Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
530/13.4TBFUN.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONDUTOR POR CONTA DE OUTREM
COMISSÁRIO
SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL
DANOS MATERIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/IMPROCEDENTE
Sumário: I- O disposto no art.º 493º, n.º 2, do Código Civil, não cobra aplicação à hipótese de colisão de veículos.
II- A condução por conta de outrem só por si não pressupõe uma relação de comissão, nos termos do artigo 500.º n.º 1 do Código Civil.
III- Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
IV- A expressão “danos materiais”, constante do art. 52º, n.º 2, alínea a), do Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil, contrapõe-se às “lesões corporais”, ou “danos resultantes de lesões corporais”, na economia daquele mesmo Regime.
V- Entre os obrigados ao seguro de responsabilidade civil automóvel, visados no normativo antecedentemente citado, não se inclui o detentor ou condutor legítimo de motociclo, e ademais quando não haja sido alegado e provado o conhecimento por parte daquele de que o proprietário do mesmo não tinha seguro válido.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



I-Relatório:


I – A intentou ação declarativa, com processo comum sob a forma sumária, para efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra B e Fundo de Garantia Automóvel, alegando, em suma:

No dia 21 de Julho de 2011, pelas 22h20m, na Estrada da Universidade, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, ocorreu um acidente de viação, que envolveu a viatura automóvel ligeiro de passageiros Marca Toyota, Modelo Corolla LIFTBACK, com a matrícula (…)MA, propriedade do primeiro Réu, e conduzido pelo próprio, e o motociclo Marca Yamaha, Modelo XT 600E, com a matrícula (…)TX, conduzida pelo Autor.

O Primeiro Réu, à data do acidente de viação não era portador de
seguro de responsabilidade civil.

O acidente ficou a dever-se à culpa única, exclusiva, grave e grosseira do condutor do veículo MA, o qual, ao realizar manobra de mudança de direção para o lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, não teve o cuidado de verificar se existiam veículos a circular em sentido contrário, na outra via, embatendo assim com o seu veículo no motociclo, TX.

Em consequência do embate sofreu o A. danos materiais e corporais, para além de danos não patrimoniais, os primeiros no montante de € 12.302,50 e os últimos valorados, para efeitos ressarcitórios, em €11.000,00.

Conclui pedindo a condenação dos RR. a pagarem ao A.:

A – €100 (…), pelas oito sessões de fisioterapia realizadas na “JRFN II Saúde Humana e Reabilitação, Lda.”;
B – €11.000,00 (…), a título de danos morais sofridos com as dores, tratamentos, dificuldades em dormir, pesadelos, impossibilidade psíquica para conduzir e demais incómodos;
C – €3.937,42, (…), a título de reparação do motociclo com a matrícula 09-64-TX;
D – €259,00 (…), pelo leitor de mp3 Apple Ipod nano 4Gb Black, que se partiu com o acidente;
E – €219,94 (…), pelo telemóvel PU i9 3g Nokia 6630, que se partiu com o acidente;
F – €169,00 (…), pelo relógio timberland kingsbridge, que se partiu com o acidente;
G – €143,00 (…), pelas sapatilhas (HIPERTRAIL LOWXCR GREIG), que se danificaram com o acidente;
H – €7.474,14 (…), pelos tratamentos no Hospital Dr. Nélio Mendonça.”
Tudo acrescido “de juros a contar desde a citação até efectivo e integral pagamento.”.

Citados, contestaram os RR.

Arguindo a 2ª Ré. a ilegitimidade do A., na circunstância de ser apenas o condutor do veículo TX e não o seu proprietário.

E ainda a sua própria ilegitimidade, por não beneficiar o proprietário do veículo TX de seguro válido e eficaz, estando assim excluídos da garantia do FGA os danos materiais causados naquele veículo.

Deduzindo, quanto ao mais, impugnação, e designadamente no tocante ao montante peticionado a título de danos não patrimoniais, “manifestamente exagerado”.

Rematando com a) a procedência das arguidas exceções, “absolvendo-se o R. da instância;” b) a improcedência da ação, por não provada, “absolvendo-se o Réu do pedido.”.

Também o 1º R. arguindo, em termos paralelos, a ilegitimidade do A.

Impugnando a versão do acidente desenhada pelo A., a quem imputa a responsabilidade pelo verificado embate, por circular sem o farol da frente iluminado, próximo da faixa central de rodagem da via e em excesso de velocidade.

Tendo o 1º R. sofrido, em consequência do acidente, danos no veículo por si conduzido, e de que é proprietário, no valor de € 1.907, 76.

Remata com:
a) a procedência das “exceções de ilegitimidade activa, absolvendo-se o réu da instância e, sem conceder, de todo o modo,”
b) a improcedência “por não provada da acção (…), com a consequente absolvição do réu de todos os pedidos formulados, com as demais consequências legais”.

Mais pedindo, em RECONVENÇÃO:

c) a condenação do “autor reconvindo a indemnizar o 1º réu reconvinte no pagamento da quantia de € 1.907,76 (…), a título de danos patrimoniais, pelos prejuízos causados no veículo de marca TOYOTA modelo COROLLA e matrícula MA, a qual deverá acrescer juros moratórios à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento”.

Houve resposta de banda do A., sustentando a improcedência tanto das exceções invocadas como do pedido reconvencional deduzido, e concluindo como na petição inicial.

Por despacho reproduzido a folhas 74 e 75, foi o 1º R. convidado a apresentar nova contestação e reconvenção, aperfeiçoada na consideração de naquela ter sido alegado não dispor o veículo conduzido pelo A. de seguro de responsabilidade civil automóvel, sendo que a reconvenção vem deduzida (apenas) contra o A.

Ao que correspondeu aquele R., desta feita assacando responsabilidade ao FGA pelo pagamento da indemnização devida, até ao valor do capital mínimo do seguro obrigatório, por danos materiais, e pedindo, em via reconvencional, a condenação do “autor reconvindo” e do “FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL a indemnizarem o 1 réu reconvinte no pagamento da quantia de € 1.907,76 (…), a título de danos patrimoniais, pelos prejuízos causados no veículo de marca TOYOTA modelo COROLLA e matrícula MA, a qual deverá acrescer juros moratórios à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento”.

O processo seguiu seus termos, com dispensa da audiência prévia, saneamento – julgando-se improcedentes as arguidas exceções de ilegitimidade ativa do A. e passiva da Ré FGA – identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo a ação e reconvenção parcialmente procedentes por provadas e, em consequência, decido:
a) Condenar os Réus, solidariamente, a pagarem ao Autor a quantia de € 5.019,05 (cinco mil dezanove euros e cinco cêntimos) a título de danos patrimoniais acrescida da quantia devida a título de juros moratórios legais civis à taxa de 4%, computados desde a citação dos Réus até efetivo e integral pagamento.
b) Condenar os Réus, solidariamente, a pagarem ao Autor, a título de compensação, por danos não patrimoniais, a quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) acrescida da quantia devida a título de juros moratórios legais civis à taxa de 4%, computados desde a data desta sentença até integral pagamento.
c) Condenar o Autor a pagar ao Réu B a quantia de € 763,10 (setecentos e sessenta e três euros e dez cêntimos) a título de danos patrimoniais acrescida da quantia devida a título de juros moratórios legais civis à taxa de 4%, computados desde a notificação da reconvenção ao Autor, até efetivo e integral pagamento.
d) Absolver os Réus do demais peticionado.
e) Absolver o A. do demais peticionado na reconvenção.”.

Inconformados, recorreram o A. e a Ré FGA.

Formulando o 1º, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“32- O presente recurso de apelação vem interposto da douta sentença que julgou a acção e reconvenção parcialmente procedentes por provadas, e em consequência:

“a) Condenar os Réus, solidariamente, a pagarem ao Autor a quantia de € 5.019,05 (cinco mil dezanove euros e cinco cêntimos) a título de danos patrimoniais acrescida da quantia devida a título de juros moratórios legais civis à taxa de 4%, computados desde a citação dos Réus até efetivo e integral pagamento.
b) Condenar os Réus, solidariamente, a pagarem ao Autor, a título de compensação, por danos não patrimoniais, a quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) acrescida da quantia devida a título de juros moratórios legais civis à taxa de 4%, computados desde a data desta sentença até integral pagamento.
c) Condenar o Autor a pagar ao Réu Nelson Henrique Abreu de Sousa a quantia de € 763,10 (setecentos e sessenta e três euros e dez cêntimos) a título de danos patrimoniais acrescida da quantia devida a título de juros moratórios legais civis à taxa de 4%, computados desde a notificação da reconvenção ao Autor, até efetivo e integral pagamento”.

33- Entende o Apelante que existe na sentença ora recorrida a violação do princípio da livre apreciação de prova nos termos consignados a art. 607º nº 5 e 640º nº 1 al. b) do Novo Código de Processo Civil.

34- Da prova produzida em Audiência de Julgamento, nomeadamente dos documentos juntos com os articulados, e ainda através do depoimento das testemunhas abaixo identificadas, impunha-se que se tivesse considerado não provado, o facto provado constante a ponto 4., “4) O Motociclo TX circulava na Estrada da Universidade, no sentido Norte/ Sul, não trazendo o farol da frente iluminado.”.

35- Salvo o devido respeito, mas a conclusão alcançada pelo Tribunal não é correcta, nem assertiva, quer por força das regras da experiência comum, quer pelo depoimento prestado pelas testemunhas JR e AA.

36- Decorre do depoimento da testemunha JR, que visualizou o acidente e foi o primeiro a chegar ao local, que o Autor circulava com os faróis ligados, bem assim que depois do embate, ao recolher a mota, ficou com o guiador na mão, pois o mesmo já estava desprendido da própria mota.

37- Por outro lado, a testemunha AA, que presenciou o acidente, no seu depoimento, confirmou que o Autor circulava com os faróis ligados, bem assim constatou o estado em que ficou a mota.

38- Do depoimento das testemunhas ora enunciadas, verifica-se que, o Autor, ora Apelante, circulava com o farol dianteiro iluminado.

39- Contudo, mesmo desconsiderando o depoimento das testemunhas JR e AA, não seria possível, segundo as regras da experiência comum, considerar que o Autor circulava com o farol dianteiro apagado, apenas, e porque depois do acidente, quando o motociclo estava prostado no chão, o farol estava apagado.

40- Bem assim não houve necessidade de proceder à substituição do farol e da lâmpada.

41- Como é sabido, a corrente electrica chega à lâmpada dianteira do motociclo através de cabos e demais componentes eléctricos.

42- O facto de a luz estar apagada, após o embate, não significa necessariamente que o farol vinha desligado, pois basta que os cabos electricos se tivessem partido ou até mesmo desconectado, com o embate, para que o farol estivesse desligado.

43- Esta conclusão sai reforçada pelo depoimento da testemunha Jorge Ribeiro, o qual declarou em Audiência de Julgamento que, quando juntou a mota do chão, o próprio guiador desprendeu-se da mota.

44- O simples facto de o farol estar apagado após o embate, não é prova suficiente para demonstrar que o Autor, ora Apelante, circulava com os faróis apagados, pois o mais normal seria que, após o embate frontal, o sistema electrico ficasse danificado, tornando-se assim impossível chegar corrente electrica, à lâmpada.

45 Assim, entende o Apelante que o ponto 4. dos factos provados deverá ser dado como não provado, tendo em conta o depoimento prestado pelas testemunhas JR e AA, por terem estes presenciado o acidente, tendo os mesmos visto o motociclo a circular, antes do embate, com o farol dianteiro iluminado.

46- Razão pela qual deverá ser declarada nula a sentença recorrida, art. 615º nº 1 al. b), c) e e) do CPC, e ser substituída por outra que julgue a matéria de facto nos termos anteriormente expostos – 662º/1 e 665º/1 ambos do CPC.

47- Com efeito, e não sendo dado como provado o ponto 4. dos factos provados, a responsabilidade do acidente corre exclusivamente pelo Réu B e, em consequência, deverão os Réus ser condenados a indemnizar o Autor na quantia de €10.365,08, devidos pela matéria dada como provada nos pontos 21., 36., 37., 38., 39., e 40., bem assim no pagamento de um dano não patrimonial no montante de €2.000,00.

48- Mais deverá o Autor ora Apelante ser absolvido da obrigação de indemnização do 1º Réu, no montante de €763,104 (1.907,76 x 40%).

49- Mais, as custas deverão ser da exclusiva responsabilidade dos Réus.”.

Finaliza com a procedência do recurso, “declarando-se nula a sentença recorrida, por violação das normas jurídicas constantes dos arts. 607º nº 5 e 640º nº 1 al. b) do Novo Código de Processo Civil, devendo ser substituída por outra que julgue procedente a acção intentada pelo Autor e improcedente o pedido reconvencional pedido pelo Réu B, julgando a matéria de facto nos termos anteriormente expostos – 662º/1 e 665º nº 1 do N.C.P.C., sendo assim condenados os Réus, solidariamente, no pagamento de uma indemnização de €10.365,08 ao Autor.”.

E dizendo a 2ª Ré, em conclusões:

“A) O Tribunal "a quo" condenou solidariamente o ora apelante a pagar ao A. a quantia de 5.019,05 €, a título de danos materiais;

B) Quando, na verdade, os danos materiais causados aos incumpridores da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, se encontram excluídos da garantia do Fundo de Garantia Automóvel;

C) Ora verificando-se que o Autor incumpriu a sua obrigação de segurar o veículo interveniente, conforme resulta do facto provado n.º 12, o FGA não deveria ter sido condenado no pagamento dos danos materiais ao A., devendo para tanto ter sido absolvido quanto à parcela dos danos materiais.

D) A douta sentença recorrida violou, assim, o disposto na al. a) do n.º 2 do Art.º 52º do DL 291/2007 de 21.08.”.

Termina com a revogação da “sentença recorrida, no âmbito delimitado pelo objecto do presente recurso”.

Não se mostram produzidas contra-alegações.

II- Dispensados que foram os vistos, nos quadros do art.º 657º, n.º 4, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

Face às conclusões das correspondentes alegações, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do mesmo Código – são questões propostas à resolução deste Tribunal:

A – No recurso interposto pelo A:

- se se verificam as nulidades assacadas à sentença recorrida;
-se é caso de alteração da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos pretendidos pelo A.
Retirando, na positiva quanto àquela última questão, as necessárias consequências em sede de mérito da ação e da reconvenção.

B- No recurso interposto pela Ré F.G.A:

- se os danos materiais sofridos pelo A., se encontram excluídos da garantia do Fundo de Garantia Automóvel.

***

Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte:

“1) No dia 21 de Julho de 2011, pelas 22h20m, na Estrada da Universidade, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, ocorreu um acidente de viação.

2) No acidente referido em 1) estiveram envolvidos a viatura automóvel ligeiro de passageiros Marca Toyota, Modelo Corolla LIFTBACK, com a matrícula MA, propriedade do Primeiro Réu, e conduzido pelo próprio, e o motociclo Marca Yamaha, Modelo XT 600E, com a matrícula TX, conduzida pelo Autor.

3) Nos momentos que precederam o acidente, o veículo ligeiro de passageiros MA, circulava na Estrada da Universidade, no sentido Sul/Norte (ascendente) com os faróis acesos.

4) O Motociclo TX circulava na Estrada da Universidade, no sentido Norte/Sul, não trazendo o farol da frente iluminado.

5) Ao chegar junto à entrada para o parque de estacionamento existente à esquerda da faixa de rodagem, isto um pouco antes do entroncamento formado por esta artéria e o arruamento de acesso ao Tecnopólo verificou que um veículo de marca FORD modelo FIESTA, de cor cinzenta, circulava lentamente no sentido descendente tendo decidido então continuar a manobra de mudança de direcção para a esquerda e entrar no parque de estacionamento.

6) Momento em que se deu o embate do vértice anterior esquerdo do seu veículo (frontal), com a frente do motociclo TX, quando ainda se encontrava quase inteiramente na sua faixa de rodagem.

7) Com o embate, o Autor condutor do motociclo TX, foi projectado para o chão trás do veículo do 1.º Réu e ficado com a cabeça e com o corpo encostado no passeio, tendo perdendo de imediato a consciência e aí permanecido.

8) O Autor, na sequência do embate, foi transportado para o Hospital Dr. Nélio Mendonça, pelos Bombeiros Municipais do Funchal.

9) A Estrada referida em 1) é uma reta com inclinação descendente, sem separador Central, com 2 vias, com o regime de circulação dois sentidos, com o limite local e limite geral de 50 Km/h.

10) No dia referido em 1) o tempo estava bom, o piso estava seco, a estrada estava em boas condições de circulação, existindo um foco de iluminação pública cerca de 30 a 40 metros acima do local do embate (na saída do parque) e outro poste de iluminação pública cerca de 10 metros abaixo da entrada do local do acidente (na entrada do parque).

11) O 1º Réu não era possuidor de seguro de responsabilidade civil válido à data do embate descrito em 1), tanto que o seu veículo foi apreendido.

12) O motociclo de marca YAMAHA, modelo XT 600E, com a matrícula TX, é propriedade e está registado enquanto tal a favor de EB o qual não era possuidor de seguro de responsabilidade civil válido à data do embate descrito em 1), tanto que o seu veículo foi apreendido.

13) Na sequência do embate dos veículos envolvidos no acidente, o Autor foi projectado para o chão, perdendo os sentidos, tendo sido imediatamente conduzido ao Centro Hospitalar do Funchal para receber tratamento.

14) Chegado ao Hospital, o Autor foi submetido a exames analíticos e radiológicos.

15) Como consequência directa do embate o Autor sofreu fractura do olecraneo direito, fractura do astrágalo direito, rigidez no cotovelo direito e rigidez no pé direito, escoriações nos cotovelos, tornozelos, no tórax, coluna cervical, e no crânio, com amnésia para o acontecimento.

16) No seguimento das fracturas supra mencionadas, foi sujeito a duas intervenções cirúrgicas, tendo sido colocadas talas gessadas com o intuito de imobilizar os membros.

17) O Autor teve alta no dia 1 de Agosto de 2011.

18) Durante o internamento foi sujeito a consultas médicas, tratamentos de fisioterapia, meios complementares de diagnóstico, actos clínicos, e terapêutica.

19) O Autor foi internado no Hospital Central do Funchal no dia 21 de Julho de 2011 e teve alta no dia 1 de Agosto de 2011.

20) O Autor, após sair do Hospital, esteve de repouso durante cerca de 1 mês, necessitando da ajuda de outras pessoas para poder realizar as suas tarefas diárias, como alimentar-se, vestir-se, tomar banho e ir à casa de banho.

21) Após ter alta do hospital e depois de recuperar alguma autonomia, o Autor realizou oito sessões de fisioterapia na “JRFN II Saúde Humana e Reabilitação, Lda.”, que lhe custaram €100 (cem euros).

22) Após a realização de todos os tratamentos possíveis, o Autor ficou com rigidez definitiva no cotovelo e pé direito.

23) O Autor tinha à data do acidente 25 anos, gozava de boa saúde quer psíquica, quer física, e não apresentava qualquer defeito, nem psíquico, nem físico.

24) O Autor esteve incapacitado fisicamente para o trabalho durante cerca de 5 meses.

25) Sofrendo muitas dores, no momento do acidente, durante o tempo em que esteve internado no Hospital, no mês em que esteve em repouso, bem como durante o período em que foi sujeito a tratamento e fisioterapia.

26) Com a violência do acidente, perdeu os sentidos, e o choque e trauma adveniente deste acidente fez com que não conseguisse conduzir durante vários meses, procurando sempre outra alternativa para não passar no local do acidente a conduzir.

27) Mesmo na condição de passageiro, o Autor revela e denota um grande nervosismo, ansiedade e intranquilidade.

28) O Autor nos meses subsequentes ao acidente teve pesadelos e dificuldades em dormir.

29) O Autor tinha como habito dar passeios a pé com a sua namorada. Em função do acidente e das diversas fracturas sofridas, esteve durante vários meses impedido.

30) Sendo que actualmente nem pode fazer grandes caminhadas, pois fica logo com dores no pé.

31) A Autora sente rigidez no cotovelo e no tornozelo, o que lhe causa incómodo, desconforto e inibi-o de realizar determinadas tarefas que exijam uma maior amplitude dos membros afectados.

32) Bem como sente dores com a mudança de temperatura.

33) O Autor era um ávido praticante de desporto, contudo, e em função da rigidez e limitação sentida no cotovelo e pé direito, a prática do desporto, que é algo que sempre lhe deu prazer, foi-lhe retirada.

34) Com o acidente de viação e em função do embate sofrido, o veículo TX sofreu danos no guarda-lamas frente, autocolante, carenagem farol, autocolante, pisca, carenagem depósito gasolina, autocolante carenagem depósito I, autocolante carenagem deposito II, aro roda frente, guiador, manete esquerda, deposito gasolina, bainha suspensão, jarras suspensão.

35) Para reparar os prejuízos supra enunciados, o Autor tem que despender a quantia de €3.937,42, (três mil novecentos e trinta e sete euros e quarenta e dois cêntimos), conforme orçamento junto como doc. nº 7, o qual aguarda reparação pois o autor não tem dinheiro suficiente para a reparação.

36) Nas circunstâncias descritas em 1) e 2) o Autor tinha um leitor de mp3 Apple Ipod nano 4Gb Black, que se partiu com o acidente, ficando totalmente destruído sem possibilidade de reparação, no montante de €259,00 (duzentos e cinquenta e nove euros).

37) Autor tinha ainda um telemóvel PU i9 3g Nokia 6630, que se partiu com o acidente, ficando totalmente destruído sem possibilidade de reparação, no montante de €219,94 (duzentos e dezanove euros e noventa e quatro cêntimos).

38) O Autor ainda tinha um relógio timberland kingsbridge, que se partiu com o acidente, ficando totalmente destruído sem possibilidade de reparação, no montante de €169,00 (cento e sessenta e nove euros).

39) O Autor estava a usar umas sapatilhas (HIPERTRAIL LOWXCR GREIG), oferecidas pela sua namorada, que se danificaram com o acidente, ficando totalmente destruídas sem possibilidade de reparação, no montante de €143,00 (cento e quarenta e três euros).

40) Em função do internamento, cirurgia e tratamentos, no Hospital Dr. Nélio Mendonça, o Autor tem que proceder ao pagamento de €7.474,14 (sete mil quatrocentos e setenta e quatro euros e catorze cêntimos), o qual não consegue efectuar, pois não dispõe da verba necessária para o efeito.

41) Do embate descrito em 6) resultaram danos no veículo de matrícula 07- 99-MA na grelha frontal, nos faróis, nos piscas de mudança de direcção, chapa de matrícula, capot frontal e pára-brisas frontal, tendo o 1.º Réu de despender a quantia de € 1.907,76 (mil novecentos e sete euros e setenta e seis cêntimo) para reparação desses danos.”.

***

Vejamos.

II – 1 - Das nulidades de sentença arguidas pelo Recorrente/A.

Conclui o Recorrente pela verificação das nulidades cominadas no art.º 615º, n.º 1, alíneas b), c) e e), do Código de Processo Civil.
Com o que estaria em causa a ausência de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; a contradição entre os fundamentos e a decisão ou alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; e a condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, respetivamente.

Porém, como se alcança das alegações do Recorrente, aquele não substancia, nem sequer afirma, a ocorrência de qualquer de tais situações, apenas pretendendo…que as ditas nulidades se verificariam na alegada circunstância de erro de julgamento no tocante à matéria do n.º 4 dos factos julgados provados.

Posto o que, estranhando o error in judicando, e designadamente quando relativo à matéria de facto, aos quadros das nulidades de sentença, logo improcedem aqui as conclusões do Recorrente/A.

II – 2 – Da impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.

1. Propugna o Recorrente/A. o não provado do facto enunciado no n.º 4 do elenco dos factos julgados provados.
Fundamentando essa sua pretensão nos depoimentos das testemunhas JR e AA.

Sendo que se consignou na sentença recorrida, em sede de “Motivação da decisão de facto” e no que toca a este ponto:
“O depoimento de JF, agente que elaborou o auto de fls. 7, prestou um depoimento objectivo, isento e credível, com conhecimento direto dos factos a que depôs, desde logo porquanto relatou aqueles dos quais teve conhecimento direto através das suas percepções. Assim, foi claro ao referir que ninguém mexeu nos veículos, que o local era bem iluminado e não tinha rastos de travagem, pelo que, o seu depoimento foi suficiente para o tribunal, em conjunto com os documentos n.ºs 1, 7, 8 e 9 juntos com a PI, concluir que o facto ocorreu da forma descrita, nomeadamente que o motociclo TX não trazia as luzes frontais ligadas pois que tal conclusão se alcança pelas fotografias (fls. 14v e 15) onde se constata que o farol não estava iluminado, bem como com o teor do orçamento de fls. 14 do qual não resulta a necessidade de substituição do farolim ou da lâmpada.”.

2. Logo se dirá que da circunstância de ninguém ter mexido nos veículos após o embate, não apresentado o motociclo TX, no local da sua imobilização, o farol da frente iluminado, e de no orçamento da reparação daquele (doc. 7 junto com a p. i., a folhas 14), nada ser referido quanto à substituição do dito farol ou da lâmpada respetiva, não decorre necessariamente que o TX circulasse sem o farol iluminado.

Pois certo é que, as mais das vezes, na sequência de acidentes que tais, os danos diretamente ocasionados pelo embate ou mesmo pela subsequente queda do motociclo, nos sistemas de iluminação deste, provocam o imediato colapso dos mesmos.

Sendo no entanto igualmente do senso comum que por vezes tal não acontece, designadamente quando se trata de motociclos de com cilindradas apreciáveis – como é o caso de uma YAMAHA, modelo XT 600E – desde que não circulem a velocidades exponenciais e o embate ou queda subsequente não tenham atingido diretamente o sistema de iluminação.

Por outro lado, se o referenciado orçamento nada inclui relativamente à substituição do “farolim ou da lâmpada”, ponto é também que do mesmo consta a substituição da “carenagem do farol, aliás em correspondência com os danos sofridos pelo TX, enumerados no n.º 34 dos factos provados.

Ora consabidamente, a carenagem do farol – como que o invólucro estético deste, normalmente em plástico – pode incluir o grupo ótico respetivo, sendo assim que por vezes é publicitada a sua venda.[1]

E na participação do acidente, elaborada pela PSP – documento n.º 1 junto com a petição inicial, a folhas 7 a 9 – nada constando relativamente à situação de iluminação do farol dianteiro do TX…é no entanto referido apresentar aquele motociclo a “Frente danificada”.

Acresce que no mesmo orçamento – e com acolhimento no mesmo n.º 34 dos factos provados – mais vem incluída a substituição de “pisca” e da “manete esquerda”, o que sendo compatível com a tal “frente danificada” já o não é com a restrição dos danos consequenciais, ao nível da roda da frente e da suspensão dianteira…

Antes resultando coerente com os danos na sobredita carenagem.
Sendo razoável presumir que se do embate e, ou, da subsequente queda, resultaram danos na carenagem do farol, implicando a substituição desta, tal não deixaria de afetar, um dispositivo sensível como é uma lâmpada de um farol envolvido pela dita carenagem, ou as ligações das cabelagens de alimentação do dito farol.

Quanto aos documentos 8 e 9, juntos com o mesmo articulado, a folhas 14 e 15, trata-se de reproduções de fotografias do motociclo, concedidamente tiradas após o embate e subsequente imobilização daquele.
Sendo manifesta a sua falta de definição.

Embora se conceda delas resultar que, quando tiradas, o motociclo não apresentava o farol dianteiro iluminado.

3. No tocante à prova testemunhal temos que JF – agente da PSP, a prestar serviço na Divisão de Trânsito - subscritor da sobredita participação de acidente, e testemunha comum ao A. e ao 1º R., referiu a instâncias do mandatário do 1º R., que o farolim da moto, nas fotografias “está apagado”

Mas também, e a seguir, “por esta foto aqui parece que não tem” (danos, o farol), “mas não sei se tinha” e não me recordo se quando cheguei lá estava aceso ou não”, “eu estou a falar pela fotografia, sendo que ficou com a ideia que ninguém tinha mexido nos veículos até à sua chegada ao local.

Confirmando que o impacto foi na roda da frente e amortecedor do TX…nada adiantando – nem podendo fazê-lo, posto que não presenciou o acidente – quanto aos termos em que se verificou a queda e imobilização do TX após o embate.

Por outro lado, a testemunha JR – amigo do A. há cerca de três anos antes do acidente – referiu que estando nas proximidades, com outro amigo, o AD, dirigiram-se à Roulotte dos “cachorros quentes”, ali sediada, e depois mais para baixo, para o parque de estacionamento, onde estava de costas para a estrada, deviam ser para aí dez horas (22,00h), quando “de repente vimos uma moto a vir de baixo” – ouviram o barulho da mota e olharam – depois continuaram a conversa e quando ouviram o “estrondo” do embate tornaram a olhar.

“Fomos para lá ver…”, assegurando que a mota vinha com o farol ligado e que depois do acidente “tinha o “canhão” da ignição ligado”.

Só então se tendo apercebido, após tal lhe ter sido referido pelo André, que era “o João” o condutor da mota, e que ele “não dizia coisa com coisa”.

A testemunha, que se assume como condutor de mota desde há 15 anos, refere faltar material necessário à reparação da mota, no orçamento de folhas 14.

Sendo categórica quanto a que na sequência do embate, “tudo o que era acessórios do volante partiu tudo” – incluindo os “interruptores”“está tudo partido”, “até os punhos”, “quando eu peguei na moto fiquei com tudo na mão” (a testemunha foi “lá buscar a mota no dia seguinte”).

Mostrando-se bastante segura e coerente, perante a instância algo agressiva e confusionista da parte do mandatário do 1º Réu.

Finalmente, a testemunha AA – amigo do A. há cinco ou seis anos à data do seu depoimento, estando desempregado e andando de mora há seis ou sete anos – disse que se encontrava com o JR “a comer”, encontrando-se “no estacionamento dos hamburgers”, abaixo da roulotte, “um bocadinho acima da entrada do parque” (de estacionamento).

Refere ter-se apercebido da mota, e olhado, e depois continuar a comer e depois ouvido o estrondo.

Após o que ambos se dirigiram “lá”, junto dos veículos.

Sendo perentório quanto a vir a mota com o farol aceso: “vinha aceso”, “vinha, vinha”.

Também referindo que o A. se encontrava “consciente” mas que “não dizia coisa com coisa”.

E “Fui eu quem tirou as fotografias”, “com o telemóvel”, sem que ninguém tivesse mexido nos veículos.

*

Ora, mesmo quando se entenda ser de desvalorizar os depoimentos destas duas últimas testemunhas – e da reprodução da mera gravação áudio daqueles não se colhem, quanto ao assim posto em crise, razões para tal – ponto é que, como decorre de quanto se observou relativamente aos documentos considerados na fundamentação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, e ao depoimento da testemunha JF, não foi feita prova bastante de que o A. conduzia o motociclo TX, “não trazendo o farol da frente iluminado”.

Posto o que – e certo recair sobre o 1º R./reconvinte, que alegou tal circunstância, assim a um tempo matéria de exceção e facto constitutivo, o correspondente ónus de prova, cfr. art.º 342º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil – deverá ser eliminado o n.º 4 dos factos provados.

Com procedência, nesta parte, das conclusões do Recorrente.

II – 3 – Do mérito da ação e da reconvenção.

Refira-se desde já ser nesta sede que importará também apreciar a questão colocada pela 2ª Ré, relativa à não abrangência pela garantia do Fundo de Garantia Automóvel, dos danos materiais sofridos pelo A., por não ser aquele, à data, titular de carta de condução de motociclos.

Isto posto:
1. Em matéria de culpa do A. revela-se a sentença recorrida, e salvo o devido respeito, menos coerente.

Com efeito consignou-se naquela:
“Por outro lado o condutor do TX violou igualmente o disposto no 93.º, n.º 2, do CE o qual dispõe que “ (…) os condutores dos motociclos, triciclos, quadriciclos e ciclomotores devem transitar com as luzes de cruzamento para a frente e de presença à retaguarda acesas.” (negrito nosso)
Assim, tal factualidade permite concluir que o condutor do TX (Autor) agiu, igualmente, de forma culposa, i. é, omitido os deveres de diligência a que estão obrigados os condutores de veículos automóveis., não se demonstrando que o mesmo tenha tomado de todas as precauções ao se aproximar do cruzamento (conforme definido pelo art. 1.º, al. e) do CE).
Destarte, se a culpa do 1.º Réu no embate é efectiva (art. 483.º, do Cód.Civil), a culpa do Autor é presumida (art. 493.º, n.º 2, do Cód.Civil) a qual não foi afastada pois não se provou que nenhuma culpa da sua parte houve, sendo certo que nos presentes autos não só uma dúvida razoável existe quanto à dinâmica do acidente, como podemos mesmo assegurar que se ambos os condutores tivessem cumprido todas as normas que se lhes impõe o Código da Estrada, ambos seriam visíveis mutuamente e mais um acidente deixaria de ocorrer.”.

Ou seja, começando por equacionar a culpa efetiva do A/condutor do motociclo TX…conclui a seguir ser a culpa daquele meramente presumida…para logo depois já explanar em termos de concorrência de culpas efetivas de A. e 1º R.

Mas, não ficando por aí, “regressa” mais adiante à culpa presumida do A.:
“Em conclusão, os dois condutores dos veículos intervenientes, com as suas condutas, ou falta delas, foram concorrentes para a produção do facto danoso.
Admitindo então, este tribunal, a concorrência destes dois tipos de culpa, põe-se o problema de graduar nos termos do disposto no art. 570.º, n.º 1, do Cód.Civil as quotas de contribuição de ambas as condutas para a ocorrência do evento, aceitando-se que o condutor efectivamente culpado possa ser mais penalizado do que o presumivelmente culpado, pelo que atenta a factualidade supra exposta, a concorrência de culpa, sendo que a do 1.º Réu é efectiva, bem como o facto deste estar a conduzir um veículo ligeiro, o tribunal entende fixar a sua quota de contribuição para a conduta lesiva em 60% e a do Autor em 40%.”.

Ora, o facto em que a sentença recorrida começa por concluir pela culpa efetiva do A. – a saber, circular com o farol da frente do motociclo sem iluminação – quedou afinal não provado.

Para além disso, não se vislumbra como dos factos provados se possa retirar uma tal culpa efetiva, concorrente, do A.
O motociclo daquele circulava na sua meia faixa de rodagem, no sentido Norte-Sul, quando, sem ter entrado em qualquer cruzamento ocorreu o embate com o ligeiro de passageiros MA, que, circulando na mesma artéria no sentido Sul-Norte, havia iniciado e prosseguido manobra de mudança de direção para a esquerda, para entrar no parque de estacionamento ali existente.
Com necessária preterição, pelo condutor do MA, do disposto no art.º 35º, n.º 1, do Código da Estrada, que integra a regra da cedência da prioridade aos condutores que se apresentem pela direita, formulada quanto às praças cruzamentos e entroncamentos, no art.º 30º do mesmo Código.

2. No que à culpa presumida concerne, não é nosso entendimento que o disposto no art.º 493º, n.º 2, do Código Civil, cobre aplicação à hipótese de colisão de veículos.
 Sendo essa orientação que, como também dão nota P. Lima e A. Varela,[2] triunfou no assento do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Novembro de 1979[3] – agora com o valor dos Acórdãos uniformizadores de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – nos termos do qual: “O disposto no artigo 493º, n.º 2, do Código Civil não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre.”.

Por outro lado, e conquanto se não trate este de aspeto abordado na sentença recorrida, também se dirá não ser caso de fazer operar a presunção de culpa do art.º 503º, n.º 3, do Código Civil.

E por isso que, como igualmente se julgou em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-03-2009,[4] «para estabelecer tal presunção há que demonstrar dois factos: a direcção efectiva do veículo e a relação de comissão entre o titular dessa direcção efectiva e o condutor.
A direcção efectiva traduz-se no “poder real (de facto) sobre o veículo “tendo-o quem, de facto, gozar ou usufruir das vantagens dele e a quem por tal razão especialmente cabe controlar o seu funcionamento” (Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983 – BMJ 330-551 e de 12 de Janeiro de 1983) poder que recai, em regra, sobre o proprietário.
Pode mesmo dizer-se que a propriedade faz presumir a direcção efectiva (cfr. v.g. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006 – 06 A1274 – desta mesma conferência; de 13 de Novembro de 2003 – C3B3335).
Lapidarmente, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Outubro de 2006 – 06 A3245 – julgou ser “de admitir uma presunção de condução efectiva e interessada relativamente ao dono de um veículo, pois o conceito de direcção efectivo e interessado cabe dentro do conteúdo do direito de propriedade”.
Mas a condução por conta de outrem só por si não pressupõe uma relação de comissão, nos termos do artigo 500.º n.º 1 do Código Civil.
É que a relação de comissão não se presume, isto é não pode resultar da acenada presunção de propriedade – direcção efectiva, uma segunda presunção no sentido de ser comissário do dono quem quer que conduza o veículo.
De acordo com o Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça e 30 de Abril de 1976 (BMJ 456 – 19) “o dono do veículo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor, quando se aleguem e provém factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do artigo 500.º, n.º 1 do Código Civil, entre o dono do veículo e o condutor do mesmo”.
Mas a comissão pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário – aquele dando, ou podendo dar instruções ou ordens a este – que permita responsabilizar o primeiro pela actuação do segundo (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 2008 – 08B1189.
Isto é a relação de comissão não se basta com o facto de o condutor não ser dono do veículo e de o condutor por outrem, em nome ou autorizado por outrem.
É necessária a prova da referida relação de dependência (v.g. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Outubro de 2006, acima citado, de 6 de Novembro de 2003 – 03B2997 de 20 de Dezembro de 1994 – BMJ 439 – 538) ou como se decidiu no Acórdão de 18 de Maio de 2006 – 06 A1274 – desta conferência, “uma relação de mando sobre o comissário”.».

No caso em apreço apenas se provou que sendo o motociclo TX conduzido pelo A., aquele é propriedade e está registado enquanto tal a favor de EB.
Nada, portanto, permitindo configurar a existência de relação de comissão em que o A. conduziria, à data, o referido motociclo na qualidade de comissário do proprietário do dito.

3. Mas – o que assim apenas marginalmente se assinala – ainda quando fosse de concluir pela culpa presumida do A., ponto é que tal não seria considerável no plano da sua responsabilidade ressarcitória, no confronto do 1º R. enquanto reconvinte.
E por isso que “Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar”, vd. art.º 570º, n.º 2, do Código Civil.
Definida estando, e como visto, a culpa efetiva do 1º R.

***

Procedendo, nesta conformidade, por igual aqui, as conclusões do Recorrente/A.

Com decorrente improcedência do pedido reconvencional.

4. Sustenta a Recorrente/2ª Ré, que “os danos materiais causados aos incumpridores da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, se encontram excluídos da garantia do Fundo de Garantia Automóvel;”, por força do “disposto na al. a) do n.º 2 do Art.º 52º do DL 291/2007 de 21.08.”.

4.1. Nos termos do assim convocado normativo:
“ 1 – (…)
2- Estão também excluídos da garantia do Fundo de Garantia Automóvel:
a) Os danos materiais causados aos incumpridores da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel;
(…)”.

Sendo porém de ter em consideração que na economia do Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil, aprovado pelo sobredito Decreto-Lei, se distinguem os danos corporais dos danos materiais.

Assim sendo, e v.g., que no art.º 4º se dispõe que:

1- Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do presente decreto-lei.
(…)” (o itálico é nosso).

No art.º 14º:

“1- Excluem-se da garantia do seguro os danos corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro responsável pelo acidente assim como os danos decorrentes daqueles.
2- Excluem-se também da garantia do seguro quaisquer danos materiais causados às seguintes pessoas:
(…)” (idem).

E no art.º 49º:

“1 - O Fundo de Garantia Automóvel garante, nos termos do n.º 1 do artigo anterior, e até ao valor do capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a satisfação das indemnizações por:

a) Danos corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido e eficaz, ou for declarada a insolvência da empresa de seguros;
b) Danos materiais, quando o responsável, sendo conhecido não beneficie de seguro válido e eficaz;
c) Danos materiais, quando, sendo o responsável desconhecido deva o Fundo satisfazer uma indemnização por danos corporais significativos, ou tenha o veículo causador do acidente sido abandonado no local do acidente, não beneficiando de seguro válido e eficaz, e a autoridade policial haja efectuado o respectivo auto de notícia, confirmando a presença do veículo no local do acidente.

2- Para os efeitos previstos na primeira parte da alínea c) do número anterior, consideram-se danos corporais significativos a lesão corporal que determine morte ou internamento hospitalar igual ou superior a sete dias, ou incapacidade temporária absoluta por período igualou superior a 60 dias, ou incapacidade parcial permanente igual ou superior a 15 %.
(…)” (idem).

Tendo para nós – e não enveredando agora na análise da controvérsia acerca da natureza dos danos corporais ou biológicos, na doutrina e na jurisprudência, por despiciendo em vista da questão decidenda – que, como se julgou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-05-2014[5] – embora por reporte ao anterior Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, mas mantendo plena atualidade, atento o paralelismo entre o art.º 7º, n.º 2, daquele Diploma legal e o art.º 14º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto – “2 – A expressão “lesões materiais”, constante do art. 7º, n.º 2, do dec-lei 522/85, de 31 de Dezembro, contrapõe-se a “lesões corporais”, sendo as primeiras as que atingem as coisas e as segundas as que afectam as pessoas. 3 – Das “lesões corporais” tanto podem emergir danos patrimoniais como não patrimoniais (…)”.

Jurisprudência esta aliás convergente, no que respeita à caracterização das “lesões corporais”, com o entendimento de Maria da Graça Trigo,[6] para quem o ““dano biológico” ou “dano corporal””, “sendo um dano real ou dano evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/danos não patrimoniais.”.

De resto, e como sabido é, as Diretivas n.ºs 72/166/CEE, de 24 de Abril; 84/5/CEE, de 30 de Dezembro de 1983; 90/232/CEE, de 14 de Maio de 1990; e 2000/26/CE, de 16 de Maio de 2000; relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, foram alteradas pela Diretiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio – cuja transposição para o ordenamento jurídico nacional, se efetuou através do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.
Ora, se a distinção entre danos materiais e danos corporais se encontrava já inicialmente, e v.g., no art.º 1º, n.ºs 1 e 4, da Diretiva n.º 84/5/CEE; e no art.º 1º, n.º 1, e 1º, bis, da Diretiva 90/232/CEE; ela continuou a ser feita no art.º 2º da Diretiva 2005/14/CE, na alteração por aquele introduzida na redação do art.º 1º da Diretiva 84/5/CEE: “1.O seguro referido no n.º 1 do artigo 3º da Directiva 72/166/CEE deve, obrigatoriamente, cobrir danos materiais e pessoais.”.

Não suscitando dúvidas sérias a recondutibilidade dos danos corporais referidos no Decreto-Lei n.º 291/2007 aos danos pessoais das Diretivas.

4.2. Ora a quantia de € 5.019,05 que os RR. foram condenados solidariamente a pagar ao A., “a título de danos patrimoniais”, corresponde, na proporção de 60% – considerada na sentença recorrida em função da concluída, mas ora rejeitada, concorrência de culpas – aos “danos diretos” sofridos pelo A. “descritos em 21), 36), 37), 38) e 39) da matéria dada como provada, no montante de € 890,94 (…) bem como o descrito em 40) no montante de € 7.474,14”.

Tratando-se, em 21 dos factos provados, de despesas efetuadas pelo A., após ter alta do hospital e depois de recuperar alguma autonomia, com a realização de oito sessões de fisioterapia na “JRFN II Saúde Humana e Reabilitação, Lda.”, que lhe custaram € 100.

E, em 40 do mesmo elenco fáctico, da dívida contraída pelo A. perante Hospital Dr. Nélio Mendonça, em função do internamento, cirurgia e tratamentos, no sobredito montante de € 7.474,14.

Assim, não estando em causa, nessa parte, “danos materiais”, mas, incontornavelmente, danos patrimoniais emergentes de lesões corporais, não opera a exclusão da garantia do Fundo de Garantia Automóvel prevista no citado 52º, n.º 2, alínea a), do DL 291/2007 de 21.08.

4.3. Já nos n.ºs 36, 37, 38 e 39 dos factos provados deparamo-nos com típicos danos materiais, mais concretamente danos emergentes, de resto no valor total de € 790,94.

Importará contudo reter que o citado art.º 52º, n.º 2, alínea a) do Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil apenas exclui da garantia do Fundo de Garantia Automóvel “Os danos materiais causados aos incumpridores da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel;”.

Ora sujeitos da obrigação de segurar são as pessoas referidas no art.º 6º n.ºs 1, 3, e 5, do referido Regime.

E assim, designadamente, “o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a obrigação recai, respectivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário.”, cfr. n.º 1.

Entre elas não se incluindo o mero comodatário de motociclo…cuja responsabilidade civil, no entanto, é garantida – enquanto legítimo detentor e condutor daquele – pelo contrato de seguro celebrado pelo tomador do seguro, vd. art.º 15º, n.º 1, do mesmo Regime.

Não se nos afigurando que não tendo o proprietário do motociclo celebrado o seguro a que estava obrigado – nos termos do art.º 150º, n.º 1, do Código da Estrada – se possa descolar da taxatividade daquele art.º 52º, n.º 2, alínea a), para excluir da garantia do Fundo de Garantia Automóvel os danos materiais causados, já não ao incumpridor da obrigação de seguro, mas ao legítimo detentor do veículo propriedade do aludido incumpridor.
A consagrada exclusão representa como que uma sanção, cuja razão de ser não é de todo extensível a quem não é sujeito da obrigação de seguro.

E ademais não tendo sido alegado, nem assim provado, que o condutor do TX tivesse conhecimento de não estar a responsabilidade civil emergente de danos causados por aquele motociclo, coberta por seguro.

Repare-se que o legislador previu igualmente a exclusão da garantia do Fundo de Garantia Automóvel, dos “danos causados aos passageiros que voluntariamente se encontrassem no veículo causador do acidente, sempre que o Fundo prove que tinham conhecimento de que o veículo não estava seguro.”, vd. cit. art.º 52º, n.º 2, alínea b).

Posto o que – suposto ter o legislador consagrado as soluções mais acertadas e haver sabido exprimir o seu pensamento em termos adequados cfr. art.º 9º, n.º 3, do Código Civil – não se concebe que, a ter pretendido excluir também os danos materiais causados ao “mero” condutor legítimo de veículo não causador do acidente, por incumprimento da obrigação de seguro por parte do proprietário daquele, se tivesse contentado com a literalidade da alínea a) do mesmo n.º 2 daquele art.º.

Com improcedência, nesta conformidade, das conclusões da Recorrente/FGA.

5. De quanto se vem de equacionar – e não tendo sido sendo posta em crise a verificação, na sentença recorrida, dos demais requisitos da responsabilidade civil dos RR., nem o montante correspondente ao ressarcimento integral dos apurados danos – temos estarem aqueles obrigados a pagar, ao A. solidariamente, a quantia de € 8.365,08, a título de indemnização por danos patrimoniais – materiais e pessoais – e de € 2.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação dos RR., no tocante aos danos patrimoniais, e desde a data da sentença recorrida, no que respeita aos danos não patrimoniais.

III – Nestes termos, acordam em julgar o recurso interposto pelo A. totalmente procedente e o recurso interposto pelo FGA totalmente improcedente, e, julgando a ação parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente,------------------------------------------------------------------------------
condenam os RR., solidariamente, a pagar ao A.:------------------------------------------------------------------------------
a) a quantia de € 8.365,08 (oito mil trezentos e sessenta e cinco euros e oito cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora civis à taxa de legal de 4%, computados desde a citação dos Réus até efetivo e integral pagamento;------------------------------------------------------------------------------
b) a título de compensação, por danos não patrimoniais, a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) acrescida de juros de mora civis à taxa legal de 4%, computados desde a data da sentença recorrida, até integral pagamento,---------------------------------------------------
absolvendo os RR. do demais peticionado pelo A., e este do pedido reconvencional, deduzido pelo 1º R.

Custas, no recurso interposto pelo A., pelos RR., e, no recurso interposto pelo FGA, por este, sendo, na 1ª instância, por A. e RR., na proporção do decaimento respetivo, que se fixa na proporção de 55,5% para o A. e de 44,5% para os RR.

***

Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:

I- O disposto no art.º 493º, n.º 2, do Código Civil, não cobra aplicação à hipótese de colisão de veículos. II – A condução por conta de outrem só por si não pressupõe uma relação de comissão, nos termos do artigo 500.º n.º 1 do Código Civil. III - Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar. IV - – A expressão “danos materiais”, constante do art. 52º, n.º 2, alínea a), do Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil, contrapõe-se às “lesões corporais”, ou “danos resultantes de lesões corporais”, na economia daquele mesmo Regime. V - Entre os obrigados ao seguro de responsabilidade civil automóvel, visados no normativo antecedentemente citado, não se inclui o detentor ou condutor legítimo de motociclo, e ademais quando não haja sido alegado e provado o conhecimento por parte daquele de que o proprietário do mesmo não tinha seguro válido.

***

Lisboa, 2015-07-09


(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)


[1] Vd. v.g. in http://lista.mercadolivre.com.br/carenagem-do-farol-da-moto-yamaha%2Cxt600%2C97_Desde_51; http://pt.aliexpress.com/w/wholesale-motorcycle-headlight-fairing.html; http://olx.pt/carros-motos-e-barcos/pecas-e-acessorios-carros/q-carenagem-yamaha/;
[2]In “Código Civil, Anotado”, Vol. 1º, 3ª Ed., Coimbra Editora Ld.ª, 1982, pág. 469.
[3]In BMJ 291-285.
[4]Proc. 09A276, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.     
[5]Proc. n.º 4375/09.8TBGDM.P1.S1, Relator: AZEVEDO RAMOS, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.    
[6] “Adopção do conceito de “dano biológico” pelo direito português”, ROA, Ano 72, Vol. I-Jan./Mar. 2012, págs. 147-178; também acessível  in https://www.oa.pt/upl/%7B5b5e9c22-e6ac-4484-a018-4b6d10200921%7D.pdf.; tratando-se de artigo concluído em Julho de 2011.