Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1979/14.0TBSXL.L1-6
Relator: TOMÉ ALMEIDA RAMIÃO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
DIREITO DE VOTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - O objetivo principal do processo especial de revitalização é a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores com vista à recuperação e viabilização económica do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos seus credores.
- Os credores cujos créditos hajam sido relacionados na lista definitiva de créditos e que não hajam sido modificados pela parte dispositiva do plano não têm direito de voto, não podendo participar no quórum deliberativo de aprovação do PER, nos termos dos n.º 3 do art.º 17.º-F e n.ºs 1 e 2, alínea a) do art.º 212.º do CIRE.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório:

1. Nos presentes autos de processo especial de revitalização (PER), que tiveram início a pedido dos devedores P... e mulher M.., foi nomeado administrador judicial provisório e, posteriormente, os requerentes juntaram plano de recuperação, nos termos do art.º 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ([1]).

Prosseguindo os autos os seus regulares termos, com conversão em definitiva da lista provisória de créditos apresentada pelo administrador judicial, veio a ser aprovado e homologado por decisão, proferida em 19/11/2014, o plano de revitalização, nos seguintes termos:
Face ao exposto, nos presentes autos de processo especial de revitalização, homologo por sentença, nos termos do 17.º-F, n.ºs 5 e 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o plano de revitalização dos devedores P... e M..., residentes ..., constante de fls. 102 e 103 (processo em papel)”.

Desta decisão, veio o credor C... interpor o presente recurso, que após alegações,

Concluiu:

A. Os Devedores P... e M... – em conjunto com a Credora J... - manifestaram a sua vontade expressa de encetarem negociações conducentes à revitalização, por meio da aprovação de um plano de recuperação, tendo intentado um Processo Especial de Revitalização nos termos do disposto no artigo 17.º-C do CIRE.
B. Nessa sequência, e em cumprimento da alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do CIRE, o Tribunal proferiu despacho de nomeação do Exmo. Sr. Dr. O... J... de Administrador Judicial Provisório.
C. Ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 17.º-D do CIRE, a Credora C... reclamou créditos no valor €9.093,20 (nove mil e noventa e três euros e vinte cêntimos) dentro do prazo legal para esse efeito.
D. Os créditos da C... foram reconhecidos e devidamente incluídos na lista provisória de créditos apresentada pelo Exmo. Sr. Dr. O... na secretaria do douto Tribunal e publicada em Portal Citius. (cfr. n.º 3 do artigo 17.º-D do CIRE).
E. Veio o Senhor Administrador Judicial Provisório informar os autos sobre as negociações e resultado da votação tendo concluído que “(…) a proposta de plano apresentada aos credores pela Devedora nos presentes autos, pela verificação da maioria qualificada de votos emitidos pelos credores reclamantes encontra-se aprovada. (…)”.
F. O plano final apresentado pelos Devedores apenas salvaguardava a posição do Credor Banco Santander Totta, S.A.
G. Tal PER previa o pagamento do crédito hipotecário na sua totalidade e com manutenção das condições contratualizadas.
H. No que concerne aos demais Credores, a proposta apresentada implicava o pagamento de apenas 50% do capital em dívida em 72 prestações mensais e sucessivas, após um período de carência de 18 meses, e com perdão de juros vencidos.
I. O Credor garantido não deveria ter qualquer direito de voto no âmbito do plano de recuperação apresentado pelos Devedores por inexistir qualquer alteração no seu crédito.
J. Dispõe a alínea a) do n.º 2 do artigo 212.º do CIRE que não conferem direito de voto os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano.
K. Com efeito, ao credor Banco ... é facultada a possibilidade de se ver ressarcido na íntegra – inexistindo qualquer perdão, moratória ou outros – com a manutenção do prazo e condições contratadas.
L. Ora, e na mesma senda de entendimento, concluiu a Meritíssima Juiz .... no Processo n.º 576/13.2TBSXL - que corre os seus termos no ....º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca do Seixal - pela não homologação do plano de recuperação.
M. Com efeito, entendeu o douto Tribunal que “Tendo em conta esta disposição legal – entenda-se a alínea a) do n.º 2 do artigo 212.º do CIRE – e observando o mapa de votações apresentado pelo Sr. Administrador Judicial provisório, verifica-se que o credor garantido, por não ter sido o seu crédito modificado pelo plano, não tem direito de voto, nem conta para o apuramento do quórum de votação.”.
N. Tal decisão proferida foi alvo de confirmação pelo Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão datado de 24/09/2013, tendo os Exmos. Senhores Juízes Desembargadores concluído que não se verificava, assim, o quórum de reunião necessário para a respetiva deliberação.
O. De igual forma, veio o douto Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão proferido a 23/01/2014 no âmbito do Processo n.º 4303/13.6TCLRS-A.L1, concluir que “(…) os credores cujos créditos hajam sido relacionados na já referida lista mas que não hajam sido modificados pela parte dispositiva do plano não têm direito de voto, sendo de aplicar a delimitação constante do nº 2-a) do art.º 212.
O que algum sentido prático faz, aliás, em caso como o dos autos em que a aprovação do plano resulta essencialmente do sentido de voto do credor que não viu os seus créditos por algum afetados, enquanto os restantes credores tiveram os seus créditos diminuídos em 75%.”.
P. Nestes termos, deverá a decisão do tribunal a quo ser revogada.

Termos em que, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, assim, ser revogada a decisão proferida pelo tribunal a quo de homologação do plano de recuperação apresentado, fazendo V.Exas. a tão costumada justiça.

***

Os devedores apresentaram contra-alegações, suscitando a intempestividade do recurso, por ter sido dada publicidade à sentença no dia 25/11/2014, o prazo de recurso é de 15 dias, e o recorrente apresentou o recurso em 15 de dezembro de 2014, já após trânsito em julgado, pelo que deve ser rejeitado, e defendeu a manutenção da decisão.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo ( fls. 166).

Por despacho do ora relator foi considerado tempestivo o recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

***

II – Âmbito do Recurso:
Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que a questão essencial a decidir consiste em saber se o credor Banco Santander Totta, S. A., podia votar na aprovação do PER.

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III – Fundamentação fáctico-jurídica.

1. Matéria de facto.

1.1. Para conhecimento da questão colocada, para além da decisão recorrida sutra transcrita, é de considerar relevante a seguinte factualidade:
a) Os devedores P... e M..., casados um com o outro sob o regime da comunhão de adquiridos, requereram, em 2 de maio de 2014, abertura do processo especial de revitalização, nos termos previstos pelos art.ºs 17.º-A a 17.º-H, do CIRE.
b) Por decisão de 5 de maio de 2014 foi nomeado como administrador judicial provisório o  Dr. O..., com domicílio profissional na Rua ..., n.º... , ... Alcochete, nos termos dos art.ºs 17.º-C, n.º 3, alínea a) e 32.º a 34.º, do CIRE;
c) O Senhor administrador judicial provisório veio apresentar a Lista Provisória de Créditos, nos termos do art.º 17.º-D do CIRE, a qual foi convertida em Lista Definitiva.
Consta dessa lista terem sido reconhecidos créditos no valor total de € 255.137,27, sendo credores: o Banco ... ( €229.707,78 de capital e € 319,34 de juros); B... ( € 15.029,90 de capital e € 487,05 de juros); C... ( €.479,92 de capital e € 1.613,28 de juros); e R... ( € 500,00 de capital).
d) Concluídas as negociações foi concedido prazo para votação do plano apresentado pelos devedores tendo votado credores representando 93,72% dos créditos constantes da lista definitiva de credores.
e) Da lista definitiva de credores votou favoravelmente o plano de recuperação o credor Banco ..., representando 90,16% dos créditos relacionados, e votou contra o credor C..., representando 3,56% dos créditos relacionados.
f) Consta do plano aprovado:
1. Banco Santander Totta, S.A.: Manutenção das condições contratualizadas;
2. Restantes credores:
2.1. Redução do capital em 50%;
2.2. Perdão de juros vencidos até à data do trânsito em julgado da sentença da homologação do plano;
2.3. Pagamento dos restantes 50%:
- 1,5 anos de carência após o trânsito em julgado da sentença da homologação do plano;
- 72 prestações mensais iguais e sucessivas;
2.4. Juros vincendos calculados com uma taxa indexada à Euribor a 3 meses acrescida de um spread de 2,5%.
O plano entrará em vigor quando transitar em julgado a sentença da sua homologação.

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2. O direito:
1. A questão colocada consiste em saber se o credor Banco ..., podia votar na aprovação do PER.
1.1. Sustenta o recorrente que o plano final apresentado pelos devedores apenas salvaguardava a posição do Credor Banco ..., pois previa o pagamento do crédito hipotecário na sua totalidade e com manutenção das condições contratualizadas e no que respeita aos demais credores, a proposta apresentada implicava o pagamento de apenas 50% do capital em dívida em 72 prestações mensais e sucessivas, após um período de carência de 18 meses, e com perdão de juros vencidos, pelo que o credor garantido não deveria ter qualquer direito de voto no âmbito do plano de recuperação apresentado por inexistir qualquer alteração no seu crédito, como decorre da alínea a) do n.º 2 do artigo 212.º do CIRE.

E tem inteira razão, adiantamos.

Como é sabido e consabido, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2012, de 3 de fevereiro, criando, entre outros, o designado programa “Revitalizar”, a Lei 16/2012, de 20 de abril, veio aditar ao Título I do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) o Capítulo II, no qual veio instituir a regulamentação do Processo Especial de Revitalização (PER), o qual “ destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização” – art.º 17.º-A..
Trata-se, como sublinha Catarina Serra, in “Revista da Ordem dos Advogados”, Vol.II/III,  2012, pág. 716, de “um processo pré-insolvencial, cuja maior vantagem é a possibilidade de o devedor [qualquer devedor] obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente. o maior risco é o de, depois de tudo, o devedor não conseguir evitar a declaração de insolvência.
Para os credores fica, mais uma vez, reservado o papel fundamental: ou consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem o PER ou então manterem--se irredutíveis, caso em que o plano de recuperação não é aprovado e aquele risco se concretizará”.

Destacando a distinção entre este processo especial e o processo de insolvência, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Anotado, 2.ª Edição, 2013, pág. 140, referem que enquanto este “constitui uma resposta para a superação de uma situação de insolvência já verificada, a que a ordem jurídica pretende pôr cobro, o processo de revitalização dirige-se a evitá-la, assegurando a recuperação do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos seus  credores”.
A motivação para introdução deste processo especial foi assumida expressamente na Proposta de Lei n.º 39/XII, apresentada pelo Governo à Assembleia da República, como pretendendo promover a recuperação “ privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial” e que a situação económica obriga a gizar soluções mais eficazes “ no combate ao desaparecimento de agentes económicos”, no sentido que “cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais …”, remetendo para segundo plano a liquidação do seu património, sempre que se mostre viável a respetiva recuperação.
E recurso a este processo especial pode “ser utilizado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação” -  art.º 17.º-A n.º2.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 4/2/2014, Proc. N.º 622/13.0TBCHV-A, publicado em www.dgsi.pt, “trata-se  de um processo voluntário, negocial e extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, de molde a alcançar-se um acordo com vista à sua revitalização. O objetivo de tal processo é a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização do devedor, pressupondo sempre a aprovação desse acordo por uma maioria qualificada de créditos, cfr. art.º 17.º-F do CIRE, que ocorrendo torna, em princípio, o acordo vinculativo para a generalidade dos credores”.
O processo especial de revitalização inicia-se pela apresentação do requerimento do devedor e de, pelo menos, um dos credores, nos termos do art.º 17.º-C/1, procedendo o juiz à nomeação de administrador provisório, observando o disposto nos art.ºs 32.º a 34.º por força da remissão da alínea a) do n.º3 daquele preceito legal.
O despacho de  nomeação do administrador provisório é notificado ao devedor, o qual deve logo comunicar aos credores que não subscreveram a declaração, que foi dado início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informar que a documentação referida no n.º1 do art.º 24.º se encontra disponível na secretaria para consulta  - n.º 1 do art.º 17º-D.
Mas o despacho de nomeação de administrador provisório será igualmente publicitado no portal Citius, data a partir do qual qualquer credor dispõe de 20 dias para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos, que apresentará na secretaria do tribunal e será publicada no portal Citius. Após a publicação desta lista provisória, poderá ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, convertendo-se em definitiva, caso o não seja, e sendo impugnada compete ao juiz decidir, em idêntico prazo - n.ºs 2 a 4 do art.º 17.º-D.
Ao requerimento de reclamação de créditos, bem como da reclamação da lista provisória, é aplicável, por analogia, o disposto nos art.ºs 128.º e 130.º, respetivamente, sendo que a lista definitiva de créditos apurada neste processo não impede a reclamação de créditos aqui não reclamados no processo de insolvência que eventualmente lhe venha a suceder ( como flui expressamente do n.º 7 do art.º 17.º-G), valendo a lista definitiva apenas no que respeita à participação nas negociações e celebração do acordo de revitalização- cfr. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 155 e segs.
E, findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem de um prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, podendo ser prorrogada uma só vez por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador provisório e o devedor, que será junto aos autos e publicado no portal Citius, devendo os credores que decidam participar nas negociações declararem-no ao devedor, por carta registada, podendo fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, de acordo com o regime previsto nos n.ºs 5 e 7 do art.º 17.º-D.
Terminando as negociações com a aprovação unânime do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, ou por maioria dos votos prevista no n.º1 do art.º 212.º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados na lista de créditos, será remetido de imediato ao juiz para sua homologação ou recusa – n.ºs 1 e 3 do art.º 17.º-F.
A homologação desse plano vincula todos os credores, mesmo aqueles que não participaram nas negociações, como decorre do n.º 6 do art.º 17.º-F. Mas não decorre deste preceito legal que vincula os credores não incluídos na lista definitiva de créditos.
1.2. Feitas estas breves considerações sobre a disciplina legal do processo especial de revitalização, vejamos, então, o caso concreto.
De acordo com o n.º3 do art.º 17.º-F ( na sua redação anterior à alteração operada pelo Dec. Lei n.º 26/2015, de 6/Fev. – em vigor a partir de 2/3/2015), “Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida”.
Por sua vez, o art.º 212.º tem a seguinte redação:
1 - A proposta de plano de insolvência considera-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
2 - Não conferem direito de voto:
a) Os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano;
b) Os créditos subordinados de determinado grau, se o plano decretar o perdão integral de todos os créditos de graus hierarquicamente inferiores e não atribuir qualquer valor económico ao devedor ou aos respetivos sócios, associados ou membros, consoante o caso.
3 - Cessa o disposto na alínea a) do número anterior, se, por aplicação desse preceito, em conjugação com o da alínea b), todos os créditos resultassem privados do direito de voto.
4 – […].
Assim, se as negociações terminarem com a aprovação unânime de todos os credores, o acordo deve ser por todos assinado e remetido de imediato o juiz  com vista à sua homologação – n.º1 do art.º 17.º-F. Não sendo o caso, exige-se para a aprovação do PER que estejam presentes ou representados no mínimo um terço do total dos créditos com direito de voto e cuja votação represente mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções – n.º1 do art.º 212.º.
Todavia, são excluídos do direito de voto os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano, nos termos do n.º2, alínea a) do art.º 212.º.
Mas a verdade é que o nº 3 do art.º 17-F apenas remete para o nº 1 do art.º 212.º, nele não se fazendo qualquer referência às demais normas aí previstas, podendo duvidar-se da aplicação do n.º2, alínea a), que exclui do direito de voto os credores cujos créditos não sejam modificados pelo PER, questão posta pelo recorrente.
Sobre esta concreta questão, Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 175, parecem excluir a sua aplicação, ao referir, a propósito do quórum necessário à aprovação do PER, exigir-se “uma maioria duplamente qualificada: requer a reunião de, pelo menos, dois terços mais um da totalidade dos votos emitidos e, simultaneamente, de metade mais um dos votos correspondentes a créditos não subordinados, sem, todavia, contarem as abstenções.
Mas o quórum, como o texto também esclarece, é calculado sobre a totalidade dos créditos constantes da lista definitiva - ou, se ainda não existir, dos créditos não impugnados acrescidos daqueles aos quais, apesar de contestados, tenha sido atribuído direito de voto -, não havendo, pois, lugar à aplicação do regime do nº 2 do art.º 212.º” ( nosso sublinhado).
Posição oposta é defendida por Luís M. Martins, in “ Recuperação de Pessoas Singulares” 2012, 2.ª Edição, Almedina, pág. 62/63 , salientando:
“As limitações ao direito de voto são de aplicar ao PER, pois não obstante a remissão operada ser apenas para as regras de quórum constantes no nº 1 do artigo 212º, o que são considerados créditos com direito de voto está explicado nos nºs 2 a 4 do citado preceito legal”.

Ora, parece-nos ser esta a melhor solução tendo em conta que as condições de aplicação da norma contida no n.º1 do art.º 212.º está condicionada à aplicação da previsão normativa do seu n.º2, ou seja, não se pode isolar e autonomizar a previsão normativa do n.º1 sem a compreensão e aplicação do seu n.º2, assim como a definição de créditos subordinas vem prevista no seu art.º 48.º, o que nos remete para uma adequada interpretação sistemática.
Com efeito, no n.º 1 desse preceito legal prevê-se que o PER seja aprovado, estando presentes ou representados pelo menos um terço do total dos créditos com direito de voto, quando obtiver dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
E, por sua vez, o seu n.º2 identifica, negativamente, os créditos que tem direito de voto.
Donde, saber quais os créditos que têm direito de voto implica interpretar e aplicar o seu n.º2, o qual delimita negativamente os créditos com direito de voto, excluindo esse direito aos créditos “que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano”.
E do confronto dessas normas resulta terem direito de voto todos os demais credores não expressamente excluídos no seu n.º2.
Reforça este entendimento o facto do n.º5 do art.º 17.º-F obrigar o juiz a aplicar, “com as necessárias adaptações”, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no Título IX, nelas se incluindo o n.º2 do art.º 212.º.
E compreende-se que assim seja, sob pena do maior credor, como é o caso, não sendo afetado com a aprovação do PER, impor aos demais credores condições mais desfavoráveis, nomeadamente com redução dos valores desses créditos e com condições de pagamento mais desvantajosas ([2]).
Neste sentido, concorda-se plenamente com entendimento seguido no Acórdão desta Relação ([3]) ao afirmar:
“É o nº 2 daquele art.º 212.º que, procedendo a uma delimitação negativa, permite concluir quem tem direito de voto para efeitos do nº 1 do mesmo artigo.
Ou seja, o quórum deliberativo tem como base a supra referida lista mas é delimitado negativamente pelo nº 2 do art.º 212 que concretiza a quem não é conferido direito de voto.
Efetivamente, nesta perspetiva, a aplicação do nº 1 do art.º 212 pressupõe a consideração do nº 2 do mesmo artigo. Acresce, como pano de fundo que nos ajudará a uma melhor interpretação, que (como vimos) o nº 5 do art.º 17-F manda aplicar, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência.

Concluímos, pois, face ao que acabámos de expor, que os credores cujos créditos hajam sido relacionados na já referida lista mas não hajam sido modificados pela parte dispositiva do plano não têm direito de voto, sendo de aplicar a delimitação constante do nº 2-a) do art.º 212.º”.
Repare-se que na nova redação do n.º3 do art.º 17.º-F, introduzida pelo Dec. Lei n.º 26/2015, de 6/Fev. ( em vigor a partir de 2/3/2015), deixou de se fazer remissão para o n.º1 do art.º 212.º, sendo de observar, na aprovação do PER, as regras nele estabelecidas. Todavia, mantém-se a referência aos créditos relacionados com “direito de voto”. “Isto parece significar que será aplicável o disposto no art.º 212.º, n.º2”, como sublinha Alexandre de Soveral Martins, in “ Um Curso de Direito da Insolvência”, 2015, Almedina, pág. 490.
No caso concreto, o PER foi aprovado apenas com o voto do credor Banco ..., representando 90,16% dos créditos constantes da lista definitiva de credores, pois que o credor e recorrente C... votou contra, representando 3,56% dos créditos relacionados, constando desse plano que o Banco ... mantém as condições contratualizadas, ou seja, o seu crédito não fica minimamente afetado com a aprovação do plano, enquanto os restantes credores, nomeadamente o recorrente, vê reduzido o capital em dívida em 50%, para além de um perdão de juros de mora vencidos até à data do trânsito em julgado da sentença da homologação do plano e cujo pagamento fica dependente de uma moratória de 1,5 anos, a liquidar em 72 prestações mensais iguais e sucessivas.

Por quanto se disse, é evidente que o crédito do Banco ... não lhe confere direito de voto no PER, já que esse crédito não foi modificado pela parte dispositiva do plano.

De outro modo, permitir-se-ia, injustificadamente, ao maior credor, coligado com os devedores, impor aos demais credores reduções significativas dos seus créditos, contra a vontade destes, como seria o caso, permitindo, àquele, a manutenção e pagamento integral do seu crédito.

E assim sendo, inexiste quórum deliberativo legalmente exigido para a sua aprovação.

Procede, pois, a apelação.
As custas da apelação, porque vencidos, serão suportadas pelos apelados – art.º  527.º/1 e 2 do C. P. Civil.

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V. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. O objetivo principal do processo especial de revitalização é a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores com vista à recuperação e viabilização económica do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos seus  credores.
2. Os credores cujos créditos hajam sido relacionados na lista definitiva de créditos e que não hajam sido modificados pela parte dispositiva do plano não têm direito de voto, não podendo participar no quórum deliberativo de aprovação do PER, nos termos dos n.º 3 do art.º 17.º-F e n.ºs 1 e 2, alínea a) do art.º 212.º do CIRE.

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VI. Decisão:

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e, em consequência, recusam a homologação do PER aprovado.
Custas da apelação pelos apelados.

             
Lisboa 2015/04/16
                       
Tomé Almeida Ramião ( Relator)                                 
Vítor Amaral                                            
Regina Almeida


[1] Aprovado pelo art. 1º do DL 53/2004 de 18.02, com sucessivas alterações, diploma legal a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra indicação, também adiante designado abreviadamente por CIRE.
([2]) Referem Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. Cit., pág. 818/819: “ No domínio da lei anterior tinha-se discutido a razoabilidade da atribuição do direito de voto mesmo aos credores cujos créditos não fossem afetados pelas medidas recuperatórias, tal como projetadas e apresentadas para votação. Disse-se que isso significava colocar numa posição de especial favor aqueles que menos tutela justificavam,  permitindo-lhes, em muitos casos, inviabilizar a recuperação, mesmo quando nada perdiam com ela.
A lei, mudando a orientação, exclui agora a intervenção dos créditos que não sejam atingidos pelas medidas determinantes do plano, sendo este o sentido da alínea a) do n.º 2”.
([3]) Proferido em 23/1/2014, Proc. n.º  4303/13.6TCLRS-A.L1-2 (Maria José Mouro).