconheça que:

a)o prédio misto sito ……, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 460 e inscrito na matriz sob os artigos 1.126 urbano e 51 Secção L rústico, faz parte do património comum do dissolvido casal que era constituído pelo próprio réu   e  pela Autora Maria ……,
b)actualmente são os Autores os únicos titulares do referido património comum, em consequência da adjudicação da meação do Réu ao Autor Manuel …. e, consequentemente:
c)a reconhecer o direito propriedade dos Autores sobre o referido prédio e a condenar o réu a entregá-lo imediatamente àqueles, livre e desembargado.

Fundamentaram os autores, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:

1. Por escritura pública de compra e venda, lavrada no dia 3 de Dezembro de 1993, no 1.º Cartório Notarial de Torres Vedras, Joaquim …. e mulher declararam vender ao réu, então casado, desde 29 de Agosto de 1992, com a autora Maria …., na comunhão de adquiridos, e o réu, por sua vez, declarou aceitar a compra nas condições exaradas, do prédio misto referido supra, imóvel que passou a fazer parte dos bens comuns do casal;

2. O casamento da autora Maria … com o réu veio a ser dissolvido, por divórcio decretado por sentença de 15 de Julho de 1997, transitada em julgado em 25 de Setembro de 1997;

3. A meação do réu nos bens comuns do seu dissolvido casal com
Maria ….., de que fazia parte o dito prédio, veio a ser penhorada, posta à venda e adjudicada ao Autor Manuel ….., por despacho de 15 de Setembro de 2005, nos autos de execução ordinária n.º 258/2001, que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal de Tomar; 

4. Tendo sido requerido à Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras o registo de aquisição a favor do autor relativo ao referido prédio no respeitante à meação do réu;

5. O réu deixou de ter qualquer direito no património comum de que o referido prédio faz parte;

6. Desde essa data, que o réu deixou de possuir qualquer título que lhe permita manter-se no uso e fruição de tal prédio;

7. Porém, o réu tem continuado a ocupá-lo e recusa-se a entregá-lo ou a abandoná-lo, embora sabendo que os autores se opõem a tal ocupação.

8. Os antepossuidores do prédio referido, Joaquim ….. e mulher B. …, bem como os antepossuidores anteriores, António J. …. e mulher, usaram-no e fruíram-no durante mais de 20, 30 e até 40 anos contados até à data em que o venderam ao réu, continuamente, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição de quem quer que fosse e, portanto, pacificamente, na convicção de exercerem um direito próprio e de não prejudicarem ninguém;

9. Tendo, posteriormente, à compra sido o próprio réu marido que passou a usufruir das mesmas utilidades e a dar idêntica utilização ao prédio, o qual se encontra integrado no património comum do dissolvido casal da autora Maria …. e do réu;

10. Pertencendo o património de que faz parte o prédio em causa actualmente a todos os Autores, é o conjunto destes que tem legitimidade para reivindicar de terceiro a entrega da coisa, pedido que formulam com a presente acção.

Citado, o réu apresentou contestação, invocando, em síntese, que:

1. O imóvel em causa não é um bem comum do casal, pois que, no final do ano de 1989, ainda solteiro, celebrou com Joaquim …. e mulher um contrato promessa de compra e venda quanto ao mencionado imóvel, através da pessoa de seu pai, que o representava como gestor de negócios, pelo preço de €17.500.

2. O preço foi pago por si, também no estado de solteiro.

3. Jamais o dissolvido casal habitou ou pensou habitar o dito imóvel.

4. A sua ex-mulher nunca foi proprietária ou possuidora do que quer que fosse no imóvel e este apenas ficou habitável após divórcio.

O réu deduziu ainda reconvenção, através da qual pediu:

a. Que se declare que o imóvel tem a natureza de bem próprio do réu, que como tal não integra qualquer direito de meação.
E, ainda que assim não fosse, sempre teria de ser considerada a compensação, em acção própria, nos termos do disposto no artigo 1726.º, n.º 2, do Código Civil;

b. que do direito de meação adjudicado aos primeiros autores não faz parte, nem material nem formalmente, nos termos referidos no texto, o imóvel em questão;

c. que se reconheça o réu como proprietário do imóvel, condenando-se os autores a absterem-se da prática de actos que os confunda como tal;

d. que a inscrição G3 está erradamente elaborada devendo, como tal, ser cancelada;

e. a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia 3.000€, a título de danos morais, além dos juros à taxa legal e das custas e o mais legal.

Notificados, os autores/reconvindos responderam à reconvenção, impugnando a factualidade alegada e excepcionado o caso julgado com a acção que correu termos sob o n.º 438/08.5TBTVD.

Dispensada a realização da audiência prévia, foi parcialmente admitido o pedido reconvencional, com excepção do pedido atinente à indemnização por danos não patrimoniais e o pedido de ver declarada a compensação.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de caso julgado e fixados o objecto do litígio e os temas de prova.

Foi rectificada a inscrição da aquisição a favor do primeiro autor do imóvel em causa nos autos por arrematação efectuada no processo executivo n.º 258/2001, que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal de Tomar, passando a constar aquisição do direito à meação a favor do 1.º autor.

Foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 19.02.2015, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte:

Pelo exposto, julgo a presente acção procedente, por provada e a reconvenção improcedente, por não provada, em consequência:
- Condeno o Réu a reconhecer que o prédio misto sito ……., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 460 e inscrito na matriz sob os artigos 1.126 urbano e 51 Secção L rústico, faz parte do património comum do dissolvido casal que era constituído por ele próprio e pela 3.ª Autora;
- Condeno o Réu a reconhecer que actualmente os Autores são os únicos titulares do referido património comum, em consequência da adjudicação da meação do Réu ao Autor Manuel ……;
- Condeno o Réu a entregar imediatamente aos Autores o prédio misto sito …… descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 460 e inscrito na matriz sob os artigos 1.126 urbano e 51 Secção L rústico, livre e desembargado;
Custas da acção pelo Réu.
- Absolvo os Reconvindos dos pedidos;
Custas da reconvenção pelo Reconvinte.
Registe e Notifique.

Inconformado com o assim decidido, o réu interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:

i. O recorrente, pese embora acate a decisão sobre a matéria de facto, não aceita a interpretação e aplicação que o Tribunal “a quo” faz das normas que aplica.

ii. Mais concretamente no que concerne à interpretação e aplicação do disposto nos: - artigo 1722º nº 2 do C. Civil; - artigo 1723º c) do C. Civil; - artigo 1726º do C. Civil; - artigo 1724º b) do C. Civil.

iii. Conforme resulta da matéria provada que consta da fundamentação da sentença, é inequívoco que:

1º. Joaquim … e mulher, anteriores proprietários do imóvel, prometeram vender ao R., através da pessoa de seu pai, o prédio “sub judice”, mediante assinatura de documento escrito (que consta dos autos) – ponto 18;

2º. A promessa e a venda foram negociados entre os pais do Réu os referidos Joaquim ….. e mulher – ponto 9 da fundamentação dos factos;

3º. O preço acordado do imóvel foi de 17.500€ - ponto 10 da fundamentação dos factos;

4º. No acto da assinatura do contrato promessa os pais do R. pagaram aos promitentes vendedores, a título de sinal, a quantia de 5.000€ - ponto 11 da fundamentação dos factos;

5º. O resto do preço foi paga pelos pais do R. aos promitentes vendedores nos seguintes termos: - Em 31/12/1990, a quantia de 2.500€; - Em 30/7/1991, a quantia de 2.500€; - Em 31/12/1991, a quantia de 5.000€; - Em data anterior à escritura a quantia de 2.500€ - ponto13 da fundamentação dos factos;

6º. Os pais do R. pagaram tais valores com dinheiro seu – ponto 14 da fundamentação dos factos;

7º. O preço da escritura de compra e venda e fotocópia, no valor de 245,60€, foram pagos pelo R., com dinheiro de seus pais – ponto 15 da fundamentação dos factos.

8º. O imóvel foi habitado primeiro, pela irmã do R., e após o divórcio deste, só por ele – ponto 17 da fundamentação dos factos;

9º. Após o divórcio o R. fez várias obras sem pedir autorização a ninguém – pontos 18 e 19 da fundamentação dos factos.

iv. Portanto, o negócio e o preço do imóvel foram feito e pago em solteiro, com dinheiro dos pais do recorrente, o que na situação em apreço é um pormenor irrelevante.

v. Já que o que é relevante e essencial é o facto de o património comum do ex-casal não ter sido gasto ou utilizado um cêntimo, nem sequer no pagamento da escritura.

vi. Portanto não houve qualquer esforço conjunto do casal na aquisição do imóvel.

vii. Tal imóvel deve ser considerado bem próprio, e não bem comum, como considerou o Tribunal “a quo”, a nosso ver, erradamente em virtude de uma interpretação e incorrecta aplicação…

DO ARTIGO 1722º Nº2 C. CIVIL
viii. A situação “sub judice” deve considerar-se enquadrada, não em nenhuma das alíneas do nº 2, mas outras situações genericamente previstas em tal dispositivo,

ix. Uma vez que a concretização do contrato promessa e o pagamento do preço ocorreram no estado de solteiro do recorrente,

x. Portanto, ocorreu uma aquisição em virtude do Direito próprio anterior, existindo, inclusivamente, jurisprudência que assim o entende, como é o caso do Acórdão do T. R. Coimbra, de 25/2/92 (CJ 1992, 1º 104).

xi. Aresto que, aliás, preconiza, a mais ampla possibilidade de prova, por uma questão de interesse do equilíbrio entre os cônjuges, para que se qualifique o bem como pertencendo a uma das três massas de bens que integram a comunhão de adquiridos, duas próprias e a terceira de bens comuns, adquiridos com os rendimentos de trabalho dos cônjuges.

DO ARTIGO 1723º c) DO C. CIVIL
xii. Tal dispositivo legal, porque e quando estão em questão interesses de cônjuges, vale como presunção “iuris tantum” e não “juris et jure”.

xiii. Sendo que a disciplina fixada por tal artigo tem sentido e deve ser aplicado nas relações dos cônjuges com terceiros e não nas relações dos cônjuges entre si.

xiv. Sendo facultado ao cônjuge – adquirente a utilização de quaisquer meios para prova da qualificação do bem como próprio adquirido na constância do casamento.

xv. Posição esta, aliás, partilhada por diversos autores como, por exemplo, a Sr. Prof. Castro Mendes, in Direito de família, 1990/91, pag. 170, e pela Jurisprudência, como por exemplo, o Acórdão do STJ de 14/12/1995, in CJ/STJ, ano III, Tomo III, pag. 168, ou o Acórdão do STJ, de 2/05/02, acessível através de http://www.dgsi.pt/jstj (doc. SJ 200 205 020040857), portanto, interpretar-se a alínea c), não como prevendo uma presunção “juris et jure” mas como “juris tantum” é perfeitamente adequado à situação “sub judice”.

xvi. Por outro lado, a alínea c) aplica-se na situação da sub-rogação indireta, em que há pagamento do preço, no acto da escritura (entenda-se também na pendência do casamento).

xvii. Situação em que haverá a tal necessidade de referir a proveniência do dinheiro.

xviii. Na situação em apreço tal exigência não é exigível porquanto o preço foi pago no estado de solteiro do recorrente, tratando-se a escritura de uma formalização legal do negócio de compra que já estava integralmente pago e cumprido.

xix. Acresce que entende o recorrente que a situação “sub judice” deve ser considerada como uma sub-rogação direta, atenta a factualidade provada, e aplicado a alínea a) do artigo 1723º.

DO ARTIGO 1726º DO C. CIVIL
xx. Ficando provado que o bem foi totalmente pago com dinheiro próprio do recorrente e não havendo qualquer investimento de dinheiro comum, jamais o mesmo deveria ser considerado comum.

xxi. Tanto mais que tal dispositivo prevê o pagamento do preço em parte com dinheiro próprio e noutro com dinheiro comum.

DO ARTIGO 1724º b) C. CIVIL
xxii. Nos termos deste artigo e face à factualidade provada, o bem tem de ser considerado como excetuado por lei e com não fazendo parte da comunhão.

xxiii. Portanto, a Mss. Juiz “a quo” fez uma interpretação incorreta dos artigos referidos, quando os aplicou à situação “sub judice”, devendo ter considerado o bem como próprio e não como comum pelos motivos alegados.

xxiv. Assim violou a Mss. Juiz “a quo” o disposto nos artigos 1726º, 1724º al. b), 1723º e 1722º do C. Civil.

Pede, por isso, o apelante, que o recurso seja recebido, julgado procedente, com todas as consequências legais.

Os autores apresentaram contra-alegações e requereram a ampliação do âmbito do recurso, a título subsidiário, nos termos do nº 2 do artigo 636º CPC. Impugnaram a decisão proferida sobre um ponto determinado da matéria de facto, não impugnado pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por ele suscitadas.

E, formularam os apelados as seguintes CONCLUSÕES:
(…)

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

i)  DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

O que implica a análise:     

--- DOS REQUISITOS DA ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO E AS SITUAÇÕES DE SUB-ROGAÇÃO DIRECTA E INDIRECTA.

E, subsidiariamente, no caso de procedência do recurso interposto pelo réu/apelante, ponderar sobre:

ii)   A AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO REQUERIDA PELOS AUTORES/APELADOS, CONSISTENTE NA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.

III . FUNDAMENTAÇÃO:

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:


1.Em 29.08.1992, António ….. e Maria …. casaram no regime da comunhão de adquiridos.

2.No dia 3 de Dezembro de 1993, em escritura pública denominada de “compra e venda” celebrada no então Primeiro Cartório Notarial de Torres Vedras, foi declarado perante a Notária Maria ……. que compareceram perante si como Outorgantes:

Primeiro: Joaquim ….. e mulher ….., casados segundo o regime de comunhão geral (...) contribuintes fiscais números 120 247 542 e 120 247 631; ” “Segundo: António ……, casado com Maria ……, na comunhão de adquiridos (…), “Pelos primeiros outorgantes foi dito: Que pela presente escritura e pelo preço de três milhões e quinhentos mil escudos, que já receberam do segundo, a este vendem (…)o seguinte: “Prédio misto, sito …… descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho [Torres Vedras] sob o número quatrocentos e sessenta, dita freguesia e aí registado a seu favor pela inscrição G-UM e inscrito na respectiva matriz sob os artigos mil cento e vinte seis, urbano, com o valor patrimonial de oitenta e três mil e dezasseis escudos e cinquenta e um da Secção L, rústico, com o valor patrimonial de duzentos e cinquenta e dois escudos.
Pelo Segundo Outorgante foi dito: Que aceita a presente venda, nos termos exarados.”

3.O prédio misto, denominado por “Quintal”, sito ……, constituído por terreno de cultura arvense e casa de habitação – 57m2 e logradouro – 223m2 (…) com área total de 760m2, encontra-se inscrito na respectiva matriz sob o artigo 51.º da secção L e artigo 1126.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras na ficha sob o n.º 460 da freguesia de Campelos, constando desta as seguintes inscrições:
Inscrição G1 – Ap. 22 de 30.08.1990 – “Aquisição a favor de Joaquim …., c.c. B ….. na c. geral (…) – por sucessão de António ….. e mulher Felicia …., na c. geral (…) “Inscrição G2 –Ap. 27 de 18.01.1994 – “Aquisição a favor de António ……., c.c. Maria ……, na c. adquiridos (…) – por compra. “Inscrição G3 – Ap. 52 de 24.11.2006 – “Aquisição a favor de Manuel ……., c.c. Ilda …… – comunhão geral (…) – por arrematação. “Ap. 1912 de 2013/09/10 (…) Rectificação da Apresent., 52 de 24.11.2006 – Aquisição do Direito à meação

4. O casamento da autora Maria …..e do réu foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 15.07.1997, transitada em julgado a 25.09.1997.

5.No âmbito da acção de execução ordinária que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar, sob o n.º 258/2001, em que era Executado António …… (ora Réu) e Exequente Manuel ….. (aqui Autor), foi realizada, em 10.03.2005, diligência de abertura de propostas em carta fechada para a venda do direito à meação do Executado nos bens comuns do seu dissolvido casamento com Maria …….., na qual o Exequente (aqui Autor) apresentou uma proposta no valor de € 8.000,00.

6.Na acção referida em 5. foi proferida a seguinte decisão judicial datada de 15.09.2005: “(…) ficando o Exequente Manuel ….. dispensado do seu prévio depósito, adjudico-lhe o direito à meação do executado António …… nos bens comuns do seu dissolvido casamento com Maria ……..”

7. O Réu tem, ele próprio ou através de outras pessoas por si admitidas, ocupado o prédio descrito em 3..

8.Em Junho de 1990, Joaquim e mulher B.  ……. prometeram vender ao Réu, através da pessoa do seu pai, o prédio referido em 3., mediante assinatura de documento escrito.

9.A promessa e a venda do prédio referido em 3. foram negociadas entre os pais do Réu e Joaquim e mulher.

10. O preço acordado para a venda do prédio descrito em 3. foi de €17.500.

11.No acto da assinatura do contrato promessa os pais do Réu pagaram aos promitentes vendedores a quantia de 1.000.000$00 (5.000€), a título de sinal e princípio de pagamento, de que os mesmos lhe deram quitação.

12.Foi acordado que o resto do preço seria pago da seguinte forma: até 31 de Dezembro de 1990, a quantia de 500.000$00 (2.500€); até 31 de Julho de 1991, a parte restante do preço, no valor de 2.000.000$00 (10.000€).

13. Os pais do Réu pagaram a Joaquim e mulher, a título de preço do imóvel referido em 3., para além do valor mencionado em 11: em 31/12/1990, a quantia de 500.000$00 (2.500€); em 30/7/1991, a quantia de 500.000$00 (2.500€); em 31/12/1991, a quantia de 1.000.000$00 (5.000€); e em data anterior à escritura a quantia de 500.000$00 (2.500€).

14.Os pais do Réu pagaram os valores mencionados em 11. e 13. com dinheiro seu.

15.O preço da escritura da compra e venda e fotocópia da mesma, no valor de 49.240$00 (245,60€), foram pagos com dinheiro dos pais do Réu, por este.

16.Nos 25 anos que antecederam a venda do prédio descrito em 3., era uma tia de Joaquim …  e mulher B. …. que habitava a casa existente no prédio e depois desta Joaquim e mulher usavam a parte do terreno para pôr gado, continuamente, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que eram proprietários.

17.Após a venda referida em 2., a casa foi habitada pela irmã do Réu e após o divórcio por este.

18.Após o divórcio ocorrido entre o Reconvinte e a 3.ª Autora, o Reconvinte fez várias obras no imóvel, com a intenção de o tornar habitável, tendo: substituído todo o piso da casa, retirando os tacos que existiam e colocando mosaico; substituído a casa de banho, colocando louças novas, azulejos e mosaico; refeito a cozinha, colocando bancadas, azulejo e mosaicos; substituído o sistema eléctrico; cimentado parte do jardim; pintado todo o imóvel, quer interior, quer exteriormente; substituído as janelas exteriores de madeira para alumínios e a porta de entrada.

19.O Réu não pediu autorização para a realização dessas obras a ninguém.

20.O Reconvinte começou a habitar o imóvel em data não concretamente apurada, após o divórcio.


B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i)  DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

A presente acção tem por objectivo ou fim imediato o reconhecimento  do  direito  de  propriedade  dos  autores sobre o prédio misto que identificaram, sendo a pretensão formulada pelos autores, consistente na condenação do réu a entregar-lhes tal imóvel, uma mera consequência  do  reconhecimento  do  invocado  direito  de  propriedade.

Nos termos do artigo 1311º do Código Civil a acção de reivindicação desdobra-se, no fundo, em dois pedidos - um o de reconhecimento do direito de propriedade; o outro, o da restituição da coisa. Estes pedidos não se traduzem numa cumulação real de pedidos, mas apenas numa cumulação aparente.

São requisitos de procedência das acções de reivindicação, com fundamento no direito de propriedade, a prova da titularidade desse direito sobre a coisa reivindicada e a sua ocupação pelos demandados.

Acresce que a demonstração da titularidade do direito de propriedade deve fazer-se pela prova do facto jurídico constitutivo do mesmo, o que implica a demonstração da aquisição originária desse direito, ou pela prova de factos que a lei reconheça como suficientes para presumir a existência dessa titularidade: – a posse (artigo 1268º, nº 1, do Código Civil ) e o registo (artº 7º do CRP) .

O proprietário pode, pois, exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor o reconhecimento do direito de propriedade e a consequente restituição da coisa.

É que, na acção de reivindicação, compete ao autor o ónus de provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra na posse ou na detenção do demandado, e compete ao réu, se for o caso, o ónus de provar que é titular de um direito que legitima a recusa da restituição – v. artigo 342º do Código Civil. 
                
Como regra, é insuficiente a invocação de uma forma de aquisição derivada por não ser constitutiva do direito de propriedade, mas somente translativa desse direito, a menos que se comprove que o direito já existia no transmitente.

A prova do direito deve ser feita pelo autor, não bastando justificar a própria aquisição, sendo também necessário provar o dominium auctoris ou usucapião, como forma de aquisição originária.

A usucapião é uma das formas de aquisição originária, nomeadamente do direito de propriedade, cuja verificação depende de dois elementos: a posse (corpus e animus) e o decurso de certo período de tempo, variável consoante a natureza móvel ou imóvel da coisa, e as características da posse - cfr. artigos 1251º a 1262º, 1287º e 1294º a 1297º, todos do Código Civil.

Só não será necessária a prova do dominium auctoris quando o autor beneficie da presunção legal de propriedade, como a resultante do registo.

É que, decorre, com efeito, do preceituado no artigo 7.º do Código do Registo Predial que, “ O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

Insurge-se o réu/apelante contra a sentença recorrida que considerou procedente a acção de reivindicação interposta pelos autores contra o réu, condenando-o a entregar o prédio em causa nos autos, por entender que se mostra violado o disposto nos artigos 1726º, 1724º, alínea b), 1723º e 1722º, todos do Código Civil, defendendo que o prédio reivindicado era um bem próprio e não comum do ex. casal composto pelo réu e pela 3ª autora.

Vejamos,

Segundo o artigo 1721º do Código Civil “Se o regime de bens adoptado pelos esposados, ou aplicado supletivamente for o da comunhão de adquiridos, observar-se-á o disposto nos artigos seguintes.”

E, dispõe o artigo 1722º do C.C. que:

1. São considerados próprios dos cônjuges:
a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento;
b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação;
c) Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior.

2. Consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum:
a) Os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele;
b) Os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes do casamento;
c) Os bens comprados antes do casamento com reserva de propriedade;
d) Os bens adquiridos no exercício de direito de preferência fundado em situação já existente à data do casamento.

Por seu turno, estabelece o artigo 1723º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Bens sub-rogados no lugar de bens próprios” que:

Conservam a qualidade de bens próprios:
a) Os bens sub-rogados no lugar de bens próprios de um dos cônjuges, por meio de troca directa;
b) O preço dos bens próprios alienados;
c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.

A sub-rogação real pode definir-se como o instituto jurídico por virtude do qual, praticando-se ou ocorrendo um acto ou um facto jurídico que importe simultaneamente perda de um valor e aquisição de outro, este se substitui ao primeiro – v. JACINTO RODRIGUES BASTO, Notas ao Código Civil, Vol. VI, 175/176 e PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Cód. Civil Anotado, Vol. IV, 425.

A sub-rogação real abrange duas modalidades, a sub-rogação directa e a indirecta.

Na sub-rogação directa estão em causa casos em que a saída e a correlativa entrada de bens no património do cônjuge procedem do mesmo acto jurídico. Cabem nesta modalidade a troca directa dos bens próprios por outros bens.

Na sub-rogação indirecta estão, por seu turno, em causa casos em que a perda e a aquisição resultam de actos jurídicos distintos. Abrange esta modalidade os bens adquiridos mediante o emprego de bens próprios ou com o produto da alienação de bens próprios, bem como as benfeitorias custeadas com dinheiro ou valores da mesma origem.

Prevê-se no citado artigo 1723º do Código Civil, as duas aludidas formas de sub-rogação para o efeito de manterem a natureza de bens próprios, os bens adquiridos a título oneroso, na constância do matrimónio, mas à custa de bens próprios, mediante o emprego ou utilização destes: - a sub-rogação directa (alíneas a. e b.); a sub-rogação indirecta (alínea c).

Tem existido desde há muito controvérsia na doutrina e na jurisprudência acerca da questão se saber em que termos se pode operar a sub-rogação   indirecta,   quanto   à   exigência   ou   não de se declarar expressamente, com a assinatura dos dois cônjuges, que o preço da aquisição proveio de bens próprios de um dos cônjuges.

Segundo uma tese, a solução prevista na lei visa proteger, não só a segurança do comércio jurídico, nomeadamente o interesse de terceiros à estabilidade das massas patrimoniais, nas também o interesse dos cônjuges a uma precisa definição das mesmas, não sendo, por isso, de admitir qualquer prova da proveniência do dinheiro ou valores a não ser a que expressamente se prevê na citada alínea c) do artigo 1723º do CC, ou seja, a menção no documento de aquisição ou em documento equivalente a proveniência do dinheiro ou valores e a intervenção de ambos os cônjuges.

Tal significa a defesa da consagração na alínea c) do artigo 1723º do C.C. de uma presunção jure et jure. A ausência da aludida menção, bem como da intervenção de ambos os cônjuges no documento de aquisição implica necessariamente que o bem tem que ser qualificado como comum.

Para outros autores, apenas a ideia de protecção de terceiros justifica a limitação estabelecida no preceito legal. Estando em causa tão-somente o interesse dos cônjuges, nada impede que a conexão entre os valores próprios e o bem adquirido seja provada por qualquer meio, valendo, pois, nas relações entre os cônjuges, qualquer meio de prova comprovativo de que o bem é próprio.

Tal significa, ao invés, que na alínea c) do artigo 1723º do C.C. se consagra uma mera presunção juris tantum quanto à propriedade dos bens, que poderá ser ilidida nas relações internas entre os cônjuges após a dissolução do casamento.

Em defesa do primeiro entendimento, esclarece ANTUNES VARELA, Direito de Família, 378 que “os bens adquiridos com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges só se consideram como bens próprios quando a proveniência do dinheiro ou valores seja referida no próprio documento da aquisição ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges. Só nesses termos a aquisição com bens próprios oferece prova bastante, aos olhos das leis.

No mesmo sentido se pronunciaram PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Cód. Civil Anotado, Vol. IV, 426/427, que defendem que esta é a solução “que melhor corresponde ao interesse da segurança nas relações jurídicas e a que mais eficazmente acautela os interesses legítimos de terceiros contra as surpresas de uma prova incontrolável. (…) A falta de menção da proveniência do dinheiro ou valores com que a aquisição seja feita constitui presunção juris et jure de que estes meios são comuns, não só para o efeito de qualificação dos bens adquiridos, mas também para o acerto das relações entre o património comum e o património próprio de cada cônjuge”.

Também na jurisprudência este entendimento se mostra defendido no Ac. STJ de 24.09.96, BMJ 459, 535 que esclarecia: aquilo que era próprio antes do casamento deve continuar a sê-lo. E, para que tal desiderato não seja simples "boa intenção" subvertida pelas realidades da vida, o que já era próprio deve transmitir essa qualidade ao que aparecer em seu lugar. Este é um resultado da verdade substancial em desfavor das simples sombras ou aparências. Igualmente merecem referência, os Acs. STJ de 15.10.98, BMJ 480, 466 (Pº 98B530), de 25.05.2000 (Pº 99B1128), C,J/STJ 2000, II, 76 e mais recentemente, Ac. STJ de 29.05.2014 (Pº 530/12,1TBCHV-B.P1.S1), todos igualmente acessíveis em www.dgsi.pt.

A segunda das mencionadas teses tem sido defendida por PEREIRA COELHO E GUILHERME OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, Vol. I. 2 ed., 519, CASTRO MENDES, Direito da Família, 1990/1991, 170.

Também na jurisprudência este entendimento, que se julga maioritário, se mostra defendido nos Acs. STJ de 15.05.2001, CJ/STJ 2001, III, 92, de 06.03.2007 (Pº 06A4619), de 24.10.2006 (Pº 06A2720), e de 01.07.2010 (Pº 478/08.4TVLSB.L1), no qual se refere que: “Se estiverem em jogo apenas interesses dos cônjuges, estes sabem bem quais os bens com que cada um deles entra para a comunhão e quais os que pertencem exclusivamente a um deles, pelo que não há qualquer seu legítimo interesse a acautelar com a expressa declaração de exclusividade de um bem que ambos já sabem pertencer apenas a um deles”. E, mais recentemente, no mesmo sentido, o Ac. STJ de 03.07.2014 (Pº 899/10.2TVLSB.L2.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Todavia, não obstante as divergências assinaladas, com relação à exigência, ou não, da prova prevista na citada alínea c) do artigo 1723º do C.C., a verdade é que estas orientações estão acordes no sentido da exigibilidade da intervenção de ambos os cônjuges no documento de aquisição – v. neste sentido Ac. STJ de 13.07.2010 (Pº 1047/06-9TVPTR.P1.S1).

Analisemos, então, o que ficou apurado nos autos.

A 3ª autora e o réu casaram entre si, no dia 29.08.1992, segundo o regime de comunhão de adquiridos, tendo sido celebrada, em 03.12.1993, logo, em data posterior ao casamento, escritura pública de compra e venda, através da qual o réu declarou adquirir o imóvel aqui reivindicado pelos autores – v. Nºs 1 e 2 da Fundamentação de Facto.

Ficou ainda provado que o casamento entre a 3ª autora e o réu foi dissolvido por divórcio, decretado por sentença de 15.07.1997, transitada em julgado em 25.08.1997, e que, na acção executiva em que era exequente, o 1º autor, e executado, o réu, aquele adquiriu, mediante propostas em carta fechada, o direito à meação do executado nos bens comuns do ex. casal composto pela 3ª autora e pelo réu, direito esse que foi adjudicado ao 1º autor, por decisão judicial de 15.09.2005  – v. Nºs 4 a 6 da Fundamentação de Facto.

Acresce que não obstante haja ficado demonstrado que foram os pais do réu que, na sequência do contrato-promessa de compra e venda, firmado com os anteriores proprietários, procederam ao pagamento do preço, relativamente ao prédio misto aqui em causa, a verdade é que, a escritura pública de compra e venda foi celebrada já na vigência do casamento entre a 3ª autora e o réu, não tendo aquela intervindo na escritura pública, nem nela ficou a constar a proveniência dos valores entregues para aquisição do bem, apenas constando da escritura pública que o preço já havia sido recebido.

Ademais, não se pode acompanhar a argumentação do réu/apelante, quando defende que só faria sentido tal menção se, no acto da escritura pública, se procedesse ao pagamento do preço, o que não sucedeu no caso em apreciação, já que tal restrição não decorre nem resulta do normativo legal.

Considerando que no regime de comunhão de adquiridos, a regra de que os bens adquiridos na constância do casamento são comuns pode ser afastada, entre outros casos, demonstrando-se a sub-rogação indirecta nesses bens de bens próprios de qualquer dos cônjuges, desde que, como resulta da alínea c) do artigo 1723º do Código Civil, a proveniência dos bens e valores utilizados na aquisição seja mencionada no documento que titula o acto aquisitivo ou em documento com intervenção de ambos os cônjuges, entende-se que, apenas se pode admitir que as formalidades exigidas na alínea c) do citado normativo possam ser supridas por qualquer meio de prova que demonstre que o pagamento foi feito apenas com dinheiro de um dos cônjuges ou com bens próprios de um deles, se estiverem unicamente em causa os interesses dos próprios cônjuges, i.e., nas relações internas entre cônjuges.

No caso vertente, não estão em causa apenas as relações internas entre cônjuges, pelo que não estão demonstrados os requisitos previstos na alínea c) do artigo 1723º do C.C. A situação aqui em análise não integra qualquer outra alínea do citado normativo, nem do artigo 1722º do mesmo diploma legal, logo, o bem em causa terá de ser havido como comum.

Acompanha-se, por conseguinte, o exarado na sentença recorrida, quando ali se afirma que: (…) não resulta mencionado no título de aquisição – escritura de compra e venda - que o tivesse feito com dinheiro próprio (réu/reconvinte),  pelo que na falta de menção no documento de aquisição do bem, ou outro equivalente, da proveniência do dinheiro com que o bem foi adquirido e na ausência de intervenção de ambos os cônjuges, o bem tem de ser qualificado como comum, pois que estamos perante uma presunção juris et jure de que esse bem é comum, já que no caso não se questiona apenas os interesses dos cônjuges, mas também de terceiro adquirente do direito à meação (…).
O autor adquirente do direito à meação é um terceiro, credor do aqui Réu, em execução por aquele instaurada contra este, devendo beneficiar, como se disse, da confiança que lhe dá a massa patrimonial aparentemente comum, assente, no caso, no registo de aquisição do imóvel em causa nos autos existente a favor do Réu e terceira Autora, na qualidade de cônjuge, na Conservatório do Registo Predial, confiança esta que sai reforçada pela circunstância da aquisição do direito à meação ter sido efectuada em sede de processo executivo, no qual foi considerado como fazendo parte, por força do mencionado registo, o imóvel em causa nos autos. Diga-se, aliás, que a admitir-se a prova do contrário, de que tal bem seria próprio do Réu, alterando a confiança do credor assente no que da escritura e do registo consta, seria permitir que o Réu visse extinta a execução contra si intentada por força da adjudicação do direito à meação de um património, que assentou na convicção de que pelo menos daria lugar a parte do valor do imóvel, que nenhum bem continha, vendo-se aquele liberto do pagamento coercivo da quantia exequenda e ficando com o bem no seu património e o credor com o direito a nada.

Ora, tendo o direito à meação que pertencia ao réu sido adquirido pelo 1º autor e integrando o imóvel em causa a universalidade dos bens que compõem o património comum, podem os autores reivindicar o imóvel, como muito bem se defendeu na sentença recorrida.

Por outro lado, ficou provado que consta do registo predial, com relação ao prédio misto, denominado por “Quintal”, a aquisição a favor de Joaquim …., c.c. B….., na c. geral (Ap. 22 de 30.08.1990), a aquisição a favor de António ….., c.c. Maria ……, na c. adquiridos (Ap. 27 de 18.01.1994), a aquisição do direito à meação a favor de Manuel ……, c.c. Ilda …… – comunhão geral (Ap. 52 de 24.11.2006 ), mais se tendo provado que, nos 25 anos que antecederam a venda do imóvel, os antepossuidores de Joaquim …. e mulher B. …. habitavam a casa do prédio em causa nos autos e estes, depois daqueles, usavam o terreno para aí colocarem o gado, actos que praticavam à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, na convicção de que eram proprietários, sendo certo que o réu/reconvinte apenas começou a habitar o imóvel em data não concretamente apurada, mas posterior a 15.07.1997 - v. Nºs 3, 4, 16 e 20 da Fundamentação de Facto.

É, pois, forçoso concluir que demonstraram os autores a regularidade, substancial e formal, da cadeia das sucessivas transmissões anteriores que servem de suporte à titularidade do direito de propriedade que invocam na presente acção, não tendo o réu demonstrado deter título que legitime a detenção do imóvel reivindicado, como bem se decidiu na sentença recorrida.

Soçobra, por conseguinte, a apelação, confirmando-se “in totum” a sentença recorrida.

Os autores, nas suas contra-alegações, requereram, a título subsidiário, a ampliação do objecto do recurso, por discordarem da circunstância de o Tribunal recorrido ter dado como provado que os pais do réu pagaram a Joaquim ….e mulher, a título de preço do imóvel, outras quantias para além daquelas que foram mencionadas no próprio contrato-promessa (Facto Nº 13), unicamente com base nas declarações da única pessoa que afirmou ter pago (a mãe do réu, testemunha Inês da Anunciação).

Como é sabido, a ampliação do recurso, prevista no nº 1 artigo 636º do nC.P.C., destina-se a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamento da acção não considerado na sentença recorrida, no caso em que determinado pedido tenha pluralidade de fundamentos e, por força do recurso, o fundamento acolhido naquela sentença venha a ser considerado improcedente.

Como refere JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2003, em anotação ao artigo 684-A do aCPC, com idêntica redacção ao actual que: “o nº 1, prevê o caso de haver pluralidade de fundamentos da acção (causas de pedir) ou da defesa (excepções), impondo ao tribunal de recurso que conheça do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira na sua contra-alegação, ainda que a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.

E, sem apreciar a bondade de a discordância dos apelados poder integrar o fundamento de ampliação do recurso contemplado no citado normativo, a verdade é que, face ao ora decidido, quanto à improcedência da apelação e confirmação da sentença recorrida, prejudicada ficou a apreciação da ampliação do objecto do recurso do réu, formulada pelos autores.

O apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Novo Código de Processo.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se o apelante no pagamento das custas respectivas.


Lisboa, 2 de Julho de 2015

                                                                                                                Ondina Carmo Alves - Relatora
Eduardo José Oliveira Azevedo 
Olindo dos Santos Geraldes
Decisão Texto Integral: