Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
117788/19.1YIPRT.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: CONTRATO DE CONSÓRCIO
FACTURA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO PELO CONTRAENTE FIEL
INDIRECTO PEDIDO DE CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. As finalidades do contrato de consórcio previstas no Artigo 2º do Decreto-lei nº 231/81, de 26.6, não são taxativas, sendo admissível – como é o caso – a celebração de consórcio fora daquela tipologia de objetos.
II. No giro comercial comum, a remessa da fatura vale normalmente como ato de interpelação sendo que, no caso em apreço, as partes convencionaram que a apresentação da fatura constitui condição da exigibilidade da dívida, não se limitando a constituir uma singela interpelação.
III. A exceção de não cumprimento do contrato não legítima o incumprimento definitivo do contrato pelo contraente fiel, mas apenas o cumprimento dilatório do contraente fiel como forma de coagir o contraente faltoso a cumprir também aquilo que tem que cumprir. Pressupõe, por isso, que o cumprimento das obrigações interconexionadas seja simultâneo, mas pode também ser invocada pelo excipiente que cumpre em último lugar já que – à data do seu cumprimento – ele sabe se a contraparte cumpriu ou não a prestação a que está vinculada.
IV. A invocação, com sucesso, da exceção de não cumprimento do contrato não obsta ao conhecimento de mérito da ação, devendo o juiz condenar à realização da prestação contra o cumprimento ou o oferecimento de cumprimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o “indireto pedido de cumprimento” coenvolto na arguição da exceptio e salvaguarda do equilíbrio contratual.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:  Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
 DD Ltd instaurou contra FF SA ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (a qual passou a seguir os trâmites do processo comum de declaração após a distribuição a juízo), peticionando o pagamento da quantia total de € 44 476,00.
Alegou, em síntese, a Autora que as partes celebraram por escrito um contrato de prestação de serviços de parceria conjunta, com o objetivo de serem canalizados os clientes asiáticos da Requerente que pretendiam investir em Portugal, ao abrigo do programa Golden Visa, para a empresa da Requerida, com vista a procederem à compra dos imóveis de que esta tinha no seu portfolio, para esse efeito.
De acordo com o contrato escrito celebrado, ficou consignado que a Requerida pagaria à Requerente uma comissão de 8%, sobre o valor de venda do imóvel. O valor da comissão deveria ser pago no dia da realização da escritura de compra e venda, através de transferência bancária. A Requerente encaminhou para a Requerida o cidadão chinês LF que veio a proceder à aquisição de dois imóveis.
As duas escrituras foram realizadas no dia 20 de Junho de 2018, no Cartório Notarial do Notário (...). De acordo com a cláusula 2.º n.º 2 e n.º 3 do contrato escrito celebrado entre as partes, a Requerida deveria nessa data – 20 de Junho de 2018 - ter pago à Requerente o valor da comissão acordada.
A Ré contestou, reconhecendo a existência de um acordo de parceria, o encaminhamento de um cidadão de nacionalidade chinesa e a venda de imóveis, considera, todavia, que a quantia a titulo de comissão ainda não é exigível.
Com efeito, decorre do n.º 3 da cláusula segunda do acordo que “A Comissão pela Venda será paga na data em que a escritura final de venda for celebrada, num cartório português e o Segundo Outorgante fornecerá a respetiva fatura, para tal fim.". Assim, terá de se concluir que nos termos do contrato celebrado, a obrigação de pagamento de qualquer comissão exigia e estava dependente da emissão prévia da respetiva fatura. Contudo, as faturas não foram apresentadas.
Após julgamento, foi proferido sentença que julgou a ação improcedente.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
«II.
A sentença proferida padece de errada interpretação e aplicação da lei, por violação do disposto nos artigos 1. ° e 2.° do Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de julho, e por omissão dos artigos 270°, 272°, 397°, 401°, 405°, 428°, 483° e 562, todos do código civil, e do artigo 610° do Código de Processo Civil.
III.
O acordo assinado entre a Autora e a Ré, integram o conceito de contrato de consórcio, com enfoque nos artigos 1° e 2° do D.L. n.° 231/91, de 26/6. Este normativo no artigo 1.° - define o contrato de consórcio como aquele em que "duas ou mais pessoas singulares ou coletivas que exercem uma atividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa atividade ou efetuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objetos referidos no artigo seguinte".
IV.
Da análise e interpretação do artigo 1° do D.L. n.° 231/91, de 26/6, constata-se que estamos perante uma Obrigação, a qual só pode ser afastada, ou por convenção das partes, ou quando o inadimplente abusou do seu direito, havendo abuso de direito no caso de "venire contra factum proprium", o que notoriamente não se observou, designadamente pela Autora.
Acontece que a atuação direta dos se obrigam entre si, Autora e Ré, de forma concertada, realizaram certa atividade, no entanto a Ré incumpre com o pagamento da obrigação a que se propôs. Indagou a Autora da possibilidade de se chegar a um acordo com a Ré, tendo a iniciativa sido frustrada.
Ora,
VI.
Salvo melhor entendimento, considera a Autora que, o Mm.° Juiz do Tribunal a quo, interpretou e aplicou erroneamente o disposto nos artigos 1° e 2° do D.L. n.° 231/91, de 26/6, uma vez que, no caso concreto, não se observa, de forma notória, que a decisão recorrida se funda, apenas e só, no argumento de que o pagamento da comissão (exigibilidade da prestação) estaria dependente da apresentação da fatura.
VII.
Com efeito não é razoável concluir-se que a Autora frustrou a apresentação da fatura. O tribunal, a Autora e a Ré não colocam em causa o direito à comissão resultante do negócio efetuado entre a Autora e a Ré, ou seja, parece consensual que a comissão tem que ser paga, resultante dos elementares princípios do contrato de consórcio e concomitantemente Direito aplicável ao caso em concreto, bem como o reconhecimento à pessoa singular ou coletiva desse mesmo Direito, algo que não é proferido no douto despacho, improcedendo a ação que tem como objeto, justamente, o pagamento da comissão.
VIII.
Ademais, a Autora emitiu faturas de acordo com o que a Ré solicitou, mais, a Autora, como não poderia deixar de ser, quer cumprir com todas as obrigações fiscais decorrentes deste negócio, daí o recurso aos Tribunais para o reconhecimento de um Direito e para que esse direito seja executado nos termos da legislação aplicável ao caso concreto, nomeadamente a Convenção relativa à "dupla tributação" nos negócios a realizar entre Portugal e a China.
IX.
Nestes termos, estando verdadeiramente em causa o direito à comissão, a qual o Tribunal a quo reconhece, mas inacreditavelmente julga a ação improcedente, referindo não estarem reunidas as condições contratualmente previstas pelas partes, limitando-se a analisar o momento do incumprimento, ou seja, o momento em que é efetuada a escritura pública dos imóveis negociados, quando se impõe percecionar o porquê de tal situação ter ocorrido.
X.
É, pois, da mais elementar justiça decidir do direito à comissão que cabe à Autora.
Por sua vez,
XI.
É notório que a douta decisão do Tribunal a quo, concentra a análise jurídica e a consequente subsunção dos factos ao direito, sem se debruçar sobre as causas que deram origem, no seguinte facto, "...teremos de olhar para aquilo que as partes consideram relevante para que a prestação fosse exigível. Essa resposta é dada pela clausula segunda, ponto 3.°, do contrato: o pagamento da comissão (exigibilidade da prestação) estaria dependente da apresentação da fatura. E, bem assim, da indicação da conta bancária da aqui Autora (clausula 2.- ponto 4).".
No entanto,
XII.
É insofismável que a Autora emitiu faturas, no momento e de acordo com o que a Ré solicitou, mais, a Autora, como não poderia deixar de ser, sempre quis cumprir com todas as obrigações fiscais decorrentes deste negócio, daí o recurso aos Tribunais para o reconhecimento de um Direito e para que esse direito seja executado nos termos da legislação aplicável ao caso concreto.
Assim,
XIII.
Ante o exposto, a decisão recorrida do Tribunal a quo contraria o escopo normativo dos artigos1° e 2° do D.L. n.° 231/91, de 26/6, e dos artigos 270°, 272°, 397°, 401°, 405°, 428°, 483° e 562, todos do código civil, e do artigo 610° do Código de Processo Civil, que se propõem acautelar e garantir o direito do cumprimento da obrigação em apreço.
XIV.
A sentença proferida pelo Tribunal a quo precipita a Autora para uma situação de incerteza jurídica do cumprimento de uma obrigação legal, causando-lhe uma permanente angústia, atentatória aos seus direitos de exigir o pagamento da comissão que lhe é devida.
XVI.
Da errada interpretação e aplicação das normais legais supramencionadas, resultam as questões de natureza fiscal que acessoriamente foram suscitadas pelas testemunhas e que foram trazidas a juízo, não deixando de constituir, objeto da presente lide, porquanto, foi a razão justificativa da não aceitabilidade da Ré das faturas emitidas pela Autora.
XVI
A sentença proferida pelo Tribunal a quo aprecia parcialmente e genericamente a pretensão da recorrente, incorrendo em erro de julgamento e violando a lei, pois que ignora elementos factuais como a emissão de faturas pela Autora e a vontade desta de se tomar uma decisão em conformidade com os normativos que norteiam os negócios celebrados entre Portugal e a China.
XVIII.
Considerando as posições das partes plasmadas nos autos que demonstram que inexiste litígio no que concerne à presença da obrigação que resulta do contrato e que a mesma é reconhecida na sentença, verificavam-se todos os pressupostos factuais, processuais e legais para que o Tribunal a quo condenasse a Ré nos termos do artigo 610° do Código de Processo Civil.
XIX.
O Tribunal a quo a decidir como decidiu, refutando a existência do direito de a Autora receber a comissão, não operou a correta aplicação e interpretação dos preceitos legais aplicáveis ao caso sub judice, designadamente, os artigos 1° e 2° do D.L. n.° 231/91, de 26/6, e os artigos 270°, 272°, 397°, 401°, 405°, 428°, 483° e 562, todos do código civil, e do artigo 610° do Código de Processo Civil, violando-os.
XX.
Face às diversas tentativas de resolução do litígio, inclusivamente mediante transação no mesmo mediante a emissão da respetiva documentação, é imperioso que se reconheça a existência da dívida e se condene a Ré ao seu pagamento.
XXI.
 Da correta aplicação e interpretação dos preceitos legais supramencionados, decorre o direito de a Autora receber a Comissão que lhe é devida, uma vez que se encontram preenchidos os pressupostos, de facto e de direito, atento a equidade da sua atribuição e a sua correspondência na letra e espírito da lei e a Ré deve ser inequivocamente condenada ao seu pagamento!
Nestes termos e nos demais de direito que v. exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência ser revogada a douta decisão recorrida, que decidiu da improcedência da pretensão da autora, substituindo-se por outra que determine a obrigatoriedade do pagamento da comissão à autora por parte da ré, observando-se os requisitos legais para o efeito, julgando procedente a pretensão da recorrente e, em consequência, condene o réu ao pagamento da comissão no montante de 40.200,00 €.
Assim farão v. exas. a tão almejada Justiça.»
*
Contra-alegou apelada, propugnando pela improcedência da apelação (fls. 95-107).
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, a questão a decidir consiste em determinar se:
i. É admissível a junção de documento pela apelante;
ii. É exigível a obrigação invocada pela autora e, em consequência, se a Ré deve ser condenada no seu cumprimento.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. A Requerente é uma empresa comercial de direito chinês, que tem operações na área da consultadoria e emigração;
2. A Requerida é uma empresa comercial de direito português, que atua na área do imobiliário, designadamente, compra e venda de imóveis;
3. Em 18 de Abril de 2018, em Lisboa, as partes celebraram por escrito um acordo de parceria, que tinha como objetivo serem canalizados os clientes asiáticos da Requerente que pretendiam investir em Portugal, ao abrigo do programa Golden Visa, para a empresa da Requerida, com vista a procederem à compra dos imóveis de que esta tinha no seu portfolio, para esse efeito;
4. De acordo com a convenção referida em 3.º, ficou consignado que a Requerida pagaria à Requerente uma comissão de 8%, sobre o valor de venda de cada imóvel;
5. Decorre da cláusula 2.º ponto 3 do acordo referido em 3.º da matéria provada, que a “comissão da taxa de venda deverá ser paga na data em que for celebrada a escritura de compra e venda em cartório notarial português, devendo a segunda outorgante apresentar a sua fatura para o efeito”;
6. Mais resulta do acordo referido em 3.º, mormente da cláusula 2.ª ponto 4, que a “comissão da taxa de venda deverá ser depositada na conta bancária indicada pela segunda outorgante”;
7. Após a assinatura do acordo referido em 3.º, a Requerente encaminhou para a Requerida o cidadão chinês LF que veio a proceder à aquisição de dois imóveis;
8. Um no valor de 322.500,00 €, referente à fração autónoma designada pela letra A (...), em Lisboa;
9. E outro no valor de 180.000,00 €, referente à fração autónoma designada pela letra C (...), em Lisboa, ambos propriedade da Requerida;
10. As duas escrituras foram realizadas no dia 20 de Junho de 2018, no Cartório Notarial do Notário (...);
11. O valor da comissão perfazia o total de 40.200,00 €;
12. Até à presente data a quantia ainda não foi paga;
13. A Autora diligenciou junto da Ré pelo pagamento da comissão.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Junção de documento pela apelante.
A apelante junta com as suas alegações um documento denominado “Joint Venture Agreement”, o qual terá sido outorgado entre as partes, mas não se encontra subscrito.
Nos termos do Artigo 651º, nº1, do Código de Processo Civil, «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.» Por sua vez, o Artigo 425º do Código de Processo Civil dispõe que «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento
No que tange à impossibilidade de apresentação anterior, afirmam Lebre de Freitas et al, Código de Processo Civil Anotado, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, p. 426, que «Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder de terceiro, que só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida [superveniência objetiva] ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [superveniência subjetiva]. Nos dois primeiros casos, será necessário que se tenham esgotado anteriormente os meios dos arts. 531 a 537 [atuais Artigos 432º a 437º do Código de Processo Civil].» Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, p. 265, afirma que: «Os documentos apresentados referem-se a factos já trazidos ao processo, nos articulados normais ou nos articulados supervenientes (cf. artigos 588º e ss.). Portanto, a regra é a de que os documentos supervenientes não trazem ao processo factos supervenientes.»
Quanto à necessidade da junção em virtude do julgamento da primeira instância (Artigo 651º, nº1), «a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» - Antunes Varela et al, Manual de Processo Civil, 2ª Ed., pp. 533-534. Ainda na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pp. 184-185, afirma que: «Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. / A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.» rcia objetiva]alves Rocha, 174/08, que «(..»is ou nos articulados supervenientes ( cf. Refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.9.2012, Gonçalves Rocha, 174/08, que «(…) a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela 1ª vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.»[3] Visa-se abranger as situações que - pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação - tornaram necessário provar determinados factos, cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, ter em consideração antes da decisão ter sido proferida.[4]
 O regime do Artigo 651º, nº1, não abrange a hipótese da parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância.[5]Dito de outra forma, não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa ab initio e não apenas após a sentença,[6] ou seja, não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.[7]
No caso em apreço, é manifesta a desnecessidade e impertinência da junção requerida porquanto o documento em causa já se mostrava junto aos autos a fls. 36 a 38 estando mesmo assinado pelas partes.
Assim sendo, indefere-se a requerida junção do documento.
Exigibilidade da obrigação.
Em primeiro lugar, haverá que frisar que a Autora/apelante não impugnou a decisão da matéria de facto (cf. Artigo 640º do Código de Processo Civil), razão pela qual as considerações expendidas designadamente nos artigos 13º, 14º, 16º, 21º das suas alegações são absolutamente inócuas e não serão objeto de análise neste acórdão.
Em segundo lugar, cabe também realçar que os Tribunais não dão pareceres sobre a aplicação do regime fiscal, designadamente sobre a Convenção firmada entre Portugal e a China sobre a dupla tributação (Decreto do Presidente da República nº 15/2000). Os pareceres são dados por jurisconsultos especializados na matéria.
O tribunal a quo qualificou o contrato celebrado entre as partes como sendo um contrato de consórcio previsto nos Artigos 1º e 2º do Decreto-lei nº 231/81, de 26.6. Afigura-se-nos que a qualificação está correta, cabendo ainda formular os seguintes esclarecimentos.
As finalidades do contrato de consórcio previstas no Artigo 2º não são taxativas, sendo admissível – como é o caso – a celebração de consórcio fora daquela tipologia de objetos – cf. Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Vol. I, 2011, pp. 156-159; Paulo Olavo Cunha, Direito Comercial e do Mercado, 3ª ed., 2021, p. 322. Além do mais, o consórcio é interno na medida em que não é revelada a terceiros a sua existência.
O tribunal a quo julgou a ação improcedente com o seguinte fundamento:
«Ora, decorre dos factos dados como assentes que a Autora cumpriu as obrigações que resultam do contrato de parceria: procedeu à angariação de clientes interessados em investir em património imobiliário; os negócios de compra e venda foram realizados.
Em suma, adquiriu a Autora o direito ao pagamento da comissão.
Todavia, aquilo que aqui tratamos não é propriamente o reconhecimento do direito à remuneração, mas sim à exigibilidade do crédito. Com efeito, a Ré não coloca em causa o direito à remuneração, nem o respetivo valor.
Assim, aquilo que haveria de apurar era se o credor poderia em termos imediatos e/ou impor judicialmente a prestação a cargo da Ré.
No caso, teremos de olhar para aquilo que as partes consideram relevante para que a prestação fosse exigível. Essa resposta é dada pela clausula segunda, ponto 3.º, do contrato: o pagamento da comissão (exigibilidade da prestação) estaria dependente da apresentação da fatura. E, bem assim, da indicação da conta bancária da aqui Autora (clausula 2.ª ponto 4).
Da matéria de facto dada como provada, verificamos que a Autora nunca exibiu as faturas. Aparentemente, também não forneceu os seus dados bancários para que fosse possível efetuar o pagamento.
Existe, com efeito, um ato que foi assumido pelas partes contratantes como essencial para desbloquear o pagamento da comissão: a emissão e exibição das faturas. Por essa razão procederam à sua redução a escrito.
Contudo, não logrou a Autora provar o cumprimento desse dever contratual. Aliás, a tese da Autora é a de que prestado o serviço, haveria lugar ao pagamento da comissão (presunção que se retira pela circunstância de nem sequer ter alegado o facto relativo à necessidade de emissão de fatura).»
Não se nos afigura que seja de manter a decisão impugnada nestes termos.
Nos termos do Artigo 4º, nº1, do Decreto-lei nº 231/81, « Os termos e condições do contrato serão livremente estabelecidos pelas partes, sem prejuízo das normas imperativas constantes deste diploma
Ao abrigo de tal ampla liberdade contratual, as partes estipularam na cláusula 2ª, ponto 3, que a «comissão da taxa de venda deverá ser paga na data em que for celebrada a escritura de compra e venda em cartório notarial português, devendo a segunda outorgante apresentar a sua fatura para o efeito».
Desta cláusula deriva que as partes condicionaram o pagamento da comissão à concomitante apresentação de fatura por parte da autora. Por razões que às partes pertencem, as partes optaram por apor esta condição ao contrato (cf. Artigo 270º do Código Civil), sendo que poderiam não ter condicionado o pagamento à apresentação prévia da fatura.
No giro comercial comum, a remessa da fatura vale normalmente como ato de interpelação. Conforme se refere em António Menezes Cordeiro (coord.), Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, CIDP, Almedina, 2021, p. 974, «A interpelação é uma declaração negocial recetícia, sujeita ao regime das declarações negociais (217º ss.) e aos princípios comuns do cumprimento, mormente a boa-fé e a autonomia privada (…) Não raras vezes, para exigir o cumprimento (interpelação), o credor envia a correspondente fatura, que pode ser remetida a partir da data da exigibilidade da obrigação. Na fatura é usual indicar-se a data da respetiva emissão (interpelação) e aquela em que deve ser realizada a prestação (vencimento) e, com o cumprimento da dívida, emite-se o recibo.»
No caso em apreço, a apresentação da fatura foi erigida a condição da exigibilidade da dívida, não se limitando a constituir uma singela interpelação.
Conforme ensina Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, pp. 230-231:
«A exigibilidade é a qualidade substantiva da obrigação que deva ser cumprida de modo imediato e incondicional após interpelação ao devedor. Tal qualidade não é processual, mas substantiva: a verificação do facto do qual depende o cumprimento – interpelação pelo credor, decurso do prazo de vencimento, ocorrência de condição, realização da contraprestação.
Na verdade, se as cláusulas contratuais atinentes ao conteúdo da obrigação respeitam ao mérito da causa, outrossim sucede com as cláusulas contratuais atinentes ao tempo do cumprimento da obrigação.
Portanto, e em termos simples, obrigação exigível é a obrigação que está em tempo de cumprimento – é a obrigação atual» (sublinhado nosso).
A obrigação da Ré pagar a comissão só será atual a partir da apresentação da fatura pela autora, o que não ocorreu (cf. facto não provado: A Autora na data da celebração da escritura ou em momento posterior diligenciou pela entrega à Ré das faturas referentes à comissão que iria auferir).
Conforme refere apropriadamente a apelada nas contra-alegações, estamos perante uma genuína exceção de não cumprimento do contrato prevista no Artigo 428º do Código Civil.
Nos termos do Artigo 428º, nº1, do Código Civil, se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. Da sua própria natureza emerge que esta exceção é aplicável apenas aos contratos bilaterais com obrigações reciprocamente interligadas por um sinalagma genético-funcional porquanto só aí o contraente fiel pode sustar o cumprimento da sua prestação como meio idóneo de coagir a contraparte a cumprir também a sua prestação sinalagmática.
A exceção dilatória de não cumprimento do contrato é uma exceção dilatória de direito material que se destina a permitir que o contraente fiel não cumpra enquanto o contraente faltoso não cumprir também. Esta exceção não legítima o incumprimento definitivo do contrato pelo contraente fiel, mas apenas o cumprimento dilatório do contraente fiel como forma de coagir o contraente faltoso a cumprir também aquilo que tem que cumprir. Pressupõe, por isso, que o cumprimento das obrigações interconexionadas seja simultâneo, mas pode também ser invocada pelo excipiente que cumpre em último lugar já que – à data do seu cumprimento – ele sabe se a contraparte cumpriu ou não a prestação a que está vinculada – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.2.2003, Azevedo Ramos, CJ AcSTJ 2003 – I, pp. 103-106, de 18.11.2004, Borges Soeiro, acessível em www.dgsi.pt/jstj , de 18.5.2006, Alves Velho, CJ AcSTJ 2006 – I, pp. 85 – 88.
Conforme ensina joão josé ABRANTES, A exceção de não cumprimento do contrato no Direito Civil, p. 88, «a exceção do contrato não cumprido não pressupõe a culpa do devedor da contraprestação no seu atraso. A inexecução por parte deste pode ser-lhe imputável ou não, isto é, tanto pode ele constituir-se em mora como não. Ainda que o incumprimento não lhe seja imputável, antes obedeça a circunstâncias fortuitas, independentes da vontade, a exceção é invocável pelo outro contraente.” Neste sentido, cf. ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.10.2002, Ponce de Leão, acessível em www.dgsi.pt/jstj  . O contraente só não pode alegar a exceptio se se encontrar, ele próprio, em mora accipiendi – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.3.2004, Azevedo Ramos, acessível em www.dgsi.pt/jstj  .
O contraente a quem é oposta a exceção do não cumprimento tem de provar que cumpriu a sua prestação para obviar aos efeitos substantivos de tal exceção – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.6.199, Noronha do Nascimento, CJ AcSTJ 1999 – II, pp. 163-164. Assim, para obstar ao válido exercício da exceção do não cumprimento, deve a outra parte oferecer o cumprimento simultâneo em termos completos e rigorosos.
A exceção tem de ser invocada pela parte de forma expressa ou tácita, não podendo ser conhecida oficiosamente pelo juiz – cf. CALVÃO DA SILVA,  Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, 4ª Ed., 2002, p. 334; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de  27.9.2007, Graça Araújo, de 26.6.2008, Granja da Fonseca, acessíveis em www.dgsi.pt/jtrl.
A recusa do excipiente deve ser equivalente ou proporcionada à inexecução da contraparte que reclama o cumprimento, de modo a que, se a falta desta for de leve importância, o recurso à exceção até pode ser ilegítimo – cf. josé joão abrantes, Op. Cit., p. 126. Trata-se de uma decorrência do princípio da boa fé como limite à atuação da exceção (Artigo 762º, nº2 do Código Civil).
Conforme refere calvão da silva, Op. Cit., pp. 335-336, «(…) a exceptio non adimpleti contractus não deve obstar ao conhecimento de mérito da ação. O juiz deve, isso sim, condenar à realização da prestação contra o cumprimento ou o oferecimento de cumprimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o “indireto pedido de cumprimento” coenvolto na arguição da exceptio e salvaguarda do equilíbrio contratual.» No mesmo sentido, ANA Taveira da Fonseca, Da Recusa de Cumprimento da Obrigação para Tutela do Direito de Crédito, Almedina, 2015, afirma: «No seguimento daquele que é o entendimento de parte da doutrina e jurisprudência portuguesas, pensamos que o réu deve ser condenado a cumprir a obrigação contra a realização da contraprestação.»
Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões (Artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil).
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
a) Revoga-se a sentença impugnada;
b) Condena-se a Ré FF SA a pagar à Autora DD Ltd a quantia de € 40.200 contra a simultânea apresentação/entrega por esta da correspondente fatura.
Custas pela apelante e pela apelada, na vertente de custas de parte, na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 21.12.2021
Luís Filipe Sousa
José Capacete
Carlos Oliveira
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
[3] No mesmo sentido, cf. Acórdão da Relação de Guimarães de 24.4.2014, Manuel Bargado, 523/11, www.colectaneadejurisprudencia.com.
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.3.2013, Ana Resende, 371/09.
[5] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.2.2003, Azevedo Ramos, 20/03, www.colectaneadejurisprudencia.com, de 30.4.2019, Catarina Serra, 22946/11.
[6] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.10.93, Rodrigues Codeço, 6046, www.colectaneadejurisprudencia.com; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.4.2019, Catarina Serra, 22946/11.
[7] CF. Acórdão da Relação de Guimarães de 27.2.2014, Ana Cristina Duarte, 323/12, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.3.2016, Tibério Silva, 2002/11, CJ 2016-I, p. 81-86.