Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1177/17.1YRLSB-7
Relator: AMÉLIA ALVES RIBEIRO
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
RECUSA DE ÁRBITRO
DEVER DE REVELAÇÃO
INDEPENDÊNCIA
IMPARCIALIDADE
DEPENDÊNCIA ECONÓMICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/03/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.No enquadramento normativo das questões relativas ao dever de revelação e da recusa de árbitro há que ter em conta o contexto em que foram desenvolvidos os instrumentos de ‘quase-direito’ aplicáveis e em que o concreto conflito se desenvolve.
II.Como já se disse na jurisprudência, para que possa ocorrer a recusa de árbitro com fundamento na omissão do dever de revelação é necessário que nesse incumprimento se manifestem circunstâncias donde se possam extrair indícios que permitam, objectivamente, fundar um juízo de afectação da independência e imparcialidade. Isto é, naqueles casos extremos em que a omissão de revelação se refira a circunstância tão fundamental que, por si só, revela afectação da independência ou imparcialidade, nos termos dos supra referenciados parâmetros.
III.Não faz sentido recusar o árbitro que preside ao Tribunal Arbitral quando está em causa uma deliberação unânime dos membros do Tribunal.
IV.Não podem ser lidos como fundamento de quebra da imparcialidade os adjectivos que se contenham no mero campo consentido pela análise crítica das circunstâncias.
V.Se a requerente não especifica quais as sugestões de prova que entendeu por pertinentes e que, no seu entender, deveriam ter sido objecto de acolhimento por parte do Senhor Árbitro, não poderá valer-se desse fundamento para invocar a violação do dever de imparcialidade.
VI.Como se disse, não basta “a simples demonstração de múltipla nomeação para alcançar a recusa do árbitro, sendo antes necessária a alegação e prova de circunstâncias objectivas que tornem manifesta, ou seja óbvia ou evidente, a falta de independência ou imparcialidade; o que implica um relativamente pesado e exigente ónus da prova por banda da parte que invoca a recusa”.
VII.Uma das linhas de fronteira que neste caso demarca os contornos do risco de dependência económica está associada à verificação de uma tal multiplicidade de nomeações que denote que o árbitro se descaracteriza, transmutando-se em juiz. Neste caso já não seria uma questão de quebra de independência ou de imparcialidade, mas de “falta da qualidade intrínseca de árbitro”.
VIII.Não é o critério do valor considerado em si mesmo, mas sim o do valor enquanto represente uma dependência económica que poderá ser valorizado enquanto critério de risco de dependência económica.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.



I.–Relatório:


Na pendência da acção arbitral no âmbito da Lei n.º 62/2011, a demandada veio requerer a este Tribunal a recusa do Senhor Árbitro Presidente, em virtude de, segundo alega, ter sérias e injustificadas dúvidas quanto à independência e imparcialidade do Exm.º Árbitro.

Baseou-se fundamentalmente no incumprimento pelo Senhor Árbitro Presidente do dever de revelação; na adopção por ele de um comportamento processual não equidistante (expresso em “indisfarçável aversão e “animosidade para com a requerente”); na circunstância de ter participado em arbitragens congéneres e de haver risco de dependência económica, acrescentando que o mesmo recusou expressamente esclarecer as seguintes questões formuladas pela demandada e ora requerente:
Qual o montante facturado à sociedade de advogados F…, por ordem do Senhor Árbitro Presidente, nas arbitragens iniciadas ao abrigo da Lei n.º 62/2011?
Quando é que o Senhor Árbitro presidente foi nomeado na qualidade de árbitro presidente por clientes representados pela sociedade de advogados A…?
Quando é que o Senhor Árbitro Presidente auferiu as quantias que perfizeram € 80.000,00 pela sua nomeação na qualidade de árbitro de parte por clientes da sociedade A…?
Quais são as empresas farmacêuticas representadas pela sociedade de Advogados do Senhor Árbitro Presidente?

Cumprido o artigo 60.º da L. A. V., vieram o Senhor Árbitro Presidente (fls. 402 e segs.) e a A. (fls. 534 e segs. – 19/07/2017) responder, concluindo pela improcedência do pedido, quer por manifesta extemporaneidade e caducidade, quer por falta de fundamento.

A R., demandada, veio assumir posição sobre tais requerimentos, reiterando basicamente o que já havia alegado perante este Tribunal, tendo insistido no pedido de que o Senhor Árbitro Presidente esclareça as questões que enuncia a fls. 637.

Por seu turno, a demandante veio sustentar a inadmissibilidade processual do requerimento da demandada, considerando que o mesmo extrapola a garantia do contraditório plasmada nos artigos 30.º, n.º 1, da L. A. V., e 3.º do C. P. C.

II.1.Questões prévias:

II.1.1.Da admissibilidade do requerimento da demandada

O artigo 60.º da LAV não contempla expressamente a possibilidade de réplica, sendo embora certo que também a não proíbe, o que bem se compreende perante as exigências do princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º do C. P. C.
Será, por isso, necessário verificar se as respostas trazidas, quer pelo Senhor Árbitro presidente quer pela demandante, trazem novidade com o impacto na cabal defesa da contraparte.
Por isso, não há uma proibição geral da réplica, antes se impondo uma ponderação concreta dos articulados das partes para aferir da pertinência do que alegam e da sua utilidade para a apreciação e decisão do caso em apreço.

II.1.2.Quanto à pretendida reiteração de que o senhor Árbitro Presidente preste os esclarecimentos complementares enunciados no requerimento de fls. 637

Como lucidamente se escreveu no Acórdão da RL de 13.09.2016[1], Se a exploração do revelado pela parte interessada pode passar pelo pedido de esclarecimentos adicionais ao árbitro isso não implica, em nosso modo de ver, uma sucessão de pedidos de esclarecimento nem que estes pedidos extravasem o que é pertinente e razoável, designadamente tendo em conta que o ónus do desenvolvimento da investigação e da prova é da parte, e se transmutem numa investigação especiosa e extensa sobre toda a actividade pretérita do árbitro; que se torna desrespeitosa para com este e, consequentemente, inquinadora do processo arbitral.
Neste âmbito entende-se ser de desatender esta pretensão da demandada, visto que, como melhor adiante se verá, tais esclarecimentos se afiguram desnecessários na economia dos fundamentos do pedido de recusa, incluindo para aferição da alegada falta de equidistância relativamente a ambas as partes – por se entender que o Senhor Árbitro Presidente havia já prestado os esclarecimentos relevantes.   

II.1.3.Quanto à questão da alegada caducidade do correspondente direito

O Senhor Árbitro Presidente, na resposta, veio invocar a extemporaneidade do pedido de recusa, em virtude de “só passados mais de 10 meses sobre a data em que terá tomado conhecimento da designação do signatário é que a Requerente” veio invocar “que o mesmo não havia apresentado declaração de independência e imparcialidade e só então começou a ter dúvidas sobre se o signatário reunia, efectivamente, as aludidas qualidades”.
Acrescentou que a requerente havia assinado a acta de instalação, “em que se confirmava a designação do signatário em 6 arbitragens e sido representada pelos mesmíssimos mandatários que a representaram nesta arbitragem”.

Quer isto dizer que a requerente desencadeou o incidente de recusa de árbitro já muito depois de decorridos os 15 dias previstos na lei, “uma vez que lhe foram dados a conhecer pelo menos desde 2 de Março de 2017 – data em que o signatário respondeu às questões que a requerente lhe colocou – e, alguns deles, pelo menos desde 5 de Maio de 2016 – data em que foi junta aos autos procuração a favor dos mandatários da requerente e em que esta tomou conhecimento de que o Árbitro Presidente não apresentara qualquer declaração de independência – ou muito antes disso – já que a sociedade de advogados que representa a requerente neste processo representou e representa ainda esta e outras entidades em 22 processos iniciados ao abrigo da Lei n.º 6272011, em que as demandantes são representadas pela A…. “Encontra-se, pois, caducado o direito de pedir a recusa de árbitro presidente”.

Idêntica posição assumiu a demandante (fls. 534 e segs.).

A demandada assumira posição contrária, por antecipação na P.I., onde defende a tempestividade do seu requerimento. 

A este propósito importa destacar o seguinte circunstancialismo:

Por requerimento de 2 de Maio de 2017, e demandada Teve BV requereu, ao abrigo do disposto no artigo 14°, n,° 2 da Lei 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei de Arbitragem Voluntária ou LAV), a recusa do Senhor Árbitro Presidente, Senhor Professor Doutor FP… (vd. Acórdão sobre o Incidente de recusa proferido pelo TA, a fls. 359).
Este requerimento foi antecedido de um pedido de esclarecimentos em 22 de Fevereiro de 2017, os quais foram prestados pelo Senhor Árbitro Presidente no dia 2 de Março de 2017 (idem).
Posteriormente, no dia 3 de Abril de 2017, a demandada formulou mais cinco perguntas, que apelidou de clarificações às informações prestadas anteriormente e que o Senhor Arbitro Presidente, na sua resposta de 18 de Abril, considerou como pedido de novos esclarecimentos (idem).
Em 02.05.2017 a demandada veio requerer a recusa do senhor Árbitro Presidente (fls. 9 e 326 a 354 e 399).
 
A este propósito, dispõe o artigo 14.º, n.º 2, da LAV., que: “Na falta de acordo, a parte que pretenda recusar um árbitro deve expor por escrito os motivos da recusa do tribunal arbitral, no prazo de 15 dias a contar da data em que teve conhecimento da constituição daquele, ou da data em que teve conhecimento das circunstâncias referidas no artigo 13.º”.

A este propósito importa referir que o requerimento se nos afigura tempestivo visto que o facto de se estar na posse há vários meses de determinados conhecimentos não implica por si só que o prazo da caducidade se deva contar a partir do conhecimento desses mesmos conhecimentos, pois que por vezes em determinadas áreas eivadas de dúvidas justificadas e de certo melindre só a partir de determinados esclarecimentos se produz o fundamento repentino, mas decisivo, que conduz a uma tomada de decisão.

No caso vertente, pelo que se percepciona nomeadamente do circunstancialismo enunciado, a demandada, mediante pedidos de esclarecimento, foi construindo as ideias que acabaram por determinar a formulação do pedido de recusa. E como resulta do mesmo circunstancialismo, essa formulação está dentro do prazo previsto na lei e foi feito no seguimento dos pedidos de esclarecimentos aludido.

Nesta conformidade se conclui que o requerimento é tempestivo, improcedendo, assim, a invocada excepção de caducidade


II.2.Fundamentação.

II.2.1.Dos Factos.

Os autos permitem considerar o seguinte circunstancialismo:
1.Em 12 de Dezembro de 2011, foi publicada a Lei n.º 62/2011, a qual criou um regime de composição de litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos.
2.No dia 12 de Dezembro de 2015, o INFARMED, I. P., publicou na sua base de dados dois pedidos de autorização de introdução no mercado (doravante “AIM”) para medicamentos genéricos Bortezumid, apresentados em nome da requerente T… (fls. 52 e 53).
3.No dia 7 de Janeiro de 2016, a requerida iniciou um processo arbitral contra a ora requerente T…, tendo nomeado como árbitro o Dr. M.., ao abrigo do artigo 10.º da L. A. V. (fls. 45 e segs.).
4.Uma vez que a demandada não nomeou árbitro, por despacho proferido no dia 7 de Março de 2016, o Tribunal da Relação, em substituição da requerente, designou como árbitro o Dr. C… (fls. 36 a 38).
5.O Senhor Árbitro Presidente foi escolhido por ambos os Árbitros das partes (fls. 55).
6.No dia 29 de Março de 2016, os árbitros assinaram a acta de instalação do Tribunal Arbitral (fls. 55 e segs.).
7.No dia 11 de Abril, a requerida/demandante apresentou requerimento no qual requereu ao Tribunal Arbitral várias alterações à acta de instalação, nomeadamente quanto ao objecto do litígio (fls. 68).
8.Em 27 de Abril de 2016, o Tribunal Arbitral anuiu ao que fora requerido pela demandante (fls. 68 e 69).
9.No dia 5 de Maio de 2016, a requerente juntou procuração a favor dos seus mandatários (fls. 43), tendo requerido informação sobre o estado do processo e comunicações entre árbitros e partes (fls. 46 e 47).
10.A demandante requereu ainda que a notificação para apresentar petição inicial fosse dada sem efeito (fls. 68 e 69).
11.No dia 27 de Abril de 2016, a demandante voltou a ser notificada para apresentar petição inicial, a qual apresentou no dia 1 de Junho (fls.).
12.A demandada apresentou contestação (fls. 80 e segs.).
13.A demandante respondeu às excepções (fls. 168 e segs.).
14.O Senhor Árbitro Presidente não apresentou qualquer declaração de independência (fls. 410, n.º 80).
15.Em 17 de Junho de 2016, a demandada apresentou um requerimento de prorrogação de prazo para apresentação de contestação.
16.Desta vez, nesse mesmo dia, o Tribunal Arbitral decidiu notificar a demandante para se pronunciar sobre o referido requerimento.
17.No dia 30 de Junho de 2016, o Tribunal Arbitral proferiu despacho no qual concedeu a prorrogação de prazo requerida.
18.Em 6 de Setembro de 2016, a demandada deduziu contestação na qual impugnou a acção deduzida pela demandante.
19.Em 21 de Setembro de 2016, a demandante requereu a intervenção da sociedade T…, Lda. (fls. 141 e segs.), requerimento a que Em 7 de Outubro de 2016, a demandada respondeu (fls. 154 e segs.).
20.Em 10 de Outubro de 2016, a demandante apresentou resposta, na qual peticionou que fossem julgadas improcedentes as excepções deduzidas (fls. 168 e segs.).
21.No dia 14 de Novembro de 2016, o Tribunal Arbitral relegou para momento posterior a apreciação do pedido de intervenção da T…, Lda. (fls. 230 e segs.).
22.Neste despacho, consta que o mesmo “resultou de deliberação unânime dos membros do Tribunal” (fls. 252).
23.E no despacho saneador, o T. A. indeferiu todas as excepções deduzidas pela demandada (fls. 230 e segs.).
24.Nesse despacho, constam expressões como “recorrer ao subterfúgio, consistente em requerer a concessão imediata de AIM para, suscitando a reacção do titular dos direitos exclusivos, atacar por via oblíqua a validade da patente (...)”, só se estranha que, apenas agora, já depois da caducidade da Ep…, se tenha lembrado de lançar mão desse expediente (…) (fls. 247), e “Todavia, essa decisão, mesmo que favorável aos interesses da Demandada, não implicará, só por si, a improcedência de todos os pedidos da Demandante” (fls. 249).
25.Em 7 de Dezembro de 2016, a demandada interpôs recurso do despacho saneador (fls. 253 e segs.), tendo sido proferido despacho em 12/01/2017, pelo qual se veio a indeferir o chamamento da T…., no qual também consta que, apesar de assinado apenas pelo Senhor Árbitro Presidente, resultou da deliberação unânime dos membros do Tribunal (fls. 299 a 304).
26.No dia 16 de janeiro de 2017, o Tribunal Arbitral proferiu despacho a rejeitar parcialmente o recurso interposto (fls. 305 e 306).
27.Por requerimento de 30 de Janeiro, a demandada informou o Tribunal de que, por não ser a titular de AIM no apreço dos autos, o que era do conhecimento da demandante há mais de um ano e dos Exm.ºs Senhores Árbitros há vários meses, não dispunha de dossier actualizado, porquanto o proprietário do dossier AIM é titular da AIM, empresa estranha aos presentes autos (fls. 307 e 308).
28.O Senhor Presidente do Tribunal Arbitral proferiu um despacho, em que referiu, nomeadamente, que: “É óbvio que [a Demandada] terá seguramente acesso a cópia dos documentos cuja junção foi solicitada pela Demandante. Até porque a actual titular de tais AIMs é uma sociedade pertencente ao mesmo grupo empresarial, sociedade essa que, nos seus articulados, a demandada chega a podar de sua «empresa local» ou de sua «sucursal nacional». Posto o que antecede, o Tribunal considera despiciendo convencer a demandada nos termos em que a requereu, uma vez que se mostra absolutamente evidente que a demandada não pretende prestar a colaboração que foi requerida pela demandada.”. Deste despacho, apesar de subscrito pelo Senhor Árbitro Presidente, consta ter resultado de deliberação unânime dos membros do Tribunal (fls. 310).
29.No dia 22 de Fevereiro de 2017, a demandada requereu que o Senhor Árbitro Presidente prestasse um conjunto de esclarecimentos com base em factualidade que, na sua óptica, poderia inquinar a sua independência (fls. 313 e segs.). São os seguintes os pedidos de esclarecimento formulados pela Requerente (fls. 319 a 320):
a)-“Qual o número total e actualizado de arbitragens em que participa ou participou, ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro?
b)-Qual o número total e actualizado de arbitragens em que as Demandantes são ou foram representadas pela sociedade A…. ou algum dos seus associados?
c)-A quanto ascende o montante total bruto auferido com essas arbitragens?
Esclarecimento: Qual “o montante total facturado, quer pelo   Exm.º Senhor P…, quer pela sociedade de advogados P…, com as arbitragens iniciadas ao abrigo da Lei n.º 62/2011[2], incluindo processos que ainda não estão findos, ou seja, nos 38 processos em que foi nomeado como árbitro presidente e, em particular, nos processos em que as demandantes são representadas pela sociedade de advogados A…?
d)-O montante total bruto auferido com essas arbitragens corresponde a que percentagem dos rendimentos auferidos enquanto sócio da sociedade de advogados P…?
e)-O montante total bruto auferido com essas arbitragens corresponde a que percentagem da facturação da sociedade de advogados P…, que se sabe ser uma sociedade relativamente pequena?
f)-No âmbito dessas arbitragens, quais os montantes que foram depositados em contas da sociedade de advogados P… para posterior entrega aos árbitros nomeados pelas partes?
g)-Qual o tempo médio decorrente entre tais depósitos e o efectivo pagamento dos honorários aos árbitros nomeados pelas partes?
h)-Em quantos processos arbitrais foi nomeado como «árbitro de parte» por intermédio da sociedade de advogados A… em matérias não relacionadas com a Lei n.º 62/2011?
Esclarecimento: Em que datas foi nomeado como «árbitro de parte» em processos não relacionados com a Lei n.º 62/2011 por partes representadas pela sociedade de advogados A…?
i)- A quanto ascende o montante total facturado pela sociedade P… no âmbito desses processos?
Esclarecimento: em que datas é que recebeu pagamentos no âmbito dos processos acima referenciados e o montante de cada um desses pagamentos?
j)-Se existe alguma colaboração profissional com a sociedade de advogados A… ou alguma relação pessoal de especial amizade ou parentesco com algum dos seus sócios, associados ou colaboradores?
k)-Uma vez que é sócio da sociedade de advogados P…, pergunta-se se essa sociedade tem algum cliente que seja produtor, distribuidor ou comerciante de medicamentos, ou que seja titular de patentes ou certificados complementares de protecção relativas a medicamentos?
Esclarecimento: Qual é a sociedade produtora de medicamentos a que a sociedade P… presta serviços e qual é a sociedade distribuidora de medicamentos a que o Exm.º Senhor Professor P… presta serviços?
l)-Em caso afirmativo, como se reparte a percentagem dos honorários cobrados a esses clientes na facturação anual da sociedade advogados P…?
m)-Se já alguma vez, enquanto Árbitro Presidente do Tribunal Arbitral, disponibilizou à sociedade A…documentos obtidos noutras arbitragens, ainda não publicados?
n)-Se já trocou impressões ou debateu o presente processo, presencial ou telefonicamente, com advogados da A…., sem a presença da demandada ou dos seus mandatários?
o)-Qualquer outro facto que «aos olhos das partes» possa suscitar dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência?”

30.No dia 2 de Março de 2017, o Senhor Árbitro Presidente prestou os esclarecimentos  de fls. 321 a 325, dizendo, além do mais que:
Desde Novembro de 2012, até à presente data o signatário teve intervenção em 38 tribunais arbitrais arbitrais constituídos nos termos da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, sempre na qualidade de Presidente escolhido pelos demais árbitros;
Intervieram nesses tribunais 40 árbitros diferentes (sem contar com o signatário
O número total dessas arbitragens em que as demandadas são ou foram representadas pela Sociedade B… ascende a 22, (encontrando-se já findas 14). O que significa que o número de arbitragens ainda em curso em que as partes são representadas pelas duas referidas sociedades é mais ou menos equivalente (10 e 8 respectivamente).
Com a totalidade das 25 arbitragens já concluídas, a P.,.. recebeu a título de honorários devidos pelas funções do signatário, o montante de €158.895,00, o que corresponde a uma média de €6.358,00 por arbitragem e a uma média mensal de € 3.056,00 (tendo em conta o lapso de tempo decorrido entre Novembro de 2013 e Fevereiro de 2017).
Não existe qualquer relação entre o que o signatário aufere enquanto sócio da  P…  e os montantes que esta sociedade recebeu a título de honorários devidos pelas funções de Árbitro Presidente nas arbitragens em apreço. (…) O signatário desempenha funções fora do âmbito da sociedade da Advogados em causa (é, nomeadamente Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade …. da mesma Universidade), sendo certo que o valor mensal auferido pela P….  em consequência das funções que aquele exerceu nas mencionadas arbitragens constitui um valor pouco significativo, quando comparado com a remuneração média que o mesmo recebeu, mensalmente durante os anos de 2012 a 2016.
Correspondendo seguramente a menos de 5% do valor mensal médio facturado pela sociedade de advogados da mesma sociedade, entre Janeiro de 2013 e Fevereiro de 2017.
Exercendo a profissão de advogado há mais de 30 anos e sendo docente universitário há mais de 30 anos, o signatário foi ao longo de todo esse período de tempo, designado por (…) duas vezes como árbitro de parte, (…) por entidades representadas pela A….
Entidade com a qual não tem qualquer colaboração profissional, e a quem não prestou quaisquer serviços, muito embora um dos sócios desta sociedade seja colega do signatário na FDUCP e, há mais de dez anos, chegou a ser sócio do signatário.
Existem dois clientes da P… que comercializam medicamentos, sendo um deles igualmente produtor mas a quem o signatário  não presta ou prestou quaisquer serviços. De qualquer modo, a esse cliente, a sociedade presta serviços essencialmente sobre matérias societárias e relativas a dados pessoais, quanto ao outro cliente, trata-se de um apequeno distribuidor de medicamentos, desconhecendo o signatário, em concreto, quais são.
A percentagem de honorários cobrada a esses clientes pela P...é inferior a 1,5% dos honorários por ela cobrados.
Não existe qualquer outro facto ou circunstância que aos olhos das partes – segundo o signatário – pudesse fundadamente justificar dúvidas dessa natureza.  
    
31.A requerente veio a considerar estes esclarecimentos insuficientes.
32.Foi deduzido incidente de recusa do Senhor Árbitro Presidente (fls. 326 e segs.).
33.O Tribunal Arbitral pronunciou-se sobre este incidente em 28 de Maio de 2017, por deliberação unânime dos membros do Tribunal (fls. 359 e segs.).

34.Veio a ser proferida decisão final pelo Tribunal Arbitral no âmbito da qual se deliberou (fls. 421, máxime fls. 441 v. e 442):
a)-Condenar a Demandada a abster-se de, no território português, ou com vista à comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos, contendo como princípio activo o Bortezumib, identificado no artigo 154.º da petição inicial e na al. AAAA) do elenco dos factos assentes ou, sob esta ou qualquer outra designação ou marca, qualquer outro medicamento contendo Bortezumib, como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, enquanto o CPP 165 se encontrar em vigor;
b)-Condenar a demandada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos, contendo como princípio activo o Bortezumib, identificado no artigo 154.º da petição inicial e na al. AAAA) do elenco dos factos assentes, fabricados sobre os processos constantes das patentes EP…e EP2…, enquanto as mesmas patentes se encontrarem em vigor;
c)-Absolver a demandada do pedido de proibição de transmissão das AIMs por ela requeridas e identificadas no artigo 154.º da P. I. e na al. AAAA) do elenco dos factos assentes;
d)-Condenar a demandada a pagar à demandante uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 25.000,00 por cada dia de atraso no pagamento das condenações constantes das alíneas a) e b), se tal se vier a suceder;
e)-Repartir os encargos da presente arbitragem na proporção de 70% para a demandada e 30% para a demandante (…)”.

35.A requerente e demandada veio insistir no esclarecimento pelo Senhor Árbitro Presidente das seguintes questões que considera terem ficado por esclarecer (fls. 445 a 447):
a.-Em que datas foi nomeado como «árbitro de parte» em processos não relacionados com a Lei n.º 62/2011 por partes representadas pela sociedade de advogados A...?
b.-Em que datas é que recebeu pagamentos no âmbito dos processos acima referenciados e o montante de cada um desses pagamentos?
c.-Qual é a sociedade produtora de medicamentos a que a sociedade P...presta serviços?
d.-Qual é a sociedade distribuidora de medicamentos a que o Exm.º Senhor Professor P... presta serviços?
e. Qual o montante total facturado, quer pelo Exm.º Senhor P..., quer pela sociedade de advogados P…, com as arbitragens iniciadas ao abrigo da Lei n.º 62/2011, incluindo processos que ainda não estão findos, ou seja, nos 38 processos em que foi nomeado como árbitro presidente e, em particular, nos processos em que as Demandantes são representadas pela sociedade de advogados A...?

36.O Senhor Árbitro Presidente, em 18 de Abril de 2017, prestou os esclarecimentos que constam de fls. 448 a 450.
37.Em 10 de Janeiro de 2017, o Tribunal Arbitral, por deliberação unânime (fls. 452), proferiu despacho reiterando a determinação de notificação da demandada a fim de juntar aos autos os documentos requeridos pela demandante.
38.Em 10 de Agosto de 2017, a demandada, invocando o artigo 30.º, n.º 1, da L. A. V., e 3.º do C. P. C., veio informar estar pendente prazo para a interposição de recurso da sentença arbitral proferida nos autos, reiterando a pretensão de recusa do árbitro e, bem assim, a intimação judicial do Senhor Árbitro Presidente (fls. 630 a 637) para que divulgue:
a)-Qual o montante total facturado à sociedade de advogados P.…, por ordem do Senhor Árbitro Presidente, nas arbitragens iniciadas ao abrigo da Lei 62/2011?
b)- Quando é que o Senhor Árbitro Presidente foi nomeado na qualidade de Árbitro de parte por clientes representados pela sociedade de advogados A….?
c)- Quando é que o Senhor Árbitro Presidente auferiu as quantias que perfizeram €80000 pela sua nomeação na qualidade de árbitro de parte por clientes da sociedade A…?
d)- Quais são as empresas farmacêuticas representadas pela sociedade de advogados do Senhor Árbitro Presidente?

II.2.2.Apreciação Jurídica.

Importa resolver as seguintes questões:
- releva como recusa e violação deliberada a omissão do dever de revelação por parte do Senhor Árbitro Presidente;
- o Senhor Árbitro Presidente adoptou um comportamento processual não equidistante;
- há risco de dependência económica do Senhor Árbitro Presidente

Estamos perante uma acção de que o Tribunal da Relação decide em primeira instância.

O direito de recusa do árbitro traduz-se num direito potestativo de que as partes podem lançar mão.

A parte que o invoca terá de alegar e provar os fundamentos de recusa (art.º 14º, nº 2, da LAV) que se prendem com a existência de fundadas dúvidas sobre a independência e a imparcialidade do árbitro (segundo um critério objectivo do ‘bom pai de família’) ou com a falta de qualificações convencionadas pelas partes (art.º
13º, nº 3, da LAV).

Vejamos, então, as questões suscitadas nos autos

Quanto à questão de saber se releva como recusa e violação deliberada a omissão do dever de revelação por parte do Senhor Árbitro Presidente de que a demandada pretende prevalecer-se

Como se tem dito, o incumprimento do dever de revelação e os factos e as circunstâncias reveladas não constituem em si qualquer fundamento de desqualificação do árbitro; eles apenas podem constituir indícios, a serem explorados e desenvolvidos pelas partes, dos fundamentos de recusa[3].

Na análise das questões relativas ao dever de revelação e da recusa de árbitro há que ter em conta o contexto em que foram desenvolvidos os instrumentos de ‘quase-direito’ aplicáveis e em que o concreto conflito se desenvolve.

Assim o enquadramento normativo desta temática, há-de ser pesquisado não apenas na LAV mas também nos instrumentos de ‘quase-direito’ relevantes para o presente caso e de cujo levantamento nos dá conta o Acórdão TRL citado[4].

Na busca desses mesmos parâmetros, acolhemos aqui o exercício plasmado no mesmo aresto do qual se destaca a primordial obrigação de quem seja apontado como árbitro a realização de uma diligente auto-avaliação, em face das concretas circunstâncias do litígio a resolver, no sentido de aferir se se encontra em condições de exercer as funções de árbitro com independência (relativamente ás partes, potenciais testemunhas e restantes árbitros) e imparcialidade, se possui os conhecimentos exigíveis a quem seja chamado a dirimir o litígio em causa e se tem capacidade para devotar tempo e atenção ao processo para que este decorra com a celeridade que as partes razoavelmente podem contar. Só no caso de uma avaliação positiva relativa a todas essas circunstâncias o proposto árbitro se encontra em condições de aceitar o encargo; em caso contrário o seu dever é de recusar a nomeação[5].

Essa avaliação deve ser feita numa tríplice perspectiva:
a perspectiva pessoal do proposto árbitro. Ele deve considerar se se sente pessoalmente capaz, nas concretas circunstâncias do caso e segundo os seus critérios subjectivos de satisfazer as exigências do cargo. (…) É, ainda necessário (…) que esse juízo positivo sobre a satisfação das exigências do cargo surja também como formulado por um ‘bom pai de família’ (…) colocado nas mesmas circunstâncias. Numa formulação negativa, se os concretos factos e circunstâncias do caso de um ponto de vista de um ‘bom pai de família’ conhecedor desses mesmos factos e circunstâncias forem susceptíveis de lhe levantar fundadas dúvidas sobre a satisfação das exigências do cargo, nomeadamente quanto à independência e imparcialidade, então o proposto árbitro não deve aceitar o encargo, ainda que pessoalmente se entendesse em condições de o fazer
[6].

(…) Exige-se, ainda, ao proposto árbitro que (…) tenha também em consideração (…) a existência de todos os factos ou circunstâncias que possam originar, na perspectiva das partes (‘in the eyes of the parties’), fundadas dúvidas quanto à sua imparcialidade e independência. Não já como causa de impedimento à aceitação do encargo, que se tem por inverificado, mas como causa de um dever de revelação[7].
Esse dever de revelação surge, por um lado, como um teste à imparcialidade (enquanto capacidade de atentar de forma neutra, sem predeterminação ou preconceito, mas efectiva na posição das partes e na sua apresentação do caso) do proposto árbitro e, por outro lado, como corolário da transparência inerente ao processo equitativo com o propósito de “to allow the parties to judge whether they agree with the evaluation of the arbitrator and, if thay so wish, to explore the situation further”’[8],[9].
(…)


Aliás, como se diz no citado aresto, o conceito de ‘perspectiva das partes’ não significa arbitrariedade das partes; que fique na inteira disponibilidade das partes definir os factos e circunstâncias elegíveis e o seu grau de relevância na mais absoluta subjectividade e arbitrariedade (até porque não é exigível a ninguém, nomeadamente ao proposto árbitro, o exercício de se ‘meter na cabeça’ das partes e com elas se identificar tão profundamente). Como qualquer conceito operativo ele deve situar-se dentro de limites de razoabilidade[10].
(…) agindo segundo padrões de normalidade comportamental e segundo a experiência comum de vida, usando de normal diligência, prudência e boa-fé, colocada nas e com conhecimento das concretas circunstâncias do caso, tomaria.

Trata-se de um conceito similar aos conceitos de ‘perito na especialidade’ usado no direito das patentes, de ‘público relevante’ utilizado no direito das marcas e de ‘declaratário normal’ utilizado na interpretação das declarações negociais.

A menção a todos os factos e circunstâncias deve ser entendida como uma referência à necessidade de diligência na identificação e selecção dos factos e circunstâncias que devem ser considerados. Essa análise deve ser rigorosa, exaustiva e completa, com a presunção de relevância em caso de dúvida[11].

Mais complexo se mostra definir os factos e circunstâncias que possam originar dúvidas fundadas.
(…)
 ‘Dúvida fundada’ é aquela que se apresenta com uma forte probabilidade de se tornar em certeza; de se vir a demonstrar a suspeita nela contida. E isso porque diz respeito a aspectos fundamentais da independência e imparcialidade e se baseia em factos sérios.

Também aqui há que fazer apelo aos limites da razoabilidade (…) e objectividade, salientando-se  que em alguns dos referidos instrumentos de ‘quase-direito’ são excluídas do dever de revelação diversas situações onde não existe conflito de interesse de um ponto de vista objectivo[12].

E acrescenta-se que susceptíveis de poder afectar a independência e a imparcialidade dos árbitros são circunstâncias relativas às relações profissionais ou pessoais dos árbitros com as partes e os seus representantes ou mandatários, interesses económicos ou financeiros do árbitro no objecto do litígio ou o conhecimento prévio pelo árbitro do objecto de litígio[13].

As Guidelines da IBA expressamente referem que foram desenvolvidas perante a constatação de uma “increased complexity in the analyses of disclosure and conflict of interest issues” e de que “parties have more opportunities to use challenges of arbitrators to delay arbitrations, or to deny the opposing party the arbitrator of its choice”, tendo em vista “to promote greater consistency and to avoid unnecessary challenges and arbitrator withdrawals and removals” e alcançar uma justa composição da “tension between, on the one hand, the parties’ right to disclosure of circumstances that may call into question an abitrator´s impartiality or independence in order to protect the parties’ right to a fair hearing, and, on the other hand, the need to avoid unnecessary challenges against arbitrators in order to protect the parties’ ability to select arbitrators of their choosing”[14].

Por seu turno, as Recomendaciones del Club Español del Arbitraje relativas a la Independencia e Imparcialidad de los Árbitros deixam a a seguinte advertência: “La total transparência genera también el riesgo del abuso. Una parte que quiera torpedear el arbitraje puede utilizar la información facilitada para justificar una recusasión improcedente. Por esta razón, los órganos que deben decidir sobre la recusación (árbitros, cortes de arbitraje y, en última instancia, los jueces) deben cerrar el passo a estas tácticas: no toda circunstancia revelada constituye causa válida de recusación, sino que pesa sobre el recusante la carga de probar que, valorando en conjunto todos los aspectos del caso, existe una circunstancia que efectivamente afecta la independencia o imparcialidade del árbito[15].

Por outro lado, ainda, haverá de ter em consideração que as Guidelines da IBA foram estabelecidas para a arbitragem internacional e, por conseguinte, haverá lugar a adaptações das mesmas quando se aplicam a arbitragens nacionais/domésticas/internas. Há necessidade de questionar se as razões de ser do estabelecido nas Guidelines se mantêm ou não no caso de arbitragens nacionais/domésticas/internas[16].

Com efeito, a arbitragem internacional refere-se a litígios entre pessoas pertencentes a distintos espaços soberanos, onde as partes e os árbitros ficam entregues a si próprios por inexistir uma autoridade supra partes, onde estão envolvidas, as mais das vezes, diversas entidades, ligadas por plúrimos, diversificados e complexos instrumentos contratuais, e interesses económicos de muito elevado montante. Pressupõe, por isso, o mais alto grau de profissionalismo dos árbitros intervenientes, o que leva a um acréscimo de rigor no que diz respeito às exigências e garantias de independência e imparcialidade.

Necessidades essas que se não mostram tão acuradas e
pertinentes relativamente às arbitragens nacionais / domésticas / internas).

Como se disse, para que possa ocorrer a recusa de árbitro com fundamento na omissão do dever de revelação é necessário que nesse incumprimento se manifestem circunstâncias donde se possam extrair indícios que permitam, objectivamente, fundar um juízo de afectação da independência e imparcialidade. Isto é, naqueles casos extremos em que a omissão de revelação se refira a circunstância tão fundamental que, por si só, revela afectação da independência ou imparcialidade, nos termos dos supra referenciados parâmetros.

In casu

O árbitro recusando é o árbitro presidente cuja escolha compete, nos termos do art.º 10º, nº 3, da LAV, aos demais árbitros e não as partes.

A demandada estriba o fundamento da recusa basicamente em que o Senhor Árbitro Presidente recusou deliberadamente prestar informações às partes, o que gera fundada dúvida sobre os motivos que subjazem a tal recusa, com violação do artigo 11/2 do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, de 2014, aplicável ex vi artº 12 da Acta de Instalação.

Aqui se refere que qualquer pessoa que aceite integrar um tribunal arbitral deve assinar a declaração prevista no artigo anterior, em que dê a conhecer quaisquer circunstâncias que possam, na perspectiva das partes, originar dúvidas fundadas a respeito da sua independência, imparcialidade ou disponibilidade…

Acontece que o Senhor Árbitro Presidente respondeu pontualmente a todas as questões que lhe foram colocadas pela demandada, nada resultando que à luz dos parâmetros atrás enunciados possa integrar a violação do dever de revelação de modo a justificar a recusa de árbitro com esse fundamento.
Remete-se aqui também, para o que atrás dissemos quanto à pretendida reiteração de que o senhor Árbitro Presidente prestasse esclarecimentos complementares.

Com efeito, da leitura das respostas do mesmo Senhor Árbitro, nada detectamos que possa apontar para a existência de qualquer facto ou circunstância passíveis de quebrar os princípios da imparcialidade e da independência, os quais funcionam como critério de convergência na leitura dos fundamentos da recusa (facto nº 31).

Mesmo o facto de não ter especificadamente respondido a pedidos de esclarecimento posteriores não constitui critério constituinte do fundamento da recusa, de modo a deferir a pretensão da requerente já que se é verdade que na Explanation to General Standard 3 das Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association se associa o dever de revelação ao interesse das partes em ‘being fully informed’ não cremos que tal deva ser interpretado de forma extremamente rigorosa ao ponto de se exigir uma particular minudência e especialidade na descrição dos factos ou circunstâncias, bastando um enunciado apropriado a que as partes possam dequadamente ‘if thay so wish , to explore the
situation further’ (cf. supra §§ 55-59).

Nestes termos, entende-se que, com base no fundamento em apreço, não há qualquer indício de quebra da independência e imparcialidade exigíveis ao Senhor Árbitro Presidente.

Quanto à questão de saber se o Senhor Árbitro Presidente adoptou um comportamento processual não equidistante


Entre os fundamentos aduzidos pela Demandada relativamente a esta questão, é alegado que foi decidido pelo Tribunal Arbitral relegar para ulterior momento a requerida intervenção como co-demandada da T…, Lda.; o indeferimento de todas as excepções deduzidas pela Demandada na oposição; e a utilização de expressões como “recorrer ao subterfúgio”, “atacar por via oblíqua”, “lançar mão desse expediente” e “todavia, essa decisão, mesmo que favorável aos interesses da Demandada, não implicará, só por si, a improcedência de todos os pedidos da Demandante”.

Antes de mais nada, importa dizer que as decisões dos tribunais, quer sejam judiciais, quer se incluam no âmbito dos meios alternativos de resolução de litígios – como acontece com os tribunais arbitrais – precisamente como corolário da sua independência, não devem obediência senão à lei, e por isso não lhes poderá ser assacada quebra da imparcialidade pela parte que decai no âmbito das respectivas decisões que lhes sejam desfavoráveis.

Além disso, afigura-se-nos ser totalmente inconsistente a fundamentação da demandada, na medida em que o documento n.º 15 não consiste numa decisão do Senhor Árbitro Presidente mas num despacho que “resultou de uma deliberação unânime dos membros do Tribunal” (fls. 230 a 252).
E precisamente esta última asserção não foi minimamente questionada pela demandada, que, por isso, se terá de presumir que com ela se conformou.

Em todo o caso, não se vê que estas expressões pudessem ter qualquer alcance passível de afectar ou quebrar a imparcialidade exigível ao Senhor Árbitro Presidente, enquanto subscritor de tal deliberação colectiva, a qual, como não podia deixar de ser, abarca também o Árbitro da própria demandada (não obstante se tratar, neste caso, de um árbitro nomeado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa).
O mesmo se diga da alusão que a demandada valoriza a “empresa local” ou “sucursal em Portugal”, já que também o documento de fls. 299 a 310 que corporiza um despacho do Senhor Árbitro Presidente, resulta de uma deliberação unânime do Tribunal Arbitral.

Também se afigura destituída de fundamento a alusão a que o Senhor Árbitro Presidente manifestou para com a posição da demandada “indisfarçável aversão (…) dirigindo-lhe um despacho da sua autoria exclusiva contendo  [nomeadamente] as seguintes considerações: (…) é obvio que terá seguramente acesso a cópia dos documentos cuja junção foi solicitada pela demandante. Até porque actual titular de tais AIMs é uma sociedade pertencente ao mesmo grupo empresarial, sociedade essa que nos mesmos articulados a demandada chega a apodar de sua «empresa local» ou de sua «sucursal nacional».
(…)
“Posto o que antecede, o tribunal considera despiciendo convencer a demandada, nos termos em que a requereu, uma vez que se mostra absolutamente evidente que a demandada não pretende prestar a colaboração que foi requerida pela demandante.

Também este despacho do Exm.º Senhor Árbitro Presidente (doc. n.º 20), constante de fls. 309 a 310, resultou de uma deliberação unânime dos membros do Tribunal, pelo que ao não ser posta em crise também a equidistância e independência de todos os Senhores Árbitros, incluindo da demandada, perde, a nosso ver, qualquer sentido a sua focalização tão-só na pessoa do Senhor Árbitro Presidente.
Seja como for, não se vê que tais alusões, em termos objectivos, extravasem o mero campo consentido pela análise crítica das circunstâncias processuais, mas nunca um exercício de funções com quebra da imparcialidade.

A demandada afirma ainda, neste âmbito, que o Senhor Árbitro Presidente revelou animosidade para com a sua posição, a qual fundamenta na circunstância de a demandante não ter sido alvo de “considerações ou tão semelhantes, mesmo quando se tornou evidente que esta sabia desde janeiro de 2016 que a titular proposta das AIMs era outra empresa e deliberadamente manteve dois processos pendentes relativamente às mesmas AIMs num claro exercício de «fórum shopping» ilegal, do conhecimento deste tribunal arbitral”.

Não nos parece que tenha sido alegada qualquer situação passível do juízo comparativo entre o comportamento processual de ambas as partes.
Não vá, todavia, sem se dizer que a pretensão da demandante no sentido da intervenção da T…, Lda., nem sequer ter ainda sido objecto de decisão, por ter sido relegada para momento ulterior.

Acresce que a requerente não especifica quais as sugestões de prova que entendeu por pertinentes e que deveriam ter sido objecto de acolhimento por parte do Senhor Árbitro Presidente, sendo certo que o documento n.º 21 para que remete (fls. 311), e que corporiza o despacho de 3 de Fevereiro de 2017, no n.º 2 da parte decisória, convida expressamente “as partes a requerer, dentro do prazo de 10 dias a contar da notificação do presente despacho, as diligências complementares de prova que reputem necessárias”.
Verifica-se, assim, que o Senhor Árbitro presidente estendeu a possibilidade de as partes complementarem os seus requerimentos de prova.
Fica, pois, patente a inexistência de qualquer quebra da imparcialidade.

Queixa-se ainda a demandada que o Senhor Árbitro, recusando, decidiu em causa própria na decisão que indeferiu a recusa requerida.

A recusa de árbitro traduz-se num incidente deduzido no contexto do processo arbitral.
E nos termos da Lei da Arbitragem Voluntária, uma vez instalado o tribunal arbitral, é a este que compete decidir sobre as pretensões das partes suscitadas no âmbito do mesmo processo, sem prejuízo naturalmente do direito ao recurso e das acções que possam ter lugar, como por exemplo a presente acção, em que o Tribunal da Relação decide em primeira instância.
A este propósito, dispõe expressamente o artigo 14.º, n.º 2, da L. A. V., que os motivos da recusa devem ser expostos por escrito ao tribunal arbitral, o qual é incontornavelmente constituído pelo árbitro recusando.
Portanto, a crítica da decisão em causa própria não tem cabimento fora do quadro da crítica ao legislador.
Improcede, pois, a questão da falta de equidistância.

Quanto à questão de saber se há risco de dependência económica do Senhor Árbitro Presidente

O sentido da questão recorta-se, como é óbvio, no mesmo contexto de captura da independência e imparcialidade do senhor Árbitro.
 
A este propósito, a demandada convoca uma série de argumentos, baseando-se inclusivamente na circunstância de que:
Resultou manifesto [que] o montante de honorários revelado pelo Senhor Árbitro Presidente não corresponde à totalidade das quantias recebidas no âmbito de processos envolvendo clientes da sociedade A...;
Os processos pendentes ficaram de fora das contas do Senhor Árbitro Presidente;
Acresce que o Senhor Árbitro Presidente recebeu € 80.000,00 no âmbito de processos envolvendo empresas representadas pela A… no âmbito de outros processos arbitrais não relacionados com patentes, no qual o Senhor Árbitro Presidente foi nomeado como árbitro de parte;
Não é difícil concluir que, incluindo-se os processos arbitrais pendentes e aqueles em que foi nomeado árbitro de parte, nos últimos quatro anos, o Senhor Árbitro Presidente auferiu honorários em processos envolvendo clientes da sociedade de advogados A..., e por seu intermédio, num montante que oscila entre € 310.000,00 e € 360.000,00.
Ou, dito de outra forma, o montante médio mensal auferido pelo Senhor Árbitro Presidente com as referidas arbitragens entre 2013 e 2017 oscila entre € 6.458,00 e € 7.500,00.
Não se poderá deixar de salientar que todas as Demandantes nos processos arbitrais iniciados à luz da Lei n.º 62/2011 prosseguem os mesmos interesses: proteger os seus direitos de propriedade industrial, evitando que sejam lançados medicamentos genéricos durante o período de vigência dos mesmos direitos.
Em termos sintéticos, a demandada valoriza a alegada “extensão do número de nomeações, valores recebidos, o facto de na pendência dos processos arbitrais ao abrigo da Lei n.º 62/2011 [o Senhor Árbitro Presidente] ter sido nomeado por duas vezes como árbitro de parte por empresas representadas pela A...e o montante ali auferido ser mais de metade do montante recebido nas arbitragens da Lei n.º 62/2011, correspondem a circunstâncias, que aos olhos da Requerente, poderão revelar uma dependência económica que não poderá ser ignorada.”.

Todavia, tais asserções estão inteiramente por demonstrar, já que como atrás ficou explanado, é à parte que cumpre o ónus de provar as circunstâncias que abalam a independência dos Senhores Árbitros, sendo certo que tal objectivo não foi logrado.

Mais nem sequer seria pertinente acolher os esclarecimentos complementares por parte do Senhor Árbitro Presidente, nos termos que se deixaram supra explanados.

Na verdade, o Senhor Árbitro esclareceu, sobre estas matérias, e conforme resulta do facto n.º 31, além do mais que:
- Desde Novembro de 2012, até à presente data o signatário teve intervenção em 38 tribunais arbitrais constituídos nos termos da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, sempre na qualidade de Presidente escolhido pelos demais árbitros;
- Intervieram nesses tribunais 40 árbitros diferentes (sem contar com o signatário
- O número total dessas arbitragens em que as demandadas são ou foram representadas pela Sociedade B… ascende a 22, (encontrando-se já findas 14). O que significa que o número de arbitragens ainda em curso em que as partes são representadas pelas duas referidas sociedades é mais ou menos equivalente (10 e 8 respectivamente).
- Com a totalidade das 25 arbitragens já concluídas, a P...recebeu a título de honorários devidos pelas funções do signatário, o montante de €158.895,00, o que corresponde a uma média de €6.358,00 por arbitragem e a uma média mensal de € 3.056,00 (tendo em conta o lapso de tempo decorrido entre Novembro de 2013 e Fevereiro de 2017).
- Não existe qualquer relação entre o que o signatário aufere enquanto sócio da P...e os montantes que esta sociedade recebeu a título de honorários devidos pelas funções de Árbitro Presidente nas arbitragens em apreço. (…) O signatário desempenha funções fora do âmbito da sociedade da Advogados em causa (é, nomeadamente Professor Auxiliar da Faculdade de Direito …., sendo certo que o valor mensal auferido pela P...em consequência das funções que aquele exerceu nas mencionadas arbitragens constitui um valor pouco significativo, quando comparado com a remuneração média que o mesmo recebeu, mensalmente durante os anos de 2012 a 2016.
- Correspondendo seguramente a menos de 5% do valor mensal médio facturado pela sociedade de advogados da mesma sociedade, entre Janeiro de 2013 e Fevereiro de 2017.
- Exercendo a profissão de advogado há mais de 30 anos e sendo docente universitário há mais de 30 anos, o signatário foi ao longo de todo esse período de tempo, designado por (…) duas vezes como árbitro de parte, (…) por entidades representadas pela A....
- Entidade com a qual não tem qualquer colaboração profissional, e a quem não prestou quaisquer serviços, muito embora um dos sócios desta sociedade seja colega do signatário na FD… e, há mais de dez anos, chegou a ser sócio do signatário.
- Existem dois clientes da P...que comercializam medicamentos, sendo um deles igualmente produtor mas a quem o signatário não presta ou prestou quaisquer serviços. De qualquer modo, a esse cliente, a sociedade presta serviços essencialmente sobre matérias societárias e relativas a dados pessoais, quanto ao outro cliente, trata-se de um pequeno distribuidor de medicamentos, desconhecendo o signatário, em concreto, quais são.
- A percentagem de honorários cobrada a esses clientes pela P...é inferior a 1,5% dos honorários por ela cobrados.
- Não existe qualquer outro facto ou circunstância que aos olhos das partes – segundo o signatário – pudesse fundadamente justificar dúvidas dessa natureza. 

Estes esclarecimentos que, não obstante as extrapolações da demandada, não foram por ela apodados de falsos, não apontam para qualquer indício de conflito de interesses passível de afectar a independência ou imparcialidade do Árbitro.

Com efeito, a participação em 38 tribunais arbitrais constituídos nos termos da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, sempre na qualidade de Presidente escolhido pelos demais árbitros, sendo certo que nessas arbitragens em que as demandadas são ou foram representadas pela B… ascende a 22, (encontrando-se já findas 14), revela – como refere o Senhor Árbitro Recusando –   que o número de arbitragens ainda em curso em que as partes são representadas pelas duas referidas sociedades é mais ou menos equivalente (10 e 8 respectivamente).

Como se assinala no Aresto da Relação de Lisboa que aqui seguimos de perto, “tem vindo a discutir-se no âmbito da arbitragem a desqualificação dos árbitros que sejam sucessivamente nomeados pelas mesmas partes ou advogados ou para inúmeras arbitragens congéneres, na medida em que tal circunstância é susceptível de criar ou, no mínimo, gerar uma aparência de falta de independência e imparcialidade.
“As Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association incluem na sua ‘orange list’ o facto de ter sido apontado como árbitro em duas ou mais ocasiões por uma das partes ou seu associado nos últimos três anos (ponto 3.1.3) e o facto de ser, ou ter sido nos últimos três anos, árbitro numa outra arbitragem sobre assunto semelhante (ponto 3.1.5). Mas logo abrem uma excepção para as múltiplas nomeações para os casos em que, face à especialidade da matéria, é prática corrente extrair os árbitros de um conjunto limitado ou especializado de pessoas, em que é dispensado o dever de revelação.”.
E no mesmo aresto, acrescenta-se que não obstante estarem presentes circunstâncias elencadas na “orange list”, essa existência não implica, “só por si, falta de independência ou imparcialidade, ou sequer presunção dessa falta”. Mais ainda, tem-se entendido ser de afastar a leitura do senso comum no sentido de que a nomeação sucessiva é “sinónimo de falta de independência e imparcialidade”.
Neste sentido, pode ler-se no mesmo Acórdão que não basta “a simples demonstração de múltipla nomeação para alcançar a recusa do árbitro, sendo antes necessária a alegação e prova de circunstâncias objectivas que tornem manifesta, ou seja óbvia ou evidente, a falta de independência ou imparcialidade; o que implica um relativamente pesado e exigente ónus da prova por banda da parte que invoca a recusa”.

A linha de fronteira que neste caso demarca os contornos da recusa será delimitada pela verificação de uma tal multiplicidade de nomeações que denote que o árbitro se descaracteriza, transmutando-se em juiz. Neste caso já não seria uma questão de quebra de independência ou de imparcialidade, mas de “falta da qualidade intrínseca de árbitro”.
Acresce que a demandada não logrou a prova do risco de dependência económica, até porque o Senhor Árbitro Presidente, além de advogado e sócio de uma sociedade de advogados, é também professor universitário na Faculdade de Direito da Universidade …., sendo de presumir que nessa qualidade aufere os correspectivos honorários.
Portanto, o problema da dependência económica terá de ser lido de uma forma alargada, visto que o problema não se poderia colocar no plano da mera sobrevivência.
Mais, o Senhor Árbitro Presidente esclareceu ter por “duas vezes [desempenhado funções] como árbitro de parte, (…) por entidades representadas pela A...”, e acrescentou que “não tem qualquer colaboração profissional [com esta entidade …], a quem não prestou quaisquer serviços, muito embora um dos sócios desta sociedade seja colega do signatário na F… e, há mais de dez anos, chegou a ser sócio do signatário”.

Indemonstrado que está o peso económico significativo nestas duas colaborações, a ponto tal de criar dependência económica, verifica-se que não podemos ter por verificada a mesma dependência económica apontada pela demandada.

Acresce ainda, neste âmbito, que o Senhor Árbitro esclareceu que “o valor mensal auferido pela P...em consequência das funções que aquele exerceu nas mencionadas arbitragens constitui um valor pouco significativo, quando comparado com a remuneração média que o mesmo recebeu, mensalmente durante os anos de 2012 a 2016. Correspondendo seguramente a menos de 5% do valor mensal médio facturado pela sociedade de advogados da mesma sociedade, entre Janeiro de 2013 e Fevereiro de 2017”.

Daqui decorre que não podemos valorizar como dependência económica uma tal percentagem.

O mesmo se diga do esclarecimento de que “o montante bruto facturado pela P...nas arbitragens a que se refere o número anterior não atinge o valor de € 80.000,00” (fls. 324).

Na verdade, muito embora, como é evidente, o valor de € 80.000,00 não seja um valor desprezível, tal valor terá sempre de ser lido na correlação com as demais fontes de rendimento do Senhor Árbitro Presidente e, bem assim, com os valores pelo mesmo auferido nas demais arbitragens.

Mas não é o critério do valor considerado em si mesmo, mas sim o do valor enquanto represente uma dependência económica que aqui não está demonstrada nem se vê, insiste-se, que pudesse ser demonstrável pelos esclarecimentos adicionais requeridos pela Demandada (fls. 35).

Não existe, pois, qualquer facto ou circunstância que seja passível de suscitar dúvida razoável sobre a integridade da independência e imparcialidade do Senhor Árbitro Presidente.
 

III.DECISÃO:

Termos em que, julgando a acção improcedente, por não provada, e, consequentemente se indefere o pedido de recusa de Árbitro formulado pela A.
Custas pela A..



Lisboa 3  de Outubro de 2017



(Maria Amélia Ribeiro)
(Dina Monteiro)
(Luís Espírito Santo)

           

[1]Proferido na apelação nº 581/16.7YRLSB-1, relatado pelo Excelentíssimo Desembargador Paulo Rijo Ferreira.  
[2]O Senhor Árbitro Presidente respondeu que: “O montante bruto facturado P… nas arbitragens a que se refere o número anterior não atinge o valor de € 80.000,00”.
[3]Explanation to General Standard 3 das Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association onde se pode ler: “It is hoped that the promulgation of this General Standard will eliminate the misconception that disclosure itself implies doubts sufficient to disqualify the arbitrator, or even creates a presumption in favour of disqualification. Instead, any challenge should only be successful if an objective test, as set forth in General Standard 2 above, is met. Under Comment 5 of the Practical Application of the General Standards, a failure to disclose certain facts and circumstances that may, in the eyes of the parties, give rise to doubts as to the arbitrator’s impartiality or independence, does not necessarily mean that a conflict of interest exists, or that a disqualification should ensue”.
[4]-Código Deontológico do Árbitro do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (2014) - consutável em http://www.centrodearbitragem.pt/images/pdfs/Legislacao_e_Regulamentos/Regulamento_de_Arbitragem/Codigo_Deontologico_2014.pdf.
-
Código Deontológico do Árbitro da Associação Portuguesa de Arbitragem (2014) -consultável em http://arbitragem.pt/projetos/cda/2014-04-11-cda.pdf.
-
Código Deontológico do Árbitro do Centro de Arbitragem para a Propriedade Industrial, Nomes de Domínio, Firmas e Denominações (ARBITRARE) (2014) - consultável em https://www.arbitrare.pt/sub_regulamentos.php?id=47&sbid=59.;
-
The Code of Ethics for Arbitrators in Commercial Disputes da American Arbitration Association e da American Bar Association (2004) -consultável em https://www.adr.org/aaa/ShowProperty?nodeId=%2FUCM%2FADRSTG_003867&revision=latestreleased.;
-
Recomendaciones del Club Español del Arbitraje relativas a la Independencia e Imparcialidad de los Árbitros (2008) - consultável em http://www.clubarbitraje.com/sites/default/files/recomendaciones_independencia_arbitral_esp_0.pdf.
-
The Chartered Institute of Arbitrators Code of Professional and Ethical Conduct for Members (2009) -consultável em http://www.ciarb.org/docs/default-source/ciarbdocuments/guidance-and-ethics/practice-guidelines-protocols-and-rules/code-of-professional-and-ethical-conduct-october-2009.pdf?sfvrsn=2.
-Arbitration Rules do International Court of Arbitration da Câmara de Comércio Internacional (2012) -consultável em
http://www.iccwbo.org/products-and-services/arbitration-and-adr/arbitration/icc-rules-of-arbitration/.
-
Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association (2014) -consultável em http://www.ibanet.org/Publications/publications_IBA_guides_and_free_materials.aspx.;
-
Arbitration Rules da China International Economic and Trade Arbitration Commission (CIETAC) (2015) -consultável em http://cn.cietac.org/rules/rule_E.pdf
[5]Art.º 2º do Código Deontológico do Árbitro do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, art.º 2º do Código Deontológico do Árbitro da Associação Portuguesa de Arbitragem, art.º 2º do Código Deontológico do Árbitro do ARBITRARE, cânone I, al. B) do The Code of Ethics for Arbitrators in Commercial Disputes da American Arbitration Association e da American Bar Association, ponto 8 das Recomendaciones del Club Español del Arbitraje relativas a la Independencia e Imparcialidad de los Árbitros, regras 3 e 4 da Parte 2 do The Chartered Institute of Arbitrators Code of Professional and Ethical Conduct for Members, art.º 11 das Arbitration Rules do International Court of Arbitration da Câmara de Comércio Internacional, e general standard (2) das Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association.
[6]General standard (2)(b) e (c) das Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association.
Constituem, nomeada mas não exclusivamente, circunstâncias que levantam a um ‘bom pai de família’ fundadas dúvidas sobre a independência ou imparcialidade do árbitro as constantes da lista vermelha anexa às Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association (inelutavelmente as constantes da lista vermelha ‘não renunciável’; susceptíveis de dissipação, se reveladas e expressamente aceites pelas partes, as constantes da lista vermelha ‘renunciável’ (cf. general standard (2) (d) e (4) (c) das Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association e ponto 2. da Practical Application of the General Standards dessas mesmas Guidelines).
[7]Art.º 4º do Código Deontológico do Árbitro do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, art.º 4º do Código Deontológico do Árbitro da Associação Portuguesa de Arbitragem, art.º 4º do Código Deontológico do Árbitro do ARBITRARE, cânone II do The Code of Ethics for Arbitrators in Commercial Disputes da American Arbitration Association e da American Bar Association, ponto 11 das Recomendaciones del Club Español del Arbitraje relativas a la Independencia e Imparcialidad de los Árbitros, regra 3 da Parte II do The Chartered Institute of Arbitrators Code of Professional and Ethical Conduct for Members, art.º 11 das Arbitration Rules do International Court of Arbitration da Câmara de Comércio Internacional, general standard (3) das Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association e art.º 31 das Arbitration Rules da China International Economic and Trade Arbitration Commission.
[8]Al. (c) da Explanation to General Standard 3 das Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association.
[9]Sublinhado acrescentado.
[10]“… There should be a limit to disclosure, based on reasonableness” – cf. ponto 7 da Part II: Practical Application of the General Standards das Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association.
[11]Art.º 4º, nº 4, do Código Deontológico do Árbitro do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, art.º 4º, nº 4, do Código Deontológico do Árbitro da Associação Portuguesa de Arbitragem, art.º 4º, nº 4, do Código Deontológico do Árbitro do ARBITRARE, cânone II, als. B. e D., do The Code of Ethics for Arbitrators in Commercial Disputes da American Arbitration Association e da American Bar Association, ponto 12 das Recomendaciones del Club Español del Arbitraje relativas a la Independencia e Imparcialidad de los Árbitros, general standard (3)(e) e (7)(d) das Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association.
[12]Ponto 7 da Part II: Practical Application of the General Standards das Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association.
A ‘
green list’ constante da Part II: Practical Application of the General Standards das Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration da International Bar Association e os Ejemplos de Circunstancias que no precisan ser reveladas constantes do ponto 14 das Recomendaciones del Club Español del Arbitraje relativas a la Independencia e Imparcialidad de los Árbitros.
[13]Art.º 4º, nº 2, do Código Deontológico do Árbitro do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, art.º 4º, nº 2, do Código Deontológico do Árbitro da Associação Portuguesa de Arbitragem, art.º 4º, nº 2, do Código Deontológico do Árbitro do ARBITRARE, cânone II, al. A., do The Code of Ethics for Arbitrators in Commercial Disputes da American Arbitration Association e da American Bar Association.
[14]§§ 1., 2. e 3 da correspondente Introduction.
[15]Ponto V do respectivo preâmbulo.
[16]Comentários nºs 1 a 4 á introdução aos artigos 49º a 54º da LAV e comentário nº 73 ao art.º 13º da LAV em António Menezes Cordeiro, ‘Tratado da Arbitragem’, 2015, pgs.476 e 161 e Manuel Pereira Barrocas, ‘Lei de Arbitragem Comentada’, 2013, pg. 189-190, e ‘Manual de Arbitragem’, 2010, §§ 589-592, pgs. 549-551.