Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27827/18.4T8LSB.L1-9
Relator: CALHEIROS DA GAMA
Descritores: PRESCRIÇÃO
REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
DETERMINAÇÃO DO MÁXIMO DA PENA APLICÁVEL
ELEMENTOS DO TIPO
CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I - Nos termos do disposto no n.º 2, do art. 118.º, do Código Penal, referente aos prazos de prescrição do procedimento criminal, para efeito do disposto no n.º 1 do mesmo artigo, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes. Porém, tais circunstâncias são as comuns, integradas na Parte Geral, designadamente a reincidência, mas não as atenuantes ou agravantes que, na Parte Especial, deram lugar a novos tipos, privilegiados ou qualificados, como é o caso dos presentes autos no tocante ao crime de tráfico de estupefacientes, agravado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, als. b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, imputado ao arguido, bem como também não a atenuação da pena, que é obrigatória, resultante da prática a título de mera cumplicidade de ambos os crimes imputados ao arguido, sendo que de acordo com o art. 27.º nº 2 do Código Penal, « é aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada »;

II - Deste modo, atenta a data da prática dos factos imputados ao arguido AA , bem como das abstratas molduras penais dos crimes pelos quais está o mesmo pronunciado a título de cumplicidade (pena de prisão de 1 a 10 anos para o tráfico agravado e pena de prisão de 1 mês a 8 anos de prisão para o branqueamento) e respetivos prazos de prescrição do procedimento criminal (sendo o normal o mesmo – de 10 anos – para ambos, e não de 15 anos como defende o recorrente, e com início da sua contagem, em 24 de julho de 1996) e ainda dos períodos temporais em que tais prazos prescricionais estiveram quer suspensos quer interrompidos, e visto as disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.ºs 1 e 4, 27.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, 118.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, 119.°, n.ºs 1 e 2, 120.º, n.ºs 1, alíneas b) e c) e 3. e 121.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, todos do Código Penal e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça fixada no seu Assento n.º 2/89, de 15 de fevereiro de 1989, e acórdão de 15 de junho de 2000, verifica-se que o decurso do prazo máximo da prescrição do procedimento criminal quanto ao arguido ocorreu em 10 de Novembro de 2018, encontrando-se assim prescritos os correlativos procedimentos criminais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. No âmbito do processo comum n.º 27827/18.4T8LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 22, foi proferido, em 15 de dezembro de 2018 e constante de fls. 5779 a 5783, o seguinte despacho judicial:
“Em 11.07.1997, por despacho de fls. 4224v a 4250, foi deduzida acusação, entre outros, contra o arguido AA, tendo-lhe sido imputada a prática de "um crime previsto e punível pelo art. 28.º, n.º 2, do DL 15/93, de 22 de Janeiro", de "um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, alíneas b) e c), do DL 15/93, de 22 de Janeiro", e de "um crime p. e p. pelo art. 23.º, n.º 1, alínea a), do DL 15/93, de 22 de Janeiro".
O arguido foi pessoalmente notificado da acusação em 22.07.1997 (fls. 4357).
Por seu turno, em 06.11.1997, o arguido foi pronunciado pela prática entre Abril de 1996 e 24.07.1996 como "cúmplice dos crimes de que o arguido BB vai pronunciado, p. e p. pelas disposições legais referidas em a) [arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, alíneas b) e c), do DL n.º 15/93; art. 23.º, n.º 1, alínea a), do DL n.º 15/93] e ainda nos termos do art. 27.º do CP" (fls. 5116 a 5156).
Em 30.06.1998 foi determinada a separação de processos relativamente ao arguido AA (fls. 5469 e 5470), tendo este sido declarado contumaz em 10.11.1998 (fls. 5475 e 5476).
Por fim, em 07.12.2018, o arguido foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva[1], tendo-se considerado estar fortemente indiciada a prática pelo mesmo, "como cúmplice, [de] um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, p. e p. pelos arts. 27.º do Código Penal, 21.º, n.º 1, e 24.º, als. b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, e [de] um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368.º-A, n.ºs 1 a 4 e 10, do Código Penal [anteriormente, p. e p. pelo art. 23.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01]" (fls. 5762 a 5767).
*
Ao longo do período temporal que vem decorrendo desde a ocorrência dos factos imputados ao arguido AA sucederam-se diversos regimes jurídico-penais, sendo que, de acordo com o Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/89, de 15.02.89, "em matéria de prescrição do procedimento criminal deve aplicar-se o regime mais favorável ao réu ( ... )"( Publicado no D.R., I-A, de 17.03.1989). Por outro lado, de harmonia com a jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça, abundantemente citada no acórdão deste Tribunal de 15.06.2000, "a opção pelo regime mais favorável, nos termos do art. 2.º, n.º 4, do Código Penal, deve ser feito em bloco, com aplicação global e não pela combinação de normas do regime anterior com normas do regime penal novo, ainda que aplicando todas as normas que integrem cada um dos institutos que tiverem que ser considerados, face a cada sistema", acrescentando-se no mesmo aresto que, "por isso, não se podem aproveitar as normas que definem o crime e fixam a respectiva moldura
penal de um regime e as normas que regulamentam o instituto da prescrição de outro, para concluir que o procedimento criminal pelo crime se encontra prescrito” (In CJ (STJ), Ano VIII, Tomo II, p. 218).

Prevê o n.º 1 do art. 2.º do Código Penal que as penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem, acrescentando o n.º 4 do mesmo preceito legal que quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente. No que concerne aos crimes pelos quais o arguido se mostra pronunciado, o regime legal aplicável assenta na versão originária do Dec.-Leí n.º 15/93, de 22.01, e nas alterações introduzidas neste diploma legal pela Lei n.º 45/96, de 03.09, e pela Lei n.º 11/2004, de 27.03, sendo que por meio desta foi ainda aditado ao Código Penal o art. 368.º-A, o que releva em face da imputação ao arguido da prática de factos integradores do tipo de crime de branqueamento. Por seu turno, no caso, o regime jurídico da prescrição do procedimento criminal assenta na versão originária do Código Penal, introduzida pelo Dec.-Lei n.º 48/95, de 15.03, e nas alterações que o mesmo sofreu por força da entrada em vigor da Lei n.º 65/98, de 02.09, da Lei n.º 59/2007, de 04.09, e da Lei n.º 19/2013, de 21.02.
Na situação concreta dos autos, até à entrada em vigor da referida Lei n.º 19/2013 não se suscitou a questão da prescrição do procedimento criminal, pois tendo-se mantido ao longo do tempo a incriminação da factualidade que é imputada ao arguido e tendo este sido declarado contumaz em 10.11.1998, o prazo de tal prescrição mantinha-se suspenso enquanto vigorasse a declaração de contumácia (cf. as versões do art. 120.º do Código Penal anteriores à vigência da Lei n.º 19/2013). No entanto, por força da entrada em vigor da Lei n.º 19/2013, o n.º 3 do art. 120.º do Código Penal passou a prever que a suspensão da prescrição do procedimento criminal assente na circunstância de vigorar a declaração de contumácia não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição.
Da aplicação em bloco das normas que definem o crime e fixam a respectiva moldura penal e das normas que regulamentam o instituto da prescrição do procedimento criminal, temos um único regime jurídico fixado pelo Dec.-Lei n.º 48/95 (quanto ao prazo de prescrição e ao início do mesmo) e pelas Leis n.º 11/2004 (relativamente à moldura abstracta das penas previstas para os crimes de tráfico agravado e de branqueamento), n.º 59/2007 (no que respeita à interrupção do prazo de prescrição) e n.º 19/2013 (no que concerne à suspensão do prazo de prescrição).
Assim, no que tange ao prazo de prescrição do procedimento criminal, no caso, atento o disposto no art. 118.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, é o mesmo de 10 anos. Na verdade, os crimes cuja prática como cúmplice é imputada ao arguido são puníveis, o de tráfico agravado com pena de prisão de 1 a 10 anos [arts. 27.º, n.º 2, e 73.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do Código Penal, e 21.º, n.º1, e 24.º, al. b) e c), ambos do Dec.-Lei n.º 15/93], e o de branqueamento com pena de prisão de 1 mês a 8 anos
[arts. 27.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, als. a) e b], e 368.-A, n.ºs 1 a 4 e 10, do Código Penal]. Conforme refere PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, "a medida abstracta da pena aplicável é a do crime qualificado ou privilegiado, sempre que a circunstância agravante ou atenuante seja levada em conta para a formação de um tipo criminal autónomo" e "havendo crime na forma de tentativa ou cumplicidade, deve atender-se à respectiva moldura penal atenuada, porque se trata de casos de atenuação especial
obrigatória da pena" (In Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora: Lisboa, 2015, p. 93).

O início do prazo de prescrição do procedimento criminal, de harmonia com o estatuído no art. 119.º, n.º 1, do Código Penal, teve lugar em 24.07.1996.
Em 22.07.1997, com a notificação ao arguido da acusação, ocorreu uma causa simultaneamente de suspensão e de interrupção do referido prazo de prescrição do procedimento criminal [arts. 120.º, n.º 1, al. b), e 121.º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal].

Por seu turno, em 10.11.1998, com a declaração de contumácia do arguido, voltou a ocorrer uma causa simultaneamente de suspensão e de interrupção do referido prazo de prescrição do procedimento criminal [arts. 120.º, n.º 1, al. c), e 121.º, n.º 1, al. c), ambos do Código Penal].
A suspensão do prazo de prescrição decorrente da notificação da acusação não ultrapassou três anos (art. 120.º, n.º 2, do Código Penal), pois antes de tal suceder ocorreu nova causa de suspensão baseada na vigência da declaração de contumácia. Ou seja, o prazo de prescrição do procedimento criminal esteve ininterruptamente suspenso a partir de 22.07.1997. No entanto, conforme já se deixou expresso, após a entrada em vigor da Lei n.º 19/2013, o n.º 3 do art. 120.º do Código Penal passou a prever que a suspensão da prescrição do procedimento criminal assente na circunstância de vigorar a declaração de contumácia não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição que, no caso, é de 10 anos. Nestes termos, por força da declaração de contumácia do arguido, o prazo de prescrição do procedimento criminal
esteve suspenso
entre 10.11.1998 e 10.11.2008.
Prevê o n.º 2 do art. 121.º do Código Penal que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. Temos assim que, depois de terminar o referido período de suspensão, em 10.11.2008 voltou a correr novo prazo de prescrição de 10 anos. Entre 10.11.2008 e 10.11.2018 não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição do procedimento criminal e, por esta razão, a este período temporal não é aplicável o disposto no n.º 3 do art. 121º do Código Penal. Na verdade, o prazo normal de prescrição decorreu integralmente entre 10.11.2008 e 10.11.2018 sem que se tivesse interposto qualquer causa de interrupção da prescrição.
Em suma, à luz do regime jurídico-penal actualmente em vigor, a prescrição do procedimento criminal teve lugar em 10.11.2018.
Assim, e por tudo o exposto:
- Julgo extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado contra o arguido AA;
- Revogo a medida de coacção de prisão preventiva imposta ao arguido AA - art. 212.º, n.º1, aI. a), do Código de Processo Penal.
Notifique.
Passe mandado de libertação do arguido, a ser cumprido de imediato, remetendo-o via fax ao estabelecimento prisional.
*
Consigno que, por ser Sábado, diligenciei junto do Serviço de Turno à Comarca de Lisboa no sentido de ser assegurado o cumprimento do despacho que antecede.(fim de transcrição).

2. O Ministério Público, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

a) Em 6/11/1997, o arguido foi pronunciado pela prática, entre Abril de 1996 e 24/07/1996, como cúmplice, de 1 (um) crime de tráfico, agravado, p. e p. pelos arts. 21.°, n.º l , e 24.°, alíneas b) e c), e de 1 (um) crime p. e p. pelo art. 23º, n.º 1, alínea a) [atual art.368.º-A, nºs.1 a 4 e 1 0, do C.P.], do D.L. nº 1 5/93, e ainda nos termos do art. 27.º do CP.
b) Impõe-se, para efeitos de ponderação do prazo de prescrição do procedimento criminal, atentar na moldura penal abstrata dos crimes imputados ao arguido, atendendo aos elementos típicos respetivos e não a circunstâncias atenuantes ou elementos respeitantes à comparticipação (cfr. invocados arts. 27.º, n.º 2, e 73.°, n.º 1, als. a) e b), ambos do C.P., não aplicáveis in casu para efeitos prescricionais).
c) Assim, o crime de tráfico agravado p. e p. pelos arts.21.°, n.º 1, e 24.°, als. b) e c), ambos do D.L. n.º 15/93, de 22/01, é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
E o crime de branqueamento p. e p. pelo art. 3 68.º-A, n.ºs.1 a 4 e 10, do C.P. é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos.
d) Em conformidade, no caso sub judice é de 15 anos o prazo normal de prescrição por se tratarem (ambos) de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo é superior a 10 anos (cfr. art.118°, n.ºs. 1, al.a), e 2, do c.P.).
e) Nos termos do disposto no nº 1 do art. 119° do C.P., o início do prazo de prescrição do procedimento criminal teve lugar em 24/07/1996.
f) Nos termos dos arts. 120.º, n.º 1, al. b), e 121.°, n.º 1 , al. b), ambos do C.P., em 22/07/1997, com a notificação ao arguido da acusação, ocorreu uma causa simultaneamente de suspensão e de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal.
g) Nos termos dos arts. 120.º, n.º l , al. c), e 121.°, n.º l , al. c), ambos do C.P., em 10.11.1998, com a declaração de contumácia do arguido, voltou a ocorrer uma causa simultaneamente de suspensão e de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal.
h) Tendo presente o disposto no n.º 2 do art.120° do C.P., a suspensão do prazo de prescrição decorrente da notificação da acusação não ultrapassou três anos, uma vez que antes de tal suceder ocorreu nova causa de suspensão baseada na vigência da declaração de contumácia.
i) Assim sendo, como é, o prazo de prescrição do procedimento criminal esteve ininterruptamente suspenso a partir de 22/07/1997. j) E nos termos do n.º 3 do art. 120.º do C.P. a suspensão da prescrição do procedimento criminal enquanto vigorou a declaração de contumácia (n.º l , al. c) não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição, 15 anos no caso.
1) Deste modo, por força da declaração de contumácia do arguido, o prazo de prescrição do procedimento criminal esteve suspenso entre 10/11/1998 e 10/11/2013.
m) E prevendo o n.º 2 do art. 121.° do C.P. que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição, depois de terminar o referido período de suspensão, em 10/11/2013 voltou a correr novo prazo de prescrição.
n) A partir de 10/11/2013 não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição do procedimento criminal, não sendo por conseguinte aqui aplicável o disposto no n.º 3 do art. 121.º do C.P..
o) Nos termos do disposto no nº 2 do art. 118° do C.P., aliás nunca invocado no despacho recorrido, para efeito do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
p) Ou seja, nos termos legais, para efeitos de operarem os termos da prescrição não há que levar em linha de conta o modo/forma de comparticipação criminal mas sim a moldura penal correspondente ao tipo legal does) crime(s) imputado(s), independentemente de o(s) mesmo(s) ser(em) cometido(s) em autoria ou em cumplicidade. q) Tudo ponderado, sendo no caso sub judice de 15 anos o prazo normal de prescrição por se tratarem (ambos) de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo é superior a 10 anos (cfr. art.118°, n.ºs. 1, al.a), e 2, do C.P.), e sendo igualmente de 15 anos o prazo de suspensão da prescrição - de 10/11/1998 a
10/11/2013
como acima se assinalou (cfr. art.120°, n.ºs. 1, al.c), e 3,
do C.P.) - clara e inequivocamente tal prazo não decorreu ainda a partir de 10/11/2013, apenas se extinguindo o procedimento criminal, por efeito da prescrição, em 10/11/2028.
r) Em conformidade, a medida de coação de prisão preventiva imposta em 19105/1998, mantida pelo Tribunal da Relação de Lisboa por Acórdão de 17107/1998 e mantida e com execução ordenada em 7/12/2018, obedeceu aos normativos legais que a fundamentaram (arts.191.° a 194.°, 196.°, 202.°, n.º 1, al. a), e 204.°, als. a), b) e c), todos do C.P.P.), não tendo sido aplicada fora das hipóteses ou das condições previstas na lei, ao contrário do considerado no despacho recorrido.
s) Pelo que, resultando inequívoco que no caso se verificou violação dos arts. 21.°, n.º 1 , e 24.°, alíneas b) e c), e 23.°, n.º 1, al.a) [atual art.368.º-A, nºs.1 a 4 e l0, do C.P. ], do D.L. n.º 15/93, de 22/01,27°,73° e 118.°, n.ºs 1 , al. a), e 2, do C.P., e 212°, n.º 1, al. a), do C.P.P., deverão V. Exas. conceder provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido e substituí-lo por outro que decida em conformidade com as conclusões que antecedem, assim fazendo a habitual JUSTIÇA!(fim de transcrição).

3. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 5820.

4. Notificado o arguido, não respondeu ao recurso.

5. Subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação apôs apenas o seu “Visto”, pelo que não careceu ser dado cumprimento ao disposto no art. 417.°, n.° 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP) (cfr. fls. 5830).

6. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

7. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.


II – Fundamentação

1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451.° - pág. 279 e 453.° - pág. 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403.° e 412.°, n.° 1, do CPP).
A questão suscitada pelo recorrente, que deverá ser apreciada por este Tribunal Superior, é, em síntese, a de que para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal impõe-se atentar na moldura penal abstrata dos crimes imputados ao arguido, atendendo aos elementos típicos respetivos e não a circunstâncias atenuantes ou elementos respeitantes à comparticipação, pelo que tratando-se in casu dos crimes de tráfico agravado p. e p. pelos arts. 21.°, n.º 1, e 24.°, als. b) e c), ambos do D.L. n.º 15/93, de 22/01, que é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos, e de branqueamento p. e p. pelo art. 368.º-A, n.ºs 1 a 4 e 10, do Código Penal (doravante CP), que é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos, são tais molduras e não as atenuadas relativamente ao tipo base e resultantes da circunstância do arguido estar pronunciado (pela prática entre Abril e julho de 1996) a título de cumplicidade e não de autoria dos mesmos que devem relevar, em conformidade com o que o procedimento criminal ainda se não mostra prescrito, devendo ser revogada a decisão recorrida que o declarou.

2. Vejamos se assiste razão ao recorrente.

Recorrido (o Mmº Juiz a quo) e recorrente (o Ministério Público) não divergem no que respeita quer aos crimes imputados ao arguido quer à cronologia processual dos autos, aliás conforme ao que resulta compulsando os mesmos, matéria que é pacífica, pelo que considerar-se-á a mesma como assente, dando-se aqui por reproduzido o despacho recorrido no tocante a tais questões: datas dos factos, da acusação, da notificação da mesma ao arguido, da ocorrida separação de processos, declaração de contumácia e de todos os momentos/períodos temporais em que o prazo prescricional – independentemente de qual seja o considerado, pois é aí, bem como nas molduras penais abstratas dos crimes pelos quais está AA pronunciado, que residem posições antagónicas – esteve ora suspenso ora interrompido.
Como acima se sintetizou, defende o recorrente Ministério Público que para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal impõe-se tão-só atentar na moldura penal abstrata dos crimes imputados ao arguido, atendendo aos elementos típicos respetivos e não a circunstâncias atenuantes ou elementos respeitantes à comparticipação, pelo que tratando-se in casu dos crimes de tráfico agravado p. e p. pelos arts. 21.°, n.º 1, e 24.°, als. b) e c), ambos do D.L. n.º 15/93, de 22/01, que é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos, e de branqueamento p. e p. pelo art. 368.º-A, n.ºs 1 a 4 e 10, do CP, que é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos, são tais molduras e não as atenuadas relativamente ao tipo base e resultantes da circunstância do arguido AA, estar pronunciado (pela prática entre abril e julho de 1996) a título de cumplicidade e não de autoria dos mesmos que devem relevar.
Ora, o recorrente Ministério Público faz, quanto a nós, com o devido respeito, uma deficiente hermenêutica jurídica do n.° 2, do art. 118.°, do CP, designadamente ao interpretar, de forma incorreta, salvo melhor opinião, "as circunstâncias agravantes ou atenuantes" aí referidas em sentido amplo, entendo-as como toda e qualquer agravante ou atenuante, sem analisar, como se impunha, se as mesmas consubstanciam um novo tipo de crime, se são elementos do tipo ou se as referidas "circunstâncias" a que se reporta o preceito legal em questão são apenas aquelas vertidas na Parte Geral do Código Penal.
Embora a questão possa ser analisada por duas vertentes, o cerne continua a ser o mesmo, ou seja, que a atenuação em causa não se trata de uma simples circunstância atenuante.
É possível entender que independentemente do tipo de comparticipação criminosa estamos perante o mesmo tipo de crimes (branqueamento e tráfico de estupefacientes agravado), pelo que, numa leitura literal do n.° 2, do art. 118°, a atenuante da(s) pena(s) por via da prática daqueles a título de cumplicidade não será considerada para efeitos de contagem dos respetivos prazos de prescrição.
Todavia, não é essa a interpretação que fazemos da norma em apreço.
Com efeito, afigura-se-nos que quando a lei, no n.° 2, do art. 118° expressamente preceitua "mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes" devemos entender que está tão-só a estipular que para efeitos de contagem dos prazos prescricionais só não são tomadas em consideração as circunstâncias modificativas da Parte Geral do Código Penal.
Aliás, como expressamente afirma Maia Gonçalves : "Do exposto resulta que para a determinação do máximo da pena aplicável a cada crime, a que se refere o n.° 1, só não são levadas em conta as circunstâncias modificativas na Parte Geral" (In Código Penal Português Anotado, 14ª edição, 2001, pág. 391).
Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, pág. 329, em comentário ao referido n.° 2, do art. 118°, indica vários exemplos que corroboram o entendimento perfilhado por Maia Gonçalves (relativamente à hipótese acima aventada), ou seja, que apenas não relevam para o efeito em análise as circunstâncias modificativas previstas na Parte Geral do Código Penal, a não ser quanto às circunstâncias especiais que se revistam de carácter obrigatório.
Recorde-se:
"Havendo crime na forma de tentativa ou cumplicidade, deve atender-se à respectiva moldura penal atenuada, porque se trata de casos de atenuação especial obrigatória da pena.
Mas já não assim no caso de omissão impura, excesso de legitima defesa, erro censurável sobre a ilicitude ou o estado de necessidade desculpante, em que se deve atender à moldura normal do crime, uma vez que a atenuação especial da pena é meramente facultativa. Também nos casos da reincidência e da pena relativamente indeterminada devem ser tidas em conta as molduras dos crimes imputados ao agente e não as molduras agravadas resultantes do funcionamento da circunstância modificativa, uma vez que a reincidência só modifica o limite mínimo da moldura e a pena relativamente indeterminada depende de um juízo sobre a perigosidade realizada no momento do julgamento (também assim, GERMANO MARQUES DA SILVA, 1999: 227)"[2].
Porém, no caso das circunstâncias previstas na Parte Especial do Código criarem um novo tipo de crime, refere Maia Gonçalves na obra citada que a "disposição do n.° 2 não tem aplicação quando a agravantes ou atenuantes modificativas são levadas em conta pela própria lei para criar um novo tipo de crime".
E prossegue o citado autor: "Assim no caso do art. 134.° (homicídio privilegiado, a pedido da vitima) o prazo de prescrição é de cinco anos (n.° 1, al. c), e não de quinze anos que corresponderia à pena de homicídio geral do art. 131. °, visto que a lei criou aqui um novo tipo de crime. Se, porém, o crime do art. 138.° (exposição ou abandono, que corresponde pena de prisão de um a cinco anos) foi cometido por um reincidente, o prazo de prescrição não deixa de ser o da alínea c) do n.° 1, apesar de corresponder pena de prisão superior a cinco anos. Na realidade, a lei alude a cada crime, e quando atende ao efeito gradativo ou atenuativo para sair da moldura geral abstracta e criar um novo tipo já se não trata do mesmo, mas de outro crime."
Releva ainda in casu sobremaneira o que mais ensina PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE e que a decisão ora recorrida não deixou, e bem, de citar, a saber: "a medida abstracta da pena aplicável é a do crime qualificado ou privilegiado, sempre que a circunstância agravante ou atenuante seja levada em conta para a formação de um tipo criminal autónomo" e "havendo crime na forma de tentativa ou cumplicidade, deve atender-se à respectiva moldura penal atenuada, porque se trata de casos de atenuação especial obrigatória da pena" (In Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, p. 93).
Em conclusão: Nos termos do disposto no n.º 2, do art. 118.º, do CP, referente aos prazos de prescrição do procedimento criminal, para efeito do disposto no n.º 1 do mesmo artigo, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes. Porém, tais circunstâncias são as comuns, integradas na Parte Geral, designadamente a reincidência, mas não as atenuantes ou agravantes que, na Parte Especial, deram lugar a novos tipos, privilegiados ou qualificados, como é o caso dos presentes autos no tocante ao crime de tráfico de estupefacientes, agravado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, als. b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, imputado ao arguido (neste sentido, Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette in Código Penal Anotado, págs. 312 e 313, nota 7 e Maia Gonçalves in Código Penal Anotado, 18ª edição - 2007, pág. 450, nota 3), bem como também não a atenuação da pena – que é obrigatória – resultante da prática a título de mera cumplicidade de ambos os crimes imputados ao arguido. Lembre-se que o art. 27.º do Código Penal, preceitua no seu n. º 2, que: “É aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada”.
Deste modo, atenta a data da prática dos factos imputados ao arguido AA, bem como das abstratas molduras penais dos crimes pelos quais está o mesmo pronunciado a título de cumplicidade (pena de prisão de 1 a 10 anos para o tráfico agravado e pena de prisão de 1 mês a 8 anos de prisão para o branqueamento) e respetivos prazos de prescrição do procedimento criminal (sendo o normal o mesmo – de 10 anos – para ambos, e não de 15 anos como defende o recorrente, e com início da sua contagem em 24 de julho de 1996) e ainda dos períodos temporais em que tais prazos prescricionais estiveram quer suspensos quer interrompidos, remetendo-se, por uma questão de economia processual, para o que a estes propósitos se expendeu na decisão revidenda, e visto as disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.ºs 1 e 4, 27.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, 118.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, 119.°, n.ºs 1 e 2, 120.º, n.ºs 1, alíneas b) e c) e 3. e 121.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, todos do Código Penal e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça fixada no seu Assento n.º 2/89, de 15 de fevereiro de 1989, e acórdão de 15 de junho de 2000, verifica-se que o decurso do prazo máximo da prescrição do procedimento criminal ocorreu em 10 de novembro de 2018, pelo que bem andou o Mmº Juiz a quo ao no despacho recorrido considerar verificada tal causa extintiva, retirando, nessa conformidade, as devidas consequências.
Destarte, improcede o recurso.


III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas por delas estar isento o Ministério Público (art. 522.º do CPP).
Notifique nos termos legais.
(o presente acórdão, integrado por doze páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2, do CPP)
Lisboa, 11 de abril de 2019


(Calheiros da Gama)

(Antero Luís)

[1] (nota de rodapé desta Relação) Nascido a …, de nacionalidade portuguesa, divorciado, eletricista. residente na Rua …, o arguido AA foi detido, em cumprimento de Mandado de Detenção Europeu, pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em 7 de Dezembro de 2018, no controlo documental de entradas do aeroporto de Lisboa, ao chegar a Portugal, no voo TP…, proveniente de M…. (cfr. fls. 5744 a 5758 e 5762 e seg.). No despacho judicial, proferido nessa mesma data (7 de Dezembro de 2018) e constante de fls. 5760, que ordenou o imediato interrogatório judicial do arguido foi também, nos termos do art. 336.º do CPP, declarada cessada a contumácia, que, portanto, vigorou durante mais de 20 (vinte anos).
[2] Citação extraída do Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de dezembro de 2009, proferido no processo 3063/03 e consultável na JusNet.