Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
686/11.0TBALM.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
POSSE
TRADIÇÃO DO IMÓVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Em princípio, o contrato-promessa não é susceptível de, só por si, transmitir a posse ao promitente-comprador.

2. Poderão verificar-se situações excepcionais em que a posição do promitente-comprador com tradição do imóvel merece a qualificação originária de verdadeiro possuidor, como sucede nos casos em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o deliberado e concertado propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já, ou ocorrer, na pendência da fruição do prédio, uma situação de inversão do título da posse.

3. A realização pela promitente-compradora de obras que alteraram substancialmente o terreno prometido-vender, que nele construiu a sua habitação e outras edificações, com o conhecimento e sem oposição da promitente-vendedora, dado transcenderem o plano da utilização e fruição de um imóvel no quadro de um simples direito pessoal de gozo, preenchem a figura da inversão do título da posse.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I. MARIA ... ... ..., na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de António ... dos ..., intentou a presente acção declarativa, a seguir os termos da forma comum de processo (originalmente, sob a forma de processo civil experimental emergente do Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho), contra, ... ... DA ... e PAULA CRISTINA ... DOS ... ..., pedindo:

a.- Se declare que ela e os demais herdeiros de António ... dos ... são donos de um prédio urbano que identificou e a posse dos réus é insubsistente, ilegal e de má-fé.
b.- Se ordene o cancelamento de qualquer registo que porventura tenha sido efectuado sobre o referido prédio a favor dos réus.
c.- Se ordene aos réus a eliminação do prédio da autora e herdeiros do processo de loteamento.
d.- Se impeça o registo ou o cancelamento do registo de loteamento do prédio dos réus, dado estar fisicamente a incluir o prédio dos autores.
e.- Se impeçam quaisquer obras, designadamente, de loteamento no prédio da autora e herdeiros.
f.- Se condenem os réus a reconhecerem à autora e seus herdeiros legítimos aquele direito de propriedade e a restituírem-lhe o prédio com todos os seus frutos, que produziu ou podia produzir.

Alegou, em síntese, que é a cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu marido, António ... dos ..., herança da qual adveio a propriedade de um prédio urbano situado na Quinta L..., no ..., descrito na CRP de ... sob o n.º 2.../...........7; e que o réu é proprietário de um prédio circundante e requereu junto da Câmara Municipal de ... uma operação de loteamento que abrange o prédio da autora e demais herdeiros.

Em requerimento posterior veio suscitar a intervenção principal provocada, como associados dos réus, de MARIA DA CONCEIÇÃO ... ... e ALIPIO ... ... ..., também eles proprietários do prédio circundante ao seu.

Contestaram os réus, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Por excepção arguiram a ilegitimidade da autora, por preterição do litisconsórcio necessário com os demais herdeiros, e a ilegitimidade passiva da ré mulher, invocando que o imóvel em causa na acção é um bem próprio do marido.

Impugnaram a factualidade articulada pela demandante, aduzindo, em síntese, que a antecessora da autora, de nome Arminda, era uma senhora idosa que vivia graciosamente no prédio que então pertencia à avó do réu marido; que em data que não sabe precisar essa senhora deixou de morar na casa; que há alguns anos tal casa veio a ser derrubada; que por morte da avó do réu o prédio foi transmitido aos filhos; que esse prédio encontrava-se descrito na CRP de ... sob o art. ....9; que venderam ao Município de ... 5.160m2 desse prédio; que após essa venda o prédio ficou dividido em duas parcelas; que a parcela sita a poente foi vendida pelo pai e tios do réu à Imobrás e a outra é propriedade do réu, por via sucessória, da qual faz parte a reivindicada pelos autores.

Os réus deduziram ainda reconvenção, peticionando que se declare nulo e de nenhum efeito o registo efectuado pelo marido da autora com a apresentação 19 de 30 de Dezembro de 1991, que deu origem ao prédio 1.../9....... da C... P..., actual 2.... da freguesia L..., ordenando-se o seu cancelamento, bem como das inscrições em vigor.

A autora respondeu à matéria de excepção e reconvenção, tendo alegado que a antecessora do seu marido e este adquiriram o prédio por usucapião nos termos do art.º 1296° do Código Civil, articulando diversos factos a tal atinentes.

Por despacho de 25 de Maio de 2012 foi admitida a intervenção principal provocada, como réus, de MARIA DA CONCEIÇÃO ... ... e ALÍPIO ... ... ..., tendo a 1ª sido citada.

Nas diligências para citação do chamado constatou-se que ALÍPIO ... ... ... havia falecido, pelo que foi ordenada a suspensão da instância.

Pelo requerimento de fls. 316/318 a autora requereu a condenação do réu como litigante de má fé.

Entretanto, em incidente de habilitação de adquirente processado em apenso, foi julgada habilitada, em substituição dos chamados, para prosseguir a acção ERMELINDA ... ... ... ... (por esta ter comprado aos intervenientes o prédio rústico sito na Quinta A..., freguesia do L..., ..., descrito sob o n.º 2....).

A habilitada apresentou contestação, fazendo seus os articulados dos demais réus e pugnando pela improcedência da acção (fls. 374).

Após convite à regularização da instância e dedução do incidente pela autora, foram admitidos a intervir, como partes principais associadas à autora, os demais herdeiros de António ... ... ..., ANTÓNIO CÉSAR ... ... ... e EUGÉNIA FILIPA ... ... ....

A chamada apresentou articulado próprio (fls. 414/422), alegando a prática de diversos actos possessórios por parte de Arminda ... ... ..., desde 1960 até à sua morte (em 7/04/91).

Alegou ainda que a Arminda ... instituiu como seus herdeiros António ... ... ... e Maria ... ... ...; que António ... faleceu dia 6/01/2002, tendo-lhe sucedido a mulher Maria ... e os filhos ora chamados; que o prédio foi registado na CRP de ... sob o n.º 2..../...........7; que o prédio registado em nome do réu sob o n.º 2..... e que pretende lotear, integra aquele prédio.

A chamada peticionou ainda que:
a) Se declare que Arminda ... ... ... adquiriu por usucapião o prédio com a área de 375 metros quadrados, descrito na matriz sob o n.º ...2 da freguesia do ....
b) Se declare que o direito de propriedade de Arminda ... ... ... foi transmitido por sucessão por morte aos herdeiros desta e depois aos herdeiros de António ... ... .... Ou,
c) Se declare que este último e os seus herdeiros adquiriram esse imóvel por usucapião em consequência da posse iniciada por Arminda ... ....
d) Se condenem os réus a eliminar no processo de loteamento a área e configuração do terreno a lotear, de modo a excluir da operação de loteamento o prédio adquirido por Arminda ... ... ....
e) Se determine a desanexação do prédio adquirido por usucapião.
f) Se declarem improcedentes os pedidos b) a d) formulados na contestação.

Os réus contestaram pugnando pela inadmissibilidade da ampliação do pedido e da causa de pedir e, no mais, impugnando a factualidade articulada.

Pelo despacho de fls. 499/500 fixou-se à acção o valor processual de €60.001,01.

Realizou-se audiência prévia, na qual foi admitido o articulado da interveniente principal Eugénia ... ... e proferido despacho saneador que julgou improcedente a ilegitimidade da ré mulher e válida e regular a instância.

Seleccionaram-se os temas de prova sem reclamações.

Os réus apresentaram articulado superveniente (fls. 562/564), no qual alegaram, além do mais, que o prédio reivindicado não faz parte do prédio dos réus.

Esse articulado foi liminarmente admitido na audiência de julgamento, tendo sido aditados factos aos temas de prova.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar “os pedidos formulados pelos autores MARIA ... ... ..., ANTÓNIO CÉSAR ... ... ... e EUGÉNIA FILIPA ... ... ... contra os réus ... ... ... ..., PAULA CRISTINA ... ... ... ... e ERMELINDA ... ... ... ... parcialmente procedentes e, nessa mesma medida:
Declara-se que ARMINDA ... ... ... adquiriu por usucapião o prédio com a área de 375 m2 que actualmente se encontra inscrito sob o art.º ...2 da freguesia do ....
Declara-se que o direito de propriedade de ARMINDA ... ... ... foi transmitido, por sucessão por morte, aos herdeiros desta e aos herdeiros de ANTÓNIO ... ... ....
Declara-se que os autores MARIA ... ... ..., ANTÓNIO CÉSAR ... ... ... e EUGÉNIA FILIPA ... ... ... são os proprietários do prédio urbano situado em "Quinta L...", descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...9 da freguesia L... e inscrito na matriz actualmente sob o artigo ...2 da freguesia do ....
Declara-se que a posse dos réus ... ... DA ..., PAULA CRISTINA ... ... ... ... e ERMELINDA ... ... ... ... sobre esse prédio é ilegal e de má-fé.
Condenam-se os réus ... ... ... ..., PAULA CRISTINA ... ... ... ... e ERMELINDA ... ... ... ... a reconhecer o direito de propriedade dos autores.
Condenam-se os réus ... ... ... ..., PAULA CRISTINA ... ... ... ... e ERMELINDA ... ... ... ... a não efectuar qualquer registo, nomeadamente, de loteamento, nem a executar quaisquer obras sobre o mesmo prédio.
Condenam-se os réus ... ... ... ..., PAULA CRISTINA ... ... ... ... e ERMELINDA ... ... ... ... a excluir da operação de loteamento que estão a levar a cabo aquele prédio, o qual tem a área de 375 m2.
Julgam-se, na restante parte, improcedentes os pedidos formulados pelos autores MARIA ... ... ..., ANTÓNIO CÉSAR ... ... ... e EUGÉNIA FILIPA ... ... ... e dos mesmos se absolvem os réus ... ... ... ..., PAULA CRISTINA ... ... ... ... e ERMELINDA ... ... ... ....
Julga-se integralmente improcedente o pedido reconvencional formulado pelos réus ... ... ... ..., PAULA CRISTINA ... ... ... ... e ERMELINDA ... ... ... ... contra os autores MARIA ... ... ..., ANTÓNIO CÉSAR ... ... ... e EUGÉNIA FILIPA ... ... ..., do mesmo se absolvendo estes.
As custas em dívida a Juízo serão pagas pelos autores e pelos réus, nas proporções de 2/9 e 7/9 (art.º 527°, nº 1, do Código de Processo Civil)”.

Inconformados, vieram os réus e a chamada Ermelinda ... interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões:
1. Os Apelantes interpõem o presente Recuso sobre a decisão de facto e de direito plasmada na douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou a presente acção parcialmente procedente, declarando a aquisição do direito de propriedade dos Apelados, por usucapião, sobre o prédio com a área de 375 m2, mais condenando os Apelantes a exclui-lo da operação de loteamento que estão a levar a cabo sobre o dito prédio.
2. Entendem, contudo, os Apelantes que houve vários erros de julgamento, pois, face à prova produzida, a matéria constante dos artigos 11.°, 17.° e 20.° dos Temas da Prova deveria ter sido considerada não provada, ou seja, que Arminda ... ... ... e os seus sucessores não agiram em relação ao prédio descrito no n.º 29 dos Factos Provados na convicção de que eram os seus donos.
3. Com efeito, analisada a declaração a fls. 142, cujo original foi junto a fls. 621, verifica-se que o negócio celebrado entre Margarida ... ... e Arminda ... ... ... não consubstanciou uma declaração de venda, mas antes uma promessa de venda.
4. Dos autos resulta ainda que nunca foi outorgada a escritura de compra e venda, pelo que o negócio prometido nunca se concretizou.
5. Por outro lado, de nenhum elemento documental junto aos autos resulta a configuração e a exacta localização do terreno prometido.
6. Desde logo, o terreno prometido não é devidamente identificado na declaração a fls. 621, cingindo-se Margarida ... ... em indicar a sua localização - "Quinta A..." - e a sua área - "375 metros".
7. Elementos que, salvo melhor opinião, se afiguram insuficientes para localizar, em concreto e com rigor, o referido terreno.
8. Note-se, a este respeito, que Margarida ... ... era proprietária de uma parcela de 1,284 hectares na Quinta A..., no ..., conforme resulta dos pontos n.ºs 5 e 6 dos Factos Provados.
9. Ora, onde se situam os 375 metros prometidos constitui a grande questão a apreciar nos presentes autos, a qual, porém, não ficou esclarecida após a produção de prova.
10. O que foi, de resto, constatado pelo Tribunal a quo que, na motivação do julgamento de facto, em comentário às alíneas f) a h), defendeu que apenas era possível assumir como realidade jurídica o terreno com 375 m2, de que os Apelados se arrogam proprietários, sem, contudo, consegui-lo localizar no espaço, nem apurar a sua configuração.
11. Aliás, a própria Apelada/Chamada Eugénia ... ... admitiu, na audiência final, que desconhece a configuração do terreno prometido (Cfr. Gravação áudio 20160408154026 17578314 2871143, de 09:23 a 09:54 min.).
12. Posto isto, não poderia Arminda ... ... ... e os seus sucessores exercer a posse sobre um terreno cuja localização e configuração, em bom rigor, desconheciam.
13. Na verdade, o que os Apelados vêm alegar é que Arminda ... ... ..., durante a década de 60, edificou uma casa para viver em terreno que seria propriedade de Margarida ... ..., não resultando, porém, provado nos autos que tal casa tenha sido efectivamente edificada no terreno prometido vender, cuja configuração, reitera-se, não ficou definida na promessa de compra e venda.
14. Por outro lado, não existe nenhum elemento documental que demonstre que o preço acordado pela compra e venda do terreno, de 37.500$00, tenha sido integralmente pago por Arminda ... ... ....
15. Na verdade, a única prova documental existente nos autos quanto ao pagamento do preço resume-se às declarações a fls. 621 e 621-v, de onde se extrai o pagamento do sinal no valor de 20.000$00 (fls. 621) e seu reforço de 11.000$00 (fls. 621-v).
16. Ou seja, da prova documental junta aos autos mostra-se paga unicamente a quantia de 31.000$00, sendo o valor de venda de 37.500$00.
17. Acresce dizer que nenhuma das testemunhas inquiridas demonstrou conhecimento sobre este assunto.
18. Por conseguinte, os Apelados não lograram demonstrar que foi pago o preço acordado pela prometida venda.
19. Ora, a falta de pagamento do preço afigura-se, assim, como razão plausível de não ter sido outorgada escritura definitiva e de Arminda ... ... ... e os sucessores não terem ousado sequer interpelar a promitente-vendedora para o efeito.
20. Por outro lado, cumpre notar que Margarida da ..., em momento algum, declara, nas declarações a fls. 621 e 621-v, transmitir a Arminda ... ... ... a posse sobre o prédio.
21. Na verdade, não existe nenhum elemento documental ou, sequer, testemunhal, que permita concluir que Margarida ... ... tenha transmitido a Arminda ... ... ... a posse sobre o terreno prometido.
22. Assim sendo, na hipótese de Margarida ... ... ter efectivamente outorgado as declarações a fls. 621 e 621-v e de o terreno onde Arminda ... ... ... edificou a casa onde viveu ser efectivamente o terreno prometido, o que se admite sem conceder, teria então Margarida ... ... entregado o terreno a Arminda ... ... ... para que esta fruísse o direito de gozo sobre o mesmo até ao pagamento da totalidade do preço e à outorga da escritura de compra e venda.
23. Em conformidade, Arminda ... ... ... era uma detentora precária do prédio, pois apenas o gozava por tolerância da sua legítima proprietária - Margarida ... ....
24. Saliente-se também que os contratos de arrendamento juntos à Resposta da Apelada Maria ... como docs. n.ºs 43 a 48, por si só, não provam o animus de Arminda ... ... ... em relação ao terreno descrito no ponto n.º 29 dos Factos Provados.
25. É que o locado corresponde a «anexo» ou «rés-do-chão» do prédio «da Quinta L... Cima, C...», na freguesia de «C... da P...».
26. Ou seja, dos contratos de arrendamentos juntos aos autos não resulta qualquer elemento que permita individualizar o locado e situá-lo no prédio de que os Apelados se arrogam proprietários na presente acção.
27. Por outras palavras, não resulta provado que aqueles contratos de arrendamento se referem ao terreno dos autos.
28. O mesmo se conclui em relação ao comprovativo do seguro de incêndio celebrado por Arminda ... ... ..., junto como doe. 49 à Resposta da Apelada Maria ..., o que foi confirmado pela Apelada/Chamada Eugénia ... em audiência final (Cfr. Gravação áudio 20160408154026 17578314 2871143, de 10:30 a 11:05 min.).
29. Ainda que assim não fosse, demonstrando que os ditos contratos se reportavam efectivamente ao terreno dos autos, a verdade é que não é linear a que título Arminda ... ... ... arrendava a terceiros os compartimentos da casa que edificou no terreno.
30. Veja-se, a este respeito, o depoimento de Aníbal ... ... ..., testemunha arrolada pelos Apelados, que, em abono da verdade, apenas conseguiu referir que, em certa ocasião, viu a Arminda ... ... ... a receber uma renda, mas já não foi capaz de confirmar se esta agia como proprietária do prédio (Cfr. Gravação áudio 20160405111706 17578314 2871143, de 08:37 a 09:15 min. e de 15:03 a 15:25 min.).
31. Frise-se, ademais, que foi António ... ... ... que, após o falecimento de Arminda ... ... ..., sua irmã, se dirigiu à Conservatória do Registo Predial e requereu o registo do direito de propriedade sobre o mesmo a seu favor, utilizando o mecanismo previsto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 321/90, de 02 de Outubro.
32. Acontece que esse mecanismo previa que o auto-intitulado proprietário indicasse quem tinham sido os anteriores possuidores e ante-possuidores do prédio, sendo que tais anteriores possuidores ou ante-possuidores seriam citados para deduzir Oposição.
33. Ora, os anteriores possuidores ou ante-possuidores sempre seriam o pai e a avó do Apelante ... ..., o que obrigaria à citação destes ou dos seus sucessores.
34. Todavia, conforme se afere pela certidão do registo predial junta como doc. 10 à Contestação, para não ser descoberta a "marosca", António ... ... ... não indicou, no pedido de registo, Margarida ... ... como ante-possuidora do prédio dos autos, antes indicou um tal António ..., residente em Penacova ...
35. Por outro lado, António ... ... ... não fundamentou o seu pedido de registo do direito de propriedade na aquisição por usucapião.
36. Tudo de modo a que não houvesse qualquer ligação aos ascendentes do Apelante ... ... e estes não tivessem conhecimento da "habilidade jurídica" que estava ser feita e não impugnassem a mesma.
37. Veja-se ainda que o prédio registado por António ... ... ... não surge do destacamento de qualquer prédio, surgindo, em abono da verdade, do nada ...
38. Ora, se António ... ... ... tivesse mesmo a convicção de que a irmã Arminda ... ... ... era a legítima proprietária do prédio registado e, sobretudo, se tinha na sua posse o documento a fls. 142 e 143, então ter-se-ia munido de tal documento para efectuar o registo da propriedade junto da Conservatória do Registo Predial e não, pelo contrário, alegado factos completamente falsos.
39. Por outro lado, também não é despiciendo o facto de Arminda ... dos ... nunca ter intervindo no processo de divisão de coisa comum da Quinta A... C..., no qual intervieram todos os 55 proprietários dos terrenos aí sitos.
40. Era impossível, à data, que Arminda ... ... ..., residindo na Quinta A..., não tivesse tido conhecimento da pendência do aludido processo judicial.
41. Pelo que, tomando conhecimento da pendência do processo e estando munida do alegado contrato promessa de compra e venda, sendo que, sobre a sua celebração, já teriam decorrido pelo menos 16 anos, então teria sido, na altura, a própria Arminda ... ... ... a vir reivindicar a sua parcela de terreno e a constituir-se como parte no processo de divisão de coisa comum, passando a ser a 56.ª proprietária, o que, porém, nunca aconteceu.
42. E nunca aconteceu porque, à data, Margarida ... ... ainda era viva e, portanto, era possível fazer a confirmação dos factos acordados - ou não - entre elas. 
43. Em audiência final, o Apelante ... ... abordou esta questão (Cfr. Gravação áudio 20161014103532 17578314 2871143, de 10:37 a 13:35 min.).
44. Refira-se ainda que, como resultou provado, o Apelante ... ... sempre se arrogou, perante terceiros, como legitimo proprietário do prédio do prédio descrito no ponto n.º 22 dos Factos Provados, mormente arrendando o mesmo a terceiros.
45. Nunca os Apelados vieram invocar a propriedade sobre o terreno em causa ou qualquer terreno contíguo ao mesmo perante o Apelante ... ... ou os seus antecessores, até à instauração da presente acção.
46. Com efeito, não foi alegado pelos Apelados, e muito menos resultou provado, que, perante a promitente-vendedora, Arminda ... ... ... tivesse tomado algum comportamento no sentido de contrariar o direito de propriedade desta, designadamente, não provaram os Apelados que Arminda ... ... ... tenha interpelado a promitente-vendedora para que procedessem à marcação de dia para a escritura de compra e venda.
47. Também o Apelante ... ..., em sede de audiência final, confirmou que, enquanto sucessor da promitente-vendedora, nunca foi interpelado pelos sucessores de Arminda ... ... ... a respeito do terreno de que estes se arrogam proprietários (Cfr. Gravação áudio 20161014103532 17578314 2871143, de 09:35 a 09:55 min.).
48. No mesmo sentido, a Apelante Ermelinda ..., nora de Margarida da ..., com quem convivia de perto, veio esclarecer que nunca tinha visto a declaração a fls. 621, desconhecendo a existência do negócio invocado pelos Apelados (Cfr. Gravação áudio 20160408143152 17578314 2871143, de 04:35 a 05:10 min. e de 06:30 a 06:53 min.).
49. E, precisamente por desconhecer a existência de qualquer negócio entre Margarida ... ... e Arminda ... ... ..., o marido da Apelante Ermelinda ..., pai do Apelante ... ... e filho de Margarida ... ..., expressou a sua oposição ao irmão de Arminda ... ... ..., marido da Apelada Maria ... e pai dos Apelados/Chamados, à ocupação do terreno por este (Cfr. Gravação áudio 20160408143152 17578314 2871143, de 10:25 a 10:50 min.).
50. Aluda-se ainda ao depoimento de Mário ... ... ..., testemunha arrolada pelos Apelados, que terá tentado adquirir o terreno de que estes se arrogam proprietários, que declarou, em audiência final, que, num encontro que teve com o Apelante ... ..., no ano de 2012, este se assumiu como legítimo proprietário do prédio descrito no ponto n.º 22 dos Factos Provados, demonstrando total desconhecimento sobre a eventualidade de se situar ali, ainda que em faixa contígua, o terreno a que os Apelados se arrogam proprietários (Cfr. Gravação áudio 20160405143117 17578314 2871143, de 05:27 a 07:29 min.).
51. Por fim, aluda-se à demolição das barracas que foram sendo construídas no terreno do Apelante ... ..., junto à casa onde antigamente vivia Arminda ... ... ....
52. Realmente, por imposição da Câmara Municipal de ..., tanto as barracas como a casa onde vivia Arminda ... ... ... foram demolidas no início da década de 2000.
53. Contudo, apenas o pai do Apelante ... ... foi notificado do acto administrativo proferido pela Câmara, conforme resulta das cartas juntas como docs. n.os 3 e 4 ao requerimento dos Apelantes de 08-04-2016 (Ref. 22322861), e como foi explicado pelo próprio Apelante, na audiência final (Cfr. Gravação áudio 20161014103532 17578314 2871143, de 23:20 a 25:23 min.) e pela testemunha Maria Laura ... ... ... ... ... (Cfr. Gravação áudio 20160505163121 17578314 2871143, de 19:45 a 21:03 min. e de 27:53 a 29:13 min.).
54. Contrariamente, não foram os Apelados notificados nem informados da demolição das casas, como a Apelada/Chamada Eugénia ... ... admitiu, na audiência final (Cfr. Gravação áudio 20160408154026 17578314 2871143, de 32:37 a 33:00 min.).
55. Ora, os Apelados nunca foram notificados pela Câmara Municipal de ... porque nunca se assumiram, perante aquela instituição, como proprietários do terreno em causa.
56. Por isso, não sendo proprietários do terreno, não havia razão para serem os Apelados notificados da demolição, sendo certo que o pai do Apelante ... ... foi notificado por ofício, dirigido à sua pessoa e enviada para a sua residência, e não foi anúncio publicado em jornal local, como se afere através das cartas juntas como does. n.ºs 3 e 4 ao requerimento dos Apelantes de 08-04-2016 (Ref. 22322861).
57. Em suma, ainda que Margarida ... ... e Arminda ... ... ... tivessem acordado a venda do prédio dos autos, o que se admite sem conceder, ambas as partes estavam plenamente cientes de que o negócio pretendido - a compra e venda - não estava concluído.
58. Desde logo, porque o preço ainda não tinha sido integralmente pago por Arminda ... ... ....
59. Por outro lado, Arminda ... ... ... bem sabia que o negócio celebrado com Margarida ... ... não estava concluído uma vez que as partes ainda não tinham outorgado a escritura de compra e venda, formalidade, aliás, indicada na declaração a fls. 62l.
60. Tanto que Arminda ... ... ... nunca interpelou a promitente-vendedora, arrogando-se proprietária do terreno prometido.
61. Por conseguinte, e contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, resulta dos autos que Arminda ... ... ... tinha plena consciência de que não era, ainda, a legítima proprietária do prédio.
62. Pelo que, necessariamente, face aos documentos a fls. 621 e 62l-v, à certidão do registo predial junta como doc. 10 à Contestação, aos depoimentos das testemunhas Aníbal ... ... ... e Mário ... ... ..., bem como às declarações de parte dos Apelantes ... ... e Ermelinda ... e da Apelada/Chamada Eugénia ... ..., não descorando às regras da normalidade e da experiência comum, deverá considerar-se NÃO PROVADA a matéria vertida nos artigos 11.°, 17.° e 20.° dos Temas da Prova. Por outro lado,
63. Na douta Sentença recorrida, dever-se-ia ter considerado como não provada a matéria constante do ponto n.º 42 dos Factos Provados, porquanto, da prova produzida nos autos, não resultou provada a inclusão do terreno a que os Apelantes se arrogam proprietários na operação de loteamento iniciada pelo Apelante ... ....
64. Desde logo, por ausência de elementos nos autos que permitam apurar, com certeza, a localização e a configuração do terreno prometido.
65. A impossibilidade de localização e configuração do dito terreno no espaço foi, aliás, constatada pelo Tribunal a quo, que, na motivação do julgamento de facto, em comentário às alíneas f) a h), concluiu que «Dos elementos juntos a esta acção resulta que não existe forma de reconstituir, com segurança, a exacta configuração do terreno ocupado por Arminda ... ... ..., uma vez que os sinais visíveis que pudessem existir foram eliminados na sequência da demolição integral do bairro clandestino que se formou naquela zona».
66. Ademais, como vimos acima, na declaração a fls. 621, Margarida ... ... não identifica o terreno prometido vender, cingindo-se em indicar a sua localização - Quinta A... - e a sua área - 375 metros.
67. Ainda assim, considerou o Tribunal a quo que o dito terreno - que não se sabe ao certo onde se situa, nem como se configura - foi incluído na operação de loteamento iniciada pelo Apelante ... ..., conclusão que, além de precipitada, não tem sustentação na prova documental e testemunhal produzida.
68. Por importante, saliente-se também o depoimento da testemunha Arq. Carlos ... ..., que, confrontado com as plantas de fls. 568,21, 109 e 126, afirmou que a área que integra a operação de loteamento é de 3.288 metros, que correspondem exactamente ao prédio propriedade do Apelante ... ... (Cfr. Gravação áudio 20160408102606 17578314 2871143, de 45:18 a 45:51 min.).
69. Portanto, os 375 m2, por excederem a área do prédio do Apelante ... ... e, por conseguinte, a área constante do projecto de loteamento, não poderiam estar abrangidos no mesmo.
70. Aliás, mesmo inexistindo elementos suficientes nos autos para se concluir pela localização e configuração concretas do terreno prometido, é possível, ainda assim, concluir que a operação de loteamento não abrange o terreno prometido.
71. Veja-se, para tanto, que os Apelantes alegaram que, à frente da casa de Arminda ... ... ... (i.e. a Poente), foram construídas barracas, as quais estavam situadas em terreno pertença do Apelante ... ....
72. Atente-se, neste sentido, à fotografia junta como doc. 1 ao requerimento dos Apelantes de 08-04-2016 (Ref. 22322861), na qual é possível ver a casa de Arminda ... ... ..., assinalada com a letra "A", e as barracas que foram construídas a Poente.
73. Alegação que foi corroborada por Aníbal ... ... ..., testemunha arrolada pelos Apelados, que disse, em audiência final, que tinha assistido à construção das ditas barracas, as quais frisou estarem fora do terreno de Arminda ... ... ... (Cfr. Gravação áudio 20160405111706 17578314 2871143, de 11:32 a 12:06 min.).
74. Realidade que foi também detalhadamente explicada pelo Apelante ... ..., em declarações de parte prestadas na audiência final (Cfr. Gravação áudio 20161014103532 17578314 2871143, de 22:53 a 25:23 min.).
75. Realmente, a zona onde foram construídas as barracas era a zona onde, anteriormente, Margarida ... ... e o irmão, respectivamente avó e tio do Apelante ... ..., cultivavam fruta para venda, facto que foi corroborado pela Apelante Ermelinda ..., na audiência final, confrontada com os documentos de fls. 96, 126, 596-v, 597(Cfr. Gravação áudio 20160408143152 17578314 2871143, de 15:09 a 16:10 min.).
76. Facto que foi também confirmado pela testemunha Maria Laura ... ... ... ... ..., que vive na Rua V... S... (i.e. rua que confrontava com a parcela de terreno em litígio) desde 1971, quando confrontada com as plantas a fls. 21, 596-v e 597 (Cfr. Gravação áudio 20160505163121 17578314 2871143, de 16:55 a 17:37 min. e de 23:19 a 23:56 min.).
77. Posto isto, se as barracas foram construídas contiguamente à casa edificada por Arminda ... ... ..., em terreno que já não seria pertença desta, significa isto que o terreno prometido nunca poderia ter uma configuração quadrada, como assinalado na planta junta como doc. 7 à Petição Inicial, mas sim rectângular, próxima da configuração reflectida na planta junta como doc. 1 ao Articulado Superveniente dos Apelantes.
78. Face aos documentos acima mencionados (fotografia junta como doc. 1 ao requerimento de 08-04-2016, sob a ref. 2...........1, planta junta como doc. 7 à Petição Inicial e planta junta como doc. 1 ao Articulado Superveniente dos Apelantes), aos depoimentos das testemunhas Aníbal ... ... ..., Maria Laura ... ... ... ... ... e Arq. Carlos ... ..., bem como às declarações de parte dos Apelante ... ... e Ermelinda ..., apenas poderiam resultar duas conclusões: (1) A área do prédio que os Apelados se arrogam proprietários não está incluída no prédio propriedade dos Apelantes; (2) a área do prédio que os Apelados se arrogam proprietários, por não estar incluída no prédio dos Apelantes, não está abrangida pela operação de loteamento.
79. Pelo que, necessariamente, deverá considerar-se NÃO PROVADA a matéria vertida no ponto n.º 42 dos Factos Provados.
80. Atento o acima explanado, onde se defende diferente resposta à matéria de facto, importa, então, proceder à subsunção dos factos provados ao direito.
81. Ora, neste exercício, verifica-se, desde logo, que, para a aquisição da propriedade por usucapião, necessária será a prova da posse pela promitente-compradora e seus sucessores.
82. Sucede que não se pode considerar titulada a posse fundada num contrato-promessa de compra e venda, que não é, em si mesmo e em abstracto, um modo legítimo de transmitir e de adquirir o direito de propriedade (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-09-2012, processo n." 4436/03.7TBALM.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt).
83. Não se ignora, porém, que poderão verificar-se situações excepcionais em que assim não seja, merecendo a posição do promitente-comprador com tradição do imóvel a qualificação originária de verdadeiro possuidor; ou ocorrer, na pendência da fruição do prédio, uma situação de inversão do título da posse, prevista no artigo 1265.° do CC, susceptível de desencadear supervenientemente a aquisição de posse - verdadeira e própria - por parte do - até então - mero detentor.
84. Todavia, no vertente, verifica-se que Arminda ... ... ... e, depois, os seus sucessores são meros detentores precários.
85. Em primeiro lugar, porque não resulta provado que tenha havido a tradição da coisa prometida para a promitente-compradora, para efeitos da aquisição da posse, sendo a declaração a fls. 621 totalmente omissa quanto a esta matéria.
86. Em segundo lugar, porque o preço acordado para o negócio de compra e venda do imóvel não foi integralmente pago pela promitente-compradora.
87. Assim sendo, porque a totalidade do preço não foi imediatamente paga, a posse de Arminda ... ... ... sobre o terreno iniciou-se necessariamente como precária, e integra a excepção prevista na parte final do artigo l25l.°, n." 2, do Código Civil, pelo que não tem aplicação ao caso dos autos a presunção estabelecida na primeira parte do preceito (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20- 12-2016, processo n." 2948/14.6T8ALM-Ll, junto como doc. 1).
88. Conforme jurisprudência uniformizada, é inegável que os detentores de facto podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-05-1996, processo n." 085204, acessível em www.dgsi.pt), contudo, como se disse, os Apelados não podem invocar essa presunção.
89. Assim, Arminda ... ... ... e os seus sucessores foram sempre possuidores precários do terreno - a provar-se que o terreno ocupado é efectivamente o terreno prometido, o que, como vimos acima, não resulta provado -, não obstante o lapso temporal decorrido, sendo que a sua posse precária só poderia converter-se em posse em nome próprio em caso de inversão do título da posse, nos termos do artigo 1265.º do Código Civil (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-2009, processo n." l837/08.8TVLSB.Ll-6, acessível em www.dgsi.pt).
90. Por conseguinte, Arminda ... ... ... e os seus sucessores, enquanto possuidores precários, não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse, conforme estabelece o artigo 1290.º do Código Civil (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-03-2015, processo n." 3566/06.8TBVFX.Ll.S2, acessível em www.dgsi.pt).
91. Ora, como se disse, não foi alegado pelos Apelados, e muito menos resultou provado, que, perante a promitente-vendedora, Arminda ... ... ... tivesse tomado algum comportamento no sentido de contrariar o direito de propriedade desta.
92. Designadamente, não provaram os Apelados que Arminda ... ... ... tenha interpelado a promitente-vendedora para que procedessem à marcação de dia para a escritura de compra e venda.
93. Por outro lado, para o reconhecimento da posse, indispensável para a aquisição da propriedade por usucapião, afigura-se essencial o conhecimento do bem objecto da posse (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-12-2016, processo n." 2948/14.6T8ALM-L1, junto como doc. 1), e este, como vimos, não ficou demonstrado nos autos, não tendo ficado sequer demonstrada a localização exacta do terreno prometido, nem a sua configuração.
94. Ainda assim, e numa decisão verdadeiramente ininteligível, o Tribunal a quo considerou verificada a aquisição da propriedade por usucapião, restando, assim, questionar: sobre o quê?
95. É que não ficou demonstrado nos autos qualquer realidade física, concreta e detectável susceptível de posse e, por conseguinte, de aquisição por usucapião.
96. Na verdade, o caminho trilhado pelos Apelados deveriam ter sido o inverso, ou seja, deveriam estes ter primeiramente definido - e provado - o objecto da pretensa posse e, só depois, interessaria apurar os contornos da sua alegada posse.
97. Acontece que os Apelados assim não procederam e pretendem, por via dos presentes autos, ver reconhecida uma posse sobre uma realidade que não passa de uma mera construção intelectual, sem o mínimo de concretização fáctica.
98. Em suma, pretendem os Apelados ver reconhecida uma posse sobre "nada" e, como é consabido, "nada" é insusceptível de posse.
99. Por conseguinte, não se provando que a detenção de facto está acompanhada de animus - porque, como vimos, este não se presume no caso vertente -, não se provando a inversão do título da posse, não se verifica a posse conducente à usucapião.
100. Consequentemente, enquanto detentora precária do prédio descrito no ponto n.º 29 dos Factos Provados, Arminda ... ... ... não podia adquirir para si, por usucapião, o direito de propriedade sobre o mesmo, de acordo com o preceituado no artigo 1290.° do Código Civil.
101. Face ao exposto, conclui-se que Arminda ... ... ... nunca adquiriu, fosse a que título fosse, a propriedade sobre o prédio dos autos.
102. Consequentemente, por não integrar o património de Arminda ... ... ... à data do seu óbito, também os seus sucessores, entre os quais os aqui Apelados, também nunca adquiriram a propriedade sobre o imóvel.
103. Propriedade que sempre permaneceu na esfera jurídica de Margarida ... ... e que, em virtude do seu falecimento, se transmitiu para os seus sucessores.
104. Em conformidade, deverão improceder os pedidos formulados nas alíneas a), b) e f) do petitório apresentado na Petição Inicial, e, em consequência, absolver-se os Apelantes dos mesmos.
105. Sem prescindir, ainda que se entendesse que Arminda ... ... ... e os seus sucessores tivessem adquirido o identificado prédio por usucapião, o que não se concede, sempre teriam de improceder os pedidos formulados sob as alíneas c), d) e e) do petitório apresentado na Petição Inicial, porquanto não resultaram provadas a localização e a configuração exactas do referido prédio, pelo que, como se viu, não é possível concluir que o mesmo esteja efectivamente integrado na operação de loteamento que abrange o prédio propriedade do Apelante ... ....
106. Nestes termos, e tendo em conta a impugnação do julgamento da matéria de facto, deverá determinar-se a improcedência da acção, devendo, em consequência, substituir-se a douta decisão por outra que absolva os Apelantes de todos os pedidos.
A decisão sob censura violou, entre outros, os seguintes preceitos legais: • Artigos 1263.°, 1265.°, 1287.° e 1290.° do Código Civil.

Terminam pedindo seja dado provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*

II. Factos considerados provados em 1ª instância:

1. O prédio rústico denominado "Quinta A..." esteve inicialmente descrito junto da Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1...5, tendo sido efectuadas, a partir do mesmo, diversas desanexações de outros prédios.
2. Pela apresentação n.º 12 de 11 de Dezembro de 1981 foi inscrita a favor de Maria da ... a aquisição desse prédio, por sucessão hereditária de Manuel ... G....
3. Pela apresentação n.º 13 da mesma data foi inscrita a favor de Margarida ... ..., avó do réu marido, a aquisição, por sucessão hereditária tendo como sujeito passivo Maria da ..., de 1/8 (um oitavo) do mesmo prédio.
4. Pela apresentação n.º 35 de 17 de Maio de 1982 foi inscrita a favor de Margarida ... ... e Francisco ... ... J..., a aquisição por sucessão hereditária de Manuel ... G... e Rosa J... G..., de 1/12 (um doze avos) do mesmo prédio.
5. Os vários comproprietários delimitaram o prédio de acordo com a sua quota­-parte no mesmo, tendo a parcela que coube a Margarida ... ... ficado inscrita na matriz sob o art.º ... da secção J da freguesia da C... P....
6. Essa parcela tinha uma área de 1,284 hectares e deu origem ao prédio descrito sob o n.º 2.....7 a fls. ...3v do Livro 8-....2, actual n.º 1...9 da freguesia do ....
7. Pela apresentação n.º 5 de 20 de Agosto de 1984 foi inscrita a favor de Margarida ... ... a aquisição desse prédio por usucapião.
8. Margarida ... ... viveu na Quinta A... numa casa identificada pela letra "8" nas plantas de fls. 96 e 126 (art.º 21° dos temas da prova).
9. Arminda ... ... ... acordou com Margarida ... ... que esta lhe venderia e ela compraria, pelo preço de Esc. 37.500$00 (trinta e sete mil e quinhentos escudos), o terreno actualmente correspondente ao prédio referido o n.º 29, com a área de 375 metros (art. 1° dos temas da prova).
10. Por conta desse preço, Arminda ... ... ... entregou a Margarida ... ..., no dia 10 de Janeiro de 1961, a quantia de Esc. 20.000$00 (vinte mil escudos), e no dia 28 de Dezembro de 1961, a quantia de Esc. 11.000$00 (onze mil escudos) (art.º 2° dos temas da prova).
11. Em data concreta não apurada posterior a 28 de Dezembro de 1961 Arminda ... ... ... passou a residir na "Quinta L...", partilhando essa habitação com o seu companheiro e nela recebendo correspondência e visitas (art.º 4° dos temas da prova).
12. Entre 28 de Dezembro de 1961 e Janeiro de 1963 Arminda ... ... ... construiu no terreno referido no n.º 9 um edifício em alvenaria coberto de telha, composto de rés-do-chão e três compartimentos designados por r/c A, r/c B e r/c C, com a superfície coberta de 45 metros quadrados e logradouro de 330 metros quadrados (art.º 5° dos temas da prova).
13. Num dos compartimentos da casa identificada nas plantas de fls. 96 e 126 sob a letra "A" vivia Arminda ... ... ... (art.º 22° dos temas da prova).
14. Para o edifício referido no n.º 12 casa Arminda ... ... ... celebrou um contrato de seguro do ramo incêndio com início em 9 de Outubro de 1963 (art.º 7° dos temas da prova).
15. Para o mesmo edifício Arminda ... ... ... celebrou um contrato de fornecimento de água, celebrou um contrato de abastecimento de electricidade e pagou em Novembro de 1971 serviços de água e saneamento pela ligação à rede de água pública (art.º 6° dos temas da prova).
16. Arminda ... ... ... inscreveu o edifício e o terreno referidos no n.º 12 na matriz em 23 de Setembro de 1966, tendo-lhe sido atribuído o artigo 2....9 da freguesia da C... P..., depois alterado para o art.º ...9 da freguesia L... e finalmente para o art.º ...2 da freguesia do ... (art.º 8° dos temas da prova).
17. Arminda ... ... ... habitava uma das divisões do referido edifício, tendo dado de arrendamento a terceiros as outras, nos anos de 1966, 1968, 1969, 1972, 1976 e 1977 (art.º 9° dos temas da prova).
18. A mesma pagou as contribuições prediais, relativas ao prédio referido no n.º 16, dos anos de 1965, 1966, 1968, 1969, 1970, 1975, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980, 1982, 1983, 1984, 1986, 1988 e 1989, tendo falecido em 7 de Abril de 1991 (art.º 10° dos temas da prova).
19. Desde que recebeu o terreno de 375 metros de Margarida ... ... até à data do seu óbito, Arminda ... ... ... agiu sempre com a convicção de que era dona desse imóvel (art.º 11 ° dos temas da prova).
20. A mesma praticou os actos atrás referidos à vista de todos e sem oposição de ninguém, nomeadamente, sem oposição de Margarida ... ... (art.º 12° dos temas da prova).
21. Pela apresentação n.º 4 de 11 de Julho de 1987 foi inscrita a favor do réu, de Maria Conceição ... ... ... e de Alípio ... ... ... a aquisição do prédio referido n.º 7, em comum e sem determinação de parte ou direito, por sucessão hereditária.
22. Pela apresentação n.º 4 de 11 de Julho de 1989 foi registada a favor do réu ... da ... ..., de Maria Conceição ... ... ... e de Alípio ... ... ... a aquisição, por sucessão hereditária tendo como sujeito passivo Margarida ... ..., do prédio rústico situado em "Quinta A... - parcela A", descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 2....7, inscrito na matriz sob o art.º ... da secção J.
23. Esse prédio tem a área de 3.288m2.
24. Em escritura pública lavrada no dia 21 de Agosto de 1991 o réu, por si e como procurador de Maria Conceição ... ... ... e Alípio ... ... ..., declarou vender ao Município de ..., que declarou comprar, uma parcela de terreno com a área de 5.160m2, a confrontar a Norte e Nascente com ... da ... ... e Outros, a Sul com Olímpio ... B... e Alzira P... G... e Outros e a Poente com Rua V...S... e Alzira P... G... e Outros, a desanexar do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1....9.
25. Após essa escritura esse prédio ficou dividido em duas parcelas, pelo que o pai do réu requereu à Repartição de Finanças a sua divisão em dois.
26. Um desses prédios confronta a Norte com a Quinta ... C..., a Sul e a Nascente com a via alternativa à Estrada nacional nº ... e a Poente com a Rua V... S... e passou a estar descrito sob o n.º 2....7 da freguesia L... e outro confronta a Norte com a Quinta C..., a Sul com Olímpio ... ... B... e José M... P..., Poente com a via alternativa à Estrada nacional nº... e Nascente com Júlia C... M... que continua a estar descrito sob o n.º 1....9 da freguesia do ....
27. A propriedade do prédio sob o n.º 1.....9 foi inscrita em 7 de Junho de 2000 a favor de Imobras - I... B... C..., S.A, por compra ao réu, a Maria Conceição ... ... ... e a Alípio ... ... ....
28. Em escritura pública intitulada de "habilitação" lavrada no dia 14 de Maio de 1991, junta sob a forma de certidão de fls. 457 a 459 e que aqui se dá por reproduzida, foi declarado que Arminda ... ... ... faleceu no estado de divorciada no dia 7 de Abril de 1991 e que a mesma deixou testamento outorgado em 20 de Novembro de 1986, no qual instituiu como únicos herdeiros de todos os seus bens António ... ... ... e a autora.
29. Pela apresentação n.º 33 de 27 de Outubro de 1992 mostra-se registada a favor de António ... ... ... e da autora, a aquisição, por sucessão hereditária tendo sujeito passivo Arminda ... ... ..., do prédio urbano situado em "Quinta L...", composto de casa de rés-do-chão e logradouro, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 2.... da freguesia L... e inscrito na matriz sob o artigo ....9.
30. Esse prédio tem a área de 375m2.
31. Depois de Arminda ... dos ..., António ... ... ... suportou, relativamente ao mesmo prédio, tarifas de conservação e saneamento (art? 13° dos temas da prova).
32. António ... ... contratou, também para o prédio, em 8 de Outubro de 1991, um seguro "multi-risco habitação" (art.º 14° dos temas da prova).
33. Após o óbito de Arminda ... ... ..., António ... ... continuou a receber rendas das habitações do prédio (art.º 15° dos temas da prova).
34. O mesmo pagou a contribuição autárquica relativa ao prédio, correspondente aos anos de 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1998, e 1999 (art.º 16° dos temas da prova).
35. António ... ... ... sempre agiu em relação a esse prédio sem oposição de ninguém, à vista de toda a gente e sem supor estar a lesar direitos de outrem (art.º 17° dos temas da prova).
36. António ... ... ... faleceu no dia 6 de Janeiro de 2002.
37. Em escritura pública outorgada no dia 10 de Agosto de 2006, a que foi dado o título de "Habilitação", a autora Maria ... ... ... declarou que era a cabeça de casal da herança aberta por óbito de António ... ... ... e que sucederam a este, como únicos herdeiros, a própria e dois filhos, sendo eles os intervenientes activos António César ... ... ... e Eugénia ... ... ... ....
38. Após o óbito de António ... ... ... os seus herdeiros continuaram a pagar o IMI relativo ao prédio e as taxas de saneamento (art.º 18° dos temas da prova).
39. Os mesmos fizeram diligências junto da Câmara Municipal a respeito da viabilidade de uma nova construção, tendo encetado diligências para a venda do prédio (art.º 19° dos temas da prova).
40. Os herdeiros de António ... ... ... actuaram desse modo à vista de todos, sem oposição de ninguém e com a convicção de que o podiam fazer por o prédio ser bem da herança daquele outro (art.º 20° dos temas da prova).
41. No apenso "A" a estes autos Ermelinda ... ... ... ... foi habilitada para prosseguir a acção no lugar de Alípio ... ... ... e de Maria Conceição ... ... ....
42. O réu ... ... requereu junto da Câmara Municipal de ... uma operação de loteamento (L894/09) que abrange a área dos imóveis descritos nos nºs 22 e 29.
43. No prédio referido no n.º 29 existe uma muralha (art.º 27° dos temas da prova).

Factos considerados não provados em 1ª instância:
1. Que o remanescente do preço acordado entre Margarida ... ... e Arminda ... ... ... tivesse sido pago em várias entregas sempre que a primeira precisava de dinheiro e o pedia àquela outra (art.º 3° dos temas da prova).
2. Que cada um dos compartimentos do prédio construído por Arminda ... ... ... tivesse uma divisão e cozinha (art.º 5° dos temas da prova).
3. Que o contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado por Arminda ... ... ... o tivesse sido em 22 de Julho de 1971 (art.º 6° dos temas da prova).
4. Que Margarida ... ... tivesse falecido em data posterior à do óbito de Arminda ... ... ... (art.º 12° dos temas da prova).
5. Que Arminda ... ... ... vivesse na casa referida no n.º 13 dos factos provados por caridade (art.º 22° dos temas da prova).
6. Que no âmbito do processo de loteamento referido no n.º 42 dos factos provados tivesse sido solicitado aos réus que procedessem ao levantamento da área do prédio referido no n.º 22 dos mesmos factos por os técnicos camarários terem verificado que esse prédio apresentava na planta uma área superior à que consta da certidão predial (art.º 23° dos temas da prova).
7. Que uma vez efectuado esse levantamento se tivesse verificado que existe contígua ao prédio referido no n.º 22 uma faixa de terreno com 375,80 m2 que corresponde ao prédio mencionado no n.º 29 dos factos provados (art.º 24° dos temas da prova).
8. Que em consequência desse levantamento o prédio referido no n.º 29 tivesse ficado fora da operação de loteamento referida no n.º 42 (art.º 25° dos temas da prova).
9. Que o prédio referido no n.º 29 dos factos provados confine a Sul com a Avª A... A... (art.º 26° dos temas da prova).
10. Que a muralha referida no n.º 43 dos factos provados servisse de parede para a casa de habitação que se estendia pela frente da parcela de terreno (art.º 27° dos temas da prova).
11. Que o mesmo terreno acompanhasse sempre a muralha numa extensão de 18,20 metros de largura e um comprimento de 20,60 metros (art.º 28° dos temas da prova).
*

III. As questões a decidir resumem-se a saber:
- se é caso de alterar a decisão sobre a matéria de facto;
- se os antecessores dos autores são meros possuidores precários;
- se ocorreu a inversão do título da posse e o decurso do prazo conducente à aquisição do imóvel por usucapião;
- se é caso de revogar a sentença recorrida.
*

IV. Do mérito do recurso.

Da impugnação da matéria de facto:
Sustentam os apelantes que, face à prova produzida, a matéria constante dos artigos 11.°, 17.° e 20.° dos Temas da Prova (factos provados sob os pontos 19º, 35º e 40º)  e 42º dos factos provados deverá ser considerada não provada.

Vejamos.

Quanto aos factos n.ºs 19.º, 35º e 40º:

Estes têm o seguinte teor:
19º– Desde que recebeu o terreno de 375 metros de Margarida ... ... até à data do seu óbito, Arminda ... ... ... agiu sempre com a convicção de que era a dona desse imóvel
35º– António ... ... ... sempre agiu em relação a esse prédio sem oposição de ninguém, à vista de toda a gente e sem supor estar a lesar direitos de outrem
40º– Os herdeiros de António ... ... ... actuaram desse modo (os herdeiros continuaram a pagar IMI relativo ao prédio e as taxas de saneamento e fizeram diligências junto da Câmara a respeito da recuperação das casas existentes e da viabilidade de uma nova construção) à vista de todos, sem oposição de ninguém e com a convicção de que o podiam fazer por o prédio ser bem da herança daquele outro.
Em causa nos autos está a questão de saber se os antecessores da autora e intervenientes, Arminda ... ... ... e seu irmão António ... ..., agiram na convicção de serem donos de um terreno com a área de 375m2.

Provou-se, sem impugnação, que:

- Arminda ... ... ... acordou com Margarida ... ... que esta lhe venderia e ela compraria, pelo preço de Esc. 37.500$00, o terreno actualmente correspondente ao prédio referido o n.º 29, com a área de 375 metros;
- Por conta desse preço, Arminda ... ... ... entregou a Margarida ... ..., no dia 10 de Janeiro de 1961, a quantia de Esc. 20.000$00, e no dia 28 de Dezembro de 1961, a quantia de Esc. 11.000$00;
- Entre 28 de Dezembro de 1961 e Janeiro de 1963 Arminda ... ... ... construiu no terreno referido no n.º 9 um edifício em alvenaria coberto de telha, composto de rés-do-chão e três compartimentos designados por r/c A, r/c B e r/c C, com a superfície coberta de 45 metros quadrados e logradouro de 330 metros quadrados;
- Nesse terreno existe uma muralha.
- Em data concreta não apurada posterior a 28 de Dezembro de 1961 Arminda ... ... ... passou a residir na "Quinta L...", partilhando essa habitação com o seu companheiro e nela recebendo correspondência e visitas;
- Num dos compartimentos da casa identificada nas plantas de fls. 96 e 126 sob a letra "A" vivia Arminda ... ... ....
Destes factos resulta que a Arminda ... ... ... viveu numa das casas que construiu e que fisicamente se situavam numa área abrangida pelo prédio que actualmente se encontra matriciado sob o art. 8º, da secção J da freguesia C... P..., descrito na CRP de ... sob o n.º 2....7, inscrito em nome dos réus.

Fê-lo após a celebração com Margarida ... ... do contrato-promessa de compra e venda.
Não obstante estes factos os réus na contestação negaram ter a Arminda ... ... adquirido o imóvel por usucapião, dizendo que esta foi mera possuidora precária da casa, que corresponde à assinalada na planta de fls. 126.
Porém, posteriormente, através de articulado superveniente (fls. 563v e segs.), vieram alegar que fizeram um levantamento da área do prédio e constataram que existe contíguo ao mesmo uma faixa com 375,80m2, pelo que a área de que os autores se arrogam proprietários não está incluída no prédio dos réus.
E na audiência de julgamento (fls. 628v e 629) o ilustre mandatários dos réus confessou que os 375m2 não fazem parte do prédio destes, não sendo sua propriedade e correspondem ao prédio que os autores se arrogam proprietários. Acrescentou, todavia, que a área do loteamento é de 3.288 m2, pelo que o prédio dos autores nunca esteve englobado na operação de loteamento.
Em face destas vicissitudes, mostra-se incompreensível a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pelos apelantes nos termos em que o fizeram, pois que no articulado superveniente e na audiência de julgamento reconheceram que os autores são proprietários de uma faixa de terreno com a área de cerca de 375 m2, contestando apenas a configuração da mesma, dizendo naquele articulado que a mesma tem a configuração assinalada na planta de fls. 568 (confrontando apenas a nascente com os réus) e não a assinalada no documento de fls. 21, junto à p.i. pelos autores (com uma configuração quase quadrada, confrontando pelos lados norte, nascente e sul com os réus).
Seja como for, de acordo com o alegado pelos réus e que consta na matriz e na descrição predial, o prédio propriedade daqueles tem a área de 3.288 m2.
Resulta porém da planta de fls. 568 e do depoimento prestado pela testemunha Carlos A... ... ... G... (arquitecto; elaborou o projecto de loteamento do prédio descrito na CRP sob o n.º 2....7 a pedido dos réus, bem como a planta de fls. 568) que o prédio, tal como se mostra matriciado (isto é, a confrontar a poente com a Rua V... ... S..., antiga A... A...), tem uma área real de 3.664,36 (3.288,56 m2 + 378,80m2).

Por outro lado, apurou-se ainda que (nas conclusões os apelantes aludem a estes factos mas não os impugnam):
Para o edifício que edificou Arminda ... ... ... celebrou um contrato de seguro do ramo incêndio com início em 9 de Outubro de 1963 e celebrou um contrato de fornecimento de água, um contrato de abastecimento de electricidade e pagou em Novembro de 1971 serviços de água e saneamento pela ligação à rede de água pública;
Aquela inscreveu o edifício e o terreno na matriz em 23 de Setembro de 1966, tendo-lhe sido atribuído o artigo 2....9 da freguesia C... P..., depois alterado para o art.º ....9 da freguesia L... e finalmente para o art.º ...2 da freguesia do ...;
E deu de arrendamento a terceiros as divisões que não habitava, nos anos de 1966, 1968, 1969, 1972, 1976 e 1977;
Tendo pago as contribuições prediais, relativas ao prédio relativas aos anos de 1965, 1966, 1968, 1969, 1970, 1975, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980, 1982, 1983, 1984, 1986, 1988 e 1989, tendo falecido em 7 de Abril de 1991.

Provou-se também que:
Depois de Arminda ... ... ..., António ... ... ... suportou, relativamente ao mesmo prédio, tarifas de conservação e saneamento.
António ... ... contratou, também para o prédio, em 8 de Outubro de 1991, um seguro "multi-risco habitação".
E continuou a receber rendas das habitações do prédio.
O mesmo pagou a contribuição autárquica relativa ao prédio, correspondente aos anos de 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1998, e 1999.

Por outra via:
Declarou a testemunha Aníbal ... ... ... (é familiar afastado da autora) que no período de 1971/72 a 1974, quando tinha 12, 13, 14 ou 15 anos, deslocou-se à quinta onde residia a Arminda ... em 4 ou 5 ocasiões, tendo o terreno, com cerca de 400 m2, uma configuração quase rectangular; que no período de 1993 a 1996/97 ia lá receber as rendas dos inquilinos a pedido do irmão da Arminda ... ..., António ... ... ...; que as construções da Arminda ... ... estavam edificadas ao cumprimento da muralha, situando-se o r/c A a cerca de 1 ou 1,5 metros desta e as outras duas edificações en...das à muralha; que no terreno existiam ainda umas arrecadações em madeira.

A testemunha ... Carlos ... ... (sobrinho da autora Maria ... e da Arminda ...) declarou que foi viver para a quinta com 17 anos de idade (nasceu em 1954), onde permaneceu durante cerca de 7 anos; que as casas estavam todas en...das umas às outras, tendo residido na casa sita ao lado da que vivia a sua tia Arminda ... ..., a qual arrendava a outra casa a terceiros; e que o terreno era rectangular e já não abrangia uma oliveira existente junto ao terreno.

A testemunha Mário ... ... ... (conhece a interveniente Eugénia ... por em tempos ter comprado um lote de terreno pertencente àquela; conhece o réu ... da ...), declarou que por volta do ano de 2012 ainda esteve para comprar o prédio reivindicado pela autora, mas a interveniente informou-o da existência de um processo na Câmara para construção e que não dava para vender; que falou com o réu ... da ..., numa altura em que já havia o processo de loteamento, e este disse-lhe que aquilo era tudo dele.

A testemunha Maria Manuela ... ... ... (cunhada da autora Maria ...) confirmou que o seu sobrinho (a testemunha ... Carlos) foi viver para a quinta após o óbito da mãe, quando tinha 17 anos; que ia lá ver o sobrinho; que as casas eram humildes, mas habitáveis, vivendo lá mais gente; que a Arminda dizia que aquilo era dela; e que a mesma tinha uma horta.

A testemunha Carlos ... ... ... esclareceu que, a pedido dos réus, fez o levantamento topográfico de fls. 568 dos autos e o projecto de loteamento já aprovado pela C.M.A.; e que as confrontações do prédio reivindicado pelos autores não podem ser as que constam da matriz e do registo predial, pois que a nascente não pode confrontar com a Azinhaga, mas sim a poente; que, em termos formais, o loteamento abrange tudo, incluindo o terreno reivindicado pelos autores, que se insere na parcela a ceder à Câmara.

A interveniente Ermelinda ... ... ... (nora da Margarida ... ...) declarou que conheceu a Arminda ... ... em 1968/69, a qual tinha uma casa tipo abarracada, sita junto à Azinhaga A...; que a sua sogra não sabia ler, nem escrever; que quase junto à casa da Arminda dos ... existia uma figueira, mas esta não tinha ordem para apanhar os figos.

A autora Maria ... declarou que visitou a 1ª vez a Arminda ... ... em 1962/63; que ia para lá para ir à praia com o seu filho (este tinha então cerca de 1 ano e meio de idade e agora tem 54 anos); que nas casas ainda viveu um sobrinho da Arminda, que ficou sem mãe quando tinha 17 anos de idade; e que a casa da ponta estava arrendada.

A interveniente Eugénia ... ... ... ... (procuradora-adjunta; sobrinha da Arminda ... ...) declarou que o seu conhecimento dos factos lhe adveio da consulta dos documentos e ainda por, na década de oitenta, ter visitado a sua tia na casa desta, tendo regressado ao local mais 2 ou 3 vezes na fase final da vida daquela; que as casas eram 3, estando situadas lado a lado, sem ligação interna; que a tia tinha ainda galinheiros e outros compartimentos; e que o primo Aníbal recebeu as rendas durante algum tempo.

A testemunha Sandro ... ... ... (arquitecto; foi contactado pela interveniente Eugénia ... ... para lhe dar uma opinião sobre uma plantas que lhe enviou, tendo-se deslocado ao local; que ainda não está a ser remunerado pelo serviço) declarou, em essência, que face à caderneta predial a configuração da parcela não é a que consta de fls. 568.

A testemunha Maria Laura ... ... ... ... ... (cunhada do réu; a Margarida ... ... era a avó do seu marido; reside no ... desde 1971) declarou que era da Margarida ... as árvores de fruta existentes à volta da casa da Arminda; tem impressão que uma oliveira ainda lá está; depois da morte daquela os africanos fizeram lá barracas; estas foram derrubadas por volta de 2006.

Nas suas declarações de parte, o réu ... ... da ... ... referiu que a Arminda ... ... morava nas construções en...das à muralha; que em frente à casa da Arminda existia uma figueira e ele apanhava os figos; que as árvores de fruto existentes em frente da casa da Arminda dos ... eram apanhadas pelas sua avó Margarida ...; que a faixa cedida à Arminda é a que consta da planta de fls. 568 e não é abrangida pela loteamento.

Da conjugação destes depoimentos e da razão de ciência invocadas pelos depoentes, em especial das testemunhas Aníbal ... ... ..., ... Carlos ... ... e Maria Manuela ... ..., as quais revelaram conhecimento pessoal e directo dos factos, com os elementos documentais juntos aos autos e o comportamento processual dos réus, concorda-se com a valoração da prova efectuada em 1ª instância, considerando-se ter sido feita prova segura da factualidade em referência.

Como se exarou em 1ª instância:
“N°s 19 e 20 - Esses factos têm suporte nos depoimentos de Aníbal ... ... ..., ... Carlos ... ..., Maria Manuela ... ... e nas declarações de parte da autora Maria ... ..., estando ainda apoiados na natureza dos actos praticados por Arminda ... ... ... sobre o imóvel, de que se destaca o arrendamento a terceiros, acto com publicidade suficiente para não passar ser sem notado por terceiros, nomeadamente, por Margarida ... ... que vivia nas imediações. Regista-se que não foi produzida prova de qualquer oposição à actuação de Arminda ... ... ... sobre o prédio.
(…)
N° 35 - Mais uma vez a natureza dos actos praticados, de que se destaca a locação de espaços do edifício que existia no terreno, não deixa dúvida quanto à falta de oposição e publicidade, sendo que da mesma natureza facilmente se desprende, de acordo com as regras da experiência comum, o "animus" de um proprietário.
(…)
N° 40 - A forma pública como os actos dos seus antecessores vinham sendo praticados, conjugada com as diligências junto de autoridade administrativa (a Câmara de ...) e a colocação do prédio em venda levam a crer na veracidade desses factos”.

Esta conclusão não é invalidada pela circunstância das testemunhas não terem conseguido localizar, com exactidão, o terreno, por virtude de há alguns anos terem sido demolidas as construções e o terreno ter sido aplanado. Certo é que todas referiram que as construções se situavam junto à muralha ainda existente no local e referenciada no facto provado sob o n.º 43, sem que todavia tivesse sido feito prova segura sobre a configuração da parcela de terreno.

Não obstante, as testemunhas aludiram a uma área de terreno ocupada e utilizada pela Arminda ... compatível com a que consta da matriz e no contrato-promessa (cerca de 375m2).
Desatende, pois, neste ponto, a impugnação deduzida pelos apelantes.

Quanto ao facto n.º 42:

Este tem o seguinte teor:
Art. 42º - O réu ... ... requereu junto da Câmara Municipal de ... uma operação de loteamento (L894/09) que abrange a área dos imóveis descritos nos nºs 22 e 29.

Na sua fundamentação a Sra. Juíza exarou que:
“Os factos enunciados nos nºs 1 a 7, 21, 22, 24 a 29, 36, 37, 41 e 42 mostravam-se assentes por acordo das partes e documentos, tendo, nessa mesma qualidade, transitado para esta sentença. Relativamente ao facto enunciado sob o n.º 42 importa esclarecer que o mesmo foi aceite pelos réus na sua contestação, mas que através de articulado superveniente (fls. 562 a 565) os demandados vieram alegar que inclusão do prédio dos autores no loteamento se tinha ficado a dever a lapso, o qual havia sido corrigido, ficando de fora o imóvel daqueles outros. Sucede que por razões que se explanarão infra, os réus não lograram convencer que o loteamento que haviam requerido para uma área que abrangia o alegado prédio dos autores tivesse sido efectivamente alterado por forma a deixar esse imóvel intocado”.

Concorda-se com este entendimento.
Na verdade, na p.i a autora alegou que o réu requereu junto da C.M. ... uma operação de loteamento do seu terreno em que abrange a totalidade do prédio da autora e herdeiros (art. 7º).
Na contestação os réus alegaram que a autora não tem quaisquer direitos sobre o terreno delimitado na planta anexa à p.i., porquanto tal terreno integra o prédio propriedade do réu, descrito sob o n.º 2197, sendo que a operação de loteamento referida no art. 7º da p.i. abrange apenas o prédio do réu (arts. 68º e 69º da contestação).
Assim, os réus não impugnaram o facto alegado na p.i., ou seja, que a operação de loteamento abrange a parcela reivindicada pela autora.
Por essa razão, na audiência prévia, foi considerado assente que o réu ... ... requereu junto da CMA uma operação de loteamento (L894/09) que abrange a área dos imóveis (os descritos sob os arts. 2259 e 2197) – al. F)
É certo que no articulado superveniente os réus negaram este facto, alegando que contíguo ao seu prédio existe uma faixa com 375,80m2, pelo que a área de que os autores se arrogam proprietários não está incluída no prédio dos réus.
Porém, decorreu do depoimento da testemunha Carlos Alberto ... ... ... que, em termos formais, a realidade alvo do loteamento englobava a parcela reivindicada pelos autores, se bem que no processo constasse que o prédio tinha a área de 3288m2 quando na realidade tem 3.664,36 m2 (3.288,56 m2 + 378,80m2). 
Assim, para além dos réus na contestação terem admitido o facto em referência, derivou da prova produzida em julgamento a demonstração do mesmo.
Desatende-se, pois, também neste ponto a impugnação da decisão da matéria de facto.

Da decisão de direito:
A acção, tal como delineada pelos autores, é uma típica acção de reivindicação, tendo por objecto o direito de propriedade sobre um terreno – art. 1311º do CC.
Para que tal acção possa ter êxito deverá, desde logo, o reivindicante alegar e provar factos dos quais resulte depois a prova da aquisição originária da dominialidade por parte de si ou da pessoa que lha transmitiu.
Só assim não será quando o autor beneficie da presunção legal de propriedade, como a resultante do registo (artº 7º do Código do Registo Predial).
         
Acontece que quer os autores, quer os réus possuem de registo de inscrição da propriedade do prédio em referência a seu favor: os autores sob o art. 2259 (Ap. n.º 33 de 27/10/92) e os réus sob o n.º 2197 (Ap. n.º 4 de 11/07/89).

Certo é que os autores invocaram também uma forma de aquisição originária da propriedade do prédio descrito sob o art.º 2..... integrado no loteamento levado a cabo pelos réus: a usucapião.
              
Decorre do provado que Arminda ... ... ..., na qualidade de promitente-compradora, outorgou com a anterior proprietária do imóvel, Margarida ... ..., um contrato-promessa de compra e venda de um terreno (arts. 1548º do CC de Seabra e 410º do actual C. Civil), actualmente correspondente ao prédio em causa nos autos, com a área de 375 metros, pelo preço de 37.5500$00, tendo por conta desse preço a 1ª entregue à 2ª, no dia 10 de Janeiro de 1961, a quantia de Esc. 20.000$00, e no dia 28 de Dezembro de 1961, a quantia de Esc. 11.000$00.

Ora, como vem sendo entendimento do STJ, em princípio, o contrato-promessa não é susceptível de, só por si, transmitir a posse ao promitente-comprador.

Tendo a coisa prometida vender sido logo entregue pelo promitente-vendedor ao promitente-comprador, tal entrega traduzir-se-á numa aquisição derivada da posse, nos termos previstos na alínea b) do artigo 1263.º do CC, a qual se presume, por força do n.º 2 do artigo 1257.º do mesmo Código, que continua em nome de quem a começou, ou seja, do promitente-vendedor. Nestas circunstâncias, o promitente-comprador ficará investido na situação de mero detentor, enquadrável no art.º 1253.º do CC, ainda que, dada a sua expectativa de realização do contrato definitivo, se lhe reconheça a titularidade de um direito pessoal de gozo, de base contratual, mais precisamente o acordo respeitante à traditio – cfr. Ac. STJ de 9/06/2016, relatado pelo Cons. Tomé Gomes, acessível in www.dgsi.pt.

Poderão, todavia, verificar-se situações excepcionais em que assim não seja, merecendo a posição do promitente-comprador com tradição do imóvel a qualificação originária de verdadeiro possuidor, como sucede nos casos em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o deliberado e concertado propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já, ou ocorrer, na pendência da fruição do prédio, uma situação de inversão do título da posse, prevista no art. 510º do C. Seabra e no art. 1265º do CC de 1966, susceptível de desencadear supervenientemente a aquisição de posse - verdadeira e própria - por parte do – até então – mero detentor – cfr. Ac. STJ de 12 de Março de 2015, relatado pelo Cons. Lopes do Rego, acessível in www.dgsi.pt.

Vejamos então se, no caso dos autos, perante a factualidade provada, ocorre alguma situação dessa natureza.

No caso não se provou que aquando da celebração do contrato-promessa tenha sido entregue à promitente-compradora o terreno prometido vender, nem ter ocorrido a liquidação integral do preço.

Todavia, provou-se que em entre 28 de Dezembro de 1961 e Janeiro de 1963 Arminda ... dos ... construiu no terreno referido no n.º 9 um edifício em alvenaria coberto de telha, composto de rés-do-chão e três compartimentos designados por r/c A, r/c B e r/c C, com a superfície coberta de 45 metros quadrados e logradouro de 330 metros quadrados; que em data concreta não apurada posterior a 28 de Dezembro de 1961 Arminda ... dos ... passou a residir no R/c A, partilhando essa habitação com o seu companheiro e nela recebendo correspondência e visitas, tendo aquela celebrado um contrato de seguro do ramo incêndio com início em 9 de Outubro de 1963; que a Arminda celebrou um contrato de fornecimento de água e um contrato de abastecimento de electricidade e pagou em Novembro de 1971 serviços de água e saneamento pela ligação à rede de água pública, inscrevendo o edifício e o terreno na matriz em 23 de Setembro de 1966, tendo-lhe sido atribuído o artigo 2....9 da freguesia C... matriz; que nos anos de 1966, 1968, 1969, 1972, 1976 e 1977 a Arminda ...  habitava uma das divisões do referido edifício, tendo dado de arrendamento a terceiros as outras; e que desde que recebeu o terreno de 375 metros de Margarida ... ... até à data do seu óbito (7/04/1991), Arminda ... ... ... agiu sempre com a convicção de que era dona desse imóvel, tendo praticado os actos atrás referidos à vista de todos e sem oposição de ninguém, nomeadamente, sem oposição de Margarida ... ....

Deriva desta factualidade que a Margarida ... ..., promitente-vendedora, entregou o terreno à Arminda ... ..., promitente-compradora, senão antes, pelo menos no período de 28 de Dezembro de 1961 a Janeiro de 1963, que dele passou a dispor como bem entendeu.

Assim, para além de desde então a Arminda ... ... ter passado a julgar-se dona do terreno, a mesma praticou actos materiais e jurídicos conducentes à inversão do título da posse em que aquela se encontrava (art. 1265º do CC).

É que, tendo-se apurado que a Margarida ... ... residia na Quinta da A..., isto é, nas imediações do terreno prometido vender, e atenta a natureza dos actos praticados pela Arminda ... ..., os mesmos foram do conhecimento efectivo desta (e ainda que se entendesse não ser possível extrair esta ilação, sempre aqueles actos, máxime os atinentes às edificações construídas no imóvel e à residência no local de outras pessoas, seriam de considerar cognoscíveis pela Margarida ... ...).

Ora, a realização de obras que alteraram substancialmente o local utilizado pela Arminda ..., que nele construiu a sua habitação e outras edificações, transcenderam claramente – e de forma inquestionável – o plano da utilização e fruição de um imóvel no quadro de um simples direito pessoal de gozo, situação que preenche a figura da inversão do título da posse (neste sentido, vide o citado Ac. STJ de 12/03/2015).

Assim, não pode deixar de se considerar que a posse pública e pacífica sobre o imóvel reivindicado pelos autores se transferiu para a Arminda ... ... pelo menos em Janeiro de 1963, tendo perdurado pelo tempo necessário à sua aquisição por esta por usucapião, pois que desde então e até à morte daquela decorreram mais de 29 anos- vide arts. 297º, 1258º, 1261º, 1262º, 1265º, 1287º, 1288º e 1296º do CC.

Por outra via, como se considerou, e bem, na sentença recorrida, à data da edificação das construções ainda não se encontrava em vigor as proibições consagradas no D.L. n.º 46673 de 29/11/65, “pelo que não lhe são aplicáveis as condicionantes legais, criadas pelo referido decreto-lei, à divisão de prédios em lotes para venda destinados à construção”.

Ademais, desconhece-se se as referidas construções foram ou não licenciadas pela C.M.A.

Nada obstava pois à aquisição do imóvel por usucapião pela Arminda ... ....

E, como se considerou na sentença, em face do óbito desta, o direito de propriedade transmitiu-se ao antecessor dos autores e à autora e, por óbito daquele, pertence actualmente à autora e aos intervenientes principais seus filhos, por força do fenómeno sucessório.

Uma nota final:
Na sentença declarou-se “que ARMINDA ... ... ... adquiriu por usucapião o prédio com a área de 375 m2 que actualmente se encontra inscrito sob o art.º 502 da freguesia do ...”.
Porém, constata-se que na matriz e no registo predial consta que esse prédio confronta a norte, sul e poente com Margarida ... ... e a nascente com a Azinhaga do ....
Ora, deriva do provado que tal prédio confronta a nascente com o prédio dos ora réus (pertencente anteriormente a Margarida ... ...) e a poente com a antiga Azinhaga do ... ou Azinhaga da A... (actual Rua V... do S...).
Deste modo, confirmando-se embora a sentença recorrida, importa precisar que o prédio pertença dos autores confronta a poente com a antiga Azinhaga do ... ou Azinhaga da A... (actual Rua V... do S...) e a nascente com o prédio pertença dos réus e que se encontra descrito na CRP de ... sob o art. 2....7 da freguesia L.....
***

V.Decisão:
Pelo acima exposto, decide-se:
1. Julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, precisando-se, todavia, que o prédio que a Arminda ... ... ... adquiriu por usucapião confronta a poente com a antiga Azinhaga do ... ou Azinhaga da A... (actual Rua V... do S...) e a nascente com o prédio pertença dos réus (descrito na CRP de ... sob o art. 2....7 da freguesia do L....);
2. Custas pelos apelantes;
3. Notifique.




Lisboa, 12 de Dezembro de 2017

(Manuel Ribeiro Marques Relator)
(Pedro Brighton 1º Adjunto)
(Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta)