Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2418/19.6T8LRS.L1-6
Relator: ANA PAULA A. A. CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ATROPELAMENTO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Na fixação da indemnização a título de danos não patrimoniais, com base na equidade, impõe-se a ponderação do sofrimento padecido, bem como as diversas vertentes das sequelas, e a sua permanência, tendo presente a idade da pessoa lesada e demais circunstâncias do caso concreto, nos termos dos artigos 496º nº 1 e nº 4, e 566º nº 3 do C.C.
II – Se a lesada foi atropelada em plena passadeira de peões, sofreu sucessivos graus de incapacidade temporária a partir de 8 de janeiro de 2016, com a alta médica definitiva em 18 de julho de 2016, ficando com sequelas a nível doloroso, mostra-se justo e adequado atribuir a indemnização pelo dano não patrimonial no valor de quinze mil euros.
(Pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO

A…, residente em Santo Antão do Tojal, intentou ação declarativa de condenação, com a forma de processo comum, contra Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A., com sede em Lisboa, peticionando a sua condenação no pagamento de € 25.397,26, acrescido de juros vincendos desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.
Para o efeito alegou, em síntese, que sofreu um atropelamento da responsabilidade do condutor de um veículo segurado pela R., responsabilidade assumida por esta. Tal acidente causou diversos danos e obrigou a inúmeras consultas médicas e sessões de fisioterapia, para além do dano biológico sofrido, cujo pagamento a A. peticiona.
Na contestação, a ré admite a responsabilidade do condutor do veículo por si segurado no acidente ocorrido, aceitando indemnizar a A., mas impugnando a lesão ao nível da dentição, as perdas salariais alegadas e os danos não patrimoniais[1].
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais e foi elaborada a sentença que julgou parcialmente procedente a ação, condenando «a Ré Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A. no pagamento à Autora  da quantia de € 5.007,59 (cinco mil e sete euros e cinquenta e nove cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais sofridos pela Autora, no montante global de € 10.007,59 (dez mil e sete euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescido de juros de mora vincendos desde a data da citação até efetivo pagamento».
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Não se conformando, a autora interpôs recurso de apelação, pugnando pela revogação da decisão recorrida com a sua substituição por outra que eleve o montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais para quinze mil euros.         
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A apelante formula as seguintes conclusões das alegações de recurso:
«1. A Apelante tem como bem julgada a matéria de facto e a condenação da Ré no valor de € 5.007,59 a título de danos patrimoniais
2. No entanto, salvo o devido respeito, entende-se que a componente de danos não patrimoniais em que a Apelada foi condenada peca por defeito.
3. Os danos não patrimoniais ressarcíveis no nosso ordenamento jurídico restringem-se aos danos que mereçam a tutela do direito.
4. Para arbitrar o mencionado valor de € 5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais a doutra sentença recorrida louvou-se no seguinte:
«A A. peticionou ainda o pagamento de danos não patrimoniais sofridos na sequência e por causa do acidente. Dispõe o artigo 496.º do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo o seu montante ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e as demais circunstâncias do caso o justifiquem. A A. esteve 3 meses e 4 dias absolutamente incapaz para o exercício da sua atividade profissional. Daqui decorre necessariamente que a A. esteve igualmente incapaz para realizar as suas tarefas normais do dia-a-dia, inclusivamente com limitações ao nível do convívio familiar, pelo menos durante o primeiro mês, em face das lesões sofridas. Posteriormente veio a manter a incapacidade para o trabalho, mas apenas em 30%, posteriormente em 10% e depois em 5%, com alta médica sem desvalorização em 18.07.2016, 6 meses e 10 dias depois do acidente. Esta limitação física necessariamente impacta negativamente a vida da A., com as consequências emocionais que daí advêm. Também as 30 sessões de fisioterapia, as inúmeras consultas e tratamentos dentários realizados, com deslocações e alteração da normalidade diária se repercutem de forma nefasta na vida da A. As dificuldades financeiras verificadas, as limitações físicas com que se deparava e que ainda hoje sente esporadicamente, a ansiedade e receio sentidos na circulação da via pública, as dores necessariamente sofridas, constituem sem dúvida danos não patrimoniais que pela sua gravidade merecem a tutela do Direito. Por outro lado, importa ter em consideração que, felizmente, a A. não sofreu qualquer desvalorização permanente nem sequela duradoura, não foi sujeita a intervenções cirúrgicas, não fraturou ossos, tendo as suas lesões sido tratadas e mostrando-se com alta definitiva desde 18 de julho de 2016. Assim, face a todo o exposto, entende-se adequada a fixação de uma indemnização para o ressarcimento dos danos não patrimoniais no valor € 5.000,00.»
5. Verifica-se, assim, que a douta sentença deu, e bem, relevância aos danos não patrimoniais efetivamente sofridos pela Apelante advenientes do trauma psicológico, das dores, do medo de atravessar passadeiras e de conduzir, da afeção da saúde e das consequências para a saúde decorrentes direta e necessariamente do sinistro, e demais componentes que devem integrar o conceito de dano não patrimonial.
6. A Apelante, não se conforma, salvo devido respeito, com o valor indemnizatório a título de compensação pecuniária pelos danos não patrimoniais sofridos, considerando que pecam por defeito.
7. É sabido que o ressarcimento deste tipo de danos se faz com base no disposto no art.º 496.º/3 do Código Civil, ou seja, o montante de indemnização para este tipo de danos é fixado equitativamente pelo tribunal, e que, tratando-se de danos que não assumem uma expressão patrimonial direta, a indemnização é pecuniária e por sucedâneo (art.º 566.º/1/CC).
8. A determinação em concreto do valor a arbitrar a título de danos não patrimoniais é casuística e, porque fixada equitativamente, dependente do bom critério, do bom juízo e do prudente arbítrio do julgador.
9. Também é sabido que as indemnizações por danos não patrimoniais não devem ser nem excessivas nem “miserabilistas”.
10. Para o cômputo desta indemnização, entendemos ser relevante a idade da Apelante à data do sinistro (49 anos, dado que nasceu no dia 10/DEZ/1967 e o acidente ocorreu em 8/JAN/2016).
11. A Apelante não tinha antecedentes relevantes do ponto de vista da sua saúde, e é facto público e notório que, embora sendo a Apelante relativamente jovem pelos padrões atuais, com o passar do tempo as dores emocionais e físicas são maiores do que quando se é jovem e também é natural que os temores e angústias sejam acrescidos em pessoas da faixa etária da Apelante, em especial tendo presente que esta tinha (ainda tem) um filho menor a seu cargo, aquando do acidente.
12. Ora, o medo de faltar a uma criança só se sente em pessoas de idade madura, tipicamente, e, tendo presente que a Autora não correu perigo de falecer o certo é que a douta sentença recorrida teve em consideração as limitações que a Apelante sofreu na lida da casa, na qual é sozinha, e na ajuda ao seu filho menor  cfr. pontos 38 e 39 da matéria de facto dada como provada e já supra citada.
13. Acresce que, foi dado como provado que a Autora foi atropelada numa passagem de peões, não sem antes tomar as devidas precauções para atravessar (ponto 5 da matéria de facto).
14. Mais foi dado como provado que o atropelamento ocorreu quando a Autora já se encontrava a mais de meio da travessia na passadeira (ponto 8 da matéria de facto).
15. A Apelante foi hospitalizada de urgência durante um dia, sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento, e traumatismo cervical e do ombro esquerdo (pontos 11 e 12 da matéria de facto).
16. Sofreu ITP de 30% por um período de 30 dias (ponto 18 da matéria de facto).
17. Sofreu lesões estomatológicas, nos dentes (ponto 16 da matéria de facto).
18. A lesão estomatológica implicou tratamento durante 15 consultas (ponto 28 da matéria de facto).
19. A Apelante é secretária junto da Sociedade de Advogados aqui sua patrocinante; quando regressou ao trabalho após o acidente não conseguia exercer a plenitude das funções a si confiadas, tais como, por exemplo proceder à recolha de dossiês e processos físicos, [não] subindo e descendo com os mesmos os dois lanços de escadas existentes no respetivo local de trabalho, pois não tinha, nem força, nem mobilidade para tal – ponto 30 da matéria de facto.
20. É também de todo relevante o que foi dado como provado nos pontos 31 a 42 da matéria de facto, que se reproduziram no corpo das alegações e que ora dão por reproduzidos, por remissão, para não alongar as presentes conclusões.
21. Como é bom de ver, até pelo teor dos pontos 31 a 42 da matéria de facto, o sinistro teve consequências na saúde física e psíquica da Apelante, que são relevantes.
22. A Apelante sofreu obviamente angústias e dores físicas e morais; o acidente teve um impacto muito relevante na sua vida profissional e pessoal, à data, e ainda durante algum tempo.
23. Sofrer um atropelamento com alguma gravidade em plena passadeira é traumatizante, pois é o corpo da pessoa que diretamente sofre o embate, não estando a pessoa protegida como acontece com sistemas de segurança ativos e passivos existentes nos veículos automóveis, quando se trata de colisão de veículos, mesmo com ferimentos.
24. É percecionável a existência de um dano moral relevante, bem acima dos arbitrados € 5.000,00 (cinco mil euros).
25. A título de comparação, € 5.000,00 é menos do que o salário mínimo nacional, multiplicado por catorze à data do acidente; nesse ano o salário mínimo era de € 530,00 o que, vezes catorze, computa em € 7.420,00.
26. Um veículo, na página web de vendas de automóveis usado, designadamente “Standvirtual” e “Pisca-pisca”, que custe € 5.000,00 corresponde a um veículo (usado) de gama baixa e do ano de 2006 ou 2007, por ex. um Fiat Punto ou um Mitsubishi Colt 1.3.
27. Não nos parece, salvo devido respeito, adequada uma indemnização por equivalente pecuniário que se resuma a valor tão baixo quanto o arbitrado.
28. O bem jurídico vida e o bem jurídico saúde têm relevância jurídica e tutela constitucionais.
29. Entendemos, pois, que a compensação por danos não patrimoniais arbitrada peca por manifesta insuficiência, dadas todas a circunstâncias do caso concreto, e as consequências para a saúde física e psíquica da Autora.
30. Qualquer pessoa que, mesmo sem sequelas, sofra um acidente de viação passa sempre a gozar de uma menor saúde, pois deixou de dispor da saúde que dispunha, não fosse o atropelamento lesivo da sua integridade física e psíquica.
31. Não faz sentido continuar a arbitrar parcas indemnizações, quando inclusivamente a garantia do seguro automóvel em caso de sinistro legalmente prescrita é pelo valor mínimo de € 6.070.000 (seis milhões e setenta mil euros) por acidente para danos corporais, o que compreenderá, naturalmente, danos patrimoniais e não patrimoniais.
32. Sem deixar de reconhecer que a indemnizações por danos não patrimoniais têm de ser equilibradas e equitativamente justas, entende-se, s.m.o., que será justa e adequada a fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais nunca inferior aos peticionados € 15.000.00 (quinze mil euros).
33. Normas violadas: arts. 496.º/4 e 566.º/1, ambos do Código Civil.»
Foram oferecidas contra-alegações pela apelada, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Questões a decidir:
O objeto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no artigo 635º nº 4 do Código de Processo Civil. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[2].
Importa, assim, apreciar unicamente se a decisão recorrida deve ser revogada por erro de julgamento e interpretação, violando os critérios estabelecidos no artigo 496.º do Código Civil?  
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade provada e não provada consignada na sentença objeto de impugnação é a seguinte:
« Factos Provados
1. Há mais de sete anos que a Autora foi contratada e exerce funções relativas ao secretariado, no Gabinete de Advogados, … em Loures.
2. No dia 8 de janeiro de 2016, por volta das 19h00, saiu do seu local de trabalho melhor identificado supra, deslocando-se a pé na direção da Associação …, onde se encontrava o filho menor.
3. Nesse mesmo dia, chovia muito e o piso estava molhado.
4. No seu percurso, e para chegar até ao local de destino, a Autora tinha de efetuar a travessia da Rua Avelar Brotero, em Loures.
5. A Autora, que circulava no passeio no sentido Sul-Norte, e antes de decidir atravessar na passagem de peões, tomou as devidas precauções de modo a garantir que o podia fazer em segurança.
6. O veículo automóvel que se encontrava do lado esquerdo do sentido de marcha da Autora parou, perante a passadeira, cedendo a passagem ao peão, que iniciou a travessia no local a si destinado.
7. O veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Mazda DY-2, com matrícula xx-xx-xx, que se encontrava do lado direito da Autora, atento o respetivo sentido de marcha, alegadamente por ausência de visibilidade do peão de acordo com as declarações prestadas, não moderou a velocidade do veículo que conduzia ao aproximar-se da passagem para peões, que se encontrava devidamente assinalada, embatendo a Autora em cima da mesma.
8. O atropelamento ocorreu quando a Autora já se encontrava a mais de meio da passadeira para peões.
9. À data do sinistro, o proprietário do veículo xx-xx-xx havia transferido a respetiva responsabilidade civil a favor da seguradora Ré, AXA Portugal, Companhia de Seguros S.A, por força de contrato de seguro válido e eficaz, titulado sob a Apólice n.° ....
10. Por carta datada a 24 de março de 2016, a referida Companhia de Seguros, assumiu a referida responsabilidade, confessando a obrigação de indemnizar a Autora.
11. Na sequência do sinistro, a Autora foi transportada pelos Bombeiros Voluntários de Loures para o Hospital Beatriz Ângelo, onde deu entrada pelas 20h10m.
12. A Autora, em virtude do acidente, sofreu um traumatismo craniano, com perda de conhecimento e traumatismo cervical e do ombro esquerdo.
13. Tendo permanecido hospitalizada até dia 9 de janeiro de 2016, com alta pelas 22:52h.
14. Por força das sequelas traumáticas do acidente supra descrito, a Autora manteve-se de baixa, atribuída pelo respetivo médico de família, até 12 de abril de 2016.
15. Período durante o qual a Autora não auferiu qualquer rendimento, nem mesmo subsídio de doença, uma vez que a declaração foi devidamente preenchida e entregue junto do Instituto da Segurança Social, como correspondendo a uma situação de “doença direta, referente a um acidente de viação/atropelamento”, razão pela qual a Segurança Social comunicou por carta datada de 16 de fevereiro a não atribuição de subsídio de doença.
16. Em 16.03.2016 foi elaborado relatório médico pela Dra. ..., onde se pode ler: “O dente 24 apresenta mobilidade Grau III, perda óssea e perda de ligamento; Fratura da restauração a resina composta na face mesial do dente 26, ambos provocados pelo impacto do acidente.”
17. Em abril de 2016, a Autora retomou a sua atividade profissional, ainda que condicionada pelas sequelas do sinistro, que foram sendo avaliadas pelo respetivo médico assistente, que foi determinando os sucessivos graus de Incapacidade Temporária.
18. Em 12 de abril de 2016, o Dr. ... fixou I.T.P. - Incapacidade Temporária Parcial - em 30%, por um período de trinta dias, com vista a tratamentos fisiátricos.
19. Tendo por base o relatório do Fisioterapeuta, reportando evolução muito lenta da condição clínica da Autora, o Dr. ... veio a fixar I.T.P. em 10%, a partir de 13 de maio de 2016 e pelo período de 30 dias.
20. Vindo em 17 de junho e 2016 a rever a situação e fixar a I.T.P., por mais 30 dias, em 5%, declarando a Alta médica, sem desvalorização em 18 de julho de 2016.
21. Os respetivos salários foram processados em conformidade com as sucessivas incapacidades medicamente estabelecidas, com as correspondentes perdas salariais que totalizam o montante de € 1.956,39.
22. Em 02 de maio de 2016 a entidade empregadora da A. emitiu uma declaração afirmando que a mesma perdeu remunerações por ausência prolongada ao trabalho devido a acidente de viação, por atropelamento ocorrido em 8.01.2016, no montante de € 2.837,39 (dois mil oitocentos e trinta e sete euros e trinta e nove cêntimos), incluindo “os salários dos meses de janeiro (parte), fevereiro, março e abril (parte), subsídios de refeição e prémios, designadamente de assiduidade”.
23. Com vista à respetiva recuperação integral da sua condição de saúde em consequência do acidente, a Autora foi submetida, entre 28 de abril de 2016 e 01 de agosto de 2016, a trinta sessões de fisioterapia, na sequência da prescrição médica, efetuada pela Dr. ..., em 01 de abril de 2016, indicando a necessidade de proceder a fisioterapia ao ombro esquerdo e pé esquerdo.
24. Por carta, registada em 03 de junho de 2016, a Autora solicitou junto da Ré o pagamento da quantia de € 4.999,29 (quatro mil novecentos e noventa e nove euros e vinte e nove cêntimos), repartida por perdas salariais, despesas médicas e despesas com transporte.
25. A Ré nada pagou, pelo que em 21 de outubro de 2016 foi dirigida à Ré, que a recebeu, nova reclamação para liquidação parcial do sinistro.
26. Na sequência e por causa do acidente mencionado, A. incorreu nas seguintes despesas:
a. € 50,00 - despesa hospitalar para assistência de urgência após atropelamento, paga em 09.01.2016;
b. € 50,00 - despesa hospitalar no Hospital de S. José por queixas decorrentes do atropelamento, paga em 30.01.2016;
c. € 26,50 - consultas no Centro de Saúde, ocorridas em 11.01.2016, 20.01.2016,
21.01.2016, 28.01.2016, 15.02.2016 e 14.03.2016;
d. € 190,00 - exames radiológicos pagos em 14.03.2016;
e. € 170,00 - ressonância magnética ao ombro esquerdo, realizada em 4.04.2016;
f. € 75,00 - ortopantomografias, pagas em 14.03.2016 e 02.09.2016;
g. € 450,00 - consultas de ortopedia ocorridas em 11.03.2016, 01.04.2016,
08.04.2016, 12.04.2016, 17.05.2016, 28.06.2016 e 30.08.2016;
h. € 130,00 - consultas de estomatologia ocorridas em 16.03.2016 e 03.06.2016;
i. € 550,00 - tratamento dentário realizado em 08.04.2016;
j. € 35,20 - despesas medicamentosas;
k. € 35,00 - consulta de medicina dentária ocorrida em 22.09.2016;
l. € 615,00 - implante osteointegrado do dente 24, colocado em 08.09.2017;
m. € 50,00 - tratamento do dente 26 ocorrido em 13.09.2017;
n. € 410 - coroa metalo-cerâmica implantosuportada no dente 24 colocada em
11.12.2017,
27. Despendeu ainda, em transportes para as consultas ou tratamentos, as seguintes quantias:
a. € 22,10 - táxi utilizado após consulta no Hospital de S. José em 30.01.2016;
b. € 27,40 - parquímetros pagos aquando dos tratamentos ou consultas;
c. € 3,30 - deslocação no Metropolitano de Lisboa para realização de exame em 02.09.2016.
28. Para o tratamento da lesão traumática do foro estomatológico sofrida na decorrência do acidente, a Autora foi submetida, no período compreendido entre 14 de março de 2016 a 11 de dezembro de 2017, a quinze consultas.
29. Nas 22 deslocações a Lisboa que a A. realizou para consultas médicas, tratamentos e exames necessários à recuperação do acidente, percorreu 880 km.
30. Quando regressou ao trabalho após o acidente, a A. não pode exercer a plenitude das funções a si confiadas, tais como, por exemplo proceder à recolha de dossier e processo físicos, subindo e descendo com os mesmos os dois lanços de escadas existentes no respetivo local de trabalho, pois não tinha, nem força, nem mobilidade para tal.
31. A Autora sofreu ainda um grande desequilíbrio psíquico após e devido ao atropelamento ocorrido, ficando com medo nos atos de vida quotidiana, tais como conduzir um veículo automóvel ou proceder à travessia de uma via rodoviária.
32. Passando a demonstrar uma enorme ansiedade na travessia, como peão, mesmo na passadeira, sintomas de ansiedade que ainda na presente data são visíveis.
33. Igualmente ansiosa na condução do seu próprio veículo automóvel, sintomas que se prolongaram até abril de 2016.
34. Subsistem dores ao nível do pescoço e ombro esquerdo, em resultado, quer de mudanças de tempo, quer de esforços ou trabalhos mais exigentes fisicamente, como estar mais de uma hora a passar a ferro, preparar os géneros e cozinhar.
35. A Autora vive exclusivamente do rendimento do trabalho, tendo atravessado um período de dificuldades financeiras sérias.
36. Que a obrigaram a recorrer ao seu filho mais velho para que pudesse emprestar-lhe os valores necessários aos exames complementares de diagnóstico e consultas de estomatologia, num montante superior a € 2.000,00 (dois mil euros).
37. Que ainda hoje deve ao filho mais velho, situação que constrange a Autora.
38. As limitações físicas decorrentes do acidente também não permitiam à Autora prestar o mesmo tipo de apoio ao filho menor.
39. Nem mesmo fazer a lide doméstica como sempre fez, sendo a única mulher da casa, para tratar de alimentação, roupas, limpezas, compras mensais, etc., facto que muito abalou a Autora, pois precisava de ajuda de terceiros para concretizar as tarefas de que sempre esteve incumbida.
40. A vida da Autora mudou  substancialmente durante o período da sua baixa médica e mesmo após a retoma de funções profissionais, o que causou um grande abalo psicológico e sentimento de diminuição e frustração.
41. As trinta e uma consultas e sessões de fisioterapia, que se prolongaram por meses, bem como as quinze consultas de recuperação estomatológica interferiram totalmente com as suas rotinas, quer laborais, quer quotidianas.
42. Mais sofreu os aborrecimentos emergentes das sessões fisiátricas e internamento hospitalar.
Factos Não Provados
A. A A. permaneceu hospitalizada até dia 30 de janeiro de 2016.
B. A A. deixou de auferir mais de € 1.000,00 (mil euros) por perda de prémios de assiduidade resultantes das faltas em 2016, ainda que justificadas.
C. No dia 20.04.2016 a A. realizou uma sessão de fisioterapia.
D. Por via de mais de setenta deslocações em viatura própria, para tratar as lesões decorrentes do sinistro, designadamente hospitalares e para consultas médicas, de clínica geral (médico de família), ortopedia, tratamentos dentários e estomatologia, sessões de fisioterapia, nas áreas dos concelhos de Loures e Lisboa, onde percorreu, mais de 2.000 Km.
E. A A. sentiu ansiedade e receio de exercer a condução durante muito tempo, pelo menos, até à confirmação da alta sem desvalorização pelo clínico que fez o acompanhamento da Autora.
F. O filho mais velho da A. emprestou-lhe um montante global de € 3.000,00 (três mil euros).»
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A apelante insurge-se, basicamente, contra o montante arbitrado na componente de danos não patrimoniais, com o fundamento de que são suficientemente graves para merecerem a tutela do direito, conforme é evidenciado pela própria factualidade relevada na decisão.
Transcreve-se a fundamentação jurídica da sentença, no segmento relevante:
«(…)
A A. peticionou ainda o pagamento de danos não patrimoniais sofridos na sequência e por causa do acidente.
Dispõe o artigo 496.º do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo o seu montante ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
A A. esteve 3 meses e 4 dias absolutamente incapaz para o exercício da sua atividade profissional. Daqui decorre necessariamente que a A. esteve igualmente incapaz para realizar as suas tarefas normais do dia-a-dia, inclusivamente com limitações ao nível do convívio familiar, pelo menos durante o primeiro mês, em face das lesões sofridas.
Posteriormente veio a manter a incapacidade para o trabalho, mas apenas em 30%, posteriormente em 10% e depois em 5%, com alta médica sem desvalorização em 18.07.2016, 6 meses e 10 dias depois do acidente.
Esta limitação física necessariamente impacta negativamente a vida da A., com as consequências emocionais que daí advêm.
Também as 30 sessões de fisioterapia, as inúmeras consultas e tratamentos dentários realizados, com deslocações e alteração da normalidade diária se repercutem de forma nefasta na vida da A.
As dificuldades financeiras verificadas, as limitações físicas com que se deparava e que ainda hoje sente esporadicamente, a ansiedade e receio sentidos na circulação da via pública, as dores necessariamente sofridas, constituem sem dúvida danos não patrimoniais que pela sua gravidade merecem a tutela do Direito.
Por outro lado, importa ter em consideração que, felizmente, a A. não sofreu qualquer desvalorização permanente nem sequela duradoura, não foi sujeita a intervenções cirúrgicas, não fraturou ossos, tendo as suas lesões sido tratadas e mostrando-se com alta definitiva desde 18 de julho de 2016.
 Assim, face a todo o exposto, entende-se adequada a fixação de uma indemnização para o ressarcimento dos danos não patrimoniais no valor € 5.000,00.»
Consabidamente, no que toca à indemnização de danos não patrimoniais, o artigo 496º, nº 1 do C. Civil dispõe que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, face ao que são irrelevantes, designadamente, os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultam de uma sensibilidade anómala.
Considerando os factos ponderados (pontos 31 a 42) na decisão, bem como a data da ocorrência do sinistro (no ano de 2016), afigura-se que o valor estabelecido peca por defeito, tendo presente os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial do S.T.J. Assim,  entre outros, Acórdão de 04.06.2015, no Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1: jovem de 17 anos, vários tratamentos médicos, intervenções e internamentos, alta mais de 4 anos depois do acidente, repercussões estéticas, quantum doloris de grau 6, e grave culpa da condutora do veículo causador do acidente – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 40.000,00; Acórdão de 21.01.2016, no Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1: jovem de 27 anos, múltiplos traumatismos, sequelas psicológicas, quantum doloris de grau 5, dano estético de 2 pontos; incapacidade parcial de 16 pontos, repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 2, claudicação na marcha e rigidez da anca direita – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 50.000,00[3].
Tal como é realçado no recente acórdão do S.T.J. de 21.04.2022[4], «em bom rigor, a única condição de compensabilidade dos danos não patrimoniais é a sua gravidade, o que lhes confere um carácter algo indeterminado e de difícil quantificação. Seria, por isso, em vão que se tentaria apurar o respetivo quantum compensatório com base em fatores aparentemente objetivos, devendo reconhecer-se ao julgador margem para valorar segundo critérios subjetivos (na perspetiva do lesado), isto é, “à luz de factores atinentes à especial sensibilidade do lesado [como] [a] doença, a idade, a maior vulnerabilidade ou fragilidade emocionais[39] (Cfr. Maria Manuel Veloso, “Danos não patrimoniais”, in: Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, volume III – Direito das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 506.). A equidade é aqui, em rigor, o único recurso do julgador[40] (Para a pergunta sobre em que consiste a equidade “não há resposta fácil nem unívoca”, mas parece possível dizer que a decisão segundo a equidade (…) pode conferir peso a quaisquer argumentos sem se preocupar com a sua autoridade e relevância face às aludidas fontes (do sistema). É campo ilimitado do 'material', do 'razoável', do 'justo', do 'natural'”. Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, “A equidade ou a 'justiça com coração' – A propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in: Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, p. 656 e pp. 675-676 (interpolação nossa)., ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar (cfr. artigo 496.º, n.º 4, do CC).
Na situação em apreço, a lesada foi atropelada em plena passadeira de peões, sofreu sucessivos graus de incapacidade temporária entre 8 de janeiro de 2016, tendo a alta definitiva em 18 de julho de 2016, além de que ficou com sequelas a nível doloroso.
Conclui-se, por conseguinte, que a pretensão da apelante merece o acolhimento integral, sendo adequado e justo elevar a indemnização para o montante peticionado.
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DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida, e determina-se:
a). Fixar a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais no montante de quinze mil euros, acrescida de juros de mora vincendos desde a data da citação até efetivo pagamento;
b). Manter no mais o decidido.
Custas da ação a repartir pela autora e ré, em função do decaimento, do recurso a cargo da apelada (artigo 527º nº 1 e nº 2 do C.P.C.).

Lisboa, 23.06.2022,
Ana Paula Albarran Carvalho
Nuno Lopes Ribeiro
Gabriela Fátima Marques
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[1] Com aproveitamento parcial do relatório da sentença recorrida.
[2]Abrantes Geraldes, Recursos no N.C.P.C., 2017, Almedina, pág. 109.
[3] Todos disponíveis na base de dados do IGFEJ.
[4] Proferido no âmbito do processo nº 96/18.9T8PVZ.P1.S1, citando jurisprudência diversa, disponível no mesmo local.