Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
301/17.9YHLSB.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: MARCA
IMITAÇÃO DE MARCA
RISCO DE CONFUSÃO
RISCO DE ASSOCIAÇÃO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - Pedido o registo de uma marca que, apesar de significativas diferenças gráficas e fonéticas, constitui em língua italiana o diminutivo de uma marca anteriormente registada e mundialmente famosa e de elevado prestígio, deve ser recusado tal registo quando se constata que na sua actividade a proprietária da marca registanda, através dos mais diversos meios, força uma inevitável associação na mente do consumidor com a marca anteriormente registada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

A  [ ….. S.P.A ], veio, ao abrigo do disposto nos artigos 39.° e seguintes do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do Diretor de Marcas do INPI que concedeu o registo da marca nacional nº 574279 "La Vespina", requerida por B, pedindo que seja revogado o despacho recorrido e recusada a concessão do registo da marca referida.
Alegou em síntese, que a marca registanda é uma imitação da sua marca prioritária da União Europeia n° 011856879 "Vespa", a qual, entre outros, foi registada para assinalar produtos e serviços da classe 43a da Classificação Internacional de Nice e que admitir-se o seu registo iria admitir-se que a requerida se aproveitasse da reputação da marca "Vespa".
A requerida afectada, não contestou a reclamação, mas apresentou resposta ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão do INPI.
Vindo a ser proferida sentença que julgou o recurso improcedente, mantendo o despacho recorrido que aceitou o registo da marca nacional nº 574279.
Foram dados como provados os seguintes factos:
1) A recorrente é titular da marca da União Europeia n° 011856879 "VESPA", requerida em 30/05/2013 e concedida em 05/07/2014.
2) Esta marca destina-se a assinalar serviços incluídos nas classes 37a, 39a, 42a e 43a, os quais constam de fls. 16 e ss.
3) Na classe 43a assinala os seguintes:
Serviços de restauração (alimentação); Alojamento temporário; Agências de alojamento temporário [hotéis, pensões]; Creches; Cafés; Cafeterias; Casas de terceira idade [lares]; Casas de turismo; Serviços de campismo; Aluguer de alojamento temporário; Cantinas/refeitórios; Aluguer de aparelhos de iluminação, não sendo para palcos ou estúdios de televisão; Aluguer de aparelhos de cozinha; Aluguer de construções transportáveis; Aluguer de dispensadores de água potável; Aluguer de salas de reunião; Aluguer de cadeiras, mesas, toalhas de mesa, copos; Aluguer de tendas; Alojamento para animais; Pensões; Reserva de hoteis; Reservas de alojamento temporário; Reserva de pensões; Restaurantes; Restaurantes de self-service; Hotéis; Serviços de bar; Serviços de campos de férias [hospedagem/albergaria]; Serviços de catering; Motels; Snack-bars.
4) A recorrida solicitou ao INPI o registo da marca nacional nº 574279  em 08/12/2016, a qual foi concedida em 18/05/2017.
5) Esta marca destina-se a assinalar na classe 43 "Serviços de Restauração (alimentação e bebidas)".
6) A marca "Vespa" é associada à Scooter que é comercializada pela recorrente.
Inconformada, recorre a A, concluindo que:
- A Apelante requer a junção aos autos nos termos do disposto no art. 651.° do CPC de documentos de que apenas teve conhecimento em momento posterior à apresentação do recurso de 1a instância e inclusive à decisão ora recorrida e cuja junção é absolutamente necessária à descoberta da verdade material em face da posição assumida nos autos pela Apelada (e que agora, e só agora, em virtude da junção destes documentos se verifica actuar em verdadeiro abuso de direito), quer em face da sentença proferida.
- Efectivamente, como se sabe o recurso para o Tribunal da Propriedade Intelectual da decisão proferida pelo INPI que conceda ou recuse direitos de propriedade industrial é um processo especial no qual cabem apenas, em princípio, dois articulados, a petição de recurso e a eventual resposta do recorrido; ora não tendo sido juntos quaisquer documentos com a resposta da Apelada, então recorrida, e tendo-se esta limitado a contrariar a versão da Recorrente ora Apelante, sem que tivesse trazido aos autos qualquer outra questão nova, não havia lugar como não houve a qualquer outro articulado ou requerimento de resposta.  
-  Sucede que, apenas após ter recepcionado a sentença recorrida que concluiu que a marca registanda nada tem que ver com a marca prioritária e que o consumidor não fará qualquer associação entre as mesmas, apercebeu-se a Apelante de que a marca registanda em causa afinal já se encontra a ser usada pela Apelada, conforme referências efectuadas por esta nos social media designadamente no facebook.
-  Mais tendo então constatado que esse uso, com base numa expectativa e não num direito registado pois este ainda se encontra em discussão nos presentes autos, é absolutamente abusivo por constituir uma associação/colagem/adesão expressa às marcas da Apelante, incitando mesmo a Apelada a que o consumidor faça essa mesma associação.
- Com efeito, dos documentos cuja junção se requer e que constituem prints  das publicações disponíveis na página de facebook da Apelada, consta associação clara e expressa da marca registanda à marca prioritária de reconhecida reputação e prestígio mundial, e bem assim ao objecto que lhe deu essa fama e reputação, o famoso motociclo "Vespa", aparecendo estes de forma abusiva e ostensiva lado a lado com o sinal registando "LA VESPINA pizzas massas e arredores", seja na sinaléctica aposta na montra do próprio estabelecimento de restauração, seja em panfletos e cartões de apresentação da apelada, seja inclusivamente nas ementas, seja em miniaturas do motociclo VESPA colocadas nas mesas, seja em posters vários alusivos ao motociclo (alguns dos quais constituem mesmo cópia de anúncios publicitários da própria Apelante) e, ainda através da colocação de um motociclo à escala real no próprio estabelecimento da Apelada, conforme se vê pelos documentos que se juntam.
-  Ora, o exposto contraria a versão que a Apelada, em má fé, carreou para estes autos e, consequentemente, contraria também frontalmente a conclusão da sentença recorrida, pelo que a sua junção é determinante para o thema decidendum.
- É que a análise da possibilidade de existência de erro ou confusão do consumidor efectuada pela sentença recorrida, que normalmente é abstracta ou teórica por ser realizada a maioria das vezes numa fase anterior ao uso da marca pedida a registo, no presente caso já é uma análise que tem de ser concreta pois em face dos elementos ora trazidos ao conhecimento do processo, a marca pedida a registo já se encontra a ser usada, nos termos e moldes referidos de forma a, intencionalmente, induzir o consumidor fazer associação entre os sinais ora em confronto.
-  Sem prejuízo do requerido, o presente recurso é interposto da douta sentença do Tribunal a quo, pois, salvo o devido respeito, que é muito, a Apelante entende que o Tribunal da Propriedade Intelectual não valorou adequadamente as questões jurídicas que estavam em causa e não extraiu as conclusões que se impunham, tendo interpretado e aplicado incorrectamente as normas legais aplicáveis, tendo dessa forma violado o disposto nos arts. 239.° nº 1, alíneas a) e e), 245.° nº 1, 241.° nº 1 e 242.° nº 1, todos do CPI, pelo que o objecto do recurso se subsume às seguintes questões que foram erradamente apreciadas, interpretadas e aplicadas pelo Tribunal a quo:
a) Da imitação da marca da aqui Apelante (art. 245.° nº 1, alínea c) e art. 239.°, nº 1, alínea a) do CPl);
b)  Da imitação das marcas notórias da Apelante e do benefício indevido do carácter distintivo e do prestígio das marcas da Apelante (art. 241.° e 242.° do CPI).
c) Da possibilidade de existência de concorrência desleal (arts. 239.° nº 1, alínea e) e 317.° do CPI).
- Quanto à questão da imitação da marca da Apelante, e apesar do que a este propósito se refere na sentença recorrida, i.e. que "os produtos e serviços em causa, na classe 43º são similares" (conclusão esta que basta para que se dê por verificado o requisito a que se refere a alínea b) do nº 1 do art. 245º do CPI), no entendimento da Apelante os serviços em causa (e apenas os serviços pois não estão em causa produtos) são na verdade totalmente idênticos.
- Efectivamente, os serviços que a marca registanda visa assinalar na classe 43º "serviços de restauração (alimentação e bebidas)" são idênticos a "serviços de restauração (alimentação)" e "restaurantes" que a marca prioritária assinala na mesma classe 43º, e ainda claramente idênticos aos serviços de "cafetarias", "cantinas/refeitórios", "serviços de bar', "serviços de catering" e "snack-bars" que a marca prioritária também assinala, na medida em que apenas se trata de uma designação diferente, mas sinónima, para a prestação de serviços de restauração a que alude a marca registanda.
- Por outro lado, quanto ao requisito previsto na alínea c) do art. 245º nº 1 do CPI, desde já se adianta que o facto de a marca registanda ter sido submetida a registo sob a forma mista não é suficiente para afastar as semelhanças entre os sinais em conflito; com efeito, o elemento figurativo da marca registanda não é característico, nem muito impressivo, pois basicamente radica no tipo de letra usado (com contorno e sombreado) pelo que não tem especial distintividade que possa captar a atenção do consumidor. Consequentemente, discorda-se totalmente da sentença recorrida.
- Ademais, é entendimento pacificamente aceite pelas melhores Doutrina e Jurisprudência que, no caso das marcas complexas, compostas por elementos figurativos e nominativos, a experiência demonstra que o elemento nominativo é, via de regra, o mais importante, pelo que a comparação a efectuar será em primeira linha a comparação entre os elementos nominativos dos sinais em confronto.
- Deste modo, o simples facto de o sinal registando ser aparentemente composto por mais elementos do que o sinal prioritário, não afasta por si só, a possibilidade de os sinais serem semelhantes visualmente pois a comparação global entre os sinais haverá que tomar em linha de conta aqueles que são os elementos dominantes e característicos e que com maior probabilidade perdurarão na memória do consumidor.
 - Ora, in casu,  é facilmente perceptível que o elemento dominante, característico e mais impressivo da marca pedida a registo é o elemento verbal "VESPINA" já que a expressão "pizzas, massas e arredores" encontra-se redigida num plano inferior e secundário, e num tamanho de letra muito menor quando comparado com o elemento principal "VESPINA", e esse plano secundário, por si só, faz sobressair por sua vez o que se encontra em primeiro plano, a expressão "LA VESPINA".
 - Por outro lado ainda, tais elementos "pizzas, massas e arredores" constituem expressão claramente descritiva dos "serviços de restauração (alimentação e bebidas)" que a marca registanda visa assinalar e, nessa medida, não é susceptível de, por si só, desempenhar a função identificativa que cabe a uma marca.
 - Assim entre os elementos dominantes a comparar VESPA e VESPINA constata-se ser inegável a existência de fortes semelhanças entre os sinais quando se vê que um sinal inclui o outro; repare-se que os sinais apresentam em comum 5 letras, dispostas na mesma ordem e sequência, sendo as primeiras 4 letras iguais, tal como a última.
-  Acresce que também se discorda da apreciação levada a cabo pela decisão ora recorrida do ponto de vista conceptual, na medida em que "vespa",  palavra italiana, que se escreve também "vespa" na língua Portuguesa, tem em ambas as línguas o mesmo significado, designando um tipo de insecto; por sua vez a palavra Italiana "vespina", designa o diminutivo de vespa, o que será equivalente na língua Portuguesa a algo como "vespinha".
 - Se, como vimos, estamos no fundo perante a palavras com o mesmo significado e conceito fundamental - o insecto VESPA, ainda que usado no seu diminutivo LA VESPINA -, não se crê que o consumidor quando se deparar com ambos os sinais vá, circunspectamente, pensá-Ios e analisá-los e consequentemente chegar à condusão que sendo um dos sinais um substantivo e outro o grau diminutivo que diminui ou atenua as proporções normais do substantivo a que se refere são diferentes e, nessa medida, não são confundíveis quando até ambos os sinais assinalam ou visam assinalar os mesmos serviços, "serviços de restauração", na mesma classe 43.
- Por outro lado, a identidade gráfica, fonética e conceptual do elemento dominante e característico dos sinais em confronto pode, inevitavelmente, incutir a ideia no público em geral que a marca registanda possa representar uma variante dos serviços assinalados pela marca da Apelante ou de que a Apelada possa ter autorização ou licença da Apelante para o uso do sinal registando.
- Acresce ainda que a própria sentença reconida reconheceu que a marca prioritária é uma marca sobejamente conhecida quando refere que "independentemente da marca da recorrente ser notória ou de prestígio, o que nem se discute, o certo é que os sinais não são confundíveis ( ... ).
 - Ora,  quanto maior é o reconhecimento e reputação da marca anterior, maior é a sua distintividade, e maior é o âmbito da sua protecção, na medida em que o uso da marca registanda é susceptível de prejudicar ou diluir de forma injusta o carácter distintivo da marca conhecida e reputada e dele retirar vantagens e benefícios injustos e ilegítimos.
- Aliás, é exactamente porque notoriamente se reconhece o carácter distintivo e reputação da marca prioritária da Apelante, que a Apelada pretende ilegitimamente associar-se àquelas, dai retirando vantagens ilegítimas com o pedido de registo da marca em causa.
- Assim, temos que numa apreciação global dos sinais, se verifica que quanto mais conhecida e reputada for a marca anterior, maior o âmbito da sua protecção (como de resto resulta dos arts. 241.° e 242.° do CPI, como melhor se verá infra) - o que sucede com a marca prioritária da Apelante que deve beneficiar dessa maior protecção na análise que importa levar a cabo.
- Por outro lado, quanto maior o grau de semelhança entre os produtos e servicos, menor é a exigência de uma grande semelhança entre os sinais em confronto atento o princípio da interdependência - in casu já vimos que os serviços em confronto são idênticos, logo a marca prioritária da Apelante deve também aqui beneficiar desta menor exigência no que toca ao grau de semelhança entre os sinais para que se possa concluir pela existência de imitação da marca anterior.
- Em suma, considerando a apreciação global e de conjunto dos sinais em confronto, o principio da interdependência entre os factores a ter em consideração e a recordação imperfeita que o consumidor retém das marcas, conclui-se que: o grau de semelhança entre os serviços é elevado pois estes são idênticos; o grau de atenção prestado pelo público relevante a esses serviços ~ normal, dado que o público relevante não é especialista, tratando-se de serviços de uso normal ou corrente; quanto ao grau de semelhança entre os sinais e a impressão produzida por um dos níveis de comparação (visual/fonética/conceptual): a marca registanda reproduzlinclui o elemento nominativo que constitui a marca prioritária, elemento este de reconhecida reputação e prestígio, sendo que também do ponto de vista conceptual os elementos dominantes dos sinais representam a mesma ideia e conceito, tendo o mesmo significado; o elemento em comum é o elemento característico e dominante dos sinais e não existem outros elementos que sejam dominantes e/ou distintivos susceptíveis de neutralizar as semelhanças existentes.
 - Assim, a sentença recorrida não aplicou correctamente a lei, pois da comparação entre os sinais em confronto resulta que os mesmos oferecem um aspecto global ou de conjunto bastante semelhante e inegavelmente confundível, sendo susceptível de confundir o consumidor ou de provocar o risco de associação do sinal registando com a marca prioritária reputada da Apelante.
- Na verdade, e na medida em que ambas as expressões têm a mesma raiz e significado, pretendendo referir-se a algo que constitui a mesma coisa - o insecto VESPA -, será mais crível que o consumidor, que como se sabe não é especialmente atento nem circunspecto, perceba mais facilmente as semelhanças existentes e que ressaltam no conjunto dos sinais do que aqueles pormenores que os separam.
 - Esta associação tanto mais é verosímil quando se vê que o sinal registando já se encontra a uso, uso esse que é levado a efeito pela Apelada não de forma isolada mas sempre em conjunto com alusões várias e expressas à reconhecida marca vespa da Apelante e à conhecida imagem do motociclo que ostenta essa marca, conforme se aludiu supra in "Nota prévia".
- A todo o exposto acresce ainda que a análise da possibilidade de existência de erro ou confusão do consumidor efectuada pela sentença recorrida, que normalmente é abstracta ou teórica por ser realizada, a maioria das vezes, numa fase anterior ao uso da marca pedida a registo, no presente caso já é uma análise concreta, pois em face dos elementos ora trazidos ao conhecimento do processo, a marca registanda já se encontra a ser usada, nos termos e moldes referidos de forma a intencionalmente levar o consumidor fazer associação entre os sinais ora em confronto.
6  - Em suma verificam-se todos os requisitos a que alude o nº 1  do art. 245º do CPI para que a marca registanda seja recusada nos termos do nº 1, alínea a) do art. 239º  do CPI.
- Ademais o art. 242º do CPI confere protecção às marcas registadas mesmo que os produtos e serviços em causa sejam diferentes, e mesmo que não haja risco de confusão pelo consumidor, mas desde que os sinais sejam idênticos ou semelhantes e a marca anterior goze de um prestígio susceptível de ser prejudicado pela utilização injustificada da marca objecto de pedido.
- Como se viu já supra existem semelhanças elevadas entre os sinais; a marca prioritária goza de prestígio mundialmente reconhecido e esse prestígio é susceptível de ser prejudicado pelo sinal registando conforme se analisará melhor infra; ora, considerando quer o elevado prestígio da marca prioritária da União Europeia (que a sentença recorrida reconhece existir atentas as provas oportunamente juntas aos autos pela ora Apelante), quer a semelhança existente entre os sinais em conflito, será não só mais tentador para a Apelada tentar beneficiar do valor daquela, como também mais fácil haver uma associação com a referida marca prioritária pois quanto mais semelhantes as marcas mais fácil e mais provável é que a última marca traga à memória do público relevante a marca prioritária já conhecida.
 - Consequentemente, o pedido de registo sub judice é susceptível de poder dispersar o carácter distintivo do sinal prioritário, enfraquecendo-o, o que também é uma forma de prejudicar a marca; na verdade, a requerente da marca, ora Apelada, retiraria, entre outras, vantagem desleal do carácter distintivo e da reputação das marcas da Apelante.  
- Ao predito acresce que, não só a ora Apelada estará a retirar um benefício desleal do elevadíssimo carácter distintivo, reputação e prestígio da marca da Apelante, como também está em causa, a dilution by blurring,  que salvo o devido respeito foi ignorado pelo Tribunal, quando não podia tê-lo sido. A ideia que subjaz à dilution by blurring é precisamente a de indefinição, confusão, névoa, mancha, obscuridade - ora quando opera este tipo de diluição a marca prioritária, notória, de prestigio, verá a sua capacidade identificativa e distintiva privilegiada sofrer os efeitos da banalização, pelo que será irremediável e inevitável a perda da capacidade de gerar, em exclusivo e de forma imediata, o supra referido processo de associação mental entre a marca, o produto ou serviço assinalado, e a sua origem empresarial.
- Pelo que há também, evidentemente, um prejuizo da sua capacidade distintiva, porque quanto menos forem os sinais que usem a marca (aqui se incluindo sinais com elevadas semelhanças) em contexto diferente daquele que é o seu uso normal e próprio - aquele que lhe conferiu o raro destaque que só as marcas de prestígio alcançam - mais se preserva a referida associação imediata e exclusiva à reputação que o titular de uma marca de prestígio tão arduamente teve que trabalhar para conseguir obter.
 - Pelo que, in casu, também se aplica o disposto no art. 242º do CPI, pelo que o registo deveria ter sido recusado para todos os serviços que a marca registanda visa assinalar na classe 43ª.
- Por fim, a actuação da Apelada constitui ainda acto de concorrência desleal e, em conjugação com a defesa que esta apresentou em sede de resposta ao recurso apresentado em primeira instância, constitui também abuso de direito.
- Como se sabe, para que se verifique concorrência desleal a que se refere a alínea e) do nº 1 do art. 239.° do CPI não é necessária a existência de dolo, basta que a concorrência desleal seja possível independentemente da intenção do agente, isto é, que esse resultado seja objectivamente concebivel e provável, atenta a manifesta semelhança entre as marcas em confronto e a identidade ou afinidade entre os produtos elou serviços que tais marcas se destinam a assinalar.
- No caso em discussão não só a concorrência desleal é possível, como na verdade, constata-se que já se verifica, uma vez que o sinal pedido a registo já se encontra a ser usado pela Apelante nos termos a que se aludiu supra para os mesmos serviços que a marca prioritária foi registada na classe 43a.
- Acresce que, ainda que não seja exigível, também se verifica dolo, pois que a Apelada intencionalmente leva a cabo acções de associação expressa entre os sinais em confronto, quando não há ligação alguma entre as marcas, nem entre as titulares das mesmas, e nem sequer existe autorização ou licença de uso atribuída pela Apelante à Apelada.
- Em suma, a concorrência desleal existe e é dolosa.
Termos em que, sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exas., se requer seja o recurso de apelação julgado totalmente procedente revogando-se a decisão da primeira instância que decidiu manter o despacho de deferimento do INPI do registo da marca nacional nº 574279 e, consequentemente, recusando-se o pedido de registo da referida marca.
 
Cumpre apreciar.
A marca é, basicamente, um sinal distintivo de mercadorias ou produtos, que visa individualizá-los no mercado, perante o consumidor. Pode, ou não, referenciar a empresa de onde provêm as mercadorias ou produtos, mas a sua função essencial, a individualização referida é o objectivo essencial, quer pela chamada de atenção para o produto em si mesmo, quer pela identificação, mesmo que fantasista ou sugestiva, da sua natureza, quer pela ocupação e manutenção de um espaço no seu mercado específico, distinguindo o produto dos que, no mesmo género, com ele concorrem.
Para usar a expressão de Ferrer Correia, “a marca funciona, assim, como um cartão de apresentação do empresário que a usa, como um factor de potenciação da sua clientela” –“ Lições de Direito Comercial”, pág. 181.
Decorre daqui a necessidade imperiosa de defender a marca de outras, que por cópia ou semelhança, destruam tal individualização ou até aproveitem a faixa de mercado conquistada por determinado produto, induzindo em erro o consumidor.
O artº 239º nº 1 a) do Código da Propriedade Industrial, dispõe que será recusado o registo de marcas que contenham “reprodução ou imitação no todo ou em parte de marca anteriormente registada por outrem, para o mesmo produto ou serviço, ou produto ou serviço similar ou semelhante, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada”.
Visa-se assim a protecção de marca com registo prioritário e ao mesmo tempo protege-se o consumidor que, não tendo muitas vezes a possibilidade de no momento da aquisição ter perante si as duas marcas, pode escolher um produto pela semelhança fonética ou visual, quando na realidade era o outro produto que pretendia adquirir.

Verificam-se assim os seguintes requisitos, cumulativos, do conceito de imitação:
A) Que a marca registada tenha prioridade.
B) Ambas se destinem a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta.                                            
C) Tenham uma tal semelhança gráfica, fonética ou figurativa que induzam em confusão o consumidor, de modo que este não possa distinguir as marcas senão após exame atento ou confronto.
No caso dos autos a marca registada da recorrente, Vespa, foi registada para, entre outros, assinalar produtos e serviços da classe 43ª da Classificação Internacional de Nice, nomeadamente serviços de restauração. A marca registanda, “Vespina”, da recorrida, destina-se a assinalar produtos e serviços na mesma classe 43ª (serviços de restauração, alimentação e bebidas).
Ou seja, para lá de a marca Vespa beneficiar da propriedade do registo, ambas as marcas se dirigem, neste caso, ao mesmo sector de actividade, no âmbito da restauração, com serviços de fornecimento de alimentação e bebidas. Assim, a marca da recorrente tem prioridade e ambos se dirigem a idêntico sector de actividade.
Importa verificar se existe uma semelhança entre ambas que justifique a pretensão da recorrente.
Quanto ao símbolo gráfico, como se vê de fls. 80 verso da sentença recorrida, enquanto o símbolo da recorrente é essencialmente verbal “VESPA” o da recorrida tem um traçado de fantasia com diferente identificação embora com traços comuns. Em letras de dimensão muito menor lê-se “Pizzas Massas e arredores”.
Não se nos afigura que exista motivo de confusão no estrito plano gráfico, sendo evidente o tom desenhado da marca da recorrida. Ao invés a da recorrente limita-se a um enunciado verbal.
Deste modo, não nos parece possível qualquer confusão entre as duas marcas no plano gráfico ou figurativo.
No plano fonético a semelhança já se começa a notar pela simples razão que “Vespina” é, na língua italiana, um diminutivo de “Vespa”. Em português, “Vespa” tem a mesma redacção e o mesmo significado – um insecto – sendo que um diminutivo na nossa língua seria qualquer coisa como “vespinha”.  
No entanto, e mais importante que estar a delimitar o número de letras comuns a ambas as designações, é a percepção global da palavra que mais releva. Neste caso, entre “vespa” e “vespina” existem óbvios pontos de contacto, mas no todo diferenciam-se suficientemente, até porque “vespina” não tem qualquer significado na língua portuguesa.
Ou seja, a marca registanda, quer ao nível gráfico ou figurativo, quer ao nível fonético, surge ao consumidor como claramente diversificada, sem razão para uma situação de confusão, tanto mais que a marca da recorrida é antecedida do artigo “La” - “a” em italiano – o que reforça o carácter distintivo das designações.
A este nível, pois, em nada discordamos da sentença recorrida.

O problema situa-se, a nosso ver, num outro plano. “Vespa” é igualmente a designação de um motociclo, famosa mundialmente e de tal modo que acabou por se tornou um substantivo comum, na língua portuguesa, com o significado de “motociclo com duas rodas pequenas com cilindrada inferior a cinquenta centímetros cúbicos”.
A recorrente é dona de tal marca. Usa essa marca não apenas em motociclos mas em outras actividades, nomeadamente, como vimos na actividade da restauração. Naturalmente que, ao fazê-la, pretende aproveitar-se do prestígio mundial da mesma.
Dir-se-ia que isso, contudo, não é razão para forçar a similitude e associação com uma marca também de serviços de restauração designada por “La Vespina”, cujos traços identificativos quer a nível gráfico quer fonético não implicam necessariamente qualquer confusão entre ambas as marcas.
Contudo, existe um outro ângulo de abordagem do problema, que consiste no risco de associação da marca registanda com marca anteriormente registada.
Em princípio, “Vespa” e “La Vespina” para lá de uma vaga semelhança fonética – não relevando, face a uma marca a registar em Portugal, que “vespina” seja, em italiano, como vimos, um diminutivo de “vespa”, uma vez que lidamos com consumidores portugueses – não iriam propiciar esse risco de associação, até porque “Vespa” é conhecida mundialmente como marca de motociclo, não como de serviços de restauração.
Contudo, se olharmos para as fotografias ora juntas pela recorrente, é flagrante a vontade da recorrida em forçar tal associação, com uma profusão imensa de símbolos de motociclos ligeiros – do tipo “vespa” precisamente, tal como popularizado em largo número de filmes italianos – ou com os próprios motociclos expostos (ver fls. 98 e 99). Desde símbolos de motociclos nos guardanapos do restaurante, pequenos brinquedos em forma de motociclo nas mesas, nos quadros das paredes, fotografias com o explícito nome “Vespa” (fls. 99 verso), desenhos de motociclos nos menus (fls. 101) pode dizer-se que a recorrida faz todos os possíveis para se “colar” à marca “Vespa” e isto de tal modo que, quem frequente as suas instalações ou o seu “site” pensará com toda a naturalidade estar perante uma concessionária ou representante da marca “Vespa”, ou por esta patrocinada. E deste modo, “La Vespina” adquire todo um outro sentido simbólico para o consumidor, arrastando-o para a associação entre marcas.
Nos termos do art. 242º do CPI, “ (...) o pedido de registo será igualmente recusado se a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem identidade ou afinidade, constituir tradução ou for igual ou semelhante, a uma marca anterior, que goze de prestígio em Portugal ou na Comunidade Europeia (...) e sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudicá-los”.
Um determinado produto, que fruto do trabalho, da criatividade, dos seus fabricantes, se torna um símbolo mundial perene, a tal ponto, como vimos, que o seu nome passa a substantivo comum, neste caso na língua portuguesa, como designação de um dado tipo de motociclo, cuja existência no imaginário de milhões de pessoas alcança um nível simbólico, pela sua presença em significativas obras literárias, fotográficas e ainda em diversas obras-primas cinematográficas, naturalmente sofre um prejuízo no seu prestígio, que fica vulgarizado, quando abusivamente usado como no caso dos autos, além de que a dispersão da marca pela apropriação deliberada por outros cria a diluição da identidade distintiva da marca, do seu perfil distintivo, referencial.
Sendo que, a associação intensa e deliberadamente criada pela recorrida, preenche o conceito de concorrência desleal, aproveitando o enorme prestígio de uma marca para o qual, obviamente, em nada contribuiu, para potenciar os benefícios colhidos na sua própria actividade.
Conclui-se assim que:
- Pedido o registo de uma marca que, apesar de significativas diferenças gráficas e fonéticas, constitui em língua italiana o diminutivo de uma marca anteriormente registada e mundialmente famosa e de elevado prestígio, deve ser recusado tal registo quando se constata que na sua actividade a proprietária da marca registanda, através dos mais diversos meios, força uma inevitável associação na mente do consumidor com a marca anteriormente registada.

Nestes termos, julga-se a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e recusando-se o pedido de registo da marca nacional nº 574279.
Custas pela recorrida.
Após o trânsito, cumpram-se os artigos 35º nº 3 e 47º do CPI.

LISBOA, 10-1-2019

António Valente
Teresa Prazeres Pais
Isoleta Almeida Costa