Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13612/18.7T8LSB-A.L1.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: NOMEAÇÃO DE PATRONO
CONTESTAÇÃO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
JUSTO IMPEDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Quando o pedido de apoio judiciário seja apresentado na pendência da acção judicial e o requerente pretenda a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso na acção pendente interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação nos serviços de segurança social do requerimento em causa – o que tem relevância para efeitos da interrupção do referido prazo não é a simples formulação do pedido, mas a junção ao processo pendente de documento comprovativo daquela formulação.
II - Na acção declarativa a que nos reportamos no prazo da contestação nada veio ao processo no sentido de que o R. formulara pretensão de nomeação de patrono – o R. não deu cumprimento ao ónus que sobre ele impendia, sendo que igualmente os serviços da segurança social nada comunicaram sobre tal (não lhes cumprindo, de qualquer modo, fazê-lo); assim, o prazo da contestação do R. não se interrompeu, completando-se sem que aquela fosse apresentada.
III - O R., agindo com o cuidado e diligência exigíveis, estaria ciente de que deveria entregar no tribunal de 1ª instância comprovativo de ter formulado requerimento de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono, no prazo da contestação, não estando caracterizada nos autos uma situação de “justo impedimento” – “justo impedimento” de haver comunicado no processo, no prazo da contestação, que tinha sido formulado pedido de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Nos autos de acção declarativa com processo comum em que são AA. JH… e mulher PJ…, RF… e AF…, e é R. VM… foi proferido despacho que admitiu a contestação junta aos autos pelo R. por ter havido justo impedimento pela apresentação tardia.
Desse despacho apelaram os AA., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
I. Em 13/09/2018, o Tribunal recorrido proferiu Despacho dando como provados os factos articulados pelos AA., uma vez que, regularmente citado no dia 11/6/2018, o R. não apresentou contestação.
II. Posteriormente, em 01/10/2018, deu entrada nos autos um requerimento subscrito pelo R. informando ter formulado pedido de apoio judiciário. E em 11/12/2018, o R. apresentou em juízo a sua contestação.
III. Os AA. opuseram-se a essa junção, o que motivou a prolação do douto Despacho recorrido, no qual o Tribunal admitiu a contestação, concluindo ter havido justo impedimento pela apresentação tardia.
IV. É deste Despacho que vem interposto o presente recurso, por três ordens de razões:
V. Primeiro, porque com o douto Despacho de 13/09/2018 – no qual o Tribunal a quo deu como provados os factos articulados pelos recorrentes – ficou esgotado o poder jurisdicional: artigo 613º, nº 1, do CPC, aplicável aos despachos por força do nº 3 da mesma disposição.
VI. Daqui decorre estar vedado ao juiz alterar o decidido, bem como proceder a qualquer correcção que importe modificação essencial, sendo nulo o Despacho por violação do artigo 613º do CPC.
VII. Em segundo lugar, porque o Despacho viola o disposto no artigo 140º nº 2 do CPC, uma vez que o recorrido não juntou aos autos qualquer elemento de prova que atestasse a impossibilidade da entrega atempada do comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário,
VIII. em clara violação daquela disposição legal que expressamente determina que a parte que alega o justo impedimento oferece logo a respectiva prova.
IX. De resto, os factos alegados pelo recorrido nunca poderiam constituir justo impedimento, tendo ele confessado ter sido “…só hoje alertado que tinha de entregar o recibo do apoio judiciário no processo”, o que demonstra que em boa verdade não existiu qualquer impedimento.
X. Mas ainda que houvesse justo impedimento, constitui jurisprudência pacífica que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do acto pode ser considerado justo impedimento, excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele.
XI. Mais ainda: a parte que invoque o justo impedimento para a prática de um acto processual em tempo deve arguir o incidente e praticar esse acto logo que cesse o justo impedimento. E não fazer como o recorrido que em 01/10/2018 deu entrada de requerimento subscrito informando ter formulado pedido de apoio judiciário, e só 40 dias depois, em 11/12/2018, apresenta em juízo a sua contestação.
XII. Por último, o douto Despacho infringe o disposto no nº 4 do artigo 24º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho.
 XIII. Por força do disposto no nº 1, do artigo 24º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, “o procedimento de proteção jurídica é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com exceção do previsto nos números seguintes.”
XIV. Ora, o nº 4 do normativo citado prevê que “[q]uando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.”
XV. Os normativos citados, pela sua simples literalidade, permitem concluir com toda a segurança que a interrupção do prazo em curso depende da observância do ónus de junção ao processo judicial do comprovativo de apresentação nos serviços da Segurança Social de requerimento de apoio judiciário.
XVI. Já foi suscitada a dúvida sobre a compatibilidade de tal ónus com a Constituição, nomeadamente se constitui ou não um ónus excessivo e desproporcionado. O Tribunal Constitucional tem vindo invariavelmente a concluir pela conformidade desse ónus com a Constituição.
 XVII. Nos tribunais comuns, também neste sentido se pronunciou toda a jurisprudência, de modo unânime. Na doutrina, Salvador da Costa, entende igualmente que tal ónus não é inconstitucional.
XVIII. De facto, independentemente dos conhecimentos jurídicos de que disponha, qualquer cidadão tem a percepção de que, correndo um processo contra si e tendo-lhe sido assinado um prazo para a apresentação da sua defesa, tem de dar conhecimento aos autos das diligências que encetou para neles se defender e de que esse efeito tem prazos a observar.
XIX. No caso dos autos, o recorrido foi citado em 11/6/2018, só se esgotando o prazo para contestar (contados os 3 dias para a prática do acto com multa) no dia 1/9/2018.
XX. O recorrido não juntou aos autos o requerimento do pedido de apoio judiciário, só o tendo feito 1 mês depois do prazo limite para contestar, em 1/10/2018.
XXI. Contudo, a parte que invoque o justo impedimento para a prática de um acto processual em tempo deve arguir o incidente e praticar esse acto logo que cesse o justo impedimento.
XXII. E não fazer como o recorrido que em 01/10/2018 deu entrada de requerimento subscrito informando ter formulado pedido de apoio judiciário, e só 40 dias depois, em 11/12/2018, apresentou em juízo a sua contestação.
XXIII. Posto isto, há que concluir que a contestação foi junta muito depois de expirado o prazo para apresentação de tal articulado, sendo ilegal o Despacho que o admitiu.
Não foram apresentadas contra alegações.
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II – São as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que determinam o âmbito da apelação, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Assim, face ao teor das conclusões de recurso apresentadas a questão que essencialmente se nos coloca é a de se, nas circunstâncias dos autos haverá, em razão de “justo impedimento” verificado, que considerar interrompido o prazo para o R. contestar e, logo, tempestivamente apresentada a contestação oferecida.
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III - Dos autos decorre a seguinte sequência de ocorrências:
1 – Em 7-6-2018 os AA. intentaram acção declarativa com processo comum contra o R. formulando o seguinte pedido: «…ser a posse do R. declarada insubsistente, ilegal e de má-fé e o mesmo condenado a reconhecer aos AA. o direito de propriedade/usufruto, entregando-lhes a habitação que ilegalmente ocupa completamente livre de pessoas e de coisas».
2 – Alegaram os AA. serem os primeiros usufrutuários e os últimos proprietários de raiz do prédio urbano formado por dois edifícios, sito na Rua …, nºs … a … e Páteo denominado “…”, freguesia de Santa Isabel, concelho de Lisboa, do qual faz parte uma habitação, com a área aproximada de 34 m2 na cave, identificada pela letra “J”, em avançado estado de deterioração e que é ocupada pelo R., apesar de solicitada a sua entrega, não existindo qualquer título que legitime a ocupação.
3 – O R foi citado para contestar a acção no prazo de 30 dias, mostrando-se o aviso de recepção assinado com a data de 11-6-2018, constando da carta de citação, sob a epígrafe “Notas”: «Sendo requerido nos Serviços de Segurança Social benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deverá o citando, juntar aos presentes autos, no prazo da contestação, documento comprovativo da apresentação do referido requerimento, para que o prazo em curso se interrompa até notificação da decisão do apoio judiciário» (fls. 76-77).
4 – Em 13-9-2018 foi proferido despacho do seguinte teor:
«Apesar de citado, o réu não apresentou contestação.
 Assim, consideram-se confessados os factos alegados pelos autores na petição inicial, cf. artigo 567.º do Código do Processo Civil.
Cumpra-se o disposto no n.º 2, do referido artigo».
5 – Tal despacho foi notificado ao mandatário dos AA. e ao próprio R. com certificação Citius constando como data de elaboração 14-9-2018 (fls. 79 e 80).
6 - Em 1-10-2018 deu entrada em juízo requerimento do R., entregue por AM…, dando aquele conhecimento de haver formulado em 9-7-2018 junto da Segurança Social requerimento de protecção jurídica e juntando documento atinente ao pedido em causa por ele próprio entregue nos serviços das Laranjeiras (fls. 81).
7 – No requerimento mencionado em 6) o R. referia que só naquela data havia sido «alertado que tinha de entregar o recibo de apoio judiciário no Processo», bem como, ainda, que o «réu encontra-se doente não consegue andar».
 8 - Os AA. foram notificados daquele requerimento e requereram que fosse proferida sentença julgando a causa conforme de direito (fls. 85-86).
9 – A solicitação do Tribunal a Segurança Social comunicou que fora deferido o pedido de apoio judiciário por despacho proferido em 9-11-2018 e nomeada para o patrocínio do R. a Drª GL… (fls. 91 e 94).
10 – A Drª GL… ofereceu a contestação do R. em 11-12-2018, nela sendo alegado que o R. «está quase a completar os 70 anos de idade, é doente, vive sozinho e não tem possibilidades de abandonar o locado, tendo como reforma o montante de 288,82 euros» (fls. 96-99).
11 - Os AA., notificados da contestação do R. vieram alegar a extemporaneidade da mesma, uma vez que o R. não juntara oportunamente aos autos documento comprovativo da formulação do pedido de apoio judiciário e não se produzira a interrupção do prazo para contestar, invocando a nulidade processual da junção aos autos daquele articulado (fls. 106-110).
12 – Foi proferido despacho (despacho recorrido) no qual se consignou:
«… o réu não informou os autos do requerido junto da Segurança Social.
O prazo da contestação terminou sem que o réu tivesse requerido ou intervindo neste processo.
Em consequência, o Tribunal julgou provados os factos alegados pelos autores na petição inicial.
Apenas após a notificação ao réu deste despacho foi o Tribunal informado do requerimento do benefício do apoio judiciário, através de terceiro.
A este propósito, os autores consignam que a carta de citação refere a obrigatoriedade de o réu comunicar aos autos que o requereu o benefício do apoio judiciário. De facto, tal menção consta das notas da citação.
Todavia, no requerimento, alega-se que o réu apenas nessa data foi alertado para tal.
Por outro lado, alega-se igualmente que o réu se encontra impossibilitado de andar, por se encontrar doente.
Acresce que na contestação alega-se que o réu tem 70 anos, vivendo sozinho.
Nos presentes autos, discute-se a permanência ou não do réu em habitação.
Salvo o devido respeito:
O douto acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 350/2016, proferido em 7.6.2016, no processo n.º 1036/15, não tem força obrigatória geral, ao não julgar inconstitucional a norma que faz depender a interrupção do prazo em curso na acção judicial pendente da junção aos autos do documento comprovativo da apresentação de pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, resultante do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
Aliás, a situação sub judice é diferente da presente.
Assim, face ao exposto, admite-se a contestação, por existir justo impedimento pela apresentação tardia».                                         
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IV – 1 - De acordo com o art. 20, da lei 34/2004, de 29/7, «a decisão sobre a concessão do apoio judiciário compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área da residência do requerente».
Já o nº 1 do art.º 24 daquela lei determina que «o procedimento de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com exceção do previsto nos números seguintes».
É, nestes termos, afirmado o chamado princípio da autonomia.
Contudo, como a disposição legal em referência prevê, haverá que atender às excepções a que se reportam os nºs 4 e 5 do mesmo art. 24.
No aludido nº 4 estabelece-se que quando o pedido de apoio judiciário seja apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretenda a nomeação de patrono – como sucedeu no caso dos autos - o prazo que estiver em curso na acção pendente interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação nos serviços de segurança social do requerimento em causa.
O nº 5 do art. 24 determina em que termos se inicia (começando a correr por inteiro) o prazo interrompido – sendo concedido o apoio judiciário, a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.
Comenta, a propósito, Salvador da Costa ([1]) que aquilo «que releva para efeitos de interrupção do prazo a que se reporta este normativo não é a mera formulação do pedido de apoio judiciário, mas a junção ao processo do documento comprovativo desse pedido de nomeação de patrono». Acrescentando que não envolve «inconstitucionalidade a interpretação deste normativo no sentido de incumbir ao requerente de apoio judiciário a documentação probatória no processo da causa da apresentação do respectivo requerimento, com vista à interrupção do prazo, por não comprometer desproporcionadamente o direito de acesso à justiça por parte dos cidadãos economicamente carenciados».
Sobre esta matéria entendeu o STJ, no seu acórdão de 2-11-2017 ([2]) que, «atendendo ao teor da norma constante do nº4, do referido art.º 24º, concretamente ao segmento em que se dispõe que o prazo que estiver em curso se interrompe com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento em que se pede a nomeação de patrono, e fazendo apelo às regras da interpretação da lei, plasmadas no art.º. 9º, do CC, impõe-se concluir que o efeito interruptivo ali referido apenas ocorre se a comprovação for efetuada enquanto o prazo estiver a correr, pois não é suscetível de interrupção um prazo que já decorreu integralmente».
Considerando a Relação de Évora no seu acórdão de 28-9-2017 ([3]) que «…o prazo em curso só se interrompe com a junção aos autos do documento comprovativo da sua apresentação na entidade administrativa, não com a apresentação do requerimento nessa entidade durante o mencionado prazo.
Sem essa junção o prazo em curso não se interrompe, pois como se afirmou, a junção desse documento constitui conditio sine qua non para que esse prazo seja interrompido.
E não colhe o argumento de que os recorrentes desconheciam esse ónus, já que, como bem sublinha o recorrido, nas suas contra-alegações, consta expressamente da citação enviada aos réus que “Sendo requerido nos Serviços de Segurança Social benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deverá o citando, juntar aos presentes autos, no prazo da contestação, documento comprovativo da apresentação do referido requerimento, para que o prazo em curso se interrompa até notificação da decisão do apoio judiciário”».
E entendendo a Relação de Guimarães no seu acórdão de 10-10-2019 ([4]) que a «junção aos autos do documento comprovativo do referido pedido quando o prazo para contestar já tinha terminado e tinha já sido proferida decisão em que, face à revelia, se consideravam confessados os factos articulados pelo autor, não interrompe o prazo, nem faz correr de novo outro prazo. (…)
… a interrupção do prazo não ocorre com o pedido atempado na Segurança Social, mas com a junção aos autos do comprovativo desse pedido.
Não tendo o tribunal conhecimento que o pedido tenha sido feito e tendo já decorrido a totalidade do prazo da contestação não pode falar-se em interrupção de um prazo que já decorreu».
Vem sido entendido, todavia, que a exigência do nº 4 do art. 24 da lei 34/2004, de junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo de nomeação de patrono, como condição de interrupção do prazo em curso, deixa de colher sentido, se tal informação já para eles tiver sido carreada pela entidade a quem foi dirigido esse requerimento ([5]).
Efectivamente, a finalidade que preside à junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo destina-se a dar conhecimento no processo judicial da pendência daquele procedimento e de que o R. pretende apresentar a sua defesa, para o que pediu a nomeação de patrono, para efeitos de interrupção do prazo em curso – no caso dos autos, do prazo para o R. contestar.
Certo é que na acção declarativa a que nos reportamos no prazo da contestação nada veio ao processo no sentido de que o R. formulara pretensão de nomeação de patrono – o R. não dera cumprimento a tal ónus que sobre ele impendia, sendo que igualmente os serviços da segurança social nada comunicaram sobre tal (não lhes cumprindo, de qualquer modo, fazê-lo).
Deste modo, face à previsão da lei, o prazo da contestação do R. não se interrompeu, completando-se sem que aquela fosse apresentada.
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IV - 2 - O Tribunal de 1ª instância considerou, porém, verificar-se “justo impedimento”.
Perspectiva-se que se trataria de “justo impedimento” para o R. dar cumprimento ao ónus que sobre ele impendia de junção aos autos de documento comprovativo da apresentação do requerimento solicitando a nomeação de patrono e, com isso, ter lugar a interrupção do prazo da contestação - que se iniciaria, nos temos do nº 5 do art. 24 da lei 34/2004, com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, pelo que a apresentação da contestação dos autos seria tempestiva.
Dispõe o nº 1 do art. 140 do CPC que se considera “justo impedimento” o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.
Consoante salientava Lopes do Rego ([6]) pretendeu-se com esta redacção do preceito, operar alguma flexibilização no conceito de “justo impedimento” colocando no seu cerne a inexistência de um nexo de imputação subjectiva à parte ou ao seu representante do facto que causa a ultrapassagem do prazo peremptório - o que deverá relevar decisivamente para a verificação do “justo impedimento” é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo peremptório.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ([7]) referem que à luz do conceito plasmado no nº 1 do art. 140, para que estejamos perante o “justo impedimento” bastará que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que isso não envolva um juízo de censurabilidade; cabendo à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa ([8]) afirmam que o mecanismo do justo impedimento deverá ser reservado para situações que verdadeiramente o justifiquem, desconsiderando «eventos imputáveis à própria parte ou aos seus representantes e que sejam reveladores de negligência ou da falta de diligência devida», pretendendo com o regime em vigor evitar-se que a pretexto de qualquer evento pudesse ser perturbada a marcha processual ou, mais do que isso, pudessem ser afectados actos já praticados.
Quando da apresentação do requerimento de 1-10-2018 – por intermédio de terceiro, AM… - dando conhecimento de haver formulado em 9-7-2018 junto da Segurança Social requerimento de protecção jurídica, o R. referiu que só naquela data havia sido «alertado que tinha de entregar o recibo de apoio judiciário no Processo», bem como, ainda, que o «réu encontra-se doente não consegue andar».
Sucede que na carta de citação constava, em nota: «Sendo requerido nos Serviços de Segurança Social benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deverá o citando, juntar aos presentes autos, no prazo da contestação, documento comprovativo da apresentação do referido requerimento, para que o prazo em curso se interrompa até notificação da decisão do apoio judiciário».
Acresce que, consoante decorre da leitura dos impressos de requerimento de protecção jurídica disponibilizados pela Segurança Social deles consta a indicação de dever ser entregue cópia do requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo fixado na citação.
Temos, pois, que o R., agindo com o cuidado e diligência exigíveis, estaria ciente de que deveria entregar no tribunal de 1ª instância comprovativo de ter formulado requerimento de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono, no prazo da contestação.
Consoante foi considerado no acórdão da Relação de Évora de 12-4-2018 ([9]): «…independentemente dos conhecimentos jurídicos de que disponha, qualquer cidadão tem a percepção de que correndo um processo contra si e tendo-lhe sido assinado um prazo para a apresentação da sua defesa, bem como da obrigatoriedade de constituição de mandatário judicial, tem de dar conhecimento aos autos das diligências que encetou para neles se defender e de que esse efeito tem prazos a observar. Acresce que no caso, o próprio requerimento de proteção jurídica, imediatamente antes da assinatura do requerente, contém essa advertência.
Se é certo que outro sistema poderia ser implementado, mais cómodo para o cidadão, como seja a comunicação direta da Segurança Social ao tribunal, certo é que esta matéria do processo de comunicação da dedução do requerimento de proteção jurídica ao processo judicial para que é requerida, ainda cabe nos poderes de conformação do legislador ordinário, sem que isso atente contra o direito fundamental de acesso ao direito».
Entendemos, assim, não ser susceptível de se enquadrar na situação de “justo impedimento”, face ao que sobre tal acima expendemos, a alegação do R. no sentido de que só naquela data havia sido «alertado que tinha de entregar o recibo de apoio judiciário no Processo».
O R., no seu requerimento de 1-10-2018, também menciona que se encontra doente, «não consegue andar» - o que está em consonância com a circunstância de ter sido terceiro, AM…, quem procedeu à entrega do dito requerimento, nesta data. Todavia, o pedido de protecção jurídica fora formulado pelo próprio R. nos serviços da Laranjeiras em 9-7-2018, ou seja, quase três meses antes, e o prazo da contestação terminava em data próxima desta última, em 11-7-2018. Ora, o R. não nos diz que naquela ocasião – entre a data em que formulou o pedido de protecção jurídica e aquela em que findava o prazo para contestar - estava doente e não podia andar; refere, no presente, que está doente e não consegue andar, em 1-10-2018, certamente por isso recorrendo a terceiro para efeitos de entrega do requerimento em causa.
Também nesta parte não nos parece estar caracterizada uma situação de “justo impedimento” – “justo impedimento” de haver comunicado no processo, no prazo da contestação, que tinha sido formulado pedido de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono.
Compreendemos a posição do Tribunal de 1ª instância, dada a aparente fragilidade da situação do R. (consoante alegou no articulado que ofereceu está quase a completar os 70 anos de idade, é doente, vive sozinho e tem como reforma o montante de 288,82 €) mas face às disposições legais em vigor e supra referidas não conseguimos acompanhá-la.
Deste modo, concluímos não se haver interrompido o prazo da contestação do R., completando-se antes da apresentação tardia do articulado oferecido que, dada a sua extemporaneidade não poderá ser atendido.
                                                           *
V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que não admite a contestação apresentada pelo R., porque extemporânea - devendo os autos prosseguir na sequência do decidido no despacho de 13-9-2018.
Custas da apelação pelo vencido a final.
                                                           *
Lisboa, 21 de Novembro de 2019
Maria José Mouro
Sousa Pinto
Jorge Vilaça
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[1] Em «O Apoio Judiciário», Almedina, 9ª edição, pag.154.
[2] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 6638/16.7T8PRT-A.P1.S2.
[3] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 2123/16.5T8STB.E1.
[4] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 4995/18.0T8BRG-A.G1.
[5] Assim, o acórdão da Relação do Porto de 27-09-2018, ao qual de pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 438/17.4T8ESP-A.P1. Bem como o acórdão da Relação de Guimarães de 17-12-2018, ao qual de pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 849/18.8T8BRG-A.G1.
[6] «Comentários ao Código de Processo Civil», Almedina, pag. 125.
[7] No «Código de Processo Civil Anotado», Coimbra Editora, vol. I, 3ª edição, pags.274-275.
[8] No «Código de Processo Civil Anotado», Almedina, 2018, pag. 166.
[9] Ao qual de pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 1811/13.1TBPTM-A.E1.