Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2282/15.4T8ALM-A.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: PERSI (PROCEDIMENTO EXTRA-JUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO)
EXTINÇÃO
COMUNICAÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1-O PERSI - instituído pelo DL 227/2013, de 25/10 - compreende três fases: a “fase inicial”, que corresponde ao desencadeamento do procedimento com inclusão obrigatória do cliente no PERSI (art. 14.º); a “fase de avaliação e proposta”, em que a instituição de crédito, uma vez analisada a situação financeira do cliente, deve apresentar-lhe uma ou mais propostas de regularização ou concluir pela incapacidade financeira do cliente (art. 15.º); e, uma fase eventual de “negociação” (art. 16.º), que se abre quando o cliente recuse as propostas do banco.
2- Se na fase de avaliação e proposta, o cliente não colaborar com a instituição de crédito, não lhe facultando os elementos nem prestando as informações solicitados que possibilitariam a avaliação da sua capacidade financeira, a instituição de crédito pode, em alternativa: (i) aguardar o decurso do prazo de 91 dias subsequentes à integração do cliente no PERSI e, por essa via, comunicar a extinção do PERSI (artº 17º nº 1, al. c)); ou (ii) proceder à extinção do PERSI, por sua iniciativa, ao abrigo do artº 17º nº 2, al. d), com fundamento na falta de colaboração com a instituição de crédito.
3- A extinção do PERSI só produz efeito após a respectiva comunicação (artº 17º nº 4). E, enquanto não ocorrer essa comunicação de extinção do PERSI a instituição de crédito está impedida de: (i) resolver o contrato de crédito com fundamento no incumprimento; (ii) intentar acções judiciais com vista à satisfação do crédito (artº 18º).
4- Assim, a comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da acção executiva: a inobservância dessa condição de admissibilidade da execução obsta a que o crédito possa ser realizado coactivamente levando, por isso, à extinção da execução instaurada contra o devedor.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.
1-A Caixa, SA, instaurou execução para pagamento de quantia certa, contra C…. (e ainda contra JF e MF).
O executado C… deduziu oposição à execução, mediante os presentes embargos, pugnando pela respectiva procedência e consequente extinção da execução; mais requereu a suspensão da venda do imóvel hipotecado até à decisão dos embargos.
Alegou, em síntese, que a exequente não promoveu as diligências necessárias à implementação do PERSI (DL 227/2012) e por isso estava impedida de resolver os contratos de mútuo e de executar os seus créditos, sendo inexigível a quantia exequenda; por outro lado, pretendeu o executado beneficiar do regime especial do DL 58/2012, ficando a exequente impedida de executar o imóvel dado de hipoteca.
2- A exequente/embargada veio contestar os embargos, defendendo a respectiva improcedência.
Em síntese, diz que integrou o executado no PERSI e que ele não enviou os documentos que lhe solicitou. Além disso, os créditos em causa não se enquadram no âmbito da aplicação do DL 58/2012, por o executado ser proprietário de um outro imóvel.
Opôs-se à suspensão da execução.
3- Na audiência prévia, foi indeferida a suspensão da execução.
4- Realizada audiência final, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
Assim sendo e pelo exposto, julgo improcedentes por não provados os presentes embargos e consequentemente determino o prosseguimento da execução nos precisos termos em que foi instaurada.”
5-Inconformado, veio o embargante interpor o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I-O Recorrente deduziu embargos do executado, alegando, em suma, que a Exequente, ora Recorrida, não atendeu ao Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e não promoveu as diligências necessárias à implementação do PERSI.
II- E pugnou pela inexigibilidade da obrigação exequenda.
III-Por sua vez, a Recorrida veio afirmar que o Recorrente “foi efectivamente integrado no âmbito do Procedimento extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento(…)”
IV-E juntou uma carta simples, como doc 1.
V-A Mma Juiz a quo entendeu que “o Embargante não juntou aos autos qualquer prova documental (…)” (pp10 da sentença).
VI-Porém, o Recorrente juntou o doc 1 indicado nos Embargos (carta remetida à Recorrida, e datada de 01-09-2015), documento que a Mma Juiz a quo deveria ter atendido para prova do quesito n.º 2, dos factos controvertidos.
VII-A Recorrida, em sede de Contestação, alega ter remetido ao Recorrente a carta apresentada como Doc1, mas não alega, nem prova, que o Recorrente recebeu esse documento, nem alega quaisquer factos quanto à eventual continuidade dada ao alegado procedimento de integração no PERSI.
VIII- Nos pontos 17 e 18 dos factos provados, a Mma Juiz a quo, deu como provado que a Recorrida integrou o Recorrente no PERSI, através da carta junta como Doc. 1 na Contestação, porém, da prova produzida não resultou que foi em sequência daquela carta que o Recorrente foi integrado no PERSI, aliás, pela própria Contestação se infere o contrário, pois,
IX- No art. 30.º deste articulado, a Embargada/Recorrida afirma: “ por requerimentos datados de 10.03.2017 (referência 14277064), 18.01.2017 (referência 13674803), 01.04.2016 (referência 9742594) e 03.03.2016 (referência 9285940), todos juntos aos autos principais, a Embargada comunicou aos autos e à ilustre mandatária do Embargante que o pedido de integração em tal regime normativo não preenchia os pressupostos legais.”.
X-Estes requerimentos são datados de 2016 e 2017, sendo que o Doc 1 está datado de 2013.
XI-O Recorrente foi integrado no PERSI após a carta remetida à Recorrida, em 03/09/2015, e já no decurso da ação executiva.
Por outro lado,
XII-A Recorrida nem logrou produzir qualquer prova quanto à integração dos Fiadores no PERSI, a que estava obrigada.
XIII-Deveria, pois, a Mma Juiz a quo ter dado como provados os factos constantes nos temas de prova 1), 2), e 4), porém, tais factos foram considerados não provados, o que se impugna,
XIV-E deveria ter considerado não provado os factos que constam dos temas de prova 5), 6), mas decidiu-se o contrário, o que se impugna.
XV-A testemunha CL, funcionário da Recorrida esclareceu que não consegue confirmar se o Recorrente recebeu efectivamente a carta apresentada como Doc. 1 da Contest., referindo que se tratam de cartas simples emitidas automaticamente pelo sistema(passagem de gravação 07:52).
XVI-Apresentada a Testemunha LP, funcionária da Recorrida, afirmou que tratou das negociações com o Recorrente em 2014 (passagem de gravação 16:22).
XVII- Atente-se que o doc. 1, tem data de 15-04-2013.
XVIII-Ora, facilmente se conclui que não foi esta testemunha que tratou da alegada integração do Recorrente no PERSI.
XIX-Da prova documental e testemunhal não se pode concluir o efectivo envio e recepção de qualquer carta de integração no PERSI.
XX-A Mma Juiz a quo entendeu que “ambos os depoimentos foram no sentido de que as cartas relativas ao PERSI são enviadas automaticamente pelo sistema informático. São cartas simples, enviadas para a morada contratual dos clientes.”,
XXI-e considerou que, no que tange à integração no PERSI, “o Exequente fez tal prova, por documentos e pelo depoimento das duas testemunhas supra referidas.”
Todavia,
XXII-Face à ausência de confissão expressa do Embargante/Recorrente, não poderia a prova da declaração da instituição bancária/embargada ser colmatada com recurso à prova testemunhal - cfr. artº 364º, nº 2, do Código Civil.
XXIII- Trata-se de uma declaração recetícia, e a sua eficácia estaria também dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário (1.ª parte do n.º 1 do artº 224º, do CC).
XXIV-É sobre a Recorrida que recai o ónus de o provar (artº 342º, nº 1, do CC), o que não logrou.
XXV-A ação executiva só pode ser intentada após a extinção do procedimento.
XXVI-Não tendo o Recorrente sido integrado no PERSI, estamos perante uma exceção dilatória inominada.
XXVII- Impugna-se, pois, a decisão inerente aos seguintes pontos dos factos considerados Provados: 16) a 18).
XXVIII-E Impugna-se, ainda, a decisão inerente aos seguintes pontos dos factos considerados Não Provados: A), B) e D).
XXIX-Deveria a Mma Juiz a quo ter considerado não provado que “O Embargante foi efectivamente integrado no âmbito do Procedimento extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)”, por tal ónus de prova ser da Recorrida e esta não a ter produzido,
XXX-E em sequência, deveria ter determinado a existência de exceção dilatória inominada e insuprível, determinado a extinção da instância.
Termos em que, nos melhores de Direito, e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deverá revogar-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, procedendo o presente recurso, decidindo-se pela extinção da instância executiva.
6- A embargada contra-alegou, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O Recorrente interpôs recurso da sentença proferida pelo M.º Juiz a quo com a Referência 383413380 a qual julgou “improcedentes por não provados os presentes embargos” e, por via disso, determinou “o prosseguimento da execução nos precisos termos em que foi instaurada”.

2. Decidindo como decidiu, o M.º Juiz a quo fez correcta e adequada aplicação do Direito.
3. A Recorrida está, pois, convicta de que Vossas Excelências, subsumindo a matéria vertida nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de negar provimento ao recurso apresentado e confirmar a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
4. Atentemos: a Recorrida aceita expressamente a confissão da dívida por parte do Recorrente, na medida em que este reconhece que a Recorrida lhe emprestou as quantias de €250.000,00 e de €10.000,00, sendo que, em sede de embargos, o aqui Recorrente começa por dizer que “A Exequente resolveu aquele contrato”, o que desde logo constitui confissão.
5. Com efeito, o Recorrente foi efectivamente integrado no âmbito do PERSI, por força do estatuído no art. 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o que decorre da carta efectivamente enviada ao Recorrente no estrito cumprimento do disposto nos artigos 14.º, 5.º e 12.º do citado Decreto-Lei (cfr. a carta junta na contestação como Doc. 1).
6. Na citada carta, a Recorrida comunicou ao Recorrente que, em virtude da situação de incumprimento em que se encontravam naquela data, procedeu à respectiva integração no PERSI. Para tanto, a CGD discriminou os valores em dívida nos contratos de que é titular e solicitou o envio de todos os documentos demonstrativos da incapacidade financeira, documentos estes necessários à análise e posterior apresentação pelos mesmos de proposta de regularização da situação de incumprimento em que se encontravam, tendo sido concedido aos mesmos um prazo para esse efeito.
7. Ademais, nos termos do n.º 4 do art. 14.º do Decreto- Lei n.º 227/2012, “a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro”, o qual se encontra definido na alínea h) do art. 3.º do mesmo diploma.
8. Ora, em lugar algum o Decreto-Lei n.º 227/2012 e a Instrução do Banco de Portugal n.º 44/2012 prescrevem a necessidade de envio das cartas por correio registado e/ou com aviso de recepção, cabendo à Recorrida a expedição de tais comunicações mas não a prova da sua recepção por parte do Recorrente.
9. Posto isto, é manifesto que a Recorrida promoveu todas as “diligências necessárias à implementação do Procedimento extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento”, à luz do disposto no art. 12.º do Decreto-Lei n.º 227/2012.
10. A Recorrida cumpriu integralmente o postulado no diploma legal que regulamenta o PERSI, tendo procedido à integração do Recorrente em tal regime, até porque, sabendo as consequências que adviriam do incumprimento de tal regime, não tinha qualquer interesse em contrário.
11. Ora, o facto de o Recorrente ter entregue à Recorrida parte da documentação solicitada (como adiante se desenvolverá) é demonstrativo de que o mesmo tomou conhecimento das missivas envidas pela Recorrida, nomeadamente as comunicações alusivas ao PERSI, em consonância com o disposto no art. 224.º do Código Civil.
12. Deste modo, da prova documental e testemunhal produzida (cópias das cartas juntas em sede de contestação e depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento por parte das testemunhas da Recorrida), é forçoso concluir que as cartas do PERSI foram efectivamente remetidas pela Recorrida ao Recorrente, no estrito cumprimento do postulado no Decreto-Lei n.º 227/2012.
13. A Caixa, SA é uma instituição séria, de bem e de referência nacional, pautando a sua actividade negocial com ética, transparência, correcção e seriedade, tendo sempre norteado a sua actividade no estrito cumprimento da lei e da boa fé, bem como das directivas e instruções das entidades reguladores do sector, nomeadamente os princípios ínsitos no art. 29.º do Decreto-lei n.º 227/2012.
14. Aliás, ao contrário do alegado pelo Recorrente, não é verdade que o PERSI tenha sido cumprido em momento posterior à instauração da presente acção, na medida em que a carta de integração do PERSI foi enviada no ano de 2013, ao passo que a presente acção executiva foi instaurada no ano de 2015.
15. Ademais: note-se que o próprio Recorrente reconhece que o PERSI foi cumprido, pois se diz que este ocorreu em momento posterior à instauração da acção, é porque foi cumprido, não restando dúvidas de que estamos perante uma confissão do Recorrente, não relevando se foi antes ou depois da acção (apesar de estar demonstrado que foi em data anterior, recorde-se), porquanto o relevante é que o objectivo ínsito no PERSI foi cumprido, ou seja, foi dada a oportunidade ao Recorrido de obter uma resolução extrajudicial que evitasse a instauração de uma acção executiva.
16. Da mesma forma, para além do PERSI, a Recorrida procedeu à integração do Recorrente no regime previsto na Lei n.º 58/2012, de 9 de Novembro, tendo a CGD analisado um requerimento apresentado pelo Recorrido ao abrigo do n.º 1 do art. 8.º do citado Diploma, tendo concluído pela não aceitação do mesmo por não se encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais, na medida em que não se mostrava preenchido o pressuposto contido na alínea d) do n.º 1 do art. 5.º pela circunstância de o
Recorrente ter registado em seu nome um outro imóvel com o valor patrimonial de €23.758,75.
17. Paralelamente, o Recorrente nunca chegou a entregar todos os documentos previstos no art. 6.º do referido diploma, tal como o próprio reconheceu.
18. Ainda assim, e conforme se referiu anteriormente, a Caixa, SA procedeu a uma análise com vista à possível integração do Recorrente em tal regime, tendo concluído pela não verificação dos pressupostos legais, não restando dúvidas de que a Recorrida concedeu várias oportunidades ao Recorrente e que fez tudo quando estava ao seu alcance.
19. Aqui chegados, e ainda que o mutuário não tivesse sido formalmente integrado no PERSI (apesar de, como se alegou, ter sido integrado em tal regime), tal “não lhes retirou direitos, nem lhes reduziu expectativas legítimas, posto que a acção executiva só foi instaurada depois de gorada a concretização da solução negociada por razões só àqueles imputáveis” (cfr. o Acórdão de 09.02.2017).
20. Isto porque “O objetivo prosseguido pelo Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no DL 227/2012 de 25/10, é o de envolver as instituições de crédito na apresentação de propostas de regularização de situações de incumprimento adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor” (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02.05.2016, atinente ao Proc. n.º 194/13.5TBCMNA. G1).
21. Ora, e continua o acórdão mencionado, “as partes nestes contratos de crédito, tentaram activamente obter um acordo de regularização das situações de incumprimento (…)”, pelo que “Não teria qualquer sentido integrar esta situação de incumprimento no
PERSI, quando tudo o que este preconiza já tinha sido levado a cabo pelas partes durante mais de ano e meio, tendo logrado obter o acordo para a regularização da situação de incumprimento, antes da entrada em vigor daquele diploma”.
22. Mais: conclui o douto Tribunal da Relação que “a actuação do Banco, neste caso, foi muito mais longe do que preconiza este DL, ao manter os contratos em incumprimento durante mais de um ano, na tentativa de encontrar uma solução para o problema”.
23. Até porque, e conforme resulta da documentação carreada para os autos e dos depoimentos prestados, o Recorrente beneficiou materialmente de um conjunto de medidas que deram plena concretização aos objectivos do PERSI, entretanto instituído pelo Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro.
24. Mais: o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa citado pelo Recorrente foi revogado pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 19.02.2019 (cfr. o Proc. n.º 144/13.9TCFUN-A.L1.S1), decidindo, outrossim, que “sob pena de se incorrer em abuso de direito, não faria sentido que, bem mais de um ano depois do início do incumprimento e depois de terem estado em curso negociações, sem sucesso (de parte a parte), fosse exigível à exequente a integração formal dos executados no regime do PERSI.”.
25. Posto isto, resulta da factualidade dada como provada, quer resultante de documentação carreada para os autos, quer dos depoimentos prestados, que não assiste qualquer razão ao Recorrente.
26. Vejamos então a matéria de facto cuja reapreciação é requerida pelo Recorrente: em primeiro lugar, e no que respeita ao Factos provados n.º 16, 17 e 18, dúvidas não restam de que o Recorrente foi integrado no âmbito do PERSI, que a Recorrida comunicou àquele que, em virtude da situação de incumprimento, procedeu à sua integração no referido regime, que discriminou os valores e que solicitou o envio de documentação para posteriormente ser analisada uma possível regularização da situação de incumprimento em que se encontrava, que lhe foi indicado um prazo para tal e que a Recorrido procedeu à análise do pedido do Recorrente, não tendo aceite o mesmo por não verificação dos pressupostos, o que desde logo resulta não apenas da documentação carreada para os autos (em especial a carta junta como Doc. 1 em sede de contestação) mas igualmente dos depoimentos prestados em sede de julgamento, os quais, de forma séria, descreveram as negociações mantidas com o Recorrente, nomeadamente as comunicações enviadas ao mesmo.
27. Por outro lado, e no que respeita aos Factos não provados A), B) e D), resta mais uma vez referir que resulta da documentação junta aos autos (novamente em especial o Doc. 1 junto na contestação) e dos depoimentos prestados que a Recorrida procedeu ao integral cumprimento do postulado no regime do PERSI e fez tudo quanto podia para ter evitado a instauração de acção executiva.
28. De notar, aliás, que em momento algum o Recorrente impugnou a matéria de facto dada como provada concernente com a falta de pagamento das prestações convencionadas nos contratos que constituem títulos executivos da presente acção, mormente os Factos provados n.º 5 e n.º 12.
29. Pelo exposto, é forçoso concluir que a impugnação da matéria de facto deduzida pelo Recorrente deverá, no seu todo, improceder.
30. Por tudo quanto ficou exposto, dúvidas não restam de que a Douta sentença proferida pelo Tribunal a quo fez uma correcta interpretação e adequada aplicação do Direito, designadamente das citadas disposições legais, devendo, por isso, ser negado provimento ao recurso apresentado pelo Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida.
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, requer-se que se tenham por inatendíveis as pretensões constantes das alegações do Recorrente, confirmando a douta decisão recorrida.
***
II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC/13) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC/13) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC/13) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC/13) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- A Impugnação da Matéria de Facto;
b)- A revogação da sentença, com reconhecimento da não inclusão dos créditos exequendos no PERSI e consequente extinção da execução por inexigibilidade da dívida.
***
2- Factualidade decidida pela 1ª instância.
A 1ª instância decidiu a matéria de facto do seguinte modo:
Factos Provados:
1 – No exercício da sua actividade e a pedido do Mutuário Carlos JSF, no dia 09.11.2007, a Exequente celebrou com ele uma ESCRITURA DE COMPRA E VENDA, MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA - cfr. Doc. 1 que se encontra junto ao requerimento executivo, incluindo o Documento Complementar que dela faz parte (al. A) dos Temas de Prova Assentes);
2 – Através de tal Contrato, a Exequente emprestou ao Mutuário a quantia de € 250.000,00 (al. B) dos Temas de Prova Assentes);
3 – Tal Mutuário utilizou a quantia mutuada para a finalidade prevista na cláusula 2.ª do Documento Complementar anexo à Escritura Pública (al. C) dos Temas de Prova Assentes): “O empréstimo destina-se à aquisição do imóvel atrás hipotecado para habitação própria permanente da parte devedora”.
4 – De acordo com a Escritura junta, foram convencionadas, além do mais, as Cláusulas (que aqui se dão como reproduzidas) acerca:
a) Do número de prestações mensais, através das quais o capital mutuado, bem como os respectivos juros, haveriam de ser pagos;
b) Das datas da 1.ª e das restantes prestações;
c) Dos juros moratórios em caso de incumprimento ou atraso no pagamento, calculados de acordo com a respectiva Cláusula do Contrato;
d) Do valor das despesas emergentes do Contrato devidas pelo Mutuário (al. D) dos Temas de Prova Assentes);
5 – As prestações convencionadas deixaram de ser pagas em 09.10.2013 (inclusive), o que implicou a resolução do contrato de Mútuo (al. E) dos Temas de Prova Assentes);
6 – Ficou, assim, em dívida, de capital, a quantia de € 228.617,83 sobre a qual incidem os juros remuneratórios e moratórios constantes do item "Liquidação da Obrigação" no requerimento executivo (al. F) dos Temas de Prova Assentes);
7 – Como garantia de todas as responsabilidades assumidas neste mútuo concedido ao Mutuário, foi constituída hipoteca a favor do Exequente sobre um imóvel, hipoteca essa que está registada na respectiva Conservatória, pela Ap. 17 de 2007/10/30, conforme certidão junta ao requerimento executivo (al. G) dos Temas de Prova Assentes);
8 – Novamente no exercício da sua actividade e mais uma vez a pedido do Mutuário, no mesmo dia 09.11.2007, a Exequente celebrou com ele uma ESCRITURA DE MÚTUO COM HIPOTECA - cfr. Doc. 3 junto ao requerimento executivo, incluindo o Documento Complementar que dela faz parte (al. H) dos Temas de Prova Assentes);
9 – Através de tal Contrato, a Exequente emprestou ao Mutuário a quantia de € 10.000,00 (al. I) dos Temas de Prova Assentes);
10 – Tal Mutuário utilizou a quantia mutuada para a finalidade prevista na cláusula 2.ª do Documento Complementar anexo à Escritura Pública (al. J) dos Temas de Prova Assentes): “O empréstimo destina-se a facultar recursos financeiros de investimentos múltiplos, não especificados em bens imóveis.”
11 – De acordo com a Escritura junta, foram convencionadas, além do mais, as Cláusulas (que aqui se dão como reproduzidas) acerca:
a) Do número de prestações mensais, através das quais o capital mutuado, bem como os respectivos juros, haveriam de ser pagos;
b) Das datas da 1.ª e das restantes prestações;
c) Dos juros moratórios em caso de incumprimento ou atraso no pagamento, calculados de acordo com a respectiva Cláusula do Contrato;
d) Do valor das despesas emergentes do Contrato devidas pelo Mutuário (al. K) dos Temas de Prova Assentes);
12 – As prestações convencionadas deixaram de ser pagas em 09.10.2013 (inclusive), o que implicou a resolução do contrato de Mútuo (al. L) dos Temas de Prova Assentes);
13 – Ficou, assim, em dívida, de capital, a quantia de € 9.144,72 sobre a qual incidem os juros remuneratórios e moratórios constantes do item "Liquidação da Obrigação" do requerimento executivo (al. M) dos Temas de Prova Assentes);
14 – Como garantia de todas as responsabilidades assumidas neste mútuo concedido ao Mutuário, foi constituída hipoteca a favor do Exequente sobre um imóvel, hipoteca essa que está registada na respectiva Certidão Registal, pela Ap. 17 de 2007/10/30 (cfr. Doc. 2 junto ao requerimento executivo) (al. N) dos Temas de Prova Assentes);
15 – José Fernandes e Maria Lídia Cardoso Simões Fernandes constituíram-se fiadores e principais pagadores, em ambos os empréstimos, dando o seu acordo a todas e quaisquer alterações (al. O) dos Temas de Prova Assentes);
16 – O Embargante foi efectivamente integrado no âmbito do Procedimento extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), o que decorre da carta efectivamente enviada ao Embargante, que se junta como Doc. 1 da contestação (Resposta ao Quesito 5º dos Temas de Prova Controvertidos);
17 – Na citada carta, a aqui Embargada comunicou ao aqui Embargante que, em virtude da situação de incumprimento em que se encontravam naquela data, procedeu à respectiva integração no PERSI. Para tanto, a Caixa, SA discriminou os valores em dívida nos contratos de que é titular e solicitou o envio de todos os documentos demonstrativos da incapacidade financeira, documentos estes necessários à análise e posterior apresentação pelo mesmo de proposta de regularização da situação de incumprimento em que se encontrava, tendo sido concedido ao mesmo um prazo para esse efeito (Resposta ao Quesito 6º dos Temas de Prova Controvertidos);
17A- Por carta datada de 01/09/2015, dirigida à exequente/embargada e por ela recebida a 08/09/2015, o executado, invocando o disposto no artº 8º da Lei 58/2012, de 09/11, solicitou beneficiar do regime previsto naquele diploma legal.(aditado em consequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.)
18 – A Caixa, SA procedeu à análise do pedido do Embargante, não tendo aceite o mesmo por não se encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais (Resposta ao Quesito 7º dos Temas de Prova Controvertidos);
19 – O Embargante não é apenas proprietário do imóvel penhorado nos autos mas, também, de um imóvel sito em … com o valor patrimonial de € 23.758,75 (cfr. a caderneta predial utilizada na análise do pedido junta como Doc. 2 da contestação, bem como a caderneta predial actualizada junta como Doc. 3 da contestação, onde se constata que a situação se mantém à data) (Resposta ao Quesito 8º dos Temas de Prova Controvertidos);
20 – E, quando pediu a sua integração no regime extraordinário de protecção dos devedores de crédito à habitação, o Embargante referiu que apenas era proprietário do imóvel penhorado nos autos, omitindo por completo o facto de também ser proprietário de um imóvel em … (cfr. a carta e respectivo anexo que se junta como Doc. 4 da contestação) (Resposta ao Quesito 9º dos Temas de Prova Controvertidos);
21 – Apenas mais tarde, após ter recebido uma carta da CGD, na qual esta pedia os elementos em falta, é que o Embargante veio dar conhecimento o que também era proprietário do segundo imóvel, contrariamente ao que tinha transmitido na sua carta de 01.09.2015 (cfr. a carta e respectiva documentação anexa que se junta como Doc. 5 da contestação) (Resposta ao Quesito 10º dos Temas de Prova Controvertidos);
22 – O Embargante nunca chegou a entregar todos os documentos previstos no art. 6.º da Lei n.º 58/2012, de 9 de Novembro, a saber:
a) A última certidão de liquidação de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível relativa ao agregado familiar do mutuário, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e os últimos três recibos de vencimento;
b) Certidão do registo civil demonstrativa da situação e ligação dos membros do agregado familiar;
c) Documento comprovativo do domicílio fiscal dos membros do agregado familiar;
d) Certidões de titularidade emitidas pela conservatória do registo predial e comercial relativas a cada um dos membros do agregado familiar;
e) Caderneta predial dos imóveis que são propriedade dos membros do agregado familiar;
f) Declaração escrita do mutuário, garantindo o cumprimento de todos os requisitos exigidos para aplicação do regime estabelecido na referida lei (Resposta ao Quesito 11º dos Temas de Prova Controvertidos);
23 – Ainda assim, a CGD procedeu a uma análise com vista à possível integração do Embargante em tal regime, tendo concluído pela não verificação dos pressupostos legais (Resposta ao Quesito 12º dos Temas de Prova Controvertidos);
Factos Não Provados:
A - A Exequente não promoveu as diligências necessárias à implementação do PERSI;
B - O Executado remeteu à Exequente o requerimento cuja cópia junta como doc. 1 da petição inicial;
C - O bem imóvel penhorado constitui a casa de habitação efectiva do Embargante;
D - A Exequente não interpelou os fiadores para cumprir as obrigações decorrentes do contrato dos autos e não iniciou o PERSI com os fiadores.
***
3- As questões enunciadas.
3.1- A Impugnação da matéria de facto.
O executado/embargante/apelante pretende que os pontos 16, 17 e 18 dos Factos Provados sejam considerados Não Provados e, que os pontos A), B) e D) dos Factos Não Provados passem a considerar-se Provados.
Quanto aos pontos 16, 17, entende o apelante que não podiam considerar-se provados porque a embargada/apelada não fez prova de que a carta – carta de fls 15, datada de 15/04/2013, com o endereço do embargante – foi enviada e recebida pelo embargante executado.
Vejamos se será assim.
Em primeiro lugar, a carta tem como remetente a Agência de (…) da exequente, é dirigida ao embargante para a sua morada (que não foi impugnada); mostra-se datada de 15/04/2013, identifica as “operações” em situação de incumprimento, discriminando os números dos contratos, as datas de vencimento respectivas, os valores de capital e respectivos juros e, os montantes totais em dívida; informa que nos termos do artº 14 do DL 227/2012, de 25/10, o cliente (executado/embargante) é integrado no PERSI; informa que deve dirigir-se a uma agência da Caixa, SA até ao dia 25/04/2013 e apresentar a última declaração de IRS e respectiva certidão de liquidação e documentos comprovativos dos rendimentos auferidos.
A questão que se coloca é a de saber se a exequente tem de provar que a carta em questão foi efectivamente recebida pelo executado.
Pois bem, atendendo ao respectivo conteúdo, verifica-se que a carta pretende comunicar ao executado que foi integrado no PERSI, previsto nos artºs 12º e segs do DL 227/2012, de 25/10.
Ora bem, estabelece o artº 20º desse DL 227/2012, com epígrafe “Processos individuais”:
1 - As instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários integrados no PERSI, os quais devem conter toda a documentação relevante no âmbito deste procedimento, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e as propostas apresentadas aos mesmos.
2 - As instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes à extinção do PERSI.”
Por sua vez, o artº 3º al. h) do mesmo diploma legal define como “Suporte duradouro: qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilitem a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.” (sublinhado nosso).
Portanto, o “suporte duradouro” a que a norma se refere constitui um documento, quer físico quer electrónico.
Efectivamente, de acordo com o artº 362º do CC, “(…) diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”. (sublinhado nosso). Saliente-se que o documento electrónico “…é aquele que se encontra gravado em forma digital num suporte magnético ou magneto-óptico; em sentido amplo, o documento electrónico é aquele que é elaborado na sua forma definitiva em suporte de papel ou equivalente, por um computador.” (Teixeira de Sousa, O Valor Probatório dos Documentos Electrónicos”, Direito da Sociedade de informação, 2º vol. 1999, pág. 172).
A questão coloca-se em termos da eficácia da comunicação.
Em termos simples, como é sabido, são várias as teorias acerca da eficácia da comunicação/declaração: (i) teoria da expedição (a declaração recipienda é eficaz logo que enviada para o destinatário); (ii) teoria da recepção (a declaração é eficaz quando chega ao poder do destinatário); (iii) teoria do conhecimento (a declaração é eficaz quando for efectivamente apreendida pelo destinatário).
Ora, o artº 224º do CC, relativo à eficácia da declaração negocial, determina que a declaração recipienda é eficaz: (i) quando chegue ao poder do destinatário (teoria da recepção) – artº 224º nº 1, 1ª parte; ou dele seja conhecida (teoria do conhecimento) – artº 224º nº 1, 1ª parte; ou quando remetida e só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida (teoria da expedição) – artº 224º nº 2 (Cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, pág. 345).
Ou seja, a declaração negocial que tenha um destinatário torna-se eficaz logo que chegue ao seu poder ou é dele conhecida.
A nossa lei civil optou pela teoria da recepção: a declaração é eficaz quando chega à esfera de acção do destinatário de tal modo que, em circunstâncias normais este podia conhecê-la em conformidade com os usos (ser enviada para um apartado, para um domicílio, para um local de trabalho) a ponto de, uma ausência transitória da casa ou do estabelecimento são riscos do destinatário (cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, 2ª reimpressão, 2012).
Assim, a eficácia da declaração ocorre no momento em que entra na esfera própria do destinatário, ou seja, desde que, de harmonia com o que é habitual e comum, só dependa do próprio destinatário ou do modo como este organiza a sua casa ou os seus negócios, conhecer ou não a declaração que lhe foi dirigida (Cf. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, volume I, 1987, pág. 293; veja-se ainda, entre outros, Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 9ª reimpressão da edição de 1992, pág. 448 e seg.; Ana Prata, Código Civil Anotado, vol. I, AAVV, coord. Ana Prata, 2017, pág. 276 e seg.).
Pois bem, não fazendo o diploma legal que estabelece o regime do PERSI (DL 227/2012) qualquer exigência quanto ao modo de comunicação das declarações e quanto à respectiva eficácia, há que lançar mão das regras gerais sobre a matéria da eficácia da declaração negocial e acima relembradas. E, como vimos, de acordo com essas regras, a declaração é eficaz quando dirigida à esfera de poder do destinatário.
E dos autos resulta – do próprio conteúdo da carta que supra se mencionou - que a carta foi enviada para a morada do executado.
Portanto, daqui decorre que, contrariamente ao que pretende o embargante/apelante, a exequente/embargada não tinha de provar a recepção da carta pelo executado.
A esta luz, não há fundamento para considerar Não Provados os pontos 16 e 17 dos Factos Provados.
Do mesmo modo, não se vislumbra fundamento para dar como provado o ponto A) dos factos Não Provados.
Na verdade, como vimos supra e aqui se repete, “a carta tem como remetente a Agência de (…) da exequente, é dirigida ao embargante para a sua morada (que não foi impugnada); mostra-se datada de 15/04/2013, identifica as “operações” em situação de incumprimento, discriminando os números dos contratos, as datas de vencimento respectivas, os valores de capital e respectivos juros e, os montantes totais em dívida; informa que nos termos do artº 14 do DL 227/2012, de 25/10, o cliente (executado/embargante) é integrado no PERSI; informa que deve dirigir-se a uma agência da CGD até ao dia 25/04/2013 e apresentar a última declaração de IRS e respectiva certidão de liquidação e documentos comprovativos dos rendimentos auferidos.
Atendendo ao respectivo conteúdo, verifica-se que a carta pretende comunicar ao executado que foi integrado no PERSI, previsto nos artºs 12º e segs do DL 227/2012, de 25/10.
Quanto ao ponto 18 do Factos Provados.
Em primeiro lugar, convém desde já assentar que o ponto 18 dos Factos Provados teve a sua “origem” no ponto 7º dos “factos controvertidos” que, por sua vez corresponde ao artigo 15º da contestação. E, enquadrando esse ponto 15º da contestação, verifica-se que ele é relativo ao pedido que o embargante/executado fez (em Setembro de 2015) à Caixa, SA pretendendo beneficiar do regime previsto na Lei 58/2012, de 09/11, relativo ao regime extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil. Portanto, o ponto 7 dos Factos Provados refere-se (só pode referir-se) ao procedimento despoletado pelo executado em Setembro de 2015 com vista a ser-lhe aplicado aquele regime, conforme decorre do artº 8º dessa Lei. Por conseguinte, aquele “pedido” do executado nada tem a ver com a aplicação do PERSI.
Nessa medida, e como decorre dos diversos documentos que foram juntos ao processo executivo e de que a embargada dá nota no artigo 30 da contestação de embargos e decorre dos pontos 19, 20 e 21 dos Factos Provados, a embargada/exequente analisou o pedido e não o deferiu por não estarem preenchidos os respectivos pressupostos: o executado/embargante possuía outro imóvel em (…).
A esta vista, resta concluir que não há fundamento para alterar o ponto 18 dos Factos Provados.
Quanto ao ponto B) dos Factos Não Provados.
Relativamente a este ponto, tem de reconhecer-se razão ao apelante.
Embora o “facto controvertido” em causa se baseie literalmente na alegação feita pelo embargante no ponto 12º da petição de embargos e, se é certo que o único documento que o executado juntou com a petição de embargos é relativo ao requerimento que apresentou junto da Segurança Social com vista à concessão de apoio judiciário, a verdade é que a própria exequente reconhece que o executado lhe remeteu o requerimento/carta que, de resto, juntou como documento nº 4 com a contestação aos embargos. E, desse documento resulta que se trata de uma carta datada de 01/09/2015, dirigida à Caixa, SA e por ela recebida a 08/07/2015, pela qual o executado invoca o disposto no artº 8º da Lei 58/2012, de 09/11 e solicita beneficiar do regime estabelecido naquele diploma legal.
Ora, perante este documento junto pela própria embargada, resta reconhecer razão ao apelante e, em consequência, dá-se como provado que:
- Por carta datada de 01/09/2015, dirigida à exequente/embargada e por ela recebida a 08/09/2015, o executado, invocando o disposto no artº 8º da Lei 58/2012, de 09/11, solicitou beneficiar do regime previsto naquele diploma legal.
Esse facto, ora dado como provado, por uma questão de enquadramento lógico, passará a constar como ponto 17-A e é integrado na factualidade dada como provada com realce a negrito.
Finalmente o ponto D) dos Factos Não Provados.
Essa factualidade é relativa, por um lado, à não interpelação dos fiadores para cumprirem e, por outro, à não inclusão dos fiadores no PERSI.
Pois bem, desde já se diga que essa factualidade é irrelevante para as questões em causa nos embargos deduzidos pelo executado devedor. Poderia ser relevante em sede de embargos à execução que fossem interpostos pelos fiadores.
Seja como for, a 1ª instância deu essa factualidade como não provada com o argumento de o embargante não ter, quanto a ela, produzido qualquer prova.
Convém relembrar que em matéria de distribuição do ónus de prova em sede de embargos à execução, observam-se a regras gerais, cabendo ao executado/embargante a prova dos factos que invoca como fundamento de oposição á execução, nos termos gerais do artº 342º do CC. Ou seja, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, cabendo a quem contra o direito é apresentado, fazer a prova dos factos impeditivos, modificativos ou impeditivos do direito invocado contra ele.
Esta regra material afere-se pela posição de cada parte na execução e não pela estrita posição formal na oposição à execução. Quer dizer, é ao executado/embargante, que tem uma posição de demandado na execução, que cumpre alegar e provar os factos impeditivos ou extintivos do direito de que o exequente se arroga (Cf. Rui Pinto, a Ação Executiva, cit., pág. 420; Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, pág. 177).
Ora não tendo o executado/embargante produzido prova sobre a factualidade em questão, não há fundamento para dar como provado a factualidade do ponto D) dos Factos Não Provados.
3.2- A revogação da sentença, com reconhecimento da não inclusão dos créditos exequendos no PERSI e consequente extinção da execução por inexigibilidade da dívida.
O executado/embargante pretende seja revogada a sentença argumentando que não foi integrado no PERSI.
Note-se que “deixou cair” a fundamentação baseada no regime da Lei 58/2012.
Vejamos então.
O problema pode não ser da integração dos créditos no PERSI mas, antes, de incumprimento dos deveres procedimentais do PERSI pela credora Caixa, SA.
É o que importa analisar.
Como é sabido, pelo DL 227/2012, de 25/10, o legislador pretendeu prevenir e regular o incumprimento do contrato de crédito por parte do consumidor, estabelecendo um conjunto de princípios bem como as regras a observar pelas Instituições de Crédito “…no acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento”, por um lado e, “…na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes…” (Cf. Pinto Monteiro, A Resposta do Ordenamento Jurídico Português à Contratação Bancária Pelo Consumidor, Boletim de Ciências Económicas – Homenagem ao Prof. Doutor António José Avelães Nunes, Vol. LVII, tomo II, 2014, pág. 2340).
O diploma estabelece ainda a criação de uma rede de apoio a esses clientes no âmbito da prevenção do incumprimento e da regularização extrajudicial das situações de incumprimento de contratos de crédito.
A razão de ser deste conjunto de medidas vem explicada no próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.º 227/2012, destacando-se a preocupação pela “concessão responsável de crédito” e o objectivo de “estabelecer um conjunto de medidas que (…) promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as actuais dificuldades económicas”. (Cf. Pinto Monteiro, A Resposta do Ordenamento Jurídico…cit., pág. 2340).
Nos termos do artº 12º, as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
O PERSI compreende 3 fases: a “fase inicial”, correspondente ao desencadeamento do procedimento que, em algumas hipóteses, é obrigatório para o banco (art. 14.º); a “fase de avaliação e proposta” (art. 15.º), em que o banco, uma vez analisada a situação financeira do cliente, deve apresentar-lhe “uma ou mais propostas de regularização” ou comunicar a incapacidade financeira; e uma fase eventual de “negociação” (art. 16.º), que se abre quando o cliente recuse as propostas do banco. (Cf. Pinto Monteiro, A Resposta do Ordenamento Jurídico…cit., pág. 2342).
Ao integrar o cliente no PERSI, a instituição de crédito deve informá-lo através de suporte duradouro que contenha os elementos referidos/enunciados no artº 7º do Aviso 17/2012 do Banco de Portugal: identificar o contrato de crédito, a data de vencimento das obrigações em mora, o montante total em dívida, com descrição detalhada dos montantes relativos ao capital, juros e encargos associados à mora, a data de integração no PERSI e elementos de contracto da instituição de crédito para informação adicional e informação.
Pois bem, no caso dos autos verifica-se que a credora, Caixa; SA, cumpriu esse dever de integração do cliente/devedor no PERSI através da carta que lhe remeteu em 15/04/2013.
Portanto, a embargada integrou o seu cliente, ora executado/embargante no PERSI.
Com a integração do cliente em PERSI, inicia-se a “segunda fase” que consiste, em primeira linha, em a instituição de crédito estar obrigada a desenvolver diligências para apurar se o incumprimento das obrigações em causa decorre de circunstâncias pontuais ou se reflecte uma incapacidade do cliente bancário para cumprir de forma continuada (artº 15º nº 1).
Para esta avaliação da capacidade financeira poderá ser solicitado ao cliente bancário a informação e documentos estritamente necessários e adequados (artº 15º nº 2). Ora, essas informações e documentos a pedir pela instituição ao cliente são as mesmas previstas no âmbito do PARI e que estão mencionados no artº 5º do Aviso do Banco de Portugal nº 17/2012.
De resto, de acordo com o “Entendimento do Banco de Portugal sobre o novo quadro legal relativo à prevenção e regularização do incumprimento dos contratos de crédito celebrados com clientes bancários particulares” (disponível na online) as instituições de crédito devem observar os factores elencados no artº 5º do mencionado Aviso do Banco de Portugal nº 17/2012, bem como quaisquer outros que considerem relevantes (Entendimento sobre o artº 5º, ponto 1, pág. 15).
Durante a fase de avaliação e proposta (artº 15º do DL 2227/2012) cabe à instituição de crédito dar cumprimento ao dever de avaliação das capacidades financeiras do cliente, que serve de corolário do dever geral de conhecimento do cliente.
Esta apreciação da capacidade financeira do cliente conduz à apresentação de proposta ou, caso se mostre inviável, à comunicação da falta de capacidade financeira do cliente. (Cf. Paulo Câmara, Crédito bancário e prevenção de risco de incumprimento: uma avaliação crítica do novo Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), II Congresso de Direito da Insolvência, coord. Catarina Serra, AAVV, 2014, pág.324).
Ora, pode suceder que o cliente não colabore com a instituição de crédito, não lhe facultando os elementos nem prestando as informações solicitadas que possibilitariam a avaliação da sua capacidade financeira.
Pois bem, perante essa omissão ou recusa de colaboração por banda do cliente, das duas uma: (i) a instituição de crédito pode aguardar o decurso do prazo de 91 dias subsequentes à integração do cliente no PERSI e, por essa via, comunicar a extinção do PERSI, conforme decorre do artº 17º nº 1, al. c) do DL 227/20103; ou (ii) proceder à extinção do PERSI, por sua iniciativa, ao abrigo do artº 17º nº 2, al. d), justamente com fundamento na falta de colaboração com a instituição de crédito.
No caso dos autos, nada é dito sobre se o cliente, executado/embargante, se recusou ou se omitiu o dever de colaboração com a credora instituição de crédito.
Seja como for, caso isso tivesse sucedido, a credora CGD, ainda assim, estava obrigada a comunicar ao cliente, através de suporte duradouro, essa extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considerasse inviável a manutenção do procedimento, comunicação essa que deve ser acompanhada dos elementos referidos no artº 8 do Aviso 17/2012 do Banco de Portugal (artº 17º nºs 3 e 5 do DL 227/2012).
O nº4 do artº 15º do DL 227/2012 determina que deverá ser comunicado ao cliente bancário, em suporte duradouro, no prazo máximo de 30 dias a contar do dia em que o cliente bancário foi incluído no PERSI, uma de duas hipóteses em função das conclusões após as avaliações:
i) Sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI, por se verificar que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento as obrigações, nem para regularizar a situação de incumprimento, através da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, deve a comunicação apenas referir o resultado da avaliação desenvolvida;
ii) Caso se conclua que o cliente bancário dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, a instituição de crédito está obrigada a apresentar uma ou mais propostas de regularização adequadas à situação financeira do cliente bancário. (Andreia Sofia Lúcio Engenheiro, O Crédito Bancário: A Prevenção do Risco e Gestão de Situações de Incumprimento, dissertação de mestrado, apresentada à Faculdade de Direito de UNL, 2015, edição online, pág. 53 e seg.).
Saliente-se que de acordo com o artº 9º do referido Aviso do Banco de Portugal nº 17/2012, com epígrafe “Deveres procedimentais”:
1 - No âmbito da implementação do PERSI, as instituições de crédito estão obrigadas a:
a) Garantir o tratamento integrado das informações recolhidas sobre os clientes bancários em  PERSI, assegurando a transmissão dessa informação à estrutura responsável pelo seu tratamento e análise; e,
b) Definir as estruturas responsáveis pelas seguintes diligências:
i) Recolha de informação relativa ao cliente bancário;
ii) Tratamento e análise dessa informação;
iii) Avaliação da situação de incumprimento;
iv) Avaliação da capacidade financeira do cliente bancário;
v) Decisão sobre a apresentação de propostas ao cliente bancário e sobre o conteúdo dessas propostas;
Ora, as instituições de crédito estão sujeitas ao dever de proceder com diligência e lealdade (artº 4º nº 1 do DL 227/2012) adoptando medidas e procedimentos quando se verifique uma situação de incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito e promover, sempre que possível, a regularização extrajudicial das situações de incumprimento.
Impõe-se às instituições de crédito, perante uma situação de risco de incumprimento ou de incumprimento já verificado, o dever de renegociar os contratos de crédito. Trata-se de um dever de efectiva negociação, com vista à busca de soluções extrajudiciais.
As instituições de crédito, ao abrigo do princípio da boa fé, devem observar os deveres de segurança, lealdade e de informação, de modo a assegurar a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente (Cf. Menezes Cordeiro, O princípio da boa-fé e o dever de renegociação em contextos de “situação económica difícil”, II Congresso de Direito da Insolvência, coord. Catarina Serra, AAVV, 2014, pág. 67).
Como se referiu, ignora-se se o cliente, ora executado/embargante/apelante colaborou, ou não, com a instituição de crédito.
Do mesmo modo, nada foi dito sobre se a credora instituição de crédito observou a segunda fase do procedimento (apresentação de proposta ou comunicação de incapacidade financeira do cliente).
Seja como for, a verdade é que, a instituição de crédito tinha o dever de comunicar a extinção do PERSI, como o impõe o artº 17º do DL 227/2012. E a extinção do PERSI só produziria efeito após as respectiva comunicação (artº 17º nº 4 do DL 227/2012).
E enquanto não ocorrer a comunicação de extinção do PERSI e resulta do artº 18º do DL 227/2012, a instituição de crédito está impedida de: (i)  resolver o contrato de crédito com fundamento no incumprimento; (ii) intentar acções judiciais com vista à satisfação do crédito.
Ora, no caso dos autos, além de não ter demonstrado ter iniciado a segunda fase do PERSI, a exequente não comunicou a extinção do procedimento. Por isso, estava impedida de resolver os contratos de crédito, como fez em 09/10/2013, bem como estava impedida de instaurar a execução de que estes embargos são apenso.
O mesmo é dizer, após a integração do cliente no PERSI, a instituição de crédito apenas pode resolver o contrato de crédito e executar o cliente após a comunicação de extinção do PERSI. A comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da acção executiva.
As normas procedimentais relativas ao PERSI tem natureza  de  normas imperativas.
A inobservância dessas normas impede a instituição de crédito de solicitar judicialmente a satisfação do seu crédito. Isto porque a preterição de extinção do PERSI constitui a inobservância de uma condição de admissibilidade da execução – falta de pressuposto processual – ou seja, de uma condição necessária para que no processo executivo a obrigação exequenda possa ser realizada coactivamente.
Na verdade, como é sabido, as condições de admissibilidade da acção ou pressupostos processuais definem as condições em que uma situação subjectiva pode ser exercida em juízo. Esses pressupostos determinam a possibilidade e a necessidade de as partes defenderem os seus interesses em juízo e a constituição do objecto da acção (Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, Lex, 1993, pág. 72).
Essa inobservância daquelas normas procedimentais constitui, assim, uma excepção dilatória, inominada e insanável, por a sua falta não poder ser preenchida na pendência da acção.
Além disso, entendemos, na linha da doutrina maioritária, que por se tratar de excepção dilatória (inominada e insanável) que é de conhecimento oficioso (Cf. Alberto dos Reis, CPC III, pág. 84; Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, 2001, pág. 44; Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, pág. 571 e seg.).
Em face do exposto, resta concluir que o recurso procede.
***
III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso procedente, revogando a decisão recorrida e, em consequência, determinam a procedência dos embargos à execução e a extinção desta.
Custas: pela embargada/apelada.

Lisboa, 07/05/2020
Adeodato Brotas
Octávia Viegas
Maria de Deus Correia