Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA RODRIGUES DA SILVA | ||
Descritores: | MAIOR ACOMPANHADO MEDIDAS DE ACOMPANHAMENTO CAUTELARES MEDIDA DE INTERNAMENTO PRINCÍPIO DA NECESSIDADE PRINCÍPIO DA SUBSIDARIEDADE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/30/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | 1. No âmbito do regime jurídico do acompanhamento de maiores, o tribunal pode aplicar, em qualquer altura do processo, a requerimento ou oficiosamente, e sempre que as circunstâncias o justifiquem, medidas de acompanhamento provisórias e urgentes (art. 139º, nº 2 do CC) ou medidas cautelares (art. 891º, nº 2 do CPC). 2. O internamento previsto no art. 148º do CC deve ser sempre enquadrado com o disposto no art. 891º, nº 2 do CPC e, por esse motivo, como uma medida cautelar e por forma a acautelar os interesses do beneficiário e na medida de protecção conferida pelo art. 139º, nº 2 do CC. 3. O regime do maior acompanhado assenta na primazia da autonomia de cada um e na subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade. 4. Consequentemente, qualquer limitação nos direitos pessoais do beneficiário tem de ter um fundamento fáctico bastante que justifique a intervenção do tribunal, a qual deve sempre ser subsidiária e devidamente balizada no tempo. 5. Nessa valoração serão aplicáveis os princípios da subsidiariedade e do respeito pela autonomia da pessoa humana (arts. 141º, 143º e 147º do CC), da necessidade (arts. 149º e 155º do CC), do bem-estar e recuperação do sujeito (arts. 140º e 146º do CC), os quais funcionam como os princípios basilares de todo o regime e, por esse motivo, devem orientar a aplicação e revisão das medidas a aplicar em cada situação. 6. Assumindo-se como uma medida cautelar, não pode a medida cautelar de internamento em instituição ser aplicada por tempo indeterminado, porquanto a mesma pressupõe a adequação a uma necessidade especifica do beneficiário e com vista a suprir a situação de necessidade existente em determinado momento. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO 1. O Ministério Público intentou a presente acção especial de acompanhamento de maior em benefício de A [ António ….], requerendo o decretamento do acompanhamento do beneficiário por razões de saúde e de comportamento, com aplicação das seguintes medidas de acompanhamento: a) representação geral, nos termos do art. 145.º, n.º 2, al. b) e n.º 4 do Código Civil, com dispensa da constituição do Conselho de Família; b) limitação no direito de celebrar negócios da vida corrente e no exercício do direito pessoal de testar, nos termos do art. 147.º, n.º 1 e 2, do Código Civil. 2. Foi realizada a audição do beneficiário em 27.02.2020 no seu domicílio e sem prévia nomeação de perito, nos termos do art. 898º do CPC, após o que foi determinado a condução do beneficiário às Urgências de Psiquiatria do Hospital do Divino Espirito Santo de Ponta Delgada a fim de ser avaliado o seu comportamento agressivo. 3. Conduzido o beneficiário às urgências do serviço de psiquiatria no mesmo dia foi observado e sujeito a alta clínica por “não apresentar qualquer tipo de patologia de foro psíquico e apenas padecer de alcoolismo crónico aliado a falta de higiene pessoal, tratando-se de um caso social”, o que foi comunicado aos autos a 28.02.2020. 4. Em 29.02.2020 o Ministério Público juntou requerimento aos autos, requerendo a submissão do beneficiário a internamento para realização de exame, nos termos do art. 899º, nº 2 do CPC, terminando o seu requerimento da seguinte forma: “… requer-se, para confirmação do estado de incapacidade do beneficiário, da extensão das suas limitações no que respeita ao exercício de direitos e cumprimento de deveres, no exercício de direitos pessoais e a avaliar da eventual autorização para internamento de longa duração em casa de saúde: a) a audição das testemunhas indicadas no requerimento inicial, ao abrigo do disposto no art. 897.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e b) a realização de exame clínico na Casa de Saúde de São Miguel com internamento do beneficiário por 30 dias e sob a responsabilidade do diretor respetivo, nos termos do art. 899.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, com elaboração de relatório clínico que resultar da avaliação médica feita ao beneficiário devendo o mesmo responder, para além dos quesitos em costume neste tribunal, ao seguinte: O tratamento do beneficiário passa pela necessidade de internamento de longa duração em estabelecimento de saúde adequado?”. 5. Tal requerimento foi notificado ao defensor do beneficiário, o qual apresentou requerimento dizendo “… nada ter a opor ao requerido pelo Ministério Público nem à junção dos documentos”. 6. Em seguida, foi proferido despacho, no qual, para o que ora interessa, consta: “Nestes termos, o Tribunal decide, cautelarmente, determinar a medida de acompanhamento de internamento do requerido, por período indeterminado, na instituição referida pela Digna Magistrada do Ministério Público e sob a responsabilidade do director respectivo; se não for tomada uma decisão final antes, a cada período de dois meses devem ser remetidos aos autos relatórios de acompanhamento do requerido, a fim de avaliar a justificação da manutenção da medida cautelar de acompanhamento decretada, até ser tomada uma decisão definitiva (arts 145º, n.º 2, al.e) e 148º do Cód Civil e 891º, n.º 2 do Cód de Proc Civil)”. 7. O Ministério Público recorre deste despacho, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “1. No dia 23.04.2020, no processo de ação especial de acompanhamento de maior n. º 2669/19.3T8PDL, em que é beneficiário A, o Mmo. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: “ Vem a Digna Magistrada do Ministério Público peticionar, além do mais, a realização de exame clínico na Casa de Saúde de São Miguel com internamento do beneficiário por 30 dias e sob a responsabilidade do diretor respetivo, nos termos do art. 899.º, n.º 2 do Cód de Proc Civil, com elaboração de relatório clínico que resultar da avaliação médica feita ao beneficiário devendo o mesmo responder, para além dos quesitos em costume neste tribunal, ao seguinte: o tratamento do beneficiário passa pela necessidade de internamento de longa duração em estabelecimento de saúde adequado? O Ilustre Defensor Oficioso do requerido veio dizer nada ter a opor ao peticionado. Isto posto: Nos termos do disposto no art 891º n.º 2 do Cód de Proc Civil, em qualquer altura do processo, podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente as medidas cautelares que a situação justificar; por seu turno, acrescenta o art. 899.º, n.º 2 do Cód de Proc Civil que Juiz pode autorizar o exame numa clínica da especialidade, com internamento nunca superior a um mês e sob responsabilidade do diretor respetivo ou ordenar quaisquer outras diligências. In casu, resulta da documentação junta aos autos que o requerido tem episódios recentes de internamento compulsivo (11/02/2019) motivado por marcada desorganização, episódios de hétero-agressividade, antecedentes de perturbação de abuso do álcool, deficit cognitivo ligeiro, em provável associação com o alcoolismo; dentro do contexto da institucionalização manteve um quadro comportamental estável adequado; é publicamente conhecido como sendo uma pessoa de trato difícil e de relação conflituosa com os familiares; do relatório social resulta que o requerido é muito descuidado com a sua higiene pessoal, sendo frequente ser encontrado »todo urinado« (sic), com urina e fezes espalhadas pela casa, parede, máquina de lavar e máquina de secar; é habitual cuspir no chão da habitação onde reside; é frequentemente encontrado sob a influência do álcool, tendo por vezes comportamentos impróprios com as colaboradoras, expulsando-as da sua casa; fica meses sem tomar banho; (cfr informação clínica, resumo do internamento, avaliação psiquiátrica, informação social; ofício da PSP datado de 25/02/2019, todos juntos com a p.i). Do auto de audição, o Tribunal pôde percepcionar que a residência do requerido encontrava-se com um cheiro insuportável a mofo, urina e fezes, sendo patente a manifesta falta de salubridade da residência do requerido; essa insalubridade era particularmente visível na cozinha e na casa de banho onde se encontravam espalhados dejectos, conforme fotos juntas ao auto; ainda antes de se começar qualquer inquirição ao requerido, o mesmo começou a discutir com a irmã, elevando a voz de forma agressiva e violenta, sem que fosse perceptível o motivo; tendo-se procedido à inquirição do requerido, o mesmo levantou a mão contra a irmã, como se lhe fosse desferir um estalo (cfr refª 49430711 (27/02/2020)). * Sobre o internamento do requerido - art 145º, n.º 2, al.e) e 148º do Cód Civil Nos termos do disposto no art 145º, n.º 2, al.e) e 148º do Cód Civil, o Tribunal pode decretar as medidas de acompanhamento mais adequadas ao caso concreto, devidamente explicitadas, sendo que a medida de internamento depende explicitamente da decisão do Tribunal. Por outro lado, nos termos do disposto nos arts. 891º, n.º 2 e 899.º, n.º 2 do Cód de Proc Civil, o Tribunal pode decretar oficiosamente as medidas cautelares que a situação justificar sendo que, no caso específico do internamento, pode autorizar o exame numa clínica da especialidade, com internamento nunca superior a um mês e sob responsabilidade do diretor respetivo. Em primeiro lugar, conforme se encontra abundantemente documentado e descrito nos autos e percepcionado pelo Tribunal, o requerido é absolutamente incapaz de manter a sua higiene pessoal; o Tribunal pôde visualizar o estado de enorme insalubridade em que o mesmo mantinha a sua habitação pessoal, com um cheiro nauseabundo a urina, fezes espalhadas pelo chão, absoluta desarrumação, abaixo daquilo que consideramos o limiar mínimo da dignidade humana; além do mais, o tipo de conduta adoptada pelo requerido constitui ainda mais um perigo para a saúde pública, sendo que a crise actual do Covid-19 que vivenciamos exemplifica na perfeição os danos extensos e intensos que a falta de salubridade podem causar. Em segundo lugar, conforme se encontra abundantemente documentado e descrito nos autos e percepcionado pelo Tribunal, o requerido tem hábitos de alcoolismo e é percepcionado como uma pessoa violenta, tendo o Tribunal visualizado o mesmo a elevar a voz, com considerável agressividade, para com a sua irmã, bem como a levantar a mão contra a mesma, como se lhe fosse desferir um estalo; portanto o Tribunal fica perfeitamente convencido de que o mesmo, de facto, se estiver desacompanhado, continuará estas condutas de violência para com os seus familiares. Em terceiro lugar, mais resulta dos autos que se o mesmo estiver num contexto institucional adequado, com acompanhamento, é capaz de moldar a sua conduta de acordo com padrões normativos, diminuindo a sua agressividade, moderando o alcoolismo e cumprindo com hábitos de higiene pessoal. Consequentemente, resulta dos autos que o requerido tem uma manifesta incapacidade de subsistir sozinho, mantendo comportamentos de enorme insalubridade, alcoolismo e violência quando está por si; quando se encontra acompanhado, o mesmo evidencia capacidade de adaptação e de moldar a sua conduta de acordo com os padrões expectáveis. A única forma que o Tribunal vislumbra de lidar com esta situação assenta no internamento do requerido, na medida em que resulta dos autos que o mesmo, em contexto institucional, altera significativamente a sua conduta. Nestes termos, o Tribunal decide, cautelarmente, determinar a medida de acompanhamento de internamento do requerido, por período indeterminado, na instituição referida pela Digna Magistrada do Ministério Público e sob a responsabilidade do director respectivo; se não for tomada uma decisão final antes, a cada período de dois meses devem ser remetidos aos autos relatórios de acompanhamento do requerido, a fim de avaliar a justificação da manutenção da medida cautelar de acompanhamento decretada, até ser tomada uma decisão definitiva (arts 145º, n.º 2, al.e) e 148º do Cód Civil e 891º, n.º 2 do Cód de Proc Civil). * Sobre a perícia psiquiátrica – art 899º n.º 2 do Cód de Proc Civil O Tribunal mais considera necessária a realização de uma perícia psiquiátrica, a fim de avaliar a condição psicológica do requerido com maior segurança. Tendo por base que está em causa saber se o Requerido tem capacidades intelectuais que lhe permitam compreender o alcance do ato que vai praticar quando exerce o seu direito ou cumpre o seu dever e, por outro lado, se tem suficiente domínio da vontade que lhe garanta que determinará o seu comportamento de acordo com o pré-entendimento da situação concreta que tenha (Mafalda Miranda Barbosa, Maiores Acompanhados – Primeiras notas depois da aprovação da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, Gestlegal), solicita-se ao Sr. Perito que responda especificadamente aos seguintes quesitos: 1) O Requerido padece de patologias de ordem física, psíquica ou mental? 2) Em caso afirmativo, quais? 3) O Requerido padece de problema de saúde que o torne especialmente débil do ponto de vista psíquico? 4) O Requerido padece de deficiência, no sentido de qualquer perda ou anomalia da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatómica, contemplando quer as alterações orgânicas, quer as funcionais, e integrando três dimensões, física (somática), mental (psíquica) e situacional (handicap)? 5) Em caso afirmativo, tal deficiência limita o desempenho do Requerido em termos volitivos e/ou cognitivos? Em que medida? 6) O Requerido apresenta um comportamento pródigo ou condicionado pelo abuso de bebidas alcoólicas e estupefacientes? 7) Em caso afirmativo, tais comportamentos repercutem-se na falta de livre autodeterminação do Requerido? Ou seja, inviabiliza o exercício de direitos e cumprimento de deveres por parte deste? Em que medida? 8) O Requerido apresenta outros comportamentos que se repercutem na falta de livre autodeterminação do Requerido, nos termos indicados em 6)? Em que medida? 9) O Requerido tem capacidade de compreensão e livre autodeterminação do ato de casar? E dos direitos e deveres daí inerentes? 10) O Requerido tem capacidade de compreensão e livre autodeterminação do ato de constituir uma união de facto? E dos direitos e deveres daí inerentes? 11) O Requerido tem capacidade de compreensão e livre autodeterminação do ato de procriar? E dos direitos e deveres daí inerentes? 12) O Requerido tem capacidade de compreensão e livre autodeterminação do ato de perfilhar? E dos direitos e deveres daí inerentes? 13) O Requerido tem capacidade de compreensão e livre autodeterminação do ato de adotar? E dos direitos e deveres daí inerentes? 14) O Requerido tem capacidade de compreensão e livre autodeterminação do ato de cuidar e educar os filhos ou os adotados? E dos direitos e deveres daí inerentes? 15) O Requerido tem capacidade de compreensão e livre autodeterminação do ato de escolha de uma profissão? E dos direitos e deveres daí inerentes? 16) O Requerido tem capacidade de compreensão e livre autodeterminação do ato de deslocação no país ou no estrangeiro? E dos direitos e deveres daí inerentes? 17) O Requerido tem capacidade de compreensão e livre autodeterminação do ato de fixar domicílio e residência? E dos direitos e deveres daí inerentes? 18) O Requerido tem capacidade de compreensão e livre autodeterminação do ato de estabelecer relações com quem entender? E dos direitos e deveres daí inerentes? 19) O Requerido tem capacidade de compreensão e livre autodeterminação dos atos de administração e gestão do seu património? Para vender, comprar ou emprestar? Para constituir ónus sobre o seu património? E dos direitos e deveres daí inerentes? 20) O Requerido tem capacidade de compreensão e livre autodeterminação do ato de outorgar um testamento ou uma procuração? E dos direitos e deveres daí inerentes? 21) O Requerido tem capacidade para celebrar negócios para satisfação das necessidades do dia-a-dia? 22) O Requerido tem capacidade para determinar quem pretende que seja nomeado para o cargo de seu acompanhante? 23) As limitações do Requerido podem ser supridas pela cooperação e assistência de familiares? 24) O Requerido tem capacidade para compreender o alcance da sua audição pessoal pelo Tribunal e responder a questões nesse âmbito? 25) O tratamento do beneficiário passa pela necessidade de internamento de longa duração em estabelecimento de saúde adequado? * Após a junção aos autos do relatório pericial, abra vista ao Ministério Público e notifique o Requerido para, em 10 dias, se pronunciarem”. 2. O despacho foi notificado ao Ministério Público no mesmo dia, e é precisamente deste despacho que ora se recorre, mais concretamente na parte em que o Tribunal a quo decide aplicar de modo cautelar o internamento do requerido como medida de acompanhamento, por período indeterminado, por se entender, salvo melhor e douta opinião, que andou mal o Mmo. Juiz na interpretação que fez dos arts. 145.º, n.º 2, al. e) e 148º do Código Civil, e art. 891.º do Código de Processo Civil, em franca e direta violação dos arts. 5.º, n.º 1, al. b) e c), 7.º, 8.º e 12.º da Lei de Saúde Mental, e dos arts. 13.º, n.º 1 (Principio da Igualdade) e 27.º, n.ºs 1, 2 e 3 (Direito à liberdade e à segurança) da Constituição da República Portuguesa. 3. A ação de processo especial de Acompanhamento de maior foi instaurada pelo Ministério Público em benefício de A, requerendo-se o decretamento do acompanhamento do beneficiário para aplicação das medidas de acompanhamento de representação geral, nos termos do art. 145.º, n.º 2, al. b) e n.º 4 do Código Civil, com dispensa da constituição do Conselho de Família, e limitação no direito de celebrar negócios da vida corrente e no exercício do direito pessoal de testar, nos termos do art. 147.º, n.º 1 e 2, do Código Civil. 4. Como fundamento para a necessidade de acompanhamento foram invocados os seguintes factos quanto à saúde e ao comportamento do beneficiário: « […] 22. O beneficiário sofreu episódio de internamento compulsivo em 11.02.2019 «por quadro de alteração comportamental com marcada desorganização, com episódios de heteroagressividade», tendo-lhe sido diagnosticado «quadro compatível com défice cognitivo ligeiro, em provável associação com o alcoolismo» – cfr. informação clínica que se junta sob Doc. 3. 23. Na verdade, o beneficiário apresenta no seu histórico clínico «perturbação de abuso de álcool desde os 16 anos», e na data do internamento referido supra apresentava-se «com aspecto descuidado, desorientado», «desorganização comportamental grave» e sem «critica para o sem estado mórbido e necessidade de tratamento, recusando internamento» - cfr. informação clínica que se junta sob Doc. 4. 24. O internamento compulsivo do beneficiário correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, Juiz 1, sob o número de processo 357/19.0T8PDL, tendo sido encerrado por despacho proferido em 20.02.2019 por, embora não sujeito a alta médica, o beneficiário não demonstrar preencher os pressupostos para manutenção em internamento compulsivo – cfr. relatório clínico e despacho judicial que se junta sob Doc. 5 e Doc. 6. 25. Sucede que o beneficiário tendo sido sujeito a alta clínica no dia 14.03.2019 (cfr. Doc. 4) e regressado à sua habitação, onde reside só, tem-se mostrado incapaz (como o era à data do internamento) de se governar, de orientar a sua vida pessoal e patrimonial, de manter o tratamento médico adequado à sua situação de saúde, de responder às suas necessidades básicas e, sobretudo, de se abster no consumo de bebidas alcoólicas em excesso. 26. Na realidade o beneficiário é consumidor de bebidas alcoólicas de modo regular e excessivo há mais de 40 anos, sendo que tal dependência refletiu-se de modo grave na sua vida profissional, familiar e social, com afastamento emocional e físico dos seus familiares mais próximos e diretos (filhos). 27. O beneficiário é incapaz de se manter em abstinência sendo que, mesmo carente de dinheiro com a sua pensão a ser gerida pela sua irmã Maria ….., à qual em 31.10.2018 outorgou procuração para esse efeito, entre outros – cfr. procuração que se junta sob Doc. 7, o beneficiário consegue aceder a bebidas alcoólicas em estabelecimentos comerciais e junto de terceiros de modo gratuito. 28. O beneficiário apresenta um comportamento agressivo, verbal e físico, acentuado quando se encontra embriagado, não reconhecendo a degradação do seu estado de saúde. 29. Na sua habitação o beneficiário satisfaz as suas necessidades fisiológicas (defeca e urina) indiscriminadamente por toda a residência, fora do local próprio e inclusive na cama em que dorme. 30. Tal comportamento provoca uma situação de insalubridade constante da residência do beneficiário, a qual já determinou a cessação de prestação de cuidados sociais de apoio domiciliário por parte da Casa do Povo das Capelas – cfr. informação social e comunicação que se junta sob Doc. 8 e Doc. 9. 31. Devido ao estado de degradação pessoal a que se entregou, o beneficiário recusa-se por vários meses a fazer a sua higiene pessoal, pelo que não toma banho, não desfaz a barba nem corta o cabelo de modo voluntário. 32. Acresce que o beneficiário igualmente se mostra desajustado no cumprimento das regras e comportamentos sociais uma vez que circula pela via pública urinado exalando de si um cheiro nauseabundo – cfr. informação policial que se junta sob Doc. 10. 33. O beneficiário não se mostra capaz de gerir qualquer tipo de quantia monetária uma vez que direciona todo o dinheiro de que disponha para a aquisição de bebidas alcoólicas e tabaco, não atendendo à satisfação das suas necessidades mais básicas de alimentação e higiene ou sequer ao cumprimento das obrigações económicas inerentes à manutenção da economia doméstica. 34. O beneficiário não é capaz de confecionar qualquer refeição ou de prover pela obtenção de alimentos com vista à sua subsistência condigna. 35. Acresce que o beneficiário recusa-se a qualquer acompanhamento médico ou tratamento da sua dependência, não tendo consciência do seu estado mórbido – cfr. relatório social que se junta sob Doc. 11, 36. bem como se recusa a tomar qualquer medicação. 37. Tudo para se demonstrar que o beneficiário, devido à dependência alcoólica e aos comportamentos que assume em associação a essa dependência, encontra-se afetado na sua capacidade cognitiva e volitiva, passando por períodos de desorientação, e 38. apresenta défices comportamentais quanto a competências pessoais e sociais, à gestão da sua vida diária e da vigilância da sua saúde e segurança. 39. O beneficiário não se mostra capaz de tomar qualquer decisão refletida sobre a sua pessoa ou os seus bens, bem como não possui discernimento para interpretar e compreender o teor de documentos como procurações, contratos ou requerimentos para prestações sociais, de modo a se decidir sobre os mesmos. 40. O estado de dependência e o comportamento associado que afetam o beneficiário têm caráter duradouro, permanente e atual, implicando que se encontre impossibilitado de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos e de cumprir os seus deveres. 41. Do exposto decorre que o beneficiário necessita de alguém que o represente legalmente de modo a suprir a sua incapacidade atual e que garanta a prestação dos cuidados necessários à sua situação de saúde […].» - cfr. petição inicial. 5. Em 27.02.2020 realizou-se a audição do beneficiário (Ref.ª 49430711) no seu domicilio e sem prévia nomeação de perito, nos termos do art. 898.º do Código de Processo Civil. 6. Conduzido o beneficiário às urgências do serviço de psiquiatria no mesmo dia da sua audição foi observado e sujeito a alta clínica por «não apresentar qualquer tipo de patologia de foro psíquica e apenas padecer de alcoolismo crónico aliado a falta de higiene pessoal, tratando-se de um caso social» - cfr. informação da PSP junta aos autos no dia 28.02.2020 (Ref.ª 3562758). 7. Em 29.02.2020 o Ministério Público requereu a submissão do beneficiário a internamento para realização de exame, nos termos do art. 899.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, nos seguintes termos (Ref.ª 3564546): «A Magistrada do Ministério Público, requerente nos autos de acompanhamento de maior identificados supra, vem solicitar a V., Exa. se digne admitir a junção de informação social relativa ao beneficiário A, remetida pelo ISSA, IPRA, ao processo administrativo pendente nesta Procuradoria, e que se mostram de relevância para a prolação de sentença nos presentes autos. Decorre da informação social que o Núcleo de Ação Social (NAS) do ISSA esgotou todos os meios possíveis de apoio ao beneficiário atenta a resistência do mesmo em receber as técnicas no seu domicilio, o comportamento agressivo que apresenta para com aquelas profissionais e, bem como, o estado de insalubridade em que mantem a sua residência (já constatada nos autos) com risco para a saúde de quem a frequente. Mais relata o NAS do ISSA que para além das dificuldades descritas, existe resistência da indicada acompanhante (procuradora do beneficiário) quanto a suportar o apoio domiciliário com recurso à pensão do beneficiário. Conclui o NAS que a situação ideal para o beneficiário deverá passar por internamento na Casa de Saúde de São Miguel. Embora se levantem questões quanto aos procedimentos da irmã do beneficiário, Maria ….., enquanto sua procuradora e indicada para exercer o acompanhamento, certo é que não existe outra pessoa que se mostre capaz de exercer tais funções e, igualmente, não se vislumbram razões de relevância no comportamento de Maria …… que coloquem em causa a sua idoneidade para o exercício das funções de acompanhante. Pelo que, por ora não se irá alterar a indicação feita no requerimento inicial. Perante as informações sociais prestadas, e que agora se juntam aos autos, e os factos confirmados pela audição pessoal do beneficiário na sua habitação, atenta a informação prestada pela PSP em resultado da condução do beneficiário ao serviço de urgências de psiquiatria do HDES na data da sua audição, requer-se, para confirmação do estado de incapacidade do beneficiário, da extensão das suas limitações no que respeita ao exercício de direitos e cumprimento de deveres, no exercício de direitos pessoais e a avaliar da eventual autorização para internamento de longa duração em casa de saúde: a) a audição das testemunhas indicadas no requerimento inicial, ao abrigo do disposto no art. 897.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e b) a realização de exame clínico na Casa de Saúde de São Miguel com internamento do beneficiário por 30 dias e sob a responsabilidade do diretor respetivo, nos termos do art. 899.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, com elaboração de relatório clínico que resultar da avaliação médica feita ao beneficiário devendo o mesmo responder, para além dos quesitos em costume neste tribunal, ao seguinte: O tratamento do beneficiário passa pela necessidade de internamento de longa duração em estabelecimento de saúde adequado?» 8. O defensor do beneficiário não se opôs ao requerido pelo Ministério Público (Ref.ª 3566346). 9. Em seguida, o Mmo. Juiz profere o despacho de que ora se recorre. 10. Em 01.05.2020 o beneficiário foi conduzido ao Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada na sequência de mandado de condução emitido nos autos a determinar o «internamento compulsivo» do beneficiário, em cumprimento dos despachos proferidos em 23.04.2020 (ref.ª 49608076) e em 24.04.2020 (ref.ª 49613476), tendo ali ficado internado após ter sido avaliado por médico psiquiatra, conforme informação junta aos autos pela Polícia de Segurança Pública em 04.05.2020 (ref.ª 3635968). 11. O regime do maior acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018 de 14.08, veio dar acolhimento no ordenamento jurídico português às obrigações e compromissos que resultaram da Convenção das Nações Unidas de 30 de março de 2007 sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n° 56/2009, de 7 de maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de julho. 12. O regime do maior acompanhado foi instituído com base nos seguintes fundamentos essenciais: a primazia da autonomia da pessoa; a subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade; a flexibilização da interdição/inabilitação; a manutenção de controlo jurisdicional eficaz sobre qualquer constrangimento imposto ao visado; o primado dos interesses pessoais e patrimoniais do beneficiário; a agilização dos procedimentos e a intervenção do Ministério Público em defesa e representação do beneficiário. 13. O acompanhamento de maior, previsto nos arts. 138.º a 156.º do Código Civil, definido do seguinte modo: «O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento (…)» - art. 138.º do Código Civil, tem por objetivo «assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença.» - art. 148.º, n.º 1 do Código Civil -, devendo, além de supletivo aos deveres gerais de cooperação e de assistência, limitar-se ao necessário a fim de cumprir o referido objetivo – art. 145.º, n.º 1 do Código Civil. 14. A primazia pela autonomia da pessoa e o primado dos interesses pessoais do beneficiário encontram-se amplamente reconhecidos, desde logo, pela «possibilidade de o maior acompanhado, salvo decisão expressa do juiz em contrário, manter liberdade para a prática de diversos atos pessoais»9, reservando o acompanhado, como regra, o pleno exercício dos seus direitos pessoais e a celebração de negócios da vida corrente – art. 147.º do Código Civil; pela legitimidade do próprio para requerer o seu acompanhamento – art. 141.º do Código Civil; pela prevalência da vontade do acompanhado na escolha do acompanhante – art. 143.º, n.º 1 do Código Civil; pela integração do mandato outorgado pelo acompanhado na definição das medidas e escolha do acompanhante – art. 156.º, n.º 3 do Código Civil; e, em termos processuais, o art. 898.º do Código de Processo Civil, ao determinar como prova atípica e obrigatória do processo a audição pessoal do beneficiário antes do decretamento do seu acompanhamento. 15. Em termos adjetivos o acompanhamento de maior encontra-se regulado nos arts. 891.º a 904.º do Código de Processo Civil, inserido no Livro V, Dos processos especiais, sendo que substancialmente o processo de acompanhamento de maior apresenta a veste de processo de jurisdição voluntária por remissão expressa do n.º 1 do art. 891.º do Código de Processo Civil. 16. Tal natureza processual implica que quanto aos poderes do juiz o tribunal possa investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, e admitir apenas as provas que o juiz considere necessárias para a boa decisão da causa; que o critério de decisão tenha por principal medida a discricionariedade; e que as decisões possam ser alteradas a todo o tempo em face de circunstâncias supervenientes que o justifiquem a alteração, não havendo efeito de caso julgado material. 17. Cabe ainda nos poderes do juiz no âmbito do acompanhamento de maiores a decisão de aplicar, em qualquer altura do processo, a requerimento ou oficiosamente, e sempre que as circunstâncias o justifiquem, medidas de acompanhamento provisórias e urgentes (art. 139.º, n.º 2 do Código Civil) ou medidas cautelares (art. 891.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). 18. No nosso entendimento, umas e outras distinguir-se-ão pela urgência e pela eminência da situação de perigo de lesão dos interesses/direitos pessoais e/ou patrimoniais que se mostrem no caso concreto, sendo que a medida cautelar deverá necessariamente procurar evitar a concretização de uma lesão de um direito do beneficiário ou de terceiro por comportamento do beneficiário, e a medida provisória e urgente deverá almejar colocar fim a lesão concretizada e em curso de um interesse ou direito pessoal e/ou patrimonial do beneficiário. 19. Com todo o respeito que nos merece, parece-nos que andou mal o Mmo. Juiz ao confundir o alcance dos poderes de decisão e de discricionariedade que lhe são conferidos pela lei processual na tramitação do processo de acompanhamento de maiores, ultrapassando o respeito da primazia pela autonomia pessoal do beneficiário e do exercício pleno dos seus direitos pessoais, que ainda mantem; bem como ao fundir o objetivo e alcance do internamento no âmbito do processo de acompanhamento de maiores com o internamento compulsivo regulado pela Lei de Saúde Mental, aprovada pela Lei n.º 36/98, de 24.07. 20. O acompanhamento de A foi requerido com fundamento na sua condição de alcoolismo crónico, com diagnóstico de provável défice cognitivo ligeiro, que determinava que pelo seu comportamento de negligência com a higiene pessoal, alimentação, saúde e habitação, bem como gastos de rendimentos com bebidas alcoólicas e carência ao nível dos comportamentos sociais e afetivos, se mostrasse impossibilitado, à data da propositura da ação, de assegurar por si próprio, de modo pleno e consciente, o exercício dos seus direitos e cumprimento dos seus deveres. 21. O beneficiário sujeito a avaliação psiquiátrica no âmbito do processo de internamento compulsivo n.º 357/19.0T8PDL, que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, Juiz 1, recebeu diagnóstico com a indicação de que não padecia de doença psiquiátrica, o que determinou o arquivamento daqueles autos. 22. O mesmo diagnóstico foi dado ao beneficiário na data da sua audição pessoal nestes autos, após ter sido levado às urgências do Hospital do Divino Espirito Santo de Ponta Delgada, em 27.02.2020. 23. Requerido que foi a submissão do beneficiário a internamento para realização de exame clínico, nos termos do art. 899.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, - uma vez que da audição pessoal se mostraram dúvidas quanto ao alcance do entendimento, discernimento e poder de decisão do beneficiário, e consideradas as condições habitacionais que impediam o exame no domicílio, sendo igualmente previsível a sua inexequibilidade em gabinete médico sem a higienização e desintoxicação do beneficiário (que não encontrava condições pessoais para o fazer autonomamente, nem suporte familiar capaz) - o que o Mmo. Juiz decidiu foi coisa completamente diversa. 24. No despacho proferido a 23.03.2020, sobre o qual versa o presente recurso, decidiu o Mmo. Juiz, abrigando-se dos arts. 145.º, n.º 2, al. e) e 148.º do Código Civil, e 891.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, pelo internamento compulsivo do beneficiário como medida cautelar e, salvo melhor e douta opinião, extravasando o objetivo do processo e os poderes de decisão que lhe estão conferidos. 25. Ora, o art 148.º do Código Civil, efetivamente apresenta-se redigido sob a epígrafe de “Internamento”, determinando que: «1 - O internamento do maior acompanhado depende de autorização expressa do tribunal. 2 - Em caso de urgência, o internamento pode ser imediatamente solicitado pelo acompanhante, sujeitando-se à ratificação do juiz.» Daqui parece-nos que o tribunal pode, e deve, caso se verifique a necessidade, autorizar o internamento do acompanhado. 26. Parece-nos aceitável que o internamento do acompanhado caiba na al. e) do n.º 2 do art. 145.º do Código Civil, como medida de internamento, no entanto, urge esclarecer qual a natureza que deve assumir este internamento. 27. ANTÓNIO PINTO MONTEIRO 10, MARGARIDA PAZ e NUNO LOPES RIBEIRO defendem que o internamento do maior acompanhado não deve ser confundido com o internamento compulsivo regulado pela Lei de Saúde Mental regulado nos arts. 6.º e seguintes, e definido como «internamento por decisão judicial do portador de anomalia psíquica grave» (art. 7.º), reservando-se este apenas a portadores de anomalia psíquica e tendo apenas lugar com observância pelos princípios previstos no art. 8.º e na verificação dos pressupostos restritos impostos pelo art. 12.º da referida Lei. 28. Assim o internamento do beneficiário no âmbito do processo de acompanhamento, sem a prévia limitação do exercício de direitos pessoais, apenas poderá ser determinado com anulação da vontade do próprio para efeitos e nos estritos termos do art. 899.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, sob pena de ser violado o principio fundamental do direito à igualdade e o direito à liberdade constitucionalmente consagrados nos arts. 13.º e 27.º da Constituição da República Portuguesa. 29. Apesar de não restarem dúvidas de que o legislador prevê e antecipa a necessidade de internamento do acompanhado em situações concretas, como não podia deixar de o fazer uma vez que dentro do agora largo espectro de beneficiários que comporta o regime do acompanhamento de maiores, defendemos que a aplicação de uma medida de acompanhamento de internamento, por tempo certo ou indeterminado, ou a autorização para o internamento do acompanhado, ainda que atribuída ao poder de decisão do acompanhante, apenas deverá operar perante a verificação de duas condições prévias: a) limitação ao acompanhado no exercício do seu direito pessoal (em específico) de decidir no que respeita a aceitar ou recusar internamento para tratamento e controlo da sua doença ou condição proposto por médico especialista; e b) indicação médica pela necessidade de internamento para tratamento ou controlo da doença, adição ou comportamento que determina a incapacidade de acompanhado. 30. A limitação no exercício do direito pessoal de decidir pela sua saúde e escolher tratamento apenas deverá ser determinada quando do processo conste documentação clínica suficiente e exame pericial que permita concluir que o acompanhado não possui, de modo permanente ou transitório, capacidades mentais e volitivas para avaliar a sua situação pessoal e tomar uma decisão consciente, e apenas e sempre na perspetiva da proteção e defesa dos interesses pessoais do acompanhado. 31. No caso concreto do beneficiário A mostra-se junta aos autos informação clínica relativamente recente a excluir a presença de doença psiquiátrica, relacionandose toda a problemática pessoal e patrimonial com o comportamento do beneficiário associado ao consumo crónico de álcool e a, eventual, défice cognitivo. 32. Perante o quadro clínico do beneficiário é notória a distância para o internamento compulsivo previsto na Lei de Saúde Mental e os seus pressupostos, não deixando, pelo menos neste caso concreto, espaço para dúvidas de que pudesse ocorrer a sobreposição de requisitos para determinar o internamento no âmbito de ambos os regimes jurídicos. 33. Por tudo o quanto se deixou exposto se entende que o tribunal a quo ao determinar o internamento do beneficiário, por tempo indeterminado, de modo compulsivo e a título de medida de acompanhamento cautelar, encontrando-se o beneficiário no exercício pleno dos seus direitos pessoais, não só extravasou o poder de decisão que lhe compete no âmbito do processo de acompanhamento de maior, como violou os preceitos previstos nos arts. 140, n.º 1, 145.º, n.º 1, 147.º, n.º 1 e 148.º, do Código Civil, art. 891.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, arts.º 5.º, n.º 1, al. b) e c), 7.º, 8.º e 12.º da Lei de Saúde Mental, e arts. 13.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa. 34. Pelo exposto, e salvo melhor opinião de V.as Ex.as, deverá ser revogada a douta decisão ora recorrida e determinar-se a sua substituição por outra que determine o internamento do beneficiário António Evaristo Medeiros nos termos do art. 899.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, por período não superior a 30 dias, para efeitos de realização de exame clínico, sob a responsabilidade do diretor da instituição de saúde respetiva, com data de início a 01.05.2020, com elaboração de relatório pericial da avaliação médica que resultar feita ao beneficiário. Este é o entendimento que perfilhamos. V.as Ex.as, porém, farão JUSTIÇA”. 8. Não foram apresentadas contra-alegações. II. QUESTÕES A DECIDIR Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que a única questão submetida a recurso é determinar a +possibilidade de aplicação de uma medida cautelar de internamento por tempo indeterminado. III. APRECIAÇÃO DO RECURSO Vem o presente recurso interposto do despacho que determinou a medida cautelar de acompanhamento de internamento do requerido, por período indeterminado, com fundamento nos arts. 145º, nº 2, al. e) e 148º do CC e 891º, nº 2 do CPC. O regime do maior acompanhado, aprovado pela Lei 49/2018 de 14 de Agosto acolheu no ordenamento jurídico português os compromissos decorrentes da Convenção das Nações Unidas de 30 de Março de 2007 sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adoptada em Nova Iorque, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n° 56/2009, de 7 de Maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 71/2009, de 30 de Julho, sendo também importante mencionar o Protocolo Adicional, adoptado pelas Nações Unidas em 30 de Março de 2007, aprovado pela Resolução da AR nº 57/2009, tendo sido ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 72/2009, de 30 de Julho. Na sequência destes instrumentos internacionais, foi aprovada a Lei 49/2018, de 14 de Agosto, a qual se traduz numa alteração de paradigma no acompanhamento das pessoas com deficiência. Com efeito, com esta lei, a regra da incapacidade de exercício, plasmada no CC no regime rígido da interdição e da inabilitação, do qual decorria a limitação da capacidade de exercício de forma previamente definida por lei, é substituída pela regra da capacidade e pela figura maleável do maior acompanhado, com um conteúdo que deve ser preenchido casuisticamente pelo juiz em função da situação efectiva e das capacidades e possibilidades da pessoa em concreto. Isto é, assumindo a capacidade como o fundamento da pessoa jurídica, pretende-se fornecer os meios necessários para a efectivação dessa capacidade, em função das particularidades de cada caso e com maior ou menor abrangência, sendo cada decisão única face à singularidade de cada individuo. Os fundamentos essenciais do regime do maior acompanhado radicam assim na primazia da autonomia de cada um, a par da subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade, as quais se devem conter dentro das limitações de cada um. Por esse motivo, foi adoptado ao longo de todo este regime jurídico o primado da audição do beneficiário com vista à protecção dos seus interesses, tal como resulta do disposto no art. 139º, nº 1 do CC, bem como a revisão periódica de qualquer medida de acompanhamento, cfr. art. 155º do CC. Por outro lado, nos termos do art. 140º do CC, “O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença”, sendo seus destinatários os maiores impossibilitados, “por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres”, cfr. art. 138º do CC. No que se refere ao âmbito e conteúdo do acompanhamento, dispõe o art. 145º, nº 1 do CC que o acompanhamento se limita ao necessário, elencando o nº 2 desta norma alguns exemplos desses regimes de acompanhamento, os quais podem ser determinados em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, mantendo o beneficiário, em regra, o pleno exercício dos seus direitos pessoais e a celebração de negócios da vida corrente, tal como recorre do art. 147º do CC. Este novo paradigma teve também influência em termos adjectivos, tendo o CPC sido modificado em conformidade, adaptando-se a lei processual às exigências do novo modelo. Não sendo este o momento para aprofundar o regime processual constante dos arts. 891º a 904º do CPC e relativo ao acompanhamento de maiores, haverá, ainda assim, que referir que o tribunal pode aplicar, em qualquer altura do processo, a requerimento ou oficiosamente, e sempre que as circunstâncias o justifiquem, medidas de acompanhamento provisórias e urgentes (art. 139º, nº 2 do CC) ou medidas cautelares (art. 891º, nº 2 do CPC). É precisamente este o caso dos autos, estando em causa a aplicação de uma medida cautelar. Entendeu o tribunal que a situação de facto vivida pelo beneficiário justificava a aplicação da medida cautelar de acompanhamento de internamento, a qual havia sido requerida pelo Ministério Público. Optou, todavia, o tribunal recorrido por aplicar esta medida por tempo indeterminado, sendo com esta questão que o Ministério Público se insurge. Por forma a melhor apreender a questão, importa recordar que vem alegado no requerimento inicial que o beneficiário sofre de alcoolismo crónico e tem um diagnóstico de provável défice cognitivo ligeiro, mantendo um comportamento negligente com a sua higiene pessoal, alimentação, saúde e habitação, despendendo os seus rendimentos em bebidas alcoólicas e não dispondo de forma de assegurar por si próprio, de modo pleno e consciente, o exercício dos seus direitos e cumprimento dos seus deveres. Mais decorre dos autos que o beneficiário foi sujeito a avaliação psiquiátrica no âmbito do processo de internamento compulsivo e recebeu diagnóstico com a indicação de que não padecia de doença psiquiátrica, o que determinou o arquivamento daqueles autos. O mesmo diagnóstico foi dado ao beneficiário na data da sua audição pessoal nestes autos, após ter sido levado às urgências do Hospital do Divino Espirito Santo de Ponta Delgada, em 27.02.2020. Por outro lado, e tal como resulta da audição pessoal realizada, o beneficiário vive em situação precária e em condições habitacionais que impediam o exame no domicílio, sendo importante que este exame fosse realizado em meio hospitalar, tal como peticionou o Ministério Público. Ora, se é certo que “resulta dos autos que o requerido tem uma manifesta incapacidade de subsistir sozinho, mantendo comportamentos de enorme insalubridade, alcoolismo e violência quando está por si; quando se encontra acompanhado, o mesmo evidencia capacidade de adaptação e de moldar a sua conduta de acordo com os padrões expectáveis”, como se refere no despacho recorrido, e se admita que a medida de acompanhamento a decretar venha a ser a da institucionalização do beneficiário, não pode a mesma ser decretada neste momento e nesta fase processual com a amplitude com que o foi. Senão, vejamos. Como se referiu, entendeu o tribunal que podia determinar o internamento do beneficiário como medida cautelar e fundando a sua decisão nos arts. 145º, nº 2, al. e) e 148º do CC e 891º, nº 2 do CPC. Nos termos do art. 148º do CC, pode ser autorizado o internamento do acompanhado quando exista a necessidade desse internamento, mais referindo o art. 139, nº 2 do CC que “Em qualquer altura do processo, podem ser determinadas as medidas de acompanhamento provisórias e urgentes, necessárias para providenciar quanto à pessoa e bens do requerido”. Todavia, este internamento, face ao seu carácter transitório, não pode ser confundido com a eventual medida de acompanhamento que se traduza num internamento em instituição e que tem respaldo no art. 145º, nº 2, al. e) do CC, nem qualquer outro internamento previsto em outras disposições legais, mormente no âmbito da Lei da Saúde Mental. Por esse motivo, em termos conceptuais, há que fazer a cisão entre o internamento do maior acompanhado e o internamento compulsivo regulado pela Lei de Saúde Mental. Com efeito, o internamento compulsivo regulado pela Lei de Saúde Mental destina-se aos portadores de anomalia psíquica e só pode ser determinado quando for a única forma de garantir a submissão a tratamento do internado e finda logo que cessem os fundamentos que lhe deram causa, cfr. arts. 6º e ss. da Lei de Saúde Mental (Lei 36/98, de 24 de Julho), tendo, naturalmente, como escopo, a estabilização do doente por forma a que o mesmo possa retomar a sua vida normal o mais rapidamente possível, o que potencia um internamento por tempo indeterminado. Por seu turno, o internamento previsto no âmbito das medidas de acompanhamento quanto a maior acompanhado apenas deve ser justificado por razões de saúde ou debilidade física, sempre no âmbito dos arts. 139º, nº 2 e 148º do CC. Como refere Nuno Lopes Ribeiro, in O Maior Acompanhado – Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto, in “O Novo Regime Jurídico Do Maior Acompanhado”, ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Fevereiro de 2019, pág. 99, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Regime_Maior_Acompanhado.pdf, “As situações que se enquadram no regime de internamento compulsivo, devem continuar a ser tratadas nesse âmbito”. Sintomático desta posição, com a qual se concorda, é o facto de o internamento no âmbito de um maior acompanhado se poder dever à necessidade de providenciar por cuidados básicos e/ou de saúde e não apenas de saúde mental, e que o beneficiário, por si, e em virtude de doença ou fragilidade não pode assegurar. A tudo isto acresce que o internamento previsto no art. 148º do CC deve ser sempre enquadrado com o disposto no art. 891º, nº 2 do CPC e, por esse motivo, como uma medida cautelar e por forma a acautelar os interesses do beneficiário e na medida de protecção conferida pelo art. 139º, nº 2 do CC. Significa, pois, que o internamento em causa nos autos não tem apoio nem no art. 899º, nº 2 do CPC, o qual prevê a possibilidade de realização, em caso de dúvidas, do exame pericial numa clínica da especialidade, com internamento nunca superior a um mês, nem no regime decorrente da Lei de Saúde Mental. Daqui resulta que a adequação da medida cautelar, na sua extensão e duração, apenas pode ser avaliada de acordo com as regras relativas aos maiores acompanhados. Revertendo estas considerações ao caso dos autos, entende-se que o internamento decretado tem como objectivo a salvaguarda dos interesses do beneficiário no âmbito do presente processo por permitir a realização do exame pericial previsto no art. 899º do CPC e avaliar o seu estado físico e mental. Com efeito, é inegável que se mostra impossível proceder à realização desse exame no domicílio do beneficiário ou mesmo em regime de ambulatório, pelas razões expostas quer no requerimento do Ministério Público peticionando o internamento, quer no despacho recorrido. Equivale isto a dizer que se entende que o internamento decretado se assume como essencial para aferir do estado de incapacidade do beneficiário e da extensão das suas limitações por forma a decidir qual a melhor forma de acautelar os seus direitos, como aliás não se mostra colocado em crise pela presente apelação. Questão que se coloca é se esse internamento pode ser por tempo indeterminado, como decidido em primeira instância. Em resposta a essa questão, importa salientar que qualquer limitação dos direitos do beneficiário tem de ser fundamentada com a situação clínica daquele e devidamente balizada no tempo. Com efeito, o internamento para realização de exame decretado nos autos não pode ser estabelecido por tempo indeterminado sob pena de violar os princípios gerais relativos ao regime do maior acompanhado. Como já se afirmou, o regime do maior acompanhado assenta na primazia da autonomia de cada um e na subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade. Consequentemente, qualquer limitação nos direitos pessoais do beneficiário tem de ter um fundamento fáctico bastante que justifique a intervenção do tribunal, a qual deve sempre ser subsidiária e devidamente balizada no tempo. Por esse motivo, o art. 155º do CC estabelece o princípio da revisão periódica da situação no mínimo de 5 em 5 anos por forma a que seja sempre efectuada uma valoração das medidas de acompanhamento decretadas face à situação de facto do beneficiário em cada momento temporal. Nessa valoração serão aplicáveis os princípios da subsidiariedade e do respeito pela autonomia da pessoa humana (arts. 141º, 143º e 147º do CC), da necessidade (arts. 149º e 155º do CC), do bem-estar e recuperação do sujeito (arts. 140º e 146º do CC), os quais funcionam como os princípios basilares de todo o regime e, por esse motivo, devem orientar a aplicação e revisão das medidas a aplicar em cada situação. Ora, no caso dos autos, é ainda desconhecida a patologia de que padece o beneficiário, porquanto não foi ainda realizado o exame pericial e a documentação clinica existente não permite qualquer conclusão segura. Acresce que não existe qualquer indicação médica quanto à necessidade de internamento para tratamento ou controlo de doença ou comportamentos aditivos do beneficiário, tendo sido excluída a existência de doença psiquiátrica aquando do exame em processo de internamento compulsivo e nas urgências após audição pessoal no âmbito dos presentes autos. Confrontando esta realidade com tudo quanto se expôs quanto ao regime jurídico do maior acompanhado, é fácil concluir que a medida cautelar aplicada se mostra claramente violadora dos princípios elencados e das normas constitucionais aplicáveis. Na verdade, assumindo-se como uma medida cautelar, não pode a medida em causa ser aplicada por tempo indeterminado, porquanto a mesma pressupõe a adequação a uma necessidade especifica do beneficiário e com vista a suprir a situação de necessidade existente, a qual se presume cessará após aplicação da medida. Por outro lado, mesmo que estivéssemos perante uma medida definitiva, nunca a mesma poderia ser decretada indefinidamente, mormente face ao prazo de revisão constante do art. 155º do CC. Consequentemente, e uma vez que o internamento por tempo indeterminado viola os princípios expostos, impõe-se a fixação de um prazo para a realização dos exames clínicos decretados, o qual deve ser um período não superior a 30 dias, assim se julgando procedente a apelação. Refira-se que se entende que este prazo se assume como razoável face ao disposto no art. 899º, nº 2 do CPC para efeitos de exames suplementares e que deve servir como ponto de referência para a situação dos autos. Pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida, mais se determinando que o internamento do beneficiário António Evaristo Medeiros nos termos do art. 891º, nº 2 do CPC não exceda o período de 30 dias, mantendo-se no mais os termos e objectivos do internamento decretado (realização de exame clínico, sob a responsabilidade do director da instituição de saúde respectiva, e com elaboração de relatório pericial da avaliação médica que resultar feita ao beneficiário). IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam as juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, mais se determinando que o internamento do beneficiário A nos termos do art. 891º, nº 2 do CPC não exceda o período de 30 dias, mantendo-se no mais os termos e objectivos do internamento decretado (realização de exame clínico, sob a responsabilidade do director da instituição de saúde respectiva, e com elaboração de relatório pericial da avaliação médica que resultar feita ao beneficiário). Sem custas. Lisboa, 30 de Junho de 2020 Ana Rodrigues da Silva Micaela Sousa Cristina Silva Maximiano |