Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
90/21.2T8OER.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: MEDIDAS EXCEPCIONAIS E TEMPORÁRIAS DE RESPOSTA À SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA
PROCESSOS URGENTES E NÃO URGENTES
PRAZOS
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/01/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULAR O DESPACHO E A SENTENÇA
Sumário: I)–A redação originária do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março – lei que, ratificando os efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, veio aprovar diversas medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19 - estabeleceu a aplicação do regime das férias judiciais, aos atos processuais praticados em processos não urgentes e determinou a suspensão dos prazos nos processos urgentes, salvo nas circunstâncias previstas nos n.ºs 8 e 9 do seu artigo 7.º.

II)–A Lei n.º 4-A/2020, de 6 abril veio alterar o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 determinando, quanto aos processos não urgentes, a suspensão dos prazos processuais (sem prejuízo da tramitação dos processos e da prática de atos processuais presenciais e não presenciais através das plataformas informáticas que possibilitassem a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, contanto que todas as partes entendessem estar asseguradas as condições a prática dos atos por essas vias) e, quanto aos processos urgentes, a sua tramitação, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências.

III)– O regime legal do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, vigorou até 03-06-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que revogou o referido artigo 7.º, colocando termo à suspensão generalizada dos prazos processuais, retomando-se a contagem dos prazos judiciais.

IV)–A Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, vigorando desde 02-02-2021, mas produzindo efeitos a 22-01-2021 (sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados) veio determinar que os processos urgentes continuassem a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências e, quanto aos processos não urgentes, a suspensão de prazos. Tal suspensão não obstaria, contudo, nos termos do n.º 5 do artigo 6.º-B aditado à Lei n.º 1-A/2020: a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estivesse em causa a realização de atos presenciais; b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais; c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitassem e declarassem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitassem a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente; d) A que fosse proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendessem não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspenderiam os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.

V)–A Lei nº 13-B/2021, de 5 de abril, vigorando desde 06-04-2021, retomou a contagem dos prazos, nos processos não urgentes e, quanto aos processos urgentes prescreve que, salvo nos termos do disposto no n.º 7 do art. 6.º-E aditado por este diploma à Lei n.º 1-A/2020, não há lugar à suspensão de prazos ou diligências.

VI)–Tendo o prazo (de 30 dias – cfr. artigo 569.º, n.º 1, do CPC) para a dedução de eventual contestação iniciado o seu curso em 16-01-2021, o mesmo suspendeu-se na data de 22-01-2021.

VII)– Quando o juiz profere despacho a considerar confessados os factos alegados pelo autor por ausência de contestação deve verificar oficiosamente os requisitos para a prolação de tal despacho, a saber: a omissão de contestação do réu no prazo legal (impondo-se que verifique oficiosamente o decurso do prazo correspondente) e a citação regular do réu na sua própria pessoa ou o réu ter juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação.

VIII)–A decisão recorrida de 22-02-2021, declarando confessados pelas rés os factos articulados pelo autor na petição inicial e emitindo sentença de condenação daquelas, foi emitida no errado pressuposto do decurso integral do prazo para a apresentação de contestação, o qual, contudo, não se encontrava então em curso, mas suspenso, mostrando-se desconforme com o disposto no artigo 6.º-B aditado à Lei n.º 1-A/2020, pela referida Lei n.º 4-B/2021 de 1 de fevereiro, devendo ser anulada, determinando-se que os autos baixem à 1ª instância para que aí seja concedido às rés/recorrentes o prazo de que dispõem para contestar, prosseguindo depois o processo a tramitação processual subsequente que se imponha.

IX)–Da conjugação do disposto no artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, com o n.º 6 do artigo 607.º e com o n.° 2 do artigo 663.º, todos do CPC, conclui-se que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas, tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respetivo impulso processual.

X)–Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.

XI)–Havendo um vencedor e não se encontrando uma parte vencida, não funciona o critério da causalidade, atuando o princípio do proveito.

XII)–Não havendo isenção tributária, o recurso está sujeito a tributação, aspeto que é preliminar face à determinação da responsabilidade das partes relativamente a custas, pelo que, não tem fundamento legal uma decisão que se expresse “sem custas”.

XIII)–Não sendo possível, no momento em que é proferida a decisão do recurso interlocutório, afirmar que o desfecho da apelação, ainda que anulando o decidido em 1ª instância, se reflete negativamente na esfera de qualquer das partes, impõe-se relegar a decisão sobre a responsabilidade tributária inerente à instância do recurso para aquela que decida sobre a responsabilidade tributária da decisão final.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


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1.–Relatório:

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CJ, identificado nos autos, instaurou a presente ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum contra AT, também identificada nos autos, por si e na qualidade de cabeça de casal da HERANÇA ABERTA POR MORTE DE SEU MARIDO CT, pedindo a condenação das rés a:
a)- procederem à reparação de todas as anomalias de que o imóvel padece, melhor identificadas nos artigos 4.º a 7.º da PI ou, em alternativa, proceder ao pagamento à Autora da quantia discriminada no artigo 9.º desta P.I., no montante de €11.785,00 (onze mil, setecentos e oitenta e cinco euros) acrescido de IVA;
b)- pagarem à A. a quantia discriminada no art.º 12.º desta P.I., no montante total de €3.000,00 (três mil euros);
c)- pagarem à Autora a quantia discriminada nos artigos 15.º e 16.º desta PI, no montante de €30.000,00 (trinta mil euros);
d)- pagarem à Autora a quantia discriminada no artigo 12.º desta PI, no montante de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), tudo acrescido de juros moratórios, contados à taxa supletiva em vigor, desde a data de citação para a presente acção até integral e efectivo pagamento, custas e o mais que legal for”.

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Alegou o autor, para tanto e em síntese, que:
- Por contrato de arrendamento celebrado em 01.04.2008, o falecido CT e a então sua mulher, 1.ª Ré, deram de arrendamento ao A. a fração autónoma designada pela letra “…”, a que corresponde a cave esquerda, do prédio urbano sito na Avenida …, n.º … e Rua ... n.º …, freguesia e concelho de Oeiras, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e desde então é naquela fracção, que o A. explora uma loja de comércio de produtos de bazar;
- Contudo o imóvel, desde há muito tempo, que padece de inúmeras anomalias (infiltrações a nível da cobertura as quais já provocaram o apodrecimento do tecto falso da loja arrendada; na casa de banho, os azulejos e o lavatório caíram das paredes; a porta da casa de banho encontra-se danificada por causa das infiltrações; a rede de esgotos encontra-se em péssimo estado de conservação, o que, para além de provocar maus cheiros em todo o locado, infecta-o de parasitas);
- Todas estas anomalias foram, atempadamente, comunicadas à 1.ª Ré que, apesar de admitir a sua responsabilidade pela sua reparação, nada fez para as solucionar;
- A reparação das anomalias encontra-se orçada em €11.785,00 acrescido de IVA, sendo a duração dos trabalhos de 3 semanas, período esse em que o Autor, obrigatoriamente terá de ter o seu estabelecimento comercial encerrado ao público, o que lhe provocará uma redução na faturação mensal, no montante não inferior a €3.000,00/mês;
- A existência das apontadas anomalias provoca enormes constrangimentos na atividade comercial exercida pelo A., no locado, pois que se trata de uma loja aberta ao público, sendo que, devido, fundamentalmente, aos maus cheiros a clientela tem vindo a diminuir de forma acentuada;
- Fruto das infiltrações de água no locado, muita mercadoria do comércio do A. deteriorou-se, o que provocou um prejuízo para o A. no montante aproximado de €30.000,00 e a imagem comercial do A. tem sido gravemente afectada pelo mau estado em que se encontra o imóvel, pelo que, a esse título, reclama uma indemnização, a fixar segundo juízos de equidade, em montante não inferior a 1.500,00 €.
Concluiu o autor que incumbe às rés a realização de todas as obras necessárias à reparação das anomalias descritas e a omissão de tal obrigação constituiu-as na obrigação de, solidariamente, o indemnizarem pelos danos a esta causados, nos termos previstos nos arts. 562.º e ss. do CC.

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Expedidas cartas para citação das rés, as mesmas foram recepcionadas por aquelas, conforme avisos de recepção da correspondência remetida, assinados em 15-01-2021, não tendo sido apresentada contestação por qualquer das rés.

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Em 22-02-2021 foi proferido despacho do seguinte teor: “Perante a citação pessoal e regular dos Réus, e não tendo os mesmos deduzido a sua contestação no prazo legal, ao abrigo do artº 567º, nº 1, do CPC, declaram-se confessados os factos alegados em sede de petição inicial. Ainda, ao abrigo dos artºs 6º e 547º, do CPC, decide-se dispensar a notificação nos termos do nº 2, do artº 567º, do CPC”.
Após e na mesma data, foi proferida sentença que julgou a ação integralmente procedente, condenando os réus “solidariamente a:
a)- Procederem à reparação de todas as anomalias de que o imóvel padece, melhor identificadas nos artigos 4.º a 7.º da PI ou,
em alternativa,
-a proceder ao pagamento à Autora da quantia discriminada no artigo 9.º da P.I., no montante de €11.785,00 (onze mil, setecentos e oitenta e cinco euros) acrescido de IVA;
b)- Pagarem à A. a quantia discriminada no art.º 12.º da P.I., no montante total de €3.000,00 (três mil euros);
c)- Pagarem à Autora a quantia discriminada nos artigos 15.º e 16.º da PI, no montante de €30.000,00 (trinta mil euros);
d)- Pagarem à Autora a quantia discriminada no artigo 12.º da PI, no montante de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), tudo acrescido de juros moratórios, contados à taxa supletiva em vigor, desde a data de citação para a presente acção até integral e efectivo pagamento (…)”.

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Não se conformando com a referida sentença, dela apelam as rés, pugnando pela revogação da sentença proferida e prosseguimento dos autos, reconhecendo que as rés estão em prazo de apresentarem a sua contestação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“(…) a)-A situação pandémica mundial causada pelo conoravirus SARS-CoV-2, agente da doença COVID-19, obrigou o Estado Português a aprovar, promulgar e referendar Leis da Assembleia da República contendo medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo identificada vírus.
b)- Essencialmente, essas medidas excecionais tinham como objectivo tentar controlar a pandemia, por efeito da imposição de comportamentos a todos os cidadãos, que obstasse ao seu relacionamento social em recintos fechados e aglomerações reduzidas ao menor número possível, bem como regras de afastamento, de higiene permanente, e, sobretudo, como medida mais radical e eficaz para conter a propagação, a obrigatoriedade de confinamento em casa e a probição de mobilidade, em geral.
c)- Estas medidas foram extensíveis a todos os níveis da actividade económica e social, incluindo a proibição de permanência em espaços fechados, de celebração de acontecimentos privados, deslocações só em caso de manifesta necessidade e urgência, enfim, o País ficou paralisado a todos os níveis da sua actividade, primeiro entre Março e Dezembro de 2020, e, depois, por agravamento da pandemia, entre 22 de Janeiro de 2021 e 5 de Abril de 2021.
d)- Sem a esperança que hoje reside na vacinação da população, o legislador adoptou em ambos os períodos de confinamento e de restrição de actividade, idêntica determinação legal descritiva e impeditiva, neste caso, normas suspensivas de determinados actos, factos e comportamentos.
e)- Quanto às regras suspensivas da actividade dos tribunais, determinavam os artºs. 7.º, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, alterada pelo art.º 7.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6/4, bem como, o disposto no nº. 1 do art.º 6-B, da Lei n.º 4-B/2021, de 1/2, quanto a prazos e diligências, que “são suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de actos processuais...”.
f)- De resto, o n.º 1 do art.º 7º., da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 6/4 rezava assim: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de actos processuais e ... ficam suspensos até à cessação da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARSCoV-2 e da doença COVID-19.
g)- O prazo de suspensão para a prática de actos processuais, no caso da Lei de medidas excepcionais de 2021, isto é, o n.º 1 do art.º 6-B, da Lei n.º 4-B/2021, de 1/2, conjugado com o art.º 4.º do mesmo diploma, enquanto norma interpretativa sobre epígrafe “Produção de efeitos”, determina que os efeitos daquele mesmo n.º 1 do art.º 6º., retroagem a 22 de Janeiro de 2021, que se prolongaram, pelo menos, até 5 de Abril de 2021.
h)- Sucede que, as Recorrente foram citadas em 15 de Janeiro de 2021, e foram surpreendidas com a prolação de sentença pelo tribunal a quo em 24 de fevereiro de 2021.
i)- Ora, no entendimento das recorrentes, os prazos para a prática de actos judiciais encontravam-se suspensos desde 22 de janeiro de 2021, por força do disposto no nº. 1 do art.º 6-B, da Lei n.º 4-B/2021, de 1/2, pelo que o tribunal a quo violou tal preceito.
j)- E, por outro lado, demonstrou o tribunal a quo, salvo o devido respeito, insensibilidade jurídica perante a situação pandémica ocorrida no País, desvalorizando as regras interpretativas imperativas plasmadas no art.º 9.º do Código Civil, assim também violadas, no sentido de uma interpretação de acordo com o presumível pensamento do legislador, até por referência a anterior período (2020) suspensivo dos actos judiciais, que constituiu jurisprudência unânime.
k)-É certo que, toda a ação judicial representa sempre um confronto de ideias entre os intervenientes ou operadores judiciais, e, naturalmente, todas as opiniões ou concepções do Direito e da Justiça são aceitáveis e discutíveis na sua dimensão própria, sendo que o julgador se vincula de imediato pelo esgotamento do seu poder jurisdicional, só sindicável por força de recurso para instância superior, como se faz nos presentes autos.
l)- Pelo que, entendem as recorrentes que a sentença do tribunal a quo violou as normas contantes do artºs. 7.º, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, alterada pelo art.º 7.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6/4, bem como, o disposto no art.º 6-B, da Lei n.º 4-B/2021, de 1/2, e, assim, consequentemente, violou as regras interpretativas constantes do art.º 9.º do Código Civil (…)”.

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O recurso foi liminarmente admitido.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

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2.– Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos apelantes, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , a única questão a decidir é a de saber:
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A)- Se a sentença recorrida violou as normas contantes do artºs. 7.º, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, alterada pelo art.º 7.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6/4, bem como, o disposto no art.º 6-B, da Lei n.º 4-B/2021, de 1/2, e as regras interpretativas constantes do art.º 9.º do Código Civil?

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3.– Fundamentação de facto:
Com pertinência para a decisão do presente recurso e com fundamento nos actos praticados no presente processo, mostra-se assente a factualidade constante do relatório.

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4.–Fundamentação de Direito:
De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.

Vejamos, pois, o recurso apresentado, apreciando a questão enunciada.

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A)- Se a sentença recorrida violou as normas contantes do artºs. 7.º, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, alterada pelo art.º 7.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6/4, bem como, o disposto no art.º 6-B, da Lei n.º 4-B/2021, de 1/2, e as regras interpretativas constantes do art.º 9.º do Código Civil?
Conforme resulta da tramitação dos presentes autos, apresentada a petição inicial e promovida a citação das rés, o Tribunal recorrido veio a condenar rés na pretensão formulada pelo autor, após declarar confessados pelas rés os factos alegados na petição inicial, nos termos do artigo 567º, nº 1, do CPC, atenta a falta de apresentação de contestação por parte destas.
As rés insurgem-se contra esta decisão do Tribunal recorrido, considerando que, tendo sido citadas em 15-01-2021 os prazos para a prática de actos processuais se encontravam suspensos desde 22-01-2021, por força do disposto no nº. 1 do art.º 6-B, da Lei n.º 4-B/2021, de 1/2, vindo a ser “surpreendidas com a prolação da sentença pelo tribunal a quo em 24 de fevereiro de 2021”.
A questão fundamental a apreciar é a de saber se, na data em que foi prolatada a sentença por parte do Tribunal recorrido, se encontrava suspenso o prazo para apresentação da contestação pelas rés, ou se, pelo contrário, tal prazo já tinha integralmente decorrido?
Vejamos:
Em resultado da situação de emergência de saúde pública de âmbito internacional, declarada pela Organização Mundial de Saúde, no dia 30 de janeiro de 2020, bem como à classificação do vírus SARS-CoV-2 como uma pandemia, no dia 11 de março de 2020 e à situação de calamidade pública, que motivou a declaração de diversos e sucessivos estados de emergência (o primeiro dos quais pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março), foram introduzidas no ordenamento jurídico diversas alterações, de exceção e com carácter temporário, em vários diplomas legais, por forma a adaptar o quadro normativo ao novo status quo e às exigências particulares que, a especial situação que se vivenciava, foi impondo ao longo do tempo.
Assim, logo em 19 de março de 2020 foi publicada a Lei n.º 1-A/2020 que, ratificando os efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março veio aprovar diversas medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS -CoV -2, agente causador da doença COVID -19.
Entre a data da sua publicação e a presente data, esta Lei n.º 1-A/2020 veio a ser alterada, em pouco mais de um ano, 10 vezes, pelos seguintes diplomas: Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril; Lei n.º 4-B/2020, de 6 de abril; Lei n.º 14/2020, de 9 de maio; retificação n.º 20/2020, de 15 de maio; Lei n.º 16/2020, de 29 de maio; Lei n.º 28/2020, de 28 de julho; Lei n.º 58-A/2020, de 30 de setembro; Lei n.º 75-A/2020, de 30 de dezembro; Lei n.º 1-A/2021, de 13 de janeiro; Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro; e Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril).
No artigo 7.º dessa Lei n.º 1-A/2020 estatuíam-se diversas regras sobre os “prazos e diligências”, designadamente a praticar nos tribunais judiciais.
O teor deste normativo, na sua versão originária, era o seguinte:
“Artigo 7.º
Prazos e diligências
1— Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID -19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.
2— O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.
3—A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4—O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
5—Nos processos urgentes os prazos suspendem-se, salvo nas circunstâncias previstas nos n.ºs 8 e 9.
6—O disposto no presente artigo aplica -se ainda, com as necessárias adaptações, a: a)-Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;
b)-Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, e respetivos atos e diligências que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;
c)-Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares.
7—Os prazos tributários a que se refere a alínea c) do número anterior dizem respeito apenas aos atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como aos prazos para a prática de atos no âmbito dos mesmos procedimentos tributários.
8— Sempre que tecnicamente viável, é admitida a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada.
9—No âmbito do presente artigo, realizam-se apenas presencialmente os atos e diligências urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
10—São suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria.
11— Após a data da cessação da situação excecional referida no n.º 1, a Assembleia da República procede à adaptação, em diploma próprio, dos períodos de férias judiciais a vigorar em 2020”.

Em termos fundamentais, o preceito legal em apreço estabelece:
O decretamento ou reconhecimento de uma “situação excecional”;
A suspensão dos prazos, enquanto durar a situação excecional, quanto a actos que devam ser praticados em processos pendentes;
A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade enquanto durar a mencionada situação excecional.
Anotando este normativo evidenciava José Joaquim Fernandes Oliveira Martins (“A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março – uma primeira leitura e notas práticas”, in Julgar Online, março de 2020) o seguinte:
“A referência ao “regime das férias judiciais” é algo dúbia, até porque não existe, propriamente, um regime único das férias judiciais aplicáveis a todos os tribunais lato sensu, mas, em verdade, vários (e muito diversos) regimes das férias judiciais, resultantes, desde logo, dos Arts. 137.º e 138.º do Novo Código de Processo Civil e dos Arts. 103.º e 104.º do Código de Processo Penal.
Isto é, se o que o legislador queria, em primeiro lugar e como se extrai à evidência deste normativo, era suspender os prazos processuais em curso nos tribunais e noutros “órgãos jurisdicionais”, devê-lo-ia ter dito expressamente e não limitar-se a remeter, sem mais, para um “regime das férias judiciais” que, na realidade, é muito diverso nas várias jurisdições.
De resto, as “férias judiciais”, apesar de toda a confusão pública relativa às mesmas, existem para permitir que todos aqueles que trabalham nos tribunais possam gozar férias, articulando-se entre si no gozo das férias para permitir que continuem a correr os seus termos os processos urgentes, num período em que a generalidade das pessoas está de férias, evitando também que as tenham de interromper para participarem em diligências processuais.
Ora, não se vê como se pode querer aplicar, sem mais, esse “regime” a uma situação muito diversa, em que os juízes estão todos ao serviço (ou estão a faltar justificadamente), mesmo que à distância, e não irão cumprir, pelo menos até à Páscoa, férias pessoais, pelo que não se vê também que seja necessária, para já, a organização de turnos.
Por último, considera-se que poderão ainda ser proferidas, na jurisdição cível (e noutras jurisdições a que se aplique, mesmo que só subsidiariamente, a legislação processual civil), sentenças e despachos em processos conclusos para o efeito e pelos juízes titulares desses mesmos processos, dado que os mesmos não estão no gozo de férias pessoais e a generalidade desses processos nunca será abrangido (…) por um eventual regime de turnos (…)”.

Sobre as implicações desta previsão normativa no regime das citações, Miguel Teixeira de Sousa e J. H. Delgado de Carvalho (“As medidas excepcionais e temporárias estabelecidas pela L 1-A/2020, de 19/3 (repercussões na jurisdição civil)”, março de 2020, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2020/03/as-medidas-excepcionais-e-temporarias.html) referiam que “nos termos do disposto no art. 137.º, n.º 2, CPC (para o qual remete o art. 7.º, n.º 1, L 1-A/2020), os agentes de execução apenas podem praticar em juízo as citações e notificações postais (na medida em que o serviço postal o venha a permitir) (…) se [tais actos se] destinarem a evitar dano irreparável (…).
Para além daqueles actos, os agentes de execução não podem praticar outros actos em juízo, porque, em regra, não se pode praticar qualquer acto processual em qualquer processo (n.ºs 1 e 5 do art. 7.º L 1-A/2020) (…)”.
Procurando superar as críticas que foram surgindo, este artigo 7.º veio a ser alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 06 de Abril (art. 2.º) passando, desde então, a ter a seguinte redação:
“Artigo 7.º
[...]
1- Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.
2 - ...
3 - ...
4 - ...
5 - O disposto no n.º 1 não obsta:
a)- À tramitação dos processos e à prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b)- A que seja proferida decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal e demais entidades entendam não ser necessária a realização de novas diligências.
6 - Ficam também suspensos:
a)- O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
b)- Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.
7- Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:
a)- Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b)- Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, pode realizar-se presencialmente a diligência desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes;
c)- Caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas alíneas anteriores, aplica-se também a esses processos o regime de suspensão referido no n.º 1.
8- Consideram-se também urgentes, para o efeito referido no número anterior:
a)- Os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, referidas no artigo 6.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, na sua redação atual;
b)- O serviço urgente previsto no n.º 1 do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, na sua redação atual;
c)- Os processos, procedimentos, atos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável, designadamente os processos relativos a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.
9- O disposto nos números anteriores aplica-se, com as necessárias adaptações, aos prazos para a prática de atos em:
a)- [Anterior alínea a) do n.º 6.]
b)-Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais;
c)- Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares.
10- A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.
11-Durante a situação excecional referida no n.º 1, são suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
12- Não são suspensos os prazos relativos à prática de atos realizados exclusivamente por via eletrónica no âmbito das atribuições do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P.
13- (Anterior n.º 11.)”.
Quanto aos processos não urgentes, a redação inicial da Lei n.º 1-A/2020 estabelecia a sujeição destes processos ao regime das férias judiciais, com a consequente suspensão dos prazos processuais. Com a Lei n.º 4-A/2020, foi eliminada do artigo 7.º, n.º 1 a referência à aplicação do regime das férias judiciais, tendo-se determinado de forma expressa a suspensão dos prazos processuais até à cessação da situação excecional provocada pela COVID-19. No entanto, o número 5 do artigo 7.º veio estabelecer que a referida suspensão dos prazos não obstava à tramitação dos processos e à prática de atos processuais presenciais e não presenciais através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados (designadamente, teleconferência, videochamada ou outros), contanto que todas as partes entendessem ter condições para assegurar a sua prática por essas vias.
Quanto aos processos urgentes, a versão originária da Lei n.º 1-A/2020 havia determinado a suspensão dos prazos, ainda que com algumas exceções. Com a Lei n.º 4-A/2020 optou o legislador, diversamente, no sentido de que os processos urgentes continuassem a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências (cfr. n.º 7 do referido artigo 7.º).
A nova redação produziu efeitos retroativos a 09-03-2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes, cuja produção de efeitos se iniciou no dia 07-04-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020 (cfr. artigo 6.º da Lei n.º 4-A/2020).
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25-03-2021 (Pº 114/19.3T8RMR.E1, rel. FRANCISCO MATOS), a redação da nova lei “permitiu unificar o regime para todas as jurisdições [v.g. na jurisdição administrativa o prazo de impugnação de atos anuláveis não se suspende nas férias judiciais diferentemente do que se passa no domínio do processo civil em que os prazos processuais se suspendem durante as férias judiciais – cfr. artigo 58.º, n.º 2, do CPTA, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22/2 e artigo 138.º, n.º 1, do CPC] e da qual resulta, a nosso ver, sem qualquer dúvida, a suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais, em processos não urgentes, independentemente da sua duração”.
Comentando a previsão normativa do referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, refere Paulo Pimenta (“Prazos, diligências, processos e procedimentos em época de emergência de saúde pública (DL nº 10-A/2020, de 13 de Março, Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, e Lei nº 4-A/2020, de 6 Abril)”, Abril 2020, disponível em https://www.direitoemdia.pt/magazine/show/68) o seguinte:
“A conjugação dos nºs 1, 6, 9 e 10 do art. 7º da Lei mostra o seguinte quadro:
- por um lado, há suspensão de prazos para a prática de actos nos ditos processos e procedimentos, nas jurisdições indicadas (…);
-por outro, não se praticam quaisquer actos nas acções executivas, com duas únicas ressalvas, sujeitas a controlo judicial;
-por fim, o devedor não tem de se apresentar à insolvência enquanto durar a situação excepcional.
Deixando de lado o caso das acções executivas e o da apresentação do devedor à insolvência, o sentido da Lei é, claramente, o da paralisação generalizada dos processos e procedimentos acima referidos – é, pelo menos, o que se intui da previsão relativa à suspensão de prazos para a prática de actos processuais.
Com efeito, se estão suspensos os prazos para a prática de actos em processos e procedimentos, nos termos definidos na diversa legislação aplicável, daí resulta que a tramitação respectiva não tem desenvolvimento.
Por exemplo, proposta uma acção declarativa comum e citado o réu, estando suspenso o prazo da contestação, o respectivo processo não terá mais evolução.
E isto vale para qualquer situação em que, na sequência da iniciativa de uma das partes ou na sequência de uma decisão judicial, haja prazo para a prática de um acto, seja de resposta da contraparte, seja de reacção perante um despacho ou uma sentença. Também aqui o prazo, qualquer que seja, não corre, o que equivale a uma impossibilidade de a tramitação avançar (…)”.
No mesmo sentido, refere Luís Menezes Leitão (“Os prazos em tempos de pandemia Covid-19”, in Estado de Emergência - COVID-19 Implicações na Justiça, Coleção Caderno Especial, [Em linha], Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, Abril 2020, disponível na internet em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid19.pdf, p. 65) que, em face do referido regime legal, “as partes não são obrigadas a praticar qualquer acto processual enquanto durar o período de suspensão, como por exemplo a apresentação da contestação após a citação do réu, ou a impugnação de qualquer despacho ou sentença”.
Importa ainda referir que, paralelamente a estes diplomas, o legislador introduziu alterações ao regime da citação, publicando a Lei n.º 10/2020, de 18 de abril – vigorando desde 19-04-2020 - que veio estabelecer um regime excecional e temporário quanto às formalidades da citação e da notificação postal, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
Dispõe o artigo 2.º - com a epígrafe “Regime excecional” - da Lei n.º 10/2020, de 18 de abril o seguinte:
1- Fica suspensa a recolha da assinatura na entrega de correio registado e encomendas até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
2- A recolha da assinatura é substituída pela identificação verbal e recolha do número do cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio idóneo de identificação, mediante a respetiva apresentação e aposição da data em que a recolha foi efetuada.
3- Em caso de recusa de apresentação e fornecimento dos dados referidos no número anterior, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente na carta ou aviso de receção e devolve-o à entidade remetente.
4- Nos casos previstos no número anterior, e qualquer que seja o processo ou procedimento, o ato de certificação da ocorrência vale como notificação, consoante os casos.
5- Sem prejuízo do disposto no número anterior, as citações e notificações realizadas através de remessa de carta registada com aviso de receção consideram-se efetuadas na data em que for recolhido o número de cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio legal de identificação.
6-O disposto neste artigo aplica-se, com as necessárias adaptações, às citações e notificações que sejam realizadas por contacto pessoal”.

Sobre o regime desta Lei n.º 10/2020 referem Ana Rita Pecorelli, Carlos Fraga Figueiredo, Elisabete Assunção, Estrela Chaby, Maria Emília Melo e Castro e Patrícia Costa (“Algumas questões face à legislação aprovada no contexto da pandemia Covid-19 – Jurisdição Civil, Comercial e Processual Civil”, in Estado de Emergência - COVID-19 Implicações na Justiça, Coleção Caderno Especial, [Em linha], Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, Abril 2020, disponível na internet em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid19.pdf, pp. 302-303):
“A alteração legislativa visa minimizar os riscos de contágio da doença COVID-19, diminuindo a necessidade de contacto físico, contacto com documentos e proximidade física entre distribuidores de serviço postal e destinatários dos atos de citação e notificação, proximidade decorrente da aposição manuscrita de assinatura.
Assim, mantendo-se a entrega ao citando ou a terceiro, nos casos previstos na lei, da carta registada (assim, v., para as pessoas singulares, n.º 2, alínea b), e n.º 4 do artigo 225.º do Código de Processo Civil), estabelece-se, no que toca à citação por via postal, que fica suspensa a recolha de assinatura - artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 10/2020.
A recolha de assinatura mostra-se prevista, no que toca à citação por via postal, designadamente, nos n.ºs 2 e 3 do artigo 228.º, no n.º 1 do artigo 229.º do Código de Processo Civil, e, quanto às pessoas coletivas, decorre do disposto no n.º 1 do artigo 246.º do mesmo Código (v., expressamente, o n.º 3 deste preceito).
Nos termos do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 10/2020, a recolha de assinatura é substituída pela identificação verbal e recolha do número do cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio idóneo de identificação, mediante a respetiva apresentação e aposição da data em que a recolha (do número do cartão de cidadão) foi efetuada.
Estes atos materiais, em que há contacto com documentos e anotação manuscrita passam, pois, a ser praticados exclusivamente pelo distribuidor de serviço postal.
Nos termos do n.º 5 do artigo 2.º, as citações e notificações assim realizadas consideram-se efetuadas na data em que for recolhido o número de cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio legal de identificação (cf. com o disposto no artigo 230.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Quer a previsão do valor da recusa quer a da data relevante como prática dos atos, em caso de recusa, são adaptadas ao regime excecional – passa a relevar não a recusa de assinatura (cf., v.g., artigos 225.º, n.º2, alínea b), 228.º, n.º 6, 229.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), mas a recusa de apresentação e fornecimento dos dados, sendo lavrado pelo distribuidor de serviço postal nota do incidente, valendo o ato de certificação da ocorrência como notificação (a lei refere-se neste n.º 4 apenas à notificação, embora, face designadamente ao teor do n.º 5, pareça razoável a hipótese de se ter pretendido abranger também as citações, ato aliás por excelência abrangido pelas disposições em causa).
O n.º 6 do artigo 2.º determina a aplicação do regime às citações e notificações que sejam realizadas por contacto pessoal. A referência parece justificar-se na medida em que, também na citação mediante contacto pessoal por agente de execução ou por funcionário judicial (artigos 225.º, n.º 1, alínea c), 231.º do Código de Processo Civil), se mostra prevista a aposição de assinatura – assim, v. designadamente n.º 3 do artigo 231.º do Código de Processo Civil.
A recolha de assinatura deverá, também aqui, ser substituída pela identificação verbal e recolha do número do cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio idóneo de identificação, mediante a respetiva apresentação e aposição da data em que a recolha (do número do cartão de cidadão) foi efetuada.
De referir que o relevo prático destas regras de citação e notificação não pode deixar de ser visto à luz da geral suspensão dos prazos estabelecida pela Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020”.
O regime legal do referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 vigorou até 03-06-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que revogou o referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 (artigos 8.º e 10.º), colocando termo à suspensão generalizada dos prazos processuais, retomando-se a contagem dos prazos judiciais a partir de 03-06-2020 (inclusive), considerando-se, em cada prazo, o tempo decorrido até à declaração da sua suspensão.
“A Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que procedeu à revogação parcial da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, teve como consequência a cessação da suspensão dos prazos judiciais e dos prazos administrativos. A contagem dos referidos prazos, no âmbito de todos os tipos de processos judiciais (urgentes e não urgentes), é retomada a partir do quinto dia a contar da publicação do diploma (em resultado da vacatio legis estipulada no seu art. 10.º), cessando, assim, a suspensão extraordinária até então vigente” (assim, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21-01-2021, Pº 214/18.7BELSB, rel. PEDRO MARCHÃO MARQUES).
A revogação do mencionado artigo 7.º da Lei nº 1-A/2020, na redação dada pela Lei nº 4-A/2020, operada pela Lei n.º 16/2020, não repôs, todavia, a situação que existia à data anterior a 12 de Março de 2020, reconhecendo o legislador que, apesar de ser admissível atenuar as regras impostas pelo referido normativo, se tornava, ainda assim, necessário criar determinadas regras ainda excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID -19, dando origem à referida substituição do revogado artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, pelo então aditado artigo 6.º-A à mesma lei.
De facto, a Lei n.º 16/2020, de 29 de maio veio aditar à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, o artigo 6.º-A, com a seguinte redação:
“Artigo 6.º-A
Regime processual transitório e excecional
1- No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo.
2- As audiências de discussão e julgamento, bem como outras diligências que importem inquirição de testemunhas, realizam-se:
a)- Presencialmente e com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, de higiene e sanitárias definidas pela Direção-Geral da Saúde (DGS); ou
b)- Através de meios de comunicação à distância adequados, nomeadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, quando não puderem ser feitas nos termos da alínea anterior e se for possível e adequado, designadamente se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, embora a prestação de declarações do arguido ou de depoimento das testemunhas ou de parte deva sempre ser feita num tribunal, salvo acordo das partes em sentido contrário ou verificando-se uma das situações referidas no n.º 4.

3- Nas demais diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer outros atos processuais e procedimentais realiza-se:
a)- Através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente; ou
b)- Presencialmente, quando não puderem ser feitas nos termos da alínea anterior, e com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, higiene e sanitárias definidas pela DGS.

4- Em qualquer das diligências previstas nos n.º 2 e 3, as partes, os seus mandatários ou outros intervenientes processuais que, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal, devendo, em caso de efetivação do direito de não deslocação, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio legal ou profissional.
5- Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é garantida ao arguido a presença no debate instrutório e na sessão de julgamento quando tiver lugar a prestação de declarações do arguido ou coarguido e o depoimento de testemunhas.
6- Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório:
a)- O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;
b)- Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c)- As ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
d)- Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas anteriores;
e)- Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser feitas nos termos da alínea b) do n.º 2, da alínea b) do n.º 3 ou do n.º 7.
7- Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes.
8- O disposto nas alíneas d) e e) do n.º 6 prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo correspondente à vigência da suspensão.
9- Os serviços dos estabelecimentos prisionais devem assegurar, seguindo as orientações da DGS e da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais em matéria de normas de segurança, de higiene e sanitárias, as condições necessárias para que os respetivos defensores possam conferenciar presencialmente com os arguidos para preparação da defesa.
10- Os tribunais e demais entidades referidas no n.º 1 devem estar dotados dos meios de proteção e de higienização desinfetantes determinados pelas recomendações da DGS”.
Por seu turno, perante o agravamento excecional da situação de pandemia COVID-19, veio a ser aprovada a Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que veio determinar um conjunto de medidas excecionais, temporárias e de caráter urgente no âmbito do desenvolvimento da atividade judicial e administrativa, retomando e desenvolvendo, no essencial, medidas já anteriormente aplicadas no primeiro semestre de 2020 no quadro do combate à primeira vaga da pandemia.
Assim, a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro veio revogar o aludido artigo 6.º-A da Lei n.º 1-A/2020 (cfr. artigo 3.º).
E, para além disso, veio a alterar a referida Lei n.º 1-A/2020, aditando a este último diploma, entre outros, o artigos 6.º-B do seguinte teor:
“Artigo 6.º -B
Prazos e diligências
1— São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2— O disposto no número anterior não se aplica aos processos para fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
3— São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.
4— O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
5— O disposto no n.º 1 não obsta:
a)-À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;
b)- À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;
c)- À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
d)-A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.
6— São também suspensos:
a)- O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
b)- Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, com exceção dos seguintes:
i)- Pagamentos que devam ser feitos ao exequente através do produto da venda dos bens penhorados; e
ii)- Atos que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.
7— Os processos, atos e diligências considerados urgentes por lei ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando -se quanto a estes o seguinte:
a)- Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se, se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b)- Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, pode realizar -se presencialmente a diligência, nomeadamente nos termos do n.º 2 do artigo 82.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, competindo ao tribunal assegurar a realização da mesma em local que não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
8— As partes, os seus mandatários ou outros intervenientes processuais que, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal, devendo, em caso de efetivação do direito de não deslocação, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência realizar -se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio legal ou profissional.
9— Em qualquer das diligências previstas na alínea c) do n.º 5 e na alínea a) do n.º 7, a prestação de declarações do arguido e do assistente, bem como o depoimento das testemunhas ou de parte, devem ser realizadas a partir de um tribunal ou de instalações de edifício público, desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas orientações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
10— Para o efeito referido no n.º 7, consideram -se também urgentes, para além daqueles que, por lei ou por decisão da autoridade judicial sejam considerados como tal:
a)- Os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, referidas no artigo 6.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro;
b)- Os processos, procedimentos, atos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável ou de difícil reparação, designadamente os processos relativos a menores em perigo ou a processos tutelares educativos de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.
11— São igualmente suspensos os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família ou de entrega do locado, designadamente, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando, por requerimento do arrendatário ou do ex -arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
12— Nos atos e diligências realizados através de meios de comunicação à distância não se aplica, a não ser ao arguido, o disposto no n.º 3 do artigo 160.º do Código de Processo Civil e nos n.os 1 e 2 do artigo 95.º do Código de Processo Penal, o que é consignado pelo oficial de justiça no próprio auto.
13— Os serviços dos estabelecimentos prisionais devem assegurar, seguindo as orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS) e da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais em matéria de normas de segurança, de higiene e sanitárias, as condições necessárias para que os respetivos defensores possam conferenciar presencialmente com os arguidos para a preparação da defesa.
14— Os tribunais e demais entidades referidas no n.º 1 devem estar dotados dos meios de proteção e de higienização desinfetantes determinados pelas recomendações da DGS”.

De acordo com o novo regime determinou-se a suspensão dos prazos processuais nos processos não urgentes.
Sem prejuízo das exceções legais, este regime de suspensão aplica-se a todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal.
No entanto, tal suspensão não obsta:
- À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea iii. abaixo quando estiver em causa a realização de atos presenciais;
- À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;
- À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
- A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais sujeitos processuais referidos na lei entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para a interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.
Relativamente aos processos, atos e diligências considerados urgentes por lei (inclusive nos termos referidos no n.º 10 da nova redação) ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:
- Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais, se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
- Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, pode realizar-se presencialmente a diligência, nomeadamente nos termos do n.º 2 do artigo 82.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, competindo ao tribunal assegurar a realização da mesma em local que não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
As partes, os seus mandatários ou outros intervenientes processuais que, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal, devendo, em caso de efetivação do direito de não deslocação, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio legal ou profissional.
Estas medidas entraram em vigor em 02-02-2021, embora produzam efeitos à data de 22-01-2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados.
Este artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020 veio a ser revogado pelo artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, cessando o regime geral de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19 (com excepção do previsto no n.º 7 do novo artigo 6.º-E).
Em substituição deste normativo, a referida Lei n.º 13-B/2021 (que entrou em vigor em 06-04-2021 – cfr. artigo 7.º) aditou à Lei n.º 1-A/2020, um novo artigo 6.º-E do seguinte teor:
“Artigo 6.º-E
Regime processual excecional e transitório
1- No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo.
2- As audiências de discussão e julgamento, bem como outras diligências que importem inquirição de testemunhas, realizam-se:
a)- Presencialmente, nomeadamente nos termos do n.º 2 do artigo 82.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, na sua redação atual; ou
b)- Sem prejuízo do disposto no n.º 5, através de meios de comunicação à distância adequados, nomeadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, quando não puderem ser feitas nos termos da alínea anterior e a sua realização por essa forma não colocar em causa a apreciação e valoração judiciais da prova a produzir nessas diligências, exceto, em processo penal, a prestação de declarações do arguido, do assistente e das partes civis e o depoimento das testemunhas.
3-Em qualquer caso, compete ao tribunal assegurar a realização dos atos judiciais com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, de higiene e sanitárias definidas pela DGS.
4- Nas demais diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer outros atos processuais e procedimentais realiza-se:
a)- Preferencialmente através de meios de comunicação à distância adequados, nomeadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente; ou
b)- Quando tal se revelar necessário, presencialmente.
5- As partes, os seus mandatários ou outros intervenientes processuais que, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal, devendo, em caso de efetivação do direito de não deslocação, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio legal ou profissional.
6- Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é garantida ao arguido a presença no debate instrutório e na sessão de julgamento quando tiver lugar a prestação de declarações do arguido ou coarguido e o depoimento de testemunhas.
7- Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
a)- O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;
b)-Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c)-Os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
d)-Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas anteriores;
e) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser realizadas nos termos dos n.os 2, 4 ou 8.
8- Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não caprejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.
9- O disposto nas alíneas d) e e) do n.º 7 prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, que são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.
10- Os serviços dos estabelecimentos prisionais devem assegurar, seguindo as orientações da DGS e da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais em matéria de normas de segurança, de higiene e sanitárias, as condições necessárias para que os defensores possam conferenciar presencialmente com os arguidos e condenados.
11- Os tribunais e demais entidades referidas no n.º 1 devem estar dotados dos meios de proteção e de higienização determinados pelas recomendações da DGS”.
Em termos muito sintéticos pode resumir-se a sucessão de regimes normativos de acordo com o quadro seguinte:

Entrada vigorPROCESSOS NÃO URGENTESPROCESSOS URGENTES
Lei n.º 1-A/2020, de 19/312-03-2020Aplicação do regime das férias judiciais, (suspensão dos prazos).Suspensão, salvo nºs. 8 e 9 do artigo 7.º.
Lei n.º 4-A/2020, de 6/409-03-2020 (07-04-2020 quanto aos processos urgentes)Suspensão dos prazos processuais, não obstando à tramitação dos processos e à prática de atos processuais presenciais e não presenciais através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, contanto que todas as partes entendessem ter condições para assegurar a sua prática por essas vias.os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências
Lei n.º 16/2020, de 29/503-06-2020Retomada a contagem dos prazosSalvo o n.º 6 do art. 6.º-A, não há suspensão de prazos
Lei n.º 4-B/2021, de 1/202-02-2021 (produzindo efeitos a 22-01-2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados)Suspensão de prazos, com tramitação nos tribunais (incluindo superiores) de processos não urgentes (desde que todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados) A suspensão não obsta à tomada de decisão final nos processos em que o tribunal e demais entidades entendam não serem necessárias novas diligências (caso em que não se suspendem os prazos p/ recurso, arguição de nulidades, retificação ou reforma da decisão)Continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências.
Lei n.º 13-B/2021, de 5/406-04-2021Retomada a contagem dos prazosSalvo o n.º 7 do art. 6.º-E, não há suspensão de prazos ou diligências.

Importa ainda referir que, em termos gerais, o artigo 137.º do CPC determina o tempo de prática dos atos processuais estabelecendo o seguinte:
1- Sem prejuízo de atos realizados de forma automática, não se praticam atos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais.
2- Excetuam-se do disposto no número anterior as citações e notificações, os registos de penhora e os atos que se destinem a evitar dano irreparável.
3- Os atos das partes podem ser praticados por via eletrónica ou através de telecópia em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais.
4- Os atos das partes praticados por forma presencial junto do tribunal, nomeadamente a entrega de quaisquer articulados, requerimentos ou documentos, devem ser praticados durante as horas de expediente dos serviços”.

A citação, conforme decorre do preceituado no artigo 219.º, n.º 1, do CPC, é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (artigo 563.º do CPC). Constitui um ato processual fundamental, garantia do direito de defesa (art.º 3º, nº 1, do CPC).
Estão associados à citação inúmeros outros importantes, como a cessação da boa fé do possuidor; a estabilização da instância nos termos do artigo 260º CPC, a inibição do réu de propor acção destinada à apreciação do mesmo objecto (cfr. als. a) a c) do artigo 561º do CPC), a interrupção da prescrição (artigo 323º do CC), a constituição do devedor em mora nas obrigações sem prazo (cfr. artigo 805º do CC).
Nos termos do artigo 225º, n.º 1, do CPC, a citação de pessoas singulares é pessoal ou edital.
Nos termos do n.º 2 do artigo 225.º do CPC, a citação pessoal é feita mediante:
a)-Via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º;
b)-Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo;
c)-Contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando.
É ainda admitida a citação promovida por mandatário judicial, nos termos dos artigos 237.º e 238.º do CPC.
Por fim estabelece o n.º 4 do citado artigo que, “nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento.”
A citada norma é aplicável às pessoas coletivas por força do disposto no artigo 246º do CPC.
A citação exerce uma tripla função no contexto judicial, ao transmitir o conhecimento, ao fazer um convite ao réu para apresentar a sua defesa ou a sua versão dos acontecimentos, e ao constituir o réu como parte na acção (cfr. José Lebre de Freitas; A Acção Declarativa Comum, à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª ed., pp. 63-65)
“Por outras palavras, a citação em termos paradigmáticos transmite ao réu que foi instaurada contra o mesmo uma acção, e que o mesmo tem um prazo para responder ou defender-se, e que no caso de não apresentar tempestivamente essa defesa, serão admitidos os factos alegados pelo autor, com a inerente implicação de eventual procedência da acção” (assim, Ana Márcia do Amaral Vieira; Centralidade da Citação em Processo Civil no Contexto Judicial - Relatório Profissional, Dissertação de Mestrado, Universidade Portucalense, Porto, 2016, consultada em: http://repositorio.uportu.pt/jspui/bitstream/11328/1570/1/TMD%2049.pdf, p. 18).
Repare-se que o artigo 566.º do CPC prescreve que “se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo, o tribunal verifica se a citação foi feita com as formalidades legais e ordena a sua repetição quando encontre irregularidades”, impondo-se ao juiz o especial dever de verificação se a citação foi feita com as formalidades legais.
“O legislador ao estabelecer o regime do artigo 566º do CPC (…) está a exigir por parte dos Magistrados um controle extremamente rigoroso e objectivo quanto ao cumprimento das formalidades da citação (…).
No fundo atribui-se com este normativo (artigo 566 do CPC), ao Juiz, o papel de «guardião da segurança quanto ao cumprimento do princípio do contraditório» com a responsabilidade de analisar todo o processo relativo à citação – o «guardião da citação».
Consideramos ser o artigo principal relativo à citação e ao efectivo cumprimento do princípio do contraditório, ao zelar pela maior segurança para o Réu de que «será efectivamente ouvido» com a inerente responsabilidade judicial quanto à fiscalização da citação visando sempre o respeito pelo princípio constitucional da garantia de defesa do réu” (assim, Ana Márcia do Amaral Vieira; Centralidade da Citação em Processo Civil no Contexto Judicial - Relatório Profissional, Dissertação de Mestrado, Universidade Portucalense, Porto, 2016, consultada em: http://repositorio.uportu.pt/jspui/bitstream/11328/1570/1/TMD%2049.pdf, p. 80).
Por regra a efetivação da citação não é precedida de despacho judicial, incumbindo à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 226.º do CPC – dependendo a citação de prévio despacho judicial nos casos legalmente previstos, nos procedimentos cautelares, em todos os casos em que incumba ao juiz decidir da prévia audiência do requerido, quando se trate de citar terceiros chamados a intervir em causa pendente, no processo executivo nos termos do artigo 726.º, n.ºs. 6 e 7 e quando seja citação urgente – e da citação por agente de execução ou promovida por mandatário judicial.
A citação não traduz, por regra, a prática de um acto urgente.
Todavia, poderá revestir tal natureza urgente se se tratar de acto integrado em processos que revistam essa natureza ou se, lhe for conferida tal urgência (cfr. artigo 561.º do CPC).
Revertendo estas considerações para o caso em apreço, estamos perante acção declarativa, de natureza não urgente, não tendo sido requerida tal urgência quanto ao acto de citação.
A citação foi, nessa medida, promovida e efetivada, relembrando-se que as cartas remetidas para citação foram recepcionadas pelas rés em 15-01-2021.
Conforme resulta das considerações supra expendidas, nessa data – ainda não se encontrando em vigor a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro - encontrava-se retomada a contagem dos prazos que estavam suspensos por força do regime legal anterior, não havendo restrição de contagem de prazos que, então, se iniciassem.
Assim, em 16-01-2021, por via da citação operada, iniciou-se o prazo para a dedução de eventual contestação, em 30 dias, de harmonia com o disposto nos artigos 219.º, 230.º, n.º 1, 569.º, n.º 1, do CPC e 279.º, b) do CC.
Contudo, como se viu, com efeitos a partir de 22-01-2021, foram suspensos os prazos relativos a processos de natureza não urgente, como o dos autos, tramitados em tribunais judiciais, por força da publicação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro.
E, nessa medida, em resultado desta suspensão, o prazo para a dedução de eventual contestação suspendeu-se na data de 22-01-2021, quando tinham decorrido apenas 5 dias do prazo mencionado no artigo 569.º, n.º 1, do CPC.
Tal prazo apenas retomaria o seu curso em 06-04-2021, na sequência do regime que, nesse sentido, decorreria da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.
Sucede que, todavia, neste ínterim o Tribunal recorrido, por despacho proferido em 22-02-2021, julgou confessados os factos e emitiu sentença de condenação das rés, pressupondo o decurso integral do prazo que, contudo, como se viu, não se encontrava em curso, mas suspenso.
A decisão recorrida – quer a sentença prolatada, quer o despacho que a antecedeu – de 22-02-2021 mostra-se desconforme com o disposto no mencionado artigo 6.º-B aditado à Lei n.º 1-A/2020, pela Lei n.º 4-B/2021 de 1 de fevereiro, por não ter tido em conta o que resultava da sua previsão e da sua vigência.
Quando o juiz profere despacho a considerar confessados os factos alegados pelo autor por ausência de contestação deve verificar oficiosamente os requisitos para a prolação de tal despacho, a saber: a omissão de contestação do réu no prazo legal e a citação regular do réu na sua própria pessoa ou o réu ter juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação (assim, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, p. 53).
Para a prolação de tal despacho impunha-se ao juiz que verificasse oficiosamente o decurso do prazo para a contestação, a sua ausência e a citação regular das rés.
Dado que o tribunal deveria ter verificado o decurso do prazo da contestação, a questão suscitada pelas rés/recorrentes deixa de ser regulada pelo regime das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infracção praticada passar a estar coberta pela decisão, ao menos de modo implícito (neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pp. 384-385).
A este propósito distingue Miguel Teixeira de Sousa (Blog do IPPC, 28/01/2019 Jurisprudência 2018 (163), disponível em https://blogippc.blogspot.com/2019/01/jurisprudencia-2018-163.html) várias situações que se podem configurar no contexto das nulidades:
“Efectivamente, são possíveis três situações bastante distintas:
- Aquela em que a prática do acto proibido ou a omissão do acto obrigatório é admitida por uma decisão judicial; nesta situação, só há uma decisão judicial;
- Aquela em que o acto proibido é praticado ou o acto obrigatório é omitido e, depois dessa prática, é proferida uma decisão; nesta situação, há uma nulidade processual e uma decisão judicial;
- Aquela em que uma decisão dispensa ou impõe a realização de um acto obrigatório ou proibido e em que uma outra decisão decide uma outra matéria; nesta situação, há duas decisões judiciais.
No primeiro caso (…) o meio de reacção adequado é a impugnação da decisão através de recurso (…).
No segundo caso, o que importa considerar é a consequência da nulidade processual na decisão posterior. Quer dizer: já não se está a tratar apenas da nulidade processual, mas também das consequências da nulidade processual para a decisão que é posteriormente proferida.
Finalmente, no terceiro caso, há que considerar a forma de impugnação das duas decisões (…).
Se, apesar da omissão indevida de um acto, o juiz conhecer na decisão de algo de que não podia conhecer sem a realização do acto omitido (ou, pela positiva, conhecer de algo de que só podia conhecer na sequência da realização do acto), essa decisão é nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC) […].
O objecto do recurso é sempre uma decisão impugnada. Portanto, ou há vícios da própria decisão recorrida -- hipótese em que o recurso é procedente -- ou não há vícios da decisão impugnada -- situação em que o recurso é improcedente. O tribunal de recurso não pode conhecer isoladamente de nulidades processuais, mas apenas de decisões que dispensam actos obrigatórios ou que impõem a realização de actos proibidos e das consequências noutras decisões da eventual ilegalidade da dispensa ou da realização do acto.
É, aliás, porque o objecto do recurso é sempre a decisão impugnada e porque o tribunal ad quem só pode conhecer desse objecto que se deve entender que uma decisão-surpresa é nula por excesso de pronúncia. A opção é a seguinte: ou se entende que a decisão-surpresa é nula -- isto é, padece de um vício que se integra no objecto do recurso e de que o tribunal ad quem pode conhecer -- ou se entende que não há uma nulidade da decisão, mas apenas uma nulidade processual -- situação em que o tribunal ad quem de nada pode conhecer, porque, então, tudo o que conheça extravasa do objecto do recurso.”.

Ainda que na generalidade das nulidades processuais a sua verificação deva ser objecto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre esta incidir, tal solução é inadequada quando estão em causa situações em que o próprio juiz, ao proferir a decisão, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório ou implicitamente dá cobertura a essa omissão.
Nesses casos, a nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve comunica-se ao despacho ou decisão proferidos, pelo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso dessa decisão em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC (cfr., neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, 29-11-2016, Jurisprudência (496) Decisão-surpresa; nulidade; investigação da paternidade; caducidade, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2016/11/jurisprudencia-496_29.html; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de: 23-06-2016, Pº 1937/15.8T8BCL.S1, rel. ABRANTES GERALDES; 06-12-2016, Pº 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, rel. FONSECA RAMOS; e 22-02-2017, Pº 5384/15.3T8GMR.G1.S1, rel. CHAMBEL MOURISCO; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-11-1995, relator LUÍS FONSECA, in CJ 1995, V, 129 e de 11-07-2019, Pº 4794/18.9T8OER.L1-7, rel. MICAELA SOUSA).
Conforme se refere neste último acórdão de 11-07-2019: “A decisão de considerar confessados os factos surge perante a ré/recorrente como uma decisão-surpresa sendo este um vício que afecta a decisão (e não um vício de procedimento e, portanto, no sentido mais comum da expressão, uma nulidade processual). Com efeito, até esse momento não existia nenhum vício processual contra o qual a parte pudesse reagir. Tal decisão só é surpreendente porque se pronuncia sobre algo – o efeito cominatório da não apresentação de contestação - de que não podia conhecer antes de notificar a ré da desistência da instância e do reinício do prazo da contestação.
Nas circunstâncias descritas, a ré foi confrontada com uma decisão sem que lhe tenha sido proporcionada a oportunidade de exercer o contraditório e sem que tenha disposto da possibilidade de arguir qualquer nulidade processual por omissão de um acto legalmente devido, sendo a interposição de recurso o mecanismo apropriado para a sua impugnação”.
Verificado o vício intrínseco da decisão proferida em 22-02-2021, prolatada sem que se encontrasse decorrido, na íntegra, o prazo de contestação que legitimaria a prolação do despacho a declarar confessados os factos e a decisão que lhe sucedeu, impõe-se anular a referida sentença e o despacho que a antecedeu e, consequentemente, determinando que os autos baixem à 1ª instância para que aí seja concedido às rés/recorrentes o prazo de que dispõem para contestar, prosseguindo depois o processo a tramitação processual subsequente que se imponha.

*
No artigo 527.º, n.º 1, do CPC estipula-se que: “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”.
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cfr. artigo 529.º, n.º 1, do CPC).
As custas assumem, grosso modo, a natureza de taxa paga pelo utilizador do aparelho judiciário, reduzindo os custos do seu funcionamento no âmbito do Orçamento Geral do Estado (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2°, 3.ª ed., p. 418).
A taxa de justiça corresponde ao montante pecuniário devido pelo impulso processual de cada interveniente – cfr. artigo 529.º, n.º 2, do CPC – representando a contrapartida do serviço judicial desenvolvido, sendo fixada, de acordo com o disposto no mencionado artigo 529.º, em função do valor e complexidade da causa, nos termos constantes do Regulamento das Custas Processuais, e paga, em regra, integralmente e de uma só vez, no início do processo, por cada parte ou sujeito processual.
As custas em sentido amplo abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte - cf. art. 529°, n.° 1 do CPC -, sendo que a primeira corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa (cf. n.° 2 do art. 529°), ou seja, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (RCP), conforme o disposto nos seus artigos 5.° a 7.°, 11.°,13.° a 15.° e das tabelas I e II anexas.
Daqui se retira que o impulso processual do interessado constitui o elemento que implica o pagamento da taxa de justiça e corresponde à prática do acto de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais como a acção, a execução, o incidente, o procedimento cautelar e o recurso (cfr. Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 7.ª edição, p. 15).
Nos termos do artigo 529.º, n.º 3, do CPC, os encargos são as despesas resultantes da condução do processo correspondentes às diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, cujo regime consta essencialmente dos artigos 16.° a 20.°, 23.° e 24.° do aludido Regulamento.
E, de acordo com o disposto no art.º 530.º, n.º 4 do CPC, as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária nos termos do Regulamento, cujo regime consta essencialmente dos seus artigos 25.º, 26.º e 30.º a 33.º e da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril.
A conjugação do disposto no art.º 527.º, n.ºs. 1 e 2 com o n.º 6 do art.º 607.º e no n.º 2 do artigo 663.º do CPC permite aferir que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respectivo impulso processual.
De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. A condenação em custas rege-se pelos aludidos princípios da causalidade e da sucumbência, temperados pelo princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso e da justa medida (cfr. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, p. 359).
“Dá causa à acção, incidente ou recurso quem perde. Quanto à acção, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento (…)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre; Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., p. 419).
Assim, deve pagar as custas a parte que não tem razão, litiga sem fundamento ou exerce no processo uma actividade injustificada, pelo que interessa apurar o teor do dispositivo da decisão em confronto com a posição assumida por cada um dos litigantes.
O princípio da causalidade continua a funcionar em sede de recurso, devendo a parte neste vencida ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado, tendo presente, contudo, a especificidade acima apontada quanto à constituição da obrigação de pagamento da taxa de justiça, pelo que tal condenação envolve apenas as custas de parte e, em alguns casos, os encargos (cfr. Salvador da Costa, ob. cit., pp. 8-9).
Nos casos em que não haja vencedor nem vencido, onde, por isso, não pode funcionar o princípio da causalidade consubstanciado no da sucumbência, rege o princípio subsidiário do proveito processual, de acordo com o qual pagará as custas do processo quem deste beneficiou.
Como tal, sempre que haja um vencido, com perda de causa, é sobre ele que deve recair, na precisa medida desse decaimento, a responsabilidade pela dívida de custas. Fica vencido quem na causa não viu os seus interesses satisfeitos; se tais interesses ficam totalmente postergados, o vencimento é total; se os interesses são parcialmente satisfeitos, o vencimento é parcial.
“"Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses, ficando, pois, a seu cargo, a responsabilidade total ou parcial pelas custas” (assim, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-10-1997, P.º 97S079, rel. MATOS CANAS).
Quando não haja uma parte vencida, se também não existir uma outra vencedora, será responsável pelas custas aquele (ou aqueles) cuja esfera se mostrar favorecida, e também na sua exacta medida, em face do teor da decisão.
Conforme se referiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2019 (P.º Proc. 45824/18.8YIPRT-A.L1 7ª Secção, rel. MICAELA SOUSA), “existindo um vencedor, por princípio e natureza, não lhe pode ser imputada a responsabilidade pela obrigação do pagamento das custas por ser de afastar, naturalmente, a causalidade. Ou seja, por regra, o vencedor é aquele que obteve ganho de causa. Ainda que este ganho de causa implique necessariamente um proveito, não é este proveito que releva quando se recorre ao respectivo princípio subsidiário, pois que, tal como resulta do n.° 1 do art. 527°, n.° 1 do CPC, apenas não havendo vencimento é que funciona o critério subsidiário do proveito.
Mas havendo um vencedor e não se encontrando uma parte vencida, esta não pode ser condenada no pagamento de custas porque não se verifica a causalidade (não deu causa à acção ou ao recurso), mas também aquele não o pode ser precisamente por ter havido vencimento (o que afasta o critério do proveito).
Nestas situações, impõe-se encontrar uma outra solução.
Será apenas quando perante a resolução do litígio não se descortine nem um vencido, nem um vencedor, que a responsabilidade tributária terá de assentar então no critério do proveito, isto é, em função das vantagens obtidas”.
No caso dos autos, as recorrentes/apelantes obterão “ganho de causa”, relativamente à pretensão recursória que trouxeram a juízo, ou seja, lograram obter a revogação do despacho que declarou confessados os factos articulados na petição inicial do autor e a sentença subsequente.
Contudo, o autor/recorrido não deu causa ao recurso, não tendo, como se viu, tido vencimento.
O autor - que não contra-alegou - é alheio à sorte do recurso, não lhe podendo ser oposto o critério da causalidade.
Assim, de acordo com o exposto, o critério da causalidade, não se mostra operante relativamente a qualquer das partes.
Mas, então, dever-se-á lançar mão do critério da vantagem ou proveito processual?
Salvador da Costa, aponta um caminho (no texto “Segmento decisório “sem custas” - Acórdão da Relação de Guimarães de 31.10.2018, no texto “Dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na globalidade do processo - Acórdão da Relação de Évora de 14.03.2019 (Jurisprudência 2019 (56))”, disponíveis no Blog do Instituto Português do Processo Civil – IPPC, em https://blogippc.blogspot.com/), relativamente a situação semelhante, embora no âmbito de procedimento cautelar de arresto – decidido sem audiência da parte contrária – em que a requerida não teve intervenção nem no procedimento, nem no recurso do despacho que indeferiu liminarmente a petição cautelar, concluindo o seguinte:
“(…) recebido pela secretaria o requerimento da sociedade A para a implementação do procedimento cautelar de arresto contra B, a instância iniciou-se, mas não produziu efeitos em relação à última, porque para aquele procedimento não foi citada, visto que a pretensão da primeira foi liminarmente indeferida, a que logo se seguiu o processado do recurso.
Em consequência, a sociedade B não pôde intervir no procedimento cautelar de arresto, nem antes ou depois da prolação do despacho de indeferimento liminar da petição inicial, nem na face do recurso de apelação daquele despacho.
Os critérios de fixação da responsabilidade das partes e dos sujeitos processuais pelo pagamento das custas processuais constam essencialmente do disposto no artigo 527.º do mencionado Código.
O seu n.º 1 estabelece, além do mais que aqui não releva, que na decisão que julgue o recurso deve condenar-se no pagamento das custas a parte que lhes tiver dado causa ou, não havendo vencimento, a parte que dela tirou proveito.
Em conexão face ao disposto no n.º 1 daquele artigo, estabelece o seu n.º 2, em jeito de presunção, dever entender-se ter dado causa às custas processuais a parte vencida, na respetiva proporção.
Decorre destas normas que a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais assenta em dois princípios fundamentais: o da causalidade, que é o principal, e o do proveito, este de função subsidiária.
As referidas normas de responsabilidade pelo pagamento de custas estão conexionadas com o disposto no n.º 6 do artigo 607.º do mesmo Código, do qual decorre que, no final do acórdão, o coletivo de juízes do tribunal ad quem deve condenar os responsáveis no pagamento das custas processuais, estabelecendo a proporção da concernente responsabilidade, naturalmente se for caso disso.
Uma vez que a sociedade B não interveio na instância do procedimento cautelar, incluindo a fase de recurso, neste não podia ser considerada parte vencida, pelo que nele não podia ser condenada no pagamento das custas.
Com efeito, como a sociedade A teve êxito no recurso da decisão de indeferimento liminar do requerimento de implementação do procedimento cautelar de arresto, não pode funcionar o princípio da causalidade, pressuposto da condenação da parte vencida no pagamento de custas, a que se reportam os n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º daquele Código.
Temos, pois, que, no recurso ajuizado não há parte vencida, seja do lado ativo, seja do lado passivo, mas há uma parte, a sociedade A, que do recurso tirou proveito, na medida em que, por virtude da sua procedência, logrou o prosseguimento dos termos normais do procedimento cautelar de arresto.
Em consequência, ex vi do referido princípio do proveito, a que se reporta o n.º 1 do artigo 527.º daquele Código, a responsabilidade pelo pagamento de custas do recurso impende sobre a sociedade A, se, porventura, não houver razões de facto e ou de direito que a isso obstem.
Reitera-se que o conceito de custas em sentido amplo envolve as vertentes da taxa de justiça, dos encargos e das custas de parte, conforme decorre do n.º 1 do artigo 529.º do aludido Código.
Mas a sociedade A procedeu ao pagamento da taxa de justiça relativa ao recurso aquando da apresentação em juízo do requerimento para a sua implementação, com as respetivas alegações, nos termos dos artigos 529.º, n.º 2, 530.º, n.º 1, daquele Código, e 7.º, n.º 2, e 14.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.
Isso significa que a sociedade A já cumpriu a sua obrigação de pagamento da taxa de justiça relativa ao recurso, pelo que não há fundamento legal para a condenar no seu pagamento nessa sede.
Quanto aos encargos, segunda vertente do conceito de custas lato sensu, resulta do n.º 3 do artigo 529.º do referido Código que os do processo envolvem as despesas atinentes a diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, ou pelo coletivo de juízes, conforme os casos.
Ora, decorre da fase processual do recurso em causa que neste não foram realizadas diligências que tivessem implicado a realização de alguma despesa suscetível de qualificação como encargo processual.
Em consequência, inexiste fundamento legal para a condenação da sociedade A, no recurso, no pagamento de qualquer quantia a título de encargos.
Resta a análise da terceira vertente do conceito de custas lato sensu, ou seja, as custas de parte que, nos termos do n.º 4 do artigo 529.º daquele Código, compreendem o que cada parte tenha despendido com o processo e tenha direito a ser compensada nos termos dos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais.
Conforme resulta do disposto nos artigos 533.º, n.º 2, daquele Código, e 26.º, n.º 3, do mencionado Regulamento, as custas de parte, a crédito da parte vencedora na ação e ou no recurso, e a débito da parte vencida, na respetiva proporção, abrangem as taxas de justiça, os encargos suportados pelas partes e o dispêndio com honorários pagos a mandatário judicial e as despesas por este realizadas.
Como a sociedade B não interveio no recurso, não é credora de custas de parte em relação à sociedade A, pelo que esta não é responsável por qualquer pagamento a esse título.
(…) Com base no exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1.ª– O segmento “sem custas”, constante da parte final do acórdão da Relação, está afetado de nulidade por falta absoluta de fundamentação;
2.ª– A responsabilidade das partes pelo pagamento das custas processuais em geral assenta no critério principal da causalidade e, não havendo vencimento, no critério subsidiário do proveito;
3.ª– Como se trata de um recurso do despacho de indeferimento liminar da petição inicial relativa ao procedimento cautelar de arresto, em que a requerida B não pôde intervir, só a recorrente A, com base no critério do proveito, podia ser condenada no pagamento das custas, se a tal nada obstasse.
4.ª– Uma vez que a recorrente A pagou previamente a taxa de justiça relativa ao recurso, e este não envolveu encargos, e a requerida B nele não interveio, a primeira não é responsável pelo pagamento de custas.
5.ª– O segmento do acórdão da Relação “sem custas” corresponde ao derivado dos factos e da lei”.
Em textos ulteriores, o mesmo Autor desenvolve semelhante posição (vejam-se, por exemplo, no mesmo local, os textos intitulados “Condenação do pagamento de custas da parte vencida a final - Acórdão do Tribunal Relação da Relação de Évora de 2.10.2018 -(publicado em Jurisprudência 2018 (160))”, “Segmento decisório “sem custas” - Acórdão da Relação de Guimarães de 31.10.2018”, “Custas a final pela parte vencida - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2018”, “Custas pela parte vencida a final face aos princípios da causalidade e do proveito - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.1.2019 (Publicado em Jurisprudência 2019 (3))” e “Custas do recurso conforme for devido a final - Acórdão da Relação do Porto de 10.1.2019 (publicado em Jurisprudência 2019 (38))”.
Considera o referido Autor que o critério do proveito será operante se, porventura, não houver razões de facto e ou de direito que a isso obstem.
Ora, não nos parece que a fixação de responsabilidade decorrente do disposto no artigo 527.º do CPC, exigida por via do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, possa resumir-se a uma decisão que verifique uma ausência de responsabilidade (“sem custas”).
Se, por exemplo, os autos de recurso tivessem originado, nesta fase – ainda que sem intervenção do autor- encargos, por hipótese, decorrentes de uma perícia oficiosamente determinada pelo Tribunal (v.g. perícia com vista a determinar os elementos que foram submetidos no requerimento inicial, etc.) – a decisão “sem custas” seria incompreensível.
Não se pode, de facto, olvidar a prescrição geral de tributação processual – não afastada por qualquer norma de isenção tributária – constante do artigo 1.º, n.º 1, do RCP e do seguinte teor: “Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento”.
Na realidade, não havendo isenção tributária, o recurso em questão está sujeito a tributação, aspecto que é preliminar face à determinação da responsabilidade das partes relativamente a custas.
Assim, parece-nos claro que, inexistindo norma que dispense tributação, deve ser apurada a responsabilidade tributária decorrente da instância gerada e do facto de ter desenvolvido actividade jurisdicional relevante para efeitos de custas, dos eventuais encargos assumidos e das custas de parte que poderá ter determinado.
Reiterando a necessidade de consideração dos critérios tributários da causalidade e do proveito – em detrimento de uma solução que isente de tributação o recurso – certo é que, no caso, não se compreenderia – verifica-se, como se disse supra, que o critério do vencimento não é prestável e, do mesmo modo, afigura-se que seria patente a injustiça da decisão (assinalando-se que todos os encargos de uma instância recursória ganhadora ficariam, incompreensivelmente, a cargo daquele que ganhou o recurso!) que, sem mais, determinasse que tais eventuais encargos ficassem a cargo do recorrente, porque teria tirado proveito do recurso.
E, de semelhante modo, também é patente que o “proveito” do recurso não é, por ora, encontrado na esfera da autora, pois, a revogação da decisão não lhe é favorável (implicando o prosseguimento dos autos).
No caso dos autos, no momento em que é proferida a presente decisão não é possível afirmar que o desfecho da apelação, ainda que anulando o decidido em 1ª instância, se reflecte negativamente na esfera do autor.
A causalidade e o proveito não são, neste concreto ponto, congruentes e, como se viu, não parece que a questão se possa resumir a uma decisão enunciativa de uma não responsabilização tributária de qualquer das partes.

Quid iuris?

“Não obstante esta situação, seguro é que se impõe a tributação em custas, mesmo num caso como o dos autos, atento o estatuído no art. 1° do RCP e, bem assim, a ausência de qualquer isenção prevista na lei (cf. art. 4° do RCP)” (assim, o citado acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2019 (P.º Proc. 45824/18.8YIPRT-A.L1 7ª Secção, rel. MICAELA SOUSA).
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 579, nota 4) “salvo quando exista alguma isenção objetiva (artigo 4.º, nº 2, do RCP), todas as ações (incluindo incidentes ou recursos) implicam o pagamento de custas (art. 1.º do RCP)”.
Seria ilegal a decisão que reconhecesse uma isenção tributária não prevista na lei.
Na situação em apreço, porque se está perante uma decisão interlocutória – não tendo, como se viu, sentido uma decisão que sublinhe a ausência de responsabilização por custas e, igualmente, sendo, para além de injusto, prematuro, recorrer à situação extrema de responsabilizar a autora, ou os réus, pelas custas – e ponderando o sentido do comando normativo constante dos n.ºs. 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, afigura-se que a decisão que se impõe é a de relegar a decisão sobre a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso para aquela que decida sobre a responsabilidade tributária da decisão final.
Ou seja: O critério da causalidade (tal como enunciado na previsão contida no n.º 2 do artigo 527.º do CPC) adquirirá, relativamente a esta instância interlocutória, plena operatividade quando for conhecida a parte vencida da causa principal, a parte vencida da decisão nuclear e final do processo, podendo encontrar-se, nesse momento, aquele a quem deva ser imposta a obrigação de custas - no sentido de que se enquadra no iter processual que conduzirá a uma decisão final sobre o mérito do litígio (da acção e, eventualmente, da reconvenção) – e que permite patentear, ainda que em ulterior momento, a quem é imputável a instância recursória julgada.
Parece-nos, pois, ter plena aplicação a jurisprudência vertida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-01-2011 (processo n.º 277/08.3TBSRQ-F.L1-7, rel. LUÍS LAMEIRAS), onde, em situação similar, se concluiu nos seguintes termos:
“(…) [T]odo o processo tem um objectivo primordial, que é o da obtenção de uma regulação jurídica, declarada ou efectiva, de interesses de direito material; e que é o caminho para se lá chegar que tem um custo, em parte representado pelas custas a pagar.
Este núcleo duro de custas tem sempre um responsável final; alguém que se volve em sujeito passivo das custas por se reconhecer que, à luz de tudo, deve ser ele a suportar o encargo; seja por ser vencido; seja pelo proveito obtido; seja, em derradeiro critério, por ser aquele que desencadeou o funcionamento da máquina judiciária. Por isso, e em todo o caso, o artigo 659º, nº 3 [correspondendo ao actual artigo 607.º, n.º 3] (…) exige (…) que se defina, com expressividade e clareza, quem são os responsáveis pelas custas e qual a relativa proporção da dívida.
Ora, do nosso ponto de vista, faz sentido que, na falta de uma outra referência juridicamente atendível, seja a esta derradeira distribuição que venha a aderir toda a restante responsabilidade a que, entretanto, não houvera oportunidade, ou possibilidade, de encontrar ajustado devedor. A autonomia tributária, que porventura houvesse, cede na parte da repartição de responsabilidade; e a quem seja onerado pelo custo global e final da acção acrescerá, na mesma proporção, por se entender que a essa principal responsabilidade devem ter adesão aquelas outras conexas ou meramente instrumentais, a dívida de custas gerada pelo acto ou termo a que antes se não conseguiu conhecer responsável.
A dívida interlocutória de custas adere, nesta óptica, à dívida final, referente à contrapartida global do “pacote” de serviço de justiça prestado; nascendo a respectiva obrigação na esfera daquele que, a final, venha a ser reconhecido como o devedor das principais custas da acção. É o que comummente se chama de dívida de custas pela parte que seja vencida a final (…)”.
Sobre casos de condenação das partes no pagamento das custas devidas a final, admitindo a figura, na vigência do RCP, vd., para além do citado acórdão do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-01-2011, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-04-2010 (proc. 1057/09.4TBVFR-A.P1, rel. ANA PAULA AMORIM), o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-10-2012 (Processo 2625/11.0TBGDM.P1, rel. TELES DE MENEZES), o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-03-2015 (Processo 5150/10.2TBVNG-C.P1 rel. LEONEL SERÔDIO), o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16-12-2015 (Processo 12356/15, rel. CATARINA JARMELA), o acórdão do Tribunal da Relação de Évora (Processo 969/17.6T8PTM.E1, rel. PAULA DO PAÇO) e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10-10-2019 (Processo n.º 1582/12.0TBCTX-A.E1, rel. PAULO AMARAL).
Conclui-se, pois, que a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso deverá ser relegada para a parte que seja vencida a final e na proporção em que o for (cfr. artigo 527.º, n.º 1, do CPC).

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5.– Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível em anular o despacho de 22-02-2021 que declarou confessados os factos articulados na petição inicial e a sentença que lhe sucedeu e, consequentemente, determinando que os autos baixem à 1ª instância para que aí seja concedido às rés/recorrentes o prazo remanescente de que dispõem para contestar, prosseguindo depois o processo a tramitação processual subsequente que se imponha.
Custas pela parte vencida a final, na proporção em que o for (cfr. artigo 527.º, n.º 1, do CPC).
Notifique e registe.

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Lisboa, 1 de julho de 2021.



Carlos Castelo Branco – Relator (assinado eletronicamente).
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa1.ªAdjunta (assinado eletronicamente).
Orlando Santos Nascimento – 2.º Adjunto(Votando em conformidade com o decidido – cfr. artigo 153.º, n.º 1, do CPC e artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio (declaração do relator).