Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14683/16.6T8LSB.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
ALIMENTOS A EX-CONJUGE
RESTITUIÇÃO DO INDEVIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.A repetição do indevido comporta as seguintes situações, previstas nos artigos 476º, 477º e 478º, todos do Código Civil: - casos em que se cumpre uma obrigação objectivamente inexistente; - hipóteses de cumprimento de uma obrigação alheia, na convicção errónea de que se trata de dívida própria ou de que se está vinculado para com devedor a esse cumprimento.
2.Continuando a ser paga à ré, através de descontos na pensão de aposentação do autor, a prestação alimentícia acordada entre autor e ré, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento, apesar da decisão que reduziu o montante de tal prestação de alimentos, decisão essa já transitada em julgado, estamos perante a particular situação de cumprimento de obrigação inexistente, a que se reporta o nº 1 do artigo 476º do Código Civil, segundo o qual, sem prejuízo do disposto acerca das obrigações naturais, o que for prestado com a intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido se esta já não existia no momento da prestação.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.


I.RELATÓRIO:


JORGE ......, residente na Rua ….., veio intentar, em 08.06.2016, contra ANTÓNIA ....., residente ……, acção sob a forma de processo comum, através da qual pede a condenação desta na restituição da quantia de € 5.223,10, no pagamento da quantia de € 244,98, a  título de  juros vencidos,  desde 01.05.2015,  bem  como, no pagamento dos juros vincendos desde a interposição da presente acção até efectivo e integral pagamento, à taxa legal.

Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:
1.No âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Moscavide, entre o Autor e Ré, foi homologado, em 28 de Outubro de 2004, acordo no qual fixou uma pensão de alimentos de € 350,00 por mês, sendo que, com as actualizações, o referido valor passou para € 387,45.
2.A pensão de alimentos, no valor de € 387,45 estava a ser descontada, directamente pela Caixa Geral de Aposentações, da pensão de aposentação do Autor, por ordem do Agente de Execução E…., no âmbito do processo n.º 1208/08.6TBBRR.
3.O Autor, por considerar estarem verificados os pressupostos para a cessação dos alimentos constituída a favor da Ré, interpôs acção declarativa para esse efeito.
4.A acção correu termos no Tribunal de Família e Menores de Lisboa - 1.º Juízo - 2.ª secção, sob o processo n.º 1493/10.3TBTMR (não 1493/10.2TBTMR, como identifica o autor).
5.O Tribunal julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, reduziu a prestação de alimentos a pagar pelo Autor à Ré, para o valor pecuniário mensal de € 250,00, a ser actualizado, anualmente de acordo com o índice de inflação a publicar pelo INE.
6.De acordo com a aludida sentença, datada de 14.09.2012, o valor da pensão de alimentos passou a ser de € 250,00.
7.Autor e Ré recorreram da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa.
8.O recurso teve efeito meramente devolutivo.
9.O Tribunal da Relação de Lisboa revogou a decisão recorrida, apenas no que concerne à actualização anual no montante pecuniário fixado, de € 250,00, decidindo que a actualização será efectuada em função do aumento que o Autor vier a beneficiar na sua pensão de aposentação.
10.Do acórdão do TRL foi interposta revista, tendo sido proferida decisão pelo STJ em 02.10.2013, e julgado findo o recurso, por decisão de 29.11.2013.
11.A pensão de alimentos anteriormente fixada, actualizada no valor de € 387,45, esteve sempre a ser descontada até Abril de 2015, inclusive, tendo a sentença que reduziu os alimentos transitado em julgado em 14.11.2013.
Citada, a ré apresentou contestação, em 01.09.2016, tendo impugnado os factos articulados pelo autor, invocou a caducidade do apoio judiciário concedido ao autor e ainda a excepção de prescrição.
Notificado, o autor apresentou articulado de réplica, em 27.10.2016, respondendo às excepções invocadas.
Foi levada a efeito a audiência prévia, em 16.02.2017, tendo sido fixado o valor da acção e proferido despacho saneador.
E, por considerar que o estado dos autos permitia apreciar, de imediato, do mérito da causa, o Exmo. Juiz do Tribunal a quo, proferiu decisão, na qual entendeu, em síntese, que:
(…) 
pese embora o princípio da não restituição dos alimentos indevidamente recebidos apenas esteja expressamente consagrado para os alimentos provisórios (cfr. N.º 2 do art.º 2007.ºdo Cód. Civil), o mesmo deve estender-se igualmente aos alimentos definitivos, pois que, por um lado, a pensão alimentícia não consubstanciou o enriquecimento do credor, e por outro, contrariamente ao princípio da não restituição dos alimentos, o não locupletamento à custa alheia tem natureza subsidiária (art.º 474º do Cód. Civil).
Assim o facto da Ré, no entendimento do Autor e segundo os factos alegados pelo próprio ter recebido indevidamente as prestações mensais que lhe foram abonadas   pelo   Autor  já   depois   de   cessada   a  alimentação  imposta,  não
consubstancia que estejamos perante um enriquecimento injusto, que fundamente a obrigação da Ré de restituir ao Autor essas prestações alimentícias (nos termos dos citados artigos 472º, n.ºs 1 e 2, e 476º, n.º 1, ambos do Código Civil).
Consta, assim, do Dispositivo da Sentença, o seguinte:
Julga-se improcedente a presente acção.
Custas pelo Autor.
Registe e notifique.

Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs, em 14.03.2017, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:
i.Ao julgar o douto Tribunal a acção intentada pelo A., ora Recorrente, totalmente improcedente, não apreciou devidamente os factos carreados para os autos, tendo julgado incorretamente os mesmos.
ii.Uma vez que em face dos factos alegados deveria ter decidido em sentido contrário, ou seja, deveria ter entendido ter o A. direito a ver restituída a quantia indevidamente para à Ré;
iii.Por tudo quanto antecede, conclui-se que o M.mo Juiz do processo errou na determinação das normas jurídicas aplicáveis, violando o disposto nos artigos 473.º e 2007º do C.C.
iv.Acresce que, é entendimento do A. que, a quantia recebida indevidamente pela Ré não pode ser considerada “alimentos” nem a alimentos provisórios nem alimentos definitivos!
v.Caso o Tribunal entenda que aquela quantia, €137,45, cabe no conceito de alimentos definitivos, ainda se dirá o seguinte:
vi.O artigo 2007º do Código Civil encontra-se previsto no Titulo V, Capitulo I, disposições referentes aos alimentos, quer definitivos quer provisórios.
vii.Inexiste, no Direito português vigente, relativamente aos alimentos definitivos, uma disposição equivalente ao artº 2007 nº2 do Código Civil.
Pelo que, se o legislador entendesse que, no que concerne aos alimentos definitivos não são passiveis de restituição tê-lo-ia previsto, também, no mesmo capítulo!
viii.O douto Tribunal a quo não interpretou corretamente o disposto no artº 2007 do Código Civil e nem aplicou correctamente o disposto no artº 473º do Código Civil;
ix.Os factos alegados, demonstram que a Ré obteve uma vantagem patrimonial de €5.223,10 (cinco mil duzentos e vinte três euros e dez cêntimos), á custa do A. sem qualquer justificação.
x.Pelo que entende, o ora Recorrente, que ocorrem os requisitos legais justificativos do enriquecimento sem causa, nos termos do disposto no artº473º do Código Civil.
xi.Termos em que dever ser julgado procedente o presente recurso, devendo a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que considere totalmente procedente por provado o pedido formulado pelo A. na sua Petição inicial, considerando assiste ao Autor o direito de ver restituída a quantia de €5.223,10 (cinco mil duzentos e vinte três euros e dez cêntimos).

A autora apresentou contra-alegações, em 17.04.2017, propugnado pela improcedência do recurso, mantendo-se a decisão impugnada, e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
i.A Recorrida considera que o douto Tribunal de 1.ª instância analisou e decidiu correctamente  quando  decidiu não   estarem   preenchidos  os requisitos legais justificativos do Enriquecimento Sem Causa, nem haver lugar à restituição de quantias por parte da Recorrida.
ii.A natureza das pensões de alimentos não é compatível com a natureza do instituto do Enriquecimento Sem Causa, visto que têm como finalidade serem consumidas pelo seu credor, e não enriquecerem o mesmo.
iii.O instituto do Enriquecimento Sem Causa implica uma causalidade existente entre o enriquecimento de um, e o empobrecimento de outro, o que não ocorre no presente caso.
iv.A regra constante no art.º 2007.º do Código Civil, que estipula que os alimentos provisórios não podem, em momento algum, ser objecto de restituição, aplica-se analogicamente também aos alimentos definitivos.
v.Em momento algum existiu uma real intenção por parte da Recorrida em obter qualquer tipo de vantagem patrimonial à custa do Recorrente.
vi.O presente caso não consubstancia um enriquecimento injusto, muito menos atingido à custa do empobrecimento do Recorrente, razão pela qual não poderá a Recorrida restituir os montantes ora peticionados pelo Recorrente.
vii.Mais, todos os montantes entregues pelo Recorrente à Recorrida nunca o foram a outro título senão a título de prestação de alimentos, não podendo aquele vir alegar aos autos que a quantia que considera em excesso não cabe no conceito de prestação de alimentos.
viii.O facto de ter sido recebida a prestação de alimentos pelo valor antigo, por  meio  de  adjudicação  directa   existente, dado   que o Recorrente anteriormente tinha incumprido essa obrigação legal, não retira a essa prestação o seu cariz e natureza de pensão de alimentos.
ix.O facto de, por única e exclusiva culpa e inércia do Recorrente, a pensão não ter sido reduzida no momento determinado pelo Tribunal, não pode gerar obrigação da sua restituição para a Recorrida.
x.Não existe fundamento para a aplicação do regime do Enriquecimento Sem Causa no presente caso, e não se pode imputar à Recorrida qualquer culpa pelo facto de não ter sido actualizado o valor da pensão a descontar ao Recorrente, não assistindo, por isso, ao Recorrente, o direito de ver restituída qualquer quantia.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe: A VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

O que implica a ponderação sobre:     

OS PRESSUPOSTOS DA RESTITUIÇÃO DO INDEVIDO;

III.FUNDAMENTAÇÃO

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido.


BFUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

DOS PRESSUPOSTOS DA RESTITUIÇÃO DO INDEVIDO

Dispõe o n.º 1 do artigo 473.º do Código Civil que: “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.

E, o n.º 2 do mesmo preceito refere que: “
A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.

Para além disso, e como expressamente resulta do disposto no artigo 474º do Código Civil: Não há lugar à restituição por enriquecimento sem causa, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecido.

São, assim, requisitos deste instituto:
a)-o enriquecimento, consistente na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista;
b)-o empobrecimento, traduzido no inerente sacrifício económico correspondente à vantagem patrimonial alcançada, ou seja, o valor que ingressa no património de um é o mesmo que saí do património do outro;
c)-o nexo causal entre um e outro;
d)-a falta de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada, ou porque nunca a tenha tido ou porque tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido.
- cfr. neste sentido e entre outros, A. VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 467 e MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I, 381 e ss e, Acs. do STJ de 17.10.2006 (Pº 06A2741) e de 02.07.2009 (Pº 123/07.5TJVNF.S1).

Caso particular da figura geral do enriquecimento sem causa, constitui o pagamento do indevido. 

A faculdade de repetir o indevido supõe, com efeito, ter havido a intenção de cumprir uma obrigação que, afinal, não existia, considerando-se como não existente, a obrigação a que pode ser oposta uma excepção que exclua a sua eficácia – v. P. LIMA E A. VARELA, Código Civil Anotado, 435.

Distingue a lei as três hipóteses de restituição do indevido:
a)objectivamente indevido, consistente no cumprimento de uma obrigação inexistente (artigo 476º do C.C.);
b)subjectivamente indevido, ou seja, cumprimento de obrigação alheia, na convicção errónea de se tratar de dívida própria (artigo 477º do C.C.);
c)cumprimento de obrigação alheia, com a convicção errónea de se estar vinculado perante o devedor ao cumprimento (artigo 478º do C.C.). 

Reportando-se ao enriquecimento por prestação indevida, estipula-se, no aludido artigo 476.º, sob a epígrafe “Repetição do indevido”:
1.Sem prejuízo do disposto acerca das obrigações naturais, o que for prestado com intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação.
2.A prestação feita a terceiro pode ser repetida pelo devedor enquanto não se tornar liberatória nos termos do artigo 770º.
3.A prestação feita por erro desculpável antes do vencimento da obrigação só dá lugar à repetição daquilo com que o credor se enriqueceu por efeito do cumprimento antecipado.”

E será que estaremos no caso dos autos perante uma das situações tipificadas no supra mencionado preceito legal.

Vejamos,

É certo que o princípio “alimentos não se restituem”, tem expressa consagração no nº 2 do artigo 2007º do Código Civil, sob a epígrafe “Alimentos Provisórios”.

Defendeu-se na sentença recorrida o entendimento de que:
(…)
também não são de restituir os alimentos definitivos indevidamente recebidos. O fundamento em que se ancora esta doutrina é o que, por ou lado, o enriquecimento sem causa coloca-se entre dois patrimónios, tendo de haver enriquecimento de um e empobrecimento de outro numa relação de causalidade, situação que não ocorre se, muito embora houver empobrecimento do autor não se constate, todavia, o enriquecimento do réu, e, por outro, no caso dos alimentos, vigora a regra natural e racional do imediato consumo da prestação alimentícia, que faz com que se esgote, concomitantemente com o seu cumprimento, a materialidade que incorpora a obrigação de alimentos realizada.

Com efeito, defendeu L.P. MOITINHO DE ALMEIDA, Os alimentos no Código Civil 1966, ROA, ano 28 – 1968, 104-106, que vigora no direito português    o   princípio   “alimentos   não   se  restituem”,consignado expressamente no artigo 2007º do Código Civil, mas que também tem aplicação no caso dos alimentos definitivos, sobrepondo-se este princípio perante o enriquecimento sem causa e a repetição do indevido, consagrados nos artigos 473º e ss do Código Civil.

Invoca este autor para assim entender, duas razões. A 1ª razão: o enriquecimento tem de ser actual e a prestação alimentícia não enriqueceu o credor, porque este já gastou os montantes recebidos; A 2ª razão: o princípio do enriquecimento sem causa tem um carácter subsidiário, o que não sucede no princípio “alimentos não se restituem”. Daí que aqueles institutos terão de ceder em relação a este princípio que não tem esse carácter subsidiário.

Mas, referem, por seu turno, PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, ob. cit., Vol. V, 588, (anotação ao artigo 2007º do C.C.), que: A disposição excepcional pode, à primeira vista, causar estranheza, atento precisamente o carácter muito precário da prova exigida nos procedimentos cautelares. Mas três ordens a podem justificar: Em primeiro lugar, pretende-se manifestamente evitar que o receio de devolução obrigatória das quantias recebidas possa servir de travão ao requerimento dos alimentos provisórios em situações de real necessidade. Em segundo lugar, é   intuito da lei afastar ainda em economias de relativa modéstia, como em regra serão as daquelas que vêm a juízo requerer alimentos provisórios, as graves dificuldades que nelas provocaria o encargo de restituir, de uma só vez, o montante de todas as prestações recebidas, quando a causa principal viesse a naufragar. Em terceiro lugar confia-se naturalmente na possibilidade que o julgador sempre tem de repelir as pretensões de mais flagrante injustiça, se estiver devidamente atento, nos próprios procedimentos cautelares, aos indícios, aos simples vestígios ou aos puros começos de prova, que as partes tragam a juízo.

Como expressamente salientam os aludidos autores, a disposição em causa (artigo 2007º, nº 2 do CC) tem natureza excepcional, pelo que não poderá ser aplicada nas situações de alimentos definitivos, em que se não colocam as apontadas razões para a admissão do princípio de que os alimentos, naquele caso particular, não se restituem.

Ora, no caso vertente, a ré, desde a sentença proferida na 1ª instância, em 14.09.2012, tem vindo a receber a prestação alimentícia devida pelo autor, em montante superior, em € 137,45, o que continuou a suceder, mesmo após o trânsito em julgado da decisão do STJ que não admitiu o recurso interposto pela ré.

Assim, entre 14.09.2012 e até Abril de 2015, inclusive, foram indevidamente processados, pela CGA, os descontos na pensão de aposentação do autor, a favor da ré, mensalmente, em montante superior ao devido, ou seja, € 137,45, violando as decisões judiciais, da 1ª e 2ª instâncias e a decisão do STJ que, afinal, não recebeu o recurso interposto pela ora ré, não desconhecendo a ré que tal montante não lhe era devido.

Não obstante este Tribunal esteja consciente do quadro económico-financeiro deficitário de ambas as partes, como expressamente se referenciou no Acórdão deste Tribunal da Relação de 21.03.2013, de que foi relatora a ora relatora e 1º adjunto o ora 1º adjunto, não se pode deixar de considerar que razão assiste ao autor, quando peticiona a restituição, por parte da ré, da diferença por esta recebida, mensalmente, a mais (€137,45), desde 14.09.2012 (data da sentença em 1ª instância) e até Abril de 2015, ou seja, 32 meses (e não 38 meses, conforme refere o réu, certamente por lapso, na sua petição inicial), i.e., 4 meses do ano de 2012; 12 meses do ano de 2013, 12 meses do ano de 2014 e 4 meses do ano de 2015, cifrando-se o montante recebido a mais em € 4.398,40.

Reconhece-se que esta questão poderia ter sido solucionada no Tribunal por onde, eventualmente, corre o processo de execução - o autor menciona, na sua petição inicial, ter solicitado à ré para junto do agente de execução regularizar a redução da pensão de alimentos (artigo 16º da p.i.) - já que, evidentemente, nesse  processo  sempre se poderia compatibilizar melhor o regime prestacional, com uma restituição fraccionada do montante recebido a mais pela ré, o que se não demonstrou que tal tivesse sido, atempadamente, requerido, quer pelo autor, quer pela ré.

Sucede, por conseguinte, que há que reconhecer que, in casu - e no que concerne ao montante mensal de €137,45, recebido pela ré durante 32 meses - estamos perante a particular situação de cumprimento de obrigação inexistente, a que se reporta o artigo 476º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual, sem prejuízo do disposto acerca das obrigações naturais, o que for prestado com a intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação.

Deverá, portanto, a ré restituir ao autor a quantia global de € 4.398,40 (€137,45 x 32 meses), indevidamente recebida, face ao decidido na sentença de 14.09.2012, confirmado pelo Ac. TRL de 21.03.2013, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde 01.05.2015, conforme peticionado, à taxa legal.

Assim sendo, o recurso terá de proceder, com a rectificação do montante peticionado, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra em que se condena a ré a restituir ao autor, a quantia de € 4.398,40 (€137,45 x 32 meses), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 01.05.2015, até integral pagamento.

A responsabilidade pelas custas ficará a cargo da apelada, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento em virtude do apoio judiciário de que esta beneficia.

IV.DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso, com a rectificação do montante peticionado, revogando-se a decisão recorrida, que se substitui por outra, em que se condena a ré a restituir ao autor, a quantia de € 4.398,40, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 01.05.2015, até integral pagamento.

Condena-se a apelada no pagamento das custas, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento em virtude do apoio judiciário de que beneficia.



Lisboa, 2 de Novembro de 2017



Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Martins
Arlindo Crua

Decisão Texto Integral: