Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3974/17.9T8FNC.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: MAIOR ACOMPANHADO
PRESSUPOSTOS
NECESSIDADE
JUSTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A medida de acompanhamento de maior só é decretada se estiverem preenchidas duas condições: - uma positiva (princípio de necessidade): tem de haver justificação para decretar o acompanhamento do maior e uma das medidas enumeradas no Art.º 145, n.º 2 do C.C., sendo que na dúvida, não é decretada nenhuma medida de acompanhamento; - uma negativa (princípio de subsidiariedade): a medida de acompanhamento é subsidiária perante deveres gerais de cooperação e assistência, nomeadamente de âmbito familiar (Art. 140.º, n.º 2, C.C.), não devendo o tribunal decretar essa medida se estes deveres forem suficientes para acautelar as necessidades do maior.
II - A regra geral é de reconhecer a capacidade da pessoa humana para exercer de forma livre os seus direitos pessoais (Art. 147.º n.º 2 do C.C.), sendo as restrições ou limitações ao seu exercício a exceção, que sempre deverá ser bem fundamentada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
O Ministério Público, ao abrigo dos Art.s 138.º n.º 1 e 141.º, 152.º a 156.º do C.C. e Art.s 891.º e ss do C.P.C., veio intentar a presente ação especial de interdição por anomalia psíquica, contra B.
Alegou, em síntese, que a Requerida, desde data não posterior ao ano de 1990, apresenta uma patologia mental grave, traduzida numa esquizofrenia, que implica sérias limitações na realização das atividades da sua vida diária, deixando-a totalmente dependente de uma supervisão e cuidados permanentes na sua vida a cargo de terceiros, sendo tal patologia permanente e irreversível.
Concluiu pedindo que fosse declarada a interdição da Requerida, por anomalia psíquica e fosse nomeado tutor.
Foram publicados os anúncios nos termos do Art. 892.º do C.P.C.
Em virtude da Requerida se encontrar impossibilitada de receber a citação, foi citada na pessoa do curador provisório, que não deduziu contestação.
Na sequência foi solicitada indicação de defensor oficioso, nos termos do Art.s 894.º n.º 1 e 21.º n.º 2 do C.P.C., que também não contestou, sendo assim a ação não contestada.
Foi realizado exame pericial à Requerida, sendo que na pendência do processo, entrou em vigor a Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, que criou o regime jurídico do maior acompanhado e eliminou os institutos de interdição e da inabilitação, o qual é de aplicação imediata aos processos de interdição e de inabilitação pendentes, tendo-se procedido às adaptações necessárias no processado, ao abrigo do disposto no Art. 26.º daquele diploma legal, passando os autos a seguir os termos do regime jurídico do maior acompanhado.
Procedeu-se à audição pessoal e direta da Requerida, foram solicitados esclarecimentos aquando dessa audição e veio a ser junta aos autos informação social apresentada pela Assistente Social da instituição onde aquela reside (cfr. fls. 38).
Instruído o processo veio a ser proferida sentença que decidiu o seguinte:
1. Julgar a ação procedente por provada e, em consequência:
1.1. Declarar B, beneficiária de medida de acompanhamento, sujeita ao regime da representação geral (cfr. Art.s 138.º e 145.º, n.º 2, al. b), 1.ª parte, do C.C.).
1.2. Designar o filho da Requerida, C, acompanhante da beneficiária (poderes de representação geral) - (cfr. Art. 143.º, n.º 2, al. e) do C.C.) e designar a filha da Requerida – D – acompanhante da Requerida na vertente emocional e familiar – (cfr. Art. 143.º n.º 3 do C.C.).
1.3. Atribuir ao acompanhante designado em 1.2., poderes de representação geral da beneficiária, que segue o regime da tutela, com as necessárias adaptações por força da entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14/8, designadamente os poderes para receber pensões e/ou subsídios e geridos em benefício e de acordo com as necessidades da beneficiária.
1.4. Consignar que o acompanhante designado em 1.2., no exercício da sua função, deverá privilegiar o bem-estar e a recuperação da acompanhada, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação, devendo manter um contacto permanente com aquela, visitando-a, no mínimo, uma vez por mês.
1.5. Dispensar a nomeação de Conselho de Família (cfr. Art. 900.º n.º 2 do C.P.C.).
1.6. Consignar que, para os efeitos do disposto no Art. 2189.º, al. b) do C.C., a beneficiária é incapaz de testar, alienar ou onerar.
1.7. Consignar que, nos termos e para os efeitos do disposto no Art.º 1601.º, al. b) do C.C., a presente decisão de declaração de acompanhamento da beneficiária é impedimento dirimente absoluto para o casamento.
1.8. Consignar que, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 2.º, al. b) da Lei n.º 7/2001 de 11/5, a situação de acompanhamento de maior, declarada pela presente sentença, impede a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto.
1.9. Consignar que, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 5.º, n.º 3 da Lei n.º 36/98, de 24/7 (Lei de Saúde Mental), a situação de acompanhamento de maior, declarada pela presente sentença, não faculta o exercício direto de direitos pessoais.
1.10. Consignar que, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 13.º da Lei n.º 36/98, de 24/7 (Lei de Saúde Mental), a situação de acompanhamento de maior, declarada pela presente sentença, ocorre restrição de direitos pessoais, pelo que o acompanhante tem legitimidade para requerer as providências previstas na referida lei.
1.11. Consignar que, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 4.º, n.º 1 do Dec.Lei n.º 272/2001, de 13/10, o acompanhado não pode aceitar ou rejeitar liberalidades a seu favor.
1.12. Consignar que o tribunal autoriza o internamento da beneficiária na Casa de Saúde Câmara Pestana, no Funchal, onde atualmente reside (cfr. Art. 148.º, n.º 1 do C.C.).
1.13. Consignar que não existe notícia de que a beneficiária tenha outorgado testamento vital e/ou procuração para cuidados de saúde (cfr. Art. 900.º, n.º 3 do C.P.C. e Art.s 4.º al. b), 14.º n.º 3 e 16.º da Lei n.º 25/2012, de 16/7).
1.14.  Fixar em cinco anos o prazo de revisão da medida aplicada, nos termos e para os efeitos previstos no Art. 155.º do C.C..
1.15. Determinar a publicação da presente sentença em sítio oficial (cfr. Art. 893.º n.º 1 e 2 do C.P.C. e Art. 153.º, n.º 1 do C.C.).
O Ministério Público, não se conformando com a sentença vem agora dela interpor recurso de apelação, apresentando no final as seguintes conclusões:
A- O Regime Jurídico de Acompanhamento a Maior Acompanhado, instituído pela Lei 49/2018 de 14 de agosto, tem como objetivo, plasmado no n.º 1 do artigo 140º do Código Civil, o bem-estar do acompanhado e a sua recuperação, em pleno exercício de todos os seus direitos, 
B- Constituindo a restrição de tais direitos um regime excecional, cuja imposição, por sentença, deverá justificar-se mediante cada situação concreta.
C- Por isso, o n.º 1 do artigo 145º do Código Civil limita o acompanhamento ao estritamente necessário e o n.º 1 do artigo 147º do mesmo Diploma Legal, estatui, como princípio geral, a liberdade no exercício dos direitos pessoais dos acompanhados, tais como os de casar, de estabelecerem relações de união de facto, de procriar, de perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os filhos ou os adotados.
D- O direito de se constituir família e de contrair casamento, em condições de plena igualdade não se encontra unicamente protegido pela Lei, em relação aos Maiores Acompanhados nas citadas normas legais, merecendo, ainda, proteção constitucional, prevista nos artigos 67º e 36º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
E- Não obstante, a sentença que determinou a aplicação de medida de acompanhamento à requerida, impediu-a de casar, de constituir, com proteção jurídica, relações de facto, e de decidir sobre a prática de atos médicos no seu corpo e saúde e que a Lei de Saúde Mental permite, com carácter geral, que sejam consentidos por portador de doença mental.
F- E tais decisões, restritivas dos direitos pessoais fundamentais da requerida, foram adotadas sem se alicerçarem em qualquer facto, ou razão de direito, que se encontre descrito na sentença, ou tenha sido alegado na petição inicial que deu origem ao presente processo.
G- Pois que, dos factos dados como provados, não resulta, nem se retira essa conclusão da sentença, que a requerida se encontre incapaz de compreender e de exercer os direitos e deveres inerentes ao casamento, a uma relação de união de facto ou em relação aos seus direitos reprodutivos,
H- Do mesmo modo que inexiste qualquer elemento que permita concluir que a requerida não tenha maturidade para assumir responsabilidades parentais ou para decidir sobre a prática, no seu corpo, dos atos de saúde descritos na Lei de Saúde Mental, de que foi inibida mas cuja decisão se encontra autorizada, de modo geral, a portadores de doença mental.
 J-  A sentença padece, assim, de total fundamentação de facto e de direito, incumprindo o dever de fundamentação imposto pelos artigos 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa e 154º nº 1 do Código de Processo Civil, violando, ainda, o disposto nos artigos 140º nº1, 145º nº 1, 147º nº 1 do Código Civil e os artigos 36º nº 1, 67º, 25º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, ao restringir os mencionados direitos pessoais da requerida.
Pede assim que seja dado provimento ao recurso, declarando-se a nulidade da sentença, por falta de fundamentação, nos termos do disposto no Art. 615.º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil e determinando-se a sua substituição por outra que não restrinja os direitos pessoais da requerida, que se encontram descritos nos pontos 1.9, 1.10, 1.11 e 1.12 da decisão da sentença.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Tribunal a quo, ao admitir o recurso, pronunciando-se sobre as alegadas nulidades da sentença deixou aí consignado o seguinte:
«O Mº Pº veio recorrer da sentença e arguiu nulidade da mesma por falta de fundamentação de facto e de direito que justifiquem a decisão, nos termos do disposto no nº 1, alínea b) do artº. 615 do CPC.
«Apreciando.
«Os fundamentos invocados pelo Exmº.  recorrente para justificar o pedido de declaração de nulidade da sentença proferida reconduz-se à alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.
«Dispõe o artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC que “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
«No que tange à alínea b), é mister referir, na esteira de Lebre de Freitas, que “há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos da decisão”. (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, página 703).
«Cotejado o teor da decisão proferida, afigura-se-nos verificar-se que o tribunal especificou os fundamentos fácticos e jurídicos que justificam a decisão, inexistindo qualquer nulidade.
«Porém, Vªs. Exªs., em seu alto critério, farão como sempre justiça.» (cfr. fls 55 verso a fls 56).
*
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são:
a) A nulidade por falta de fundamentação de direito e de facto; e
b) A adequação das concretas medidas de acompanhamento de maior constantes da sentença recorrida.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida sustentou-se na seguinte matéria de facto que julgou por provada:
1. A Requerida B, nasceu a 18/8/1943, é divorciada desde 4/12/1992, natural da freguesia e concelho de Santa Cruz.
2. É filha de Daniel ….e de Conceição …….   .
3. A Requerida padece de Esquizofrenia Paranoide, apresenta delírio.
4. Tal patologia teve início provável em 1990, é de carácter permanente e de tal modo grave que a torna incapaz de governar a sua pessoa e bens.
5. A Requerida fala de forma percetível, anda sem apoio, é autónoma nos cuidados de higiene.
6. Tem noção do tempo e do espaço.
7. A Requerida está na instituição Casa de Saúde Câmara Pestana desde 10/7/1990, ou seja, há cerca de 29 anos.
8. A Requerida tem filhos, sendo que os filhos C, que exerce as funções de tutor, e D, são os que mantêm uma relação mais próxima com a Requerida.
 9. Quinzenalmente vai passar o fim de semana com a filha C, que a vai buscar e levar à instituição.
10. A Requerida recebe uma pensão mensal de 255,54€.
11. Não existe notícia de testamento vital ou procuração para cuidados de saúde.
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabelecidas as questões que fazem parte do objeto da apelação, cumpre então delas tomar conhecimento pela ordem de precedência lógica, começando pela alegada nulidade da sentença recorrida.
1. Da nulidade por falta de fundamentação.
O Recorrente veio invocar a nulidade da sentença recorrida com base na falta de fundamentação de facto e de direito, fundamentalmente com o argumento de que os factos dados por provados não se pode concluir que a Requerida se encontre incapaz de compreender e exercer os direitos e deveres inerentes ao casamento ou a uma união de facto, ou ainda que não tenha maturidade para assumir responsabilidades parentais ou decidir sobre atos de saúde descritos na Lei de Saúde Mental de que foi inibida.
Como vimos, não foram apresentadas contra-alegações e o tribunal recorrido sustentou que o vício apontado não se verifica, pois relevariam apenas como causa de nulidade da sentença a omissão absoluta de fundamentação, o que não se verificaria no caso.
Nos termos do Art. 615º n.º 1 al. b) do C.P.C., é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
Ensinava a este propósito Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 140) que: «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.».
No mesmo sentido, vejam-se Acórdão da Relação de Coimbra de 14/4/1993 – Relator: Ruy Varela, in BMJ n.º 426, pág. 541; Acórdão da Relação do Porto de 6/1/1994 – Relator: António Velho, in C.J. 1994 – Tomo I, pág. 197; Acórdão da Relação de Évora de 22/5/1997 – Relatora: Laura Leonardo, in C.J. 1997 – Tomo II, pág. 266; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2004 – Relator: Oliveira Barros, acessível em www.dgsi.pt/jstj, Rodrigues Bastos in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, 2001, pág. 669).
Nas palavras precisas de Tomé Gomes (in “Da Sentença Cível”, pág. 39): «Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.»
Conforme se refere de forma lapidar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/4/1995 (Relator: Raul Mateus in C.J. 1995 – Tomo II, pág. 58): «(...) no caso, no aresto em recurso, alinharam-se, de um lado, os fundamentos de facto, e, de outro lado, os fundamentos de direito, nos quais, e em conjunto se baseou a decisão. Isto é tão evidente que uma mera leitura, ainda que oblíqua, de tal acórdão logo mostra que assim é. Se bons, se maus esses fundamentos, isso é outra questão que nesta sede não tem qualquer espécie de relevância.» O mesmo Tribunal precisou que a nulidade da sentença por falta de fundamentação não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final (Cfr. Acórdão de 15/12/2011 – Relator: Pereira Rodrigues, Proc. n.º 2/08). Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do nº1 do Artigo 615º, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/6/2016 – Relatora: Fernanda Isabel Pereira, Proc. n.º 781/11 e, no mesmo sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/5/2015 – Relator: Granja da Fonseca, Proc. n.º 460/11, de 10/5/2016 – relator: João Camilo, Proc. n.º 852/13).
Como escreveram Luís Mendonça e Henrique Antunes (in “Dos Recursos”, Quid Juris, pág. 116): «O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade.».
A não concordância do Recorrente com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/5/2012 – Relator: Gilberto Jorge Proc. n.º 91/09).
No caso dos autos, conforme se pode constar da sentença recorrida, a mesma é expressa na indicação das normas jurídicas que sustentam a sua decisão. Por outro lado, são descritos os factos provados e a prova com base na qual assentou a convicção do tribunal, em termos perfeitamente sindicáveis pela recorrente.
Assim sendo, mais não resta que julgar inexistente a alegada nulidade da sentença recorrida, por não se verificar omissão absoluta de fundamentação de facto e de direito, sendo evidente que os fundamentos do recurso se sustentam apenas e só na discordância do Recorrente sobre a suficiência da matéria de facto para permitir a decisão tomada com a extensão integral aí constante. Mas, tal será matéria de eventual “erro de julgamento” e não de nulidade da sentença.
Improcedem, portanto, todas as conclusões apresentadas em sentido diverso do exposto.
2. Da adequação das medidas de acompanhamento de maior constantes da sentença recorrida.
A presente ação tinha por finalidade inicial a declaração de interdição da Requerida, por anomalia psíquica e a instauração da tutela, nos termos do Art. 141.º e 152.º a 156.º do C.C., instituto que foi revogado pela Lei n.º 49/2018 de 14 de agosto, que criou o regime do maior acompanhado.
A Lei n.º 49/2018, que entrou em vigor em fevereiro de 2019 (Art. 25.º), alterou não apenas o Código Civil e o Código de Processo Civil, mas dezassete outros diplomas que se reportavam a pessoas na situação de interditas ou inabilitadas, tendo imediata aplicação aos processos de interdição e de inabilitação pendentes aquando da sua entrada em vigor, devendo os juízes utilizar os poderes de gestão processual e de adequação formal para proceder às adaptações necessárias nos processos pendentes (Art. 26.º n.ºs 1 e 2).
Houve uma alteração de paradigma na rigidez do anterior sistema que assentava em duas figuras (interdição e inabilitação) que limitavam a capacidade de exercício do requerido de forma estanque e pré-definida na lei. Esse sistema deu lugar à uma figura maleável do maior acompanhado, com um conteúdo a preencher casuisticamente pelo juiz em função da real situação e das capacidades e possibilidades da pessoa em concreto. Onde antes a regra era a da incapacidade de exercício, agora é a da capacidade.
Conforme refere Pinto Monteiro, a pergunta agora já não é “aquela pessoa possui capacidade mental para exercer a sua capacidade jurídica?”, mas “quais os tipos de apoio necessários àquela pessoa para que ela exerça a sua capacidade jurídica?”. Parte-se de uma ideia de capacidade, para dotar a pessoa dos instrumentos necessários para a sua tutela nos casos pontuais — e sempre tendo em conta as particularidades de cada atuação ou domínio de atuação — em que dela careça. A solução já não é generalizante, procurando, pelo contrário, preservar até ao limite a possibilidade de atuação autónoma do sujeito. No fundo, pretende-se proteger sem incapacitar» (Mafalda Miranda Barbosa in “Maiores Acompanhados: da Incapacidade à Capacidade?”, ROA, Ano 78, jan./jun. 2018, pág. 236, a obra que cita de A. Pinto Monteiro é O Código Civil Português entre o elogio do passado e um olhar sobre o futuro).
O Prof. António Pinto Monteiro (in RLJ, Ano 148, n.º 4013, Secção de Legislação, “Das incapacidades ao maior acompanhado”, a pág. 72 e segs) refere que: «(…) a Lei n.º 49/2018 veio dar resposta positiva às preocupações que se faziam sentir no campo das incapacidades das pessoas com deficiência, com a consagração deste novo regime jurídico do maior acompanhado. A Lei acolheu a mudança de paradigma já há muito anunciada, afastando-se do modelo de tomada de decisões por substituição e abraçando o modelo do acompanhamento, pela tomada de decisões com recurso à assistência e apoio. “Proteger sem incapacitar”, recorde-se, é a palavra de ordem do novo modelo. Mas fê-lo com realismo, permitindo o recurso à representação legal quando, excecionalmente, não houver alternativa credível, no interesse do necessitado e por decisão judicial. Temos hoje, pois, em vez do modelo do passado, rígido e dualista, de tudo ou nada, de substituição, temos hoje, dizia, um regime que segue um modelo flexível e monista, de acompanhamento ou apoio, casuístico e reversível, que respeita na medida do possível a vontade das pessoas e o seu poder de autodeterminação.  É claro que o sucesso, na prática, deste novo modelo vai depender, em grande medida, dos tribunais, pela responsabilidade acrescida que o novo regime lhes atribui, na definição - e revisão – das medidas adequadas a cada deficiente, a cada situação!  É esta mais uma tarefa que a lei confia aos tribunais, no desempenho da nobre missão de servir a vida!»
O mesmo autor escreve ainda (a fls.  80 da citada R.L.J) que: «Optou o legislador, como se vê, por uma formulação ampla, afastando-se claramente da posição fechada relativa aos fundamentos da interdição e da inabilitação. Um ponto muito importante que neste contexto importa sublinhar é o de que na atual formulação ampla que permite o recurso às medidas de acompanhamento cabem as pessoas idosas e/ou doentes». E ainda (a fls. 72 e 73) que: «É claro que há razões de fundo, razões que estiveram presentes na tomada de posição de várias instâncias internacionais, no sentido de valorizar os direitos das pessoas deficientes, da sua dignidade e autonomia. Para lá dos avanços da ciência médica, também de um ponto de vista social foram vários os apelos – entre nós e por esse mundo fora - a uma nova compreensão dos problemas das pessoas com deficiências físicas ou mentais, ou com quaisquer outras limitações que afetem a sua capacidade jurídica. Essa tomada de consciência deu corpo a um movimento internacional de peso.  A este respeito, impõe-se  mencionar a Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pelas Nações Unidas em 30 de Março de 2007 (aprovada pela Resolução da Assembleia da  República nº 56/2009, de 7 de Maio, e ratificada  pelo Decreto do  Presidente da República nº 71/2009, de 30 de Julho), bem  como o respetivo Protocolo  Adicional, adotado pelas  Nações Unidas na mesma data  de 30 de Março de  2007 (e aprovado pela Resolução da AR nº 57/2009, tendo sido ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 72/2009, de 30 de Julho).»
Miguel Teixeira de Sousa (fls 51 da apresentação realizada no CEJ, em 11/12/2018, no âmbito da ação de formação “O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado” - O Regime do Acompanhamento de Maiores: Alguns Aspetos Processuais), refere que: «A medida de acompanhamento de maior só é decretada se estiverem preenchidas duas condições:
- Uma condição positiva (orientada por um princípio de necessidade): tem de haver justificação para decretar o acompanhamento do maior e, designadamente, uma das medidas enumeradas no Art.º 145, n.º 2 do C.C.; isto significa que, na dúvida, não é decretada nenhuma medida de acompanhamento;
- Uma condição negativa (norteada por um princípio de subsidiariedade): dado que a medida de acompanhamento é subsidiária perante deveres gerais de cooperação e assistência (nomeadamente, de âmbito familiar) (Art. 140.º, n.º 2, C.C.), o tribunal não deve decretar aquela medida se estes deveres forem suficientes para acautelar as necessidades do maior.».
Assim, atualmente, o Art. 138 do CC, com redação da Lei 49/2018, é epigrafado “Acompanhamento” e estabelece que: «o maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código».
O Art. 140.º do C.C. (Objetivo e supletividade), estabelece:
«1 - O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença.
«2 - A medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.»
Do Art. 141.º n.º 1 do C.C. (Legitimidade) decorre que:
«1 - O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público.»
O Art. 143.º (Acompanhante) dispõe que:
«1 - O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente.
«2 - Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, …»
No Art. 145.º (Âmbito e conteúdo do acompanhamento) estabelece-se:
«1 - O acompanhamento limita-se ao necessário.
«2 - Em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, o tribunal pode cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes seguintes:
«a) Exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, conforme as circunstâncias;
«b) Representação geral ou representação especial com indicação expressa, neste caso, das categorias de atos para que seja necessária;
«c) Administração total ou parcial de bens;
«d) Autorização prévia para a prática de determinados atos ou categorias de atos;
e) Intervenções de outro tipo, devidamente explicitadas.
(…)
Art. 146.º (Cuidado e diligência) regula que:
«1 - No exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada.
E o Art.º 147.º (Direitos pessoais e negócios da vida corrente) define que:
«1 - O exercício pelo acompanhado de direitos pessoais e a celebração de negócios da vida corrente são livres, salvo disposição da lei ou decisão judicial em contrário.
«2 - São pessoais, entre outros, os direitos de casar ou de constituir situações de união, de procriar, de perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os filhos ou os adotados, de escolher profissão, de se deslocar no país ou no estrangeiro, de fixar domicílio e residência, de estabelecer relações com quem entender e de testar.
De referir que o Art. 155.º do C.C. estabelece o princípio da revisão periódica da situação de 5 em 5 anos, sendo o regime subordinado aos princípios da subsidiariedade e do respeito pela autonomia da pessoa humana (Art.s 141.º, 143.º e 147.º), da necessidade (Art.s 145.º e 155.º), do bem-estar e recuperação do sujeito (Art.s 140.º e 146.º), que funcionam como as traves mestras que orientam o novo regime e as medidas a aplicar a cada caso.
Refira-se ainda que não só a nova legislação se aplica aos processos pendentes, como também às interdições e inabilitações anteriormente decretadas (Art. 26.º n.º 4 e n.º 5 do citado diploma), sendo atribuídos ao acompanhante poderes gerais de representação, mas podendo o juiz autorizar a prática de atos pessoais, direta e livremente, mediante requerimento justificado.
Nos termos do n.º 6 do Art. 26.º, às inabilitações decretadas antes da vigência dessa lei, aplica-se o regime do maior acompanhado, cabendo ao acompanhante autorizar os atos antes submetidos à aprovação do curador.
Os tutores e curadores nomeados antes da entrada em vigor da nova lei passam a acompanhantes (n.º 7 do Art. 26.º) e os acompanhamentos que resultaram de conversão de anteriores interdições e inabilitações nos termos dos n.ºs 4 a 6 são revistos a pedido do próprio, do acompanhante ou do Ministério Público, à luz do regime atual (n.º 8 do mesmo Art. 26.º).
No presente recurso não se põe em causa a necessidade da aplicação da medida de acompanhamento de maior, mas é suscitada a questão da adequação de algumas das medidas concretamente aplicadas às condições concretas da beneficiária e à sua autonomia e liberdade, tendo em atenção que a regra é a capacidade geral da pessoa humana para exercer os seus direitos, sendo as restrições ou limitações a exceção, que sempre deverá ser bem fundamentada.
No pedido final formulado nas alegações de recurso foram diretamente postas em causa as medidas constantes dos pontos 1.9 a 1.12 da parte dispositiva da sentença recorrida.
No ponto 1.9 foi condicionado o exercício de direitos pessoais, nos termos do Art. 5.º n.º 3 da Lei de Saúde Mental (Lei 36/98 de 24/7).
No ponto 1.10 foi condicionado o exercício de providência referidas no Art. 13.º da mesma Lei de Saúde Mental.
No ponto 1.11 limitou-se o exercício do direito de aceitar ou rejeitar liberalidades a favor da beneficiária.
No ponto 1.12 autorizou-se o internamento da beneficiária na Casa de Saúde Câmara Pestana, no Funchal, que é o local onde reside.
Está em causa o Art. 147.º n.º 1 do C.C. que, como vimos, estabelece que a regra geral é do livre exercício dos direitos pessoais pelo maior acompanhado, fazendo no n.º 2 uma enumeração não exaustiva desse tipo de direitos.
Começando pelo ponto 1.9 da sentença recorrida, temos de referir que a sentença não estabeleceu uma limitação genérica para o exercício de todos e quaisquer direitos pessoais da beneficiária do regime de acompanhamento. A sentença só restringiu os direitos pessoais mencionados no Art. 5.º n.º 3 da Lei 36/98 de 24/7.
Estabelece essa norma que: «3 - Os direitos referidos nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 são exercidos pelos representantes legais quando os doentes sejam menores de 14 anos ou maiores acompanhados e a sentença de acompanhamento não faculte o exercício direto de direitos pessoais».
Por seu turno, nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 estão previstos os seguintes direitos aos utentes dos serviços de saúde mental:
«c) Decidir receber ou recusar as intervenções diagnósticas e terapêuticas propostas, salvo quando for caso de internamento compulsivo ou em situações de urgência em que a não intervenção criaria riscos comprovados para o próprio ou para terceiros;
«d) Não ser submetido a electroconvulsivoterapia sem o seu prévio consentimento escrito;
«e) Aceitar ou recusar, nos termos da legislação em vigor, a participação em investigações, ensaios clínicos ou atividades de formação».
Dos factos provados resulta que a Requerida padece de esquizofrenia paranoide e apresenta delírio, o que assume gravidade tal que a incapacita de governar a sua pessoa e bens, ainda que tenha suficiente autonomia para os seus cuidados de higiene, andando sem apoio, falando de forma percetível e com perfeita noção do tempo e do espaço. No entanto, como não se indicia que possam estar sequer em causa a possibilidade de alguma das intervenções ou terapêuticas a que se reporta o Art. 5.º n.º 3 da Lei de Saúde Mental, não vemos que faça sequer sentido essa limitação seja estabelecida, sem prejuízo da reavaliação da situação nos termos do Art. 155.º do C.C..
Passando ao ponto 1.10, uma vez mais a limitação estabelecida na sentença recorrida reporta-se apenas às providências referidas no Art. 13.º da Lei de Saúde Mental, que trata da matéria da legitimidade para requerer o internamento compulsivo.
Decorre desse preceito que: «1- Tem legitimidade para requerer o internamento compulsivo o representante legal do menor, o acompanhante de maior quando o próprio não possa, pela sentença, exercer direitos pessoais, qualquer pessoa com legitimidade para requerer a instauração do acompanhamento, as autoridades de saúde pública e o Ministério Público.
«2 - Sempre que algum médico verifique no exercício das suas funções uma anomalia psíquica com os efeitos previstos no artigo 12.º pode comunicá-la à autoridade de saúde pública competente para os efeitos do disposto no número anterior.
«3 - Se a verificação ocorrer no decurso de um internamento voluntário, tem também legitimidade para requerer o internamento compulsivo o diretor clínico do estabelecimento.»
Quanto a este aspeto, da matéria de facto só decorre que a Requerida está a residir numa Casa de Saúde e sofre duma doença do foro psiquiátrico. Não resulta daqui que tenha havido, ou sequer se coloque a questão, do internamento compulsivo. Não está também evidenciada uma ausência total de consciência por parte da Requerida que não lhe permita exercer esse direito, sendo que se algum dia a questão se colocar de forma premente, perante uma situação de saúde mental mais grave, a Lei de Saúde Mental estabelece um naipe de soluções suficientemente amplo que salvaguardará o caso. Pelo que, também este ponto 1.10 deverá ser excluído.
Diretamente relacionado com esta última situação está o ponto 1.12 da sentença recorrida, que se refere à autorização dada pelo tribunal para o internamento, tendo em atenção o disposto no Art. 148.º do C.C.. A questão coloca-se precisamente nos mesmos termos da anterior. Não decorre dos autos a necessidade premente do internamento. O que decorre dos autos é apenas que a mesma se encontra numa “Casa de Saúde”, onde reside.
Se a Requerida reside na “Casa de Saúde”, trata-se de situação voluntária que não exige autorização do tribunal. Mas se a questão do internamento se vier a colocar, poderá ser oportunamente decidida, nos termos do n.º 2 do Art. 148.º do C.C..
Passando ao ponto 1.11, refere-se o mesmo à limitação da capacidade para aceitar ou rejeitar liberalidades, nos termos do Art. 4.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 272/2001 de 13/10.
Estabelece esse preceito que: «1- São da competência do Ministério Público as decisões relativas a pedidos de notificação do representante legal para providenciar acerca da aceitação ou rejeição de liberalidades a favor de incapaz menor ou de maior acompanhado que, nos termos da sentença de acompanhamento, não o possa fazer pessoal e livremente.»
Quanto a esta matéria o único facto relevante é o constante do ponto 4 dos factos provados. Resulta desse ponto que a Requerida sofre de patologia tal, de caráter permanente e de tal modo grave que a torna incapaz de governar os seus bens. O que, a nosso ver, é insuficiente para se estabelecer a limitação mencionada no ponto 1.11.
Mas para além do pedido constante do final das alegações de recurso, o Ministério Público, aqui Recorrente, pôs ainda em causa as limitações constantes dos pontos 1.7 e 1.8 da sentença recorrida, sobre as quais incide grande parte das conclusões do recurso.
No 1.7 a sentença recorrida impede a Requerida de casar, considerando que a doença mental verificada constituiria impedimento dirimente, nos termos do Art. 1601.º al. b) do C.C.. Já no ponto 1.8 impede a Requerida da atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou morte, fundados em união de facto.
Sucede que, apenas a “demência notória”, que não se demonstra ser ainda o caso, constitui impedimento dirimente absoluto para casar, nos termos do Art. 1601.º al. b) do C.C..
Repita-se, só excecionalmente, com fundamentação relevante, ponderando o supremo interesse do acompanhado, se poderá coartar por decisão judicial o exercício de direitos pessoais. Entre esses direitos pessoais estão precisamente os de casar, constituir família ou viver em união de facto (Art. 147.º n.º 2 do C.C.). Para além de que são direitos fundamentais que assistem a todos os cidadãos, com tutela constitucional nos Art.s 36.º n.º 1 e 67.º da nossa Constituição.
A doença de esquizofrenia paranoide, com delírios, pode ser controlada por via medicamentosa e pode não se traduzir numa situação de “demência notória” que justifique as limitações estabelecidas na sentença recorrida.
Em suma, concordando nesse aspeto com as conclusões das alegações de recurso, fundamentalmente julgamos que a matéria de facto provada é insuficiente para justificar a subsistência dos pontos 1.7 a 1.12 da sentença, que assim deve ser alterada nessa parte, eliminando-se essa parte dispositiva da decisão recorrida.
V- DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente por provada e, apesar de julgarmos não verificada a nulidade apontada à sentença recorrida, julgamos alterar a mesma na sua parte dispositiva, eliminando as restrições constantes dos pontos 1.7 a 1.12 relativas a direitos pessoais da Requerida sujeita ao regime de maior acompanhado. No mais, a sentença deverá manter-se nos mesmos termos.
- Sem custas, por não haver vencido (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.) e o Recorrente delas estar isento (Art. 4.º n.º 1 al. a) do R.C.P.).
                                                *
Lisboa, 4 de fevereiro de 2020
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva