Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1041/17.4PBVFX.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: REJEIÇÃO DA ABERTURA DA INSTRUÇÃO
DESPACHO PRELIMINAR
REQUISITOS LEGAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- Não compete ao Tribunal da Relação apreciar os factos apurados e substituir-se ao tribunal de 1ª Instância na prolação de despacho de pronúncia ou não pronúncia mas apenas, por força do recurso, com a base indiciária recolhida, corroborada ou não por outros elementos de prova, decidir se, no seu conjunto, são suficientes ou insuficientes para a prolação de um despacho de pronúncia ou não pronúncia a levar a efeito sempre em primeira instância;

II- Na fase da Instrução, devido à estrutura acusatória do processo, “o juiz de instrução está vinculado aos termos da própria acusação ou do requerimento instrutório do assistente;

III- Na pronúncia não se profere decisão sobre a prática ou não dos crimes ou dos seus autores, mas apenas se declara que os autos fornecem indícios materiais da existência dos factos e da sua autoria na forma descrita na acusação ou no requerimento de abertura da instrução, isto é, não se exige que só valham, também como para efeitos de acusação, os indícios que conduzam à certeza da futura condenação, bastando os trazidos ao processo que persuadam de que, a manterem-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do agente;

IV- Se o requerimento de abertura da instrução do ponto de vista formal, contém os requisitos de uma verdadeira acusação, cumprindo as exigências legais do preceito acima referido, o Juiz de Instrução não pode proferir despacho preliminar, rejeitando a Instrução, com fundamentos que resultam afinal da apreciação do mérito da questão. Só o podendo fazer após a realização da instrução dos seus actos requeridos ou oficiosos do Tribunal, quando conclui sobre a existência dos indícios suficientes da prática de um crime, pois o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:          Acordam em conferência os Juízes da 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO.

No processo comum supra identificado, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa-J2 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferido, pelo Mº.Pº. o despacho de arquivamento do inquérito; na sequência e inconformado, o Assistente AA, requereu a abertura da Instrução, a qual foi rejeitada por despacho de fls. 295 a 298 dos autos.
Inconformado agora com aquela decisão o assistente veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 308 a 334 dos autos, onde escreveu as conclusões que se transcrevem:
I. A decisão do tribunal a quo que considera que a instrução pretendida pelo assistente é legalmente inadmissível e indefere totalmente o requerimento de abertura de instrução por este apresentado é inadmissível, devendo, em consequência, ser revogada e substituída por outra que dê cumprimento aos dispositivos legais aplicáveis.
2. O crime que o assistente entende ter sido praticado pelas arguidas, p. e p. em face do disposto no art. 256.° do CP, tal como explicitado por MIGUEZ GARCIA e CASTELA RIO, é um crime que em que as condutas típicas são, muito genericamente, a fabricação de um documento e o uso (ou mesmo só a simples "detenção") de um documento não autêntico ou falsificado por terceiro, em qualquer dos casos para enganar o tráfico jurídico.
3. O requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente cumpre todos os requisitos que se encontram enumerados no art. 287.°, n.°s 1 e 2 do CPP.
4. Bem como, os requisitos que, por força desse preceito legal, constam das alíneas b) e c) do n.° 3 do art. 283.° do CPP.
5. Nos termos do art. 287.°, n.° 3 do CPP, o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
6. O requerimento de abertura de instrução foi apresentado dentro do prazo legal e o juiz é competente.
7. Resta a eventual rejeição por inadmissibilidade legal da instrução, que, no caso concreto, ao contrário do que é pretendido pelo Tribunal a quo, não se verifica.
8. Esclarece GERMANO MARQUES DA SILVA, relativamente ao requerimento de abertura de instrução apresentado por assistente, que "o requerimento do assistente tem de conformar uma verdadeira acusação e, por isso, o requerimento não é admissível se dele não constar a descrição da conduta típica (com os seus elementos objectivos e subjectivos) com a indicação das disposições legais violada?.
9. Ora, é por demais evidente que o assistente, no requerimento apresentado, descreve exaustivamente e de forma completa a conduta típica com os seus elementos objetivos e subjectivos.
10. Fazendo, ainda, a indicação cabal das disposições legais violadas pelas arguidas.
(Responsabilidade Limitada)
11. Relativamente à descrição da conduta típica com os seus elementos objectivos, com a indicação das disposições legais aplicáveis, salientam-se os art.s 1, 3 a 6, 19 a 21, 32, 33, 37, 39, 41, 43 e 51 do Ponto I do requerimento de abertura de instrução (razões de facto e de direito que justificam a prolação de acusação).
12. Bem como, para os art.s 1 a 13 Ponto II do requerimento de abertura de instrução (da acusação que se impunha considerando a prova carreada para os autos).
13. Já quanto à descrição da conduta típica com os seus elementos subjectivos, com a indicação das disposições legais aplicáveis, salientam-se os art.s 12 a 33 Ponto II do requerimento de abertura de instrução.
14. Acresce que, aquando da formulação da "fórmula acusatória", o assistente condensa a final toda a imputação penal que é dirigida às arguidas CC e DD, nos seguintes termos:
Com a conduta descrita, as arguidas praticaram os seguintes ilícitos de natureza criminal:
d) Ao promoverem e executarem dois reconhecimentos falsificados, as arguidas DD e CC praticaram, em co-autoria material e na forma consumada, dois crimes de falsificação ou contrafacção de documento agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas do art. 256.°, n.° 1, alíneas a), b), d), e fi, n.° 3 e n.° 4, 26.° e 28.°, n.° 1, todos do Código Penal,
e) Ao forjar a assinatura do ofendido e ao utilizar os documentos reconhecidos forjados, a arguida CC praticou, em autoria material e na forma consumada, dois outros crimes de falsificação de documento, nos termos do disposto no art. 256.°, n.° 1, alíneas a), c) e e), do Código Penal;
f) Ao forjar a adenda "Adenda ao Registo n.° 2795892", a arguida DD praticou ainda, em autoria material e na forma consumada, um outro crime de falsificação de documento, nos termos do disposto no art. 256.°, n.° 1, alíneas a), c) e e), do Código Penal.
15. Face ao exposto, não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo quando afirma que i) tal requerimento não contém a descrição integral de factos cuja prática se subsuma a qualquer incriminação"; ii) nunca descreve o assistente qualquer dos possíveis elementos subjectivos especiais da ilicitude da incriminação prevista no art. 256. °, n.° 1, do Código Penal; nenhuma das intenções ilícitas ali descrita se encontra descrita no RAI.
16. A tese do Tribunal a quo de que o acordo/consentimento verbal do assistente serviria para afastar a conduta típica das arguidas não colhe.
17. O bem jurídico protegido com a incriminação prevista no art. 256.° do CP é, em primeiro lugar, como já referido, a segurança e a credibilidade dos documentos no tráfico jurídico, especialmente no tráfico jurídico-probatório - a segurança e a fiabilidade do tráfico jurídico com documentos.
18. Ou, como referido por PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, a segurança e a credibilidade na força probatória de documento destinado ao tráfico jurídico.
19. E, posto isto, o mero acordo/consentimento do assistente, ainda que existisse, nunca serviria para afastar a responsabilidade penal das arguidas.
20. Mas, como supra referido, esse acordo/consentimento nunca existiu.
21. Na medida que a circunstância de o assistente ter concordado/autorizado a saída do menor não poderia ser confundia com qualquer concordância com o teor de um documento cujos elementos o assistente desconhecia, e, muito menos, com a concordância da oposição da sua assinatura (forjada) em tais documentos, como se de sua se tratasse.
22. E, muito menos, confundido com a concordância de que a tais documentos fosse conferida fé pública, mediante um "reconhecimento presencial" da sua assinatura (forjada).
23. Nunca o assistente autorizou/concordou com os actos praticados pelas arguidas, não só porque os desconhecia, como se tivesse tido conhecimento dos mesmos nunca teria aceite/concordado com a prática dos mesmos.
24. Não concordou, também, com a utilização desse documento em juízo, no âmbito do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais do seu filho menor, quando a arguida CC, mediante requerimento enviado ao processo, fez a junção do documento falsificado como meio de prova a seu favor e com vista a prejudicar a posição processual do assistente.
25. Procurou a arguida CC, iludir o Juiz e Procurador que acompanhavam o processo em causa, pretendendo convence-los de determinados factos, mediante a junção aos autos de um documento falsificado e a que havia sido dada fé pública pela arguida DD.
26. Assim, tendo em conta a natureza os interesses jurídicos que se visam proteger com a incriminação em causa, o Tribunal a quo nunca poderia considerar que a conduta da arguidas se encontrasse ao abrigo de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
27. Ou que o procedimento criminal não pudesse prosseguir ao abrigo de um alegado abuso de acção por parte do assistente, ao abrigo do disposto no art. 334.° do Código Civil.
28. Ainda mais num crime de natureza pública.
Nestes termos e mais de Direito que doutamente serão supridos deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
A) Ser revogada a decisão do Tribunal a quo que rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente e, em consequência,
B) Ser essa decisão substituída por outra que, por legalmente admissível e tempestivamente requerida por quem tem legitimidade para o efeito, declare aberta a instrução nos presentes autos e ordene as diligências probatórias tidas por convenientes, bem como a realização do debate instrutório.
**
Em resposta, o Mº.Pº. produziu as alegações que constam de fls. 348 a 351 dos autos, concluindo como vai transcrito:
3.1 O RAI contém a narração, ainda que sintética, dos factos imputados aos arguidos fundamentadores da aplicação de uma pena, ou seja, os factos preenchedores do tipo objetivo e subjetivo do crime pelo qual o assistente pretende ver os arguidos pronunciados, permitindo aos mesmos que deles possam ter a perfeita perceção e conhecimento de forma a delinear a sua defesa.
3.2 Do RAI não resulta de forma ostensiva/evidente a falta de tipicidade, pelo que o Mm. Juiz de Instrução, ao ajuizar que não há crime, entrou já numa apreciação de mérito da questão sub judice, pois faz um juízo de valoração sobre a existência de indícios da prática de crime, imiscuindo-se assim no mérito da peça processual, juízo que está reservado para a fase de instrução. O Mm. Juiz de Instrução antecipou uma decisão instrutória de arquivamento, sem quaisquer diligências e sem a realização do debate instrutório.
Pelo exposto, entende-se que o recurso deve ser julgado procedente, com a consequente revogação do douto despacho recorrido que deve ser substituído por outro que declare aberta a instrução, seguindo-se os demais trâmites previstos na lei.
***
As arguidas responderam ao recurso, alegando no sentido da manutenção do despacho recorrido.[1]
Neste Tribunal a Ex.m.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu visto.
Cumpridos os vistos, procedeu-se a conferência.
Cumpre conhecer e decidir.

II- MOTIVAÇÃO.

É jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Ac. do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série-A, de 28.12.95).

Vejamos agora o que consta do despacho recorrido, que rejeitou a abertura da instrução requerida pelo assistente:
(transcreve-se)
AA, constituído assistente, na sequência do despacho de arquivamento, apresentou um requerimento para a abertura da instrução (fls. 193 a 215).
Tal requerimento não contém a descrição integral de factos cuja prática se subsuma a qualquer incriminação, ao contrário do pretendido pelo assistente, designadamente de abuso de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º1, do Código Penal, constituindo mesmo um abuso do seu direito de acção, nos termos previstos no art. 334.º do Código Civil.
Por isso, não é admissível o requerimento para a abertura da instrução apresentada pelo mencionado assistente.
A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação, ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art. 286.º, nº1 do Código de Processo Penal).
A instrução não se apresenta, assim, como um novo inquérito, mas consubstancia, tão-só, um momento processual de comprovação da decisão de acusar ou não (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 1996, pgs. 454).
O assistente faz referência a falsidades objectivas relacionadas com a falta de assinatura de um documento por si, no interesse do menor seu filho.
No entanto, nunca descreve o assistente qualquer dos possíveis elementos subjectivos especiais da ilicitude da incriminação prevista no art. 256.º, n.º1, do Código Penal; nenhuma das intenções ilícitas ali descritas se encontra descrita no RAI.
Para o preenchimento da incriminação de falsificação de documento não basta sustentar uma falsidade objectiva, sendo ainda, para além do dolo, a verificação de uma das intenções proibidas a que a lei dá relevância típica.
 Para além disso, o assistente é claro ao afirmar que tinha concordado com a autorização que integra o conteúdo do documento; ou seja, a suposta falsidade afirmada no RAI é meramente formal, sem qualquer substrato que lhe corresponda.
Por isso, para além de não se mostrar preenchida a incriminação invocada, o requerimento para a abertura da instrução constitui mesmo um acto de abuso de direito, de clara má-fé, nos termos previstos no art. 334.º do Código Civil, pois visa atacar criminalmente, me defesa do interesse do menor seu filho (é o único interesse que se vislumbra), que manifestamente é contrário a tal pretensão, e com cujo conteúdo concordou (verbalmente).
Tendo sido apresentado um requerimento para a abertura da instrução pelo assistente sem a descrição de factos que integram a prática de um crime, e não podendo o tribunal ultrapassar tal omissão (art. 309.º, n.º1 do 1.º f), do Código de Processo Penal), o objecto do processo sobre o qual este Tribunal se podia debruçar mostra-se inútil, porque nunca dele derivaria a pronúncia de qualquer arguido, o que torna inadmissível este procedimento.
A rejeição por inadmissibilidade legal da instrução (prevista no art. 287.º, n.º3, do Código de Processo Penal) inclui, assim, os casos em que aos factos não corresponde infracção criminal – falta de tipicidade – e aqueles em que exista um obstáculo que impeça o procedimento criminal ou a abertura da instrução, designadamente a falta de factos que possam conduzir a uma pronúncia (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado – 1996, 7ª Ed., pgs. 455).
É que, no caso de a instrução ser requerida pelo assistente, o seu requerimento deve, a par dos requisitos exigidos pelo nº2 do art. 287.º, incluir os necessários a uma acusação (por referência ao disposto no art. 283.º, n.º3, b), do Código de Processo Penal), os quais serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante à elaboração da decisão instrutória (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado – 1996, 7ª Ed., pgs. 455), sob pena de a instrução ser, a todos os títulos, inexequível.
II.
Nestes termos, a instrução pretendida pelo assistente é legalmente inadmissível, assim se indeferindo totalmente o requerimento de abertura de instrução por ele apresentado.
Notifique.--
***
Vejamos ainda o que consta do requerimento da abertura da instrução pelo assistente:
(transcreve-se)
I - RAZÕES DE FACTO E DE DIREITO QUE JUSTIFICAM A PROLAÇÃO DE ACUSAÇÃO
1. O ofendido não se conforma com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público (doravante MP).
2. E não se conforma por dois motivos: à uma, porque o despacho é omisso quanto a parte dos crimes imputados; à outra, porque o processo reúne fortes indícios que tornam inequívoca a prática do crime.
3. Estes indícios, impunham, sem necessidade de qualquer elemento adicional, que tivesse sido proferida acusação pública ao invés de despacho de arquivamento.
Vejamos,
1. Tal como explicitado nos autos CC Grilo deu entrada de um requerimento, no âmbito do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais n.° 23819/ 17.9T8LSB, ao qual juntou um documento contendo uma autorização de saída de menor de território nacional que o ofendido nunca assinou.
2. O documento forjado foi objecto de um reconhecimento de assinatura elaborado pela cunhada da arguida CC, a também arguida DD, solicitadora no exercício das suas funções, em que esta atestava falsamente que aquela assinatura havia sido feita pelo ofendido na sua presença  (Cfr. fls. 26).
3. Concretamente, no reconhecimento de assinatura, a arguida DD fez constar que reconhecia a assinatura rectro"efectuada por AA, portador do Cartão de Cidadão n.° ………….., válido até ………/2020. (...) Mais se informa que o presente reconhecimento foi presenciar'. (Fls. 25) (bold nosso)
4. Ora, é verdade que a arguida CC, por e-mail, enviou umas minutas de autorização de saída de menor de território nacional para o ofendido, mas este nunca imprimiu estas minutas e, naturalmente, nunca assinou as mesmas.
5. E é verdade que o ofendido tinha conhecimento da realização da viagem e consentiu verbalmente na sua realização.
6. É falso, porém, que tenha assinado qualquer documentação referente a tal e que alguma vez tenha sequer ido ao escritório da arguida DD, com quem, de resto, nunca se cruzou.
7. Aliás, no dia 17 de Abril de 2017, data em que a arguida DD afirma ter presenciado a assinatura do ofendido, tinha este estado a trabalhar até às 09h00.
8. Quando saiu, o ofendido esteve na sua residência, em Alverca, na companhia do filho MM e da sua esposa, NN.
9. Facto que é atestado pela testemunha NN a fls. 168 e ss. dos autos, quando refere que "quando a fls. 25, a solicitadora DD, afirma que o denunciante efetuou as assinaturas/ reconhecimento de forma presencial, não corresponde à verdade urna vez que o mesmo nessa hora encontrava-se consigo e com o seu filho, pois até nesse dia estava de férias e não tem memória de ter ido a Lisboa com o seu marido/denunciante assinar qualquer documento". (bold nosso)
10. Para avaliar a falsidade da assinatura, o Ministério Público promoveu a realização de uma perícia pela Polícia Judiciária, para o que foi recomendada a junção aos autos do documento original Cfr. Parecer da Polícia Judiciária de fls. 112 e seguintes).
11. Nesse sentido, o MP notificou as arguidas para, no prazo de 10 dias, "virem aos autos procederem à junção do documento original e caso não o tenham indicar onde o mesmo se encontra" (fls. 116).
12. Quer a arguida CC, quer a arguida DD (fls. 120), conhecendo já o teor do Parecer da Policia Judiciária e receando a detecção da falsificação da assinatura do ofendido, "referem que apenas têm na sua posse uma cópia que estava digitalizada no computador, não dispondo já do originar'. (bold nosso)
13. Contudo, quando se analisa o documento junto com o referido requerimento de 12 de Dezembro de 2017, verifica-se, pelo relevo dos três agrafos apostos no documento, bem como, pelo facto de o documento se encontrar dentro de uma mica e, ainda, pelo facto de se encontrar desenquadrado no formato A4 da folha criada pelo sistema CITIUS, que não se trata uma "digitalização que estivesse no computador", mas sim de uma fotografia tirada ao próprio documento original. (Doc. 1- em detalhe nas fotos nas fotos infra - páginas seguintes):
  (FOTOS DE FLS.197 NOS AUTOS)
14. Ou seja, a arguida CC, ao contrário do que afirma, não facultou qualquer digitalização que tinha no computador à sua mandatária para anexar ao requerimento que deu entrada em 12 de Dezembro de 2017, no processo n.° 23819/ 17.9T8LSB.
15. Pela análise das imagens supra, é visível que se tratam de ficheiros de fotografia (fotografias tiradas aos originais dos documentos) que foram depois alvo de um exercício de "copiar colar" para um documento Word e, posteriormente, transformadas em formato PDF para junção aos autos.
16. Pois, como resulta das regras da experiência comum, ninguém iria inserir um documento no scanner para digitalização no interior de uma mica de plástico.
17. Bem como, ainda que tal sucedesse, o scanner nunca registaria ou permitiria a visualização do relevo dos agrafos ou das várias dobras a que o documento de autorização de saída do menor foi sujeito.
18. Inquiridas nos autos relativamente aos factos denunciados, quer a arguida CC, quer a arguida DD recusaram prestar quaisquer declarações, solicitando a sua constituição como arguidas. (Fls. 71 e 103)
19. A Arguida DD, bem sabendo que atestara falsamente num documento dotado de fé pública a informação de que o arguido teria estado na sua presença, procurou retractar-se e imputar essa afirmação a um mero lapso.
20. Assim, a fls. 89 e 90, a arguida DD, faz a junção de uma "Adenda ao Registo n.° 2795892" em que refere, nomeadamente, que;
1- Ao contrário do que é mencionado no mencionado registo o reconhecimento realizado não foi presencial mas sim por semelhança;
2- De facto a ora signatária, por lapso. mencionou que o reconhecimento da assinatura do senhor AA foi realizado na presença da mesma, mas o que se pretendia mencionar é que o reconhecimento tinha sido efectuado por semelhança (mediante exibição da cópia do cartão de cidadão);
3- (...) razão pela qual "rectifica" o documento em questão.
Assim sendo onde se lê "Mais se informa que o presente reconhecimento foi presencial" deverá ler-se "Mais se informa que o presente reconhecimento foi efectuado por semelhança".
21. Portanto, não só a arguida DD admite ter aposto informação falsa num documento dotado de fé pública, como veio juntar aos autos um novo documento falsificado para dissimular a falsificação primária.
22. Tanto assim é que a rectificação do registo n.° 2795892 nunca ocorreu.
23. E esse facto pode ser aferido por qualquer cidadão mediante consulta online dos actos dos solicitadores na plataforma da Câmara dos Solicitadores: https:/ www. solicitador. org / roas/getDocumento.jsp
24. Feita essa pesquisa, verifica-se que, à presente data, o registo n.° ……….. continua em vigor, sem qualquer "Adenda". (Doc. 2)
25. Acresce que, o próprio documento de registo online de actos de solicitadores, que pode ser consultado na plataforma para o efeito, é diverso do documento que foi inicialmente junto aos autos.
26. Comprove-se a diferença entre o doc. 1 e o doc. 2 no seguinte segmento:
(FOTOS DE FLS.200 DOS AUTOS)
27. Ou seja, o documento que consta da plataforma da Câmara dos Solicitadores indica o n.° de depósito (31758), o mesmo não sucedendo com o documento, supostamente idêntico, que foi junto aos autos pela arguida CC.
28. Note-se que, a solicitadora, arguida DD, deveria ter digitalizado o documento de autorização, alegadamente assinado pelo ofendido, para a plataforma da Câmara dos Solicitadores.
29. No entanto, quando na plataforma digital consultamos o documento carregado pela arguida com recurso a meios técnicos, verificamos que não se tratou de uma digitalização do documento original feita no escritório da solicitadora, mas de um ficheiro fotográfico colado num documento Word e, posteriormente, convertido num ficheiro PDF.
30. Atente-se no referido documento carregado para a plataforma, sendo visíveis os relevos e dobra central da folha (assinalados na imagem abaixo),  aspecto que só poderia ocorrer no caso de uma fotografia e não no caso de uma verdadeira digitalização:
(FOTO DE FLS.201 DOS AUTOS)
31. O que leva a concluir que a arguida DD poderá nem sequer ter estado na posse do documento original, tendo recebido uma mera fotografia remetida pela arguida CC.
32. A "Adenda" junta aos autos pela arguida DD, em que esta assume que o ofendido não esteve presente no seu escritório, é uma "confissão" por parte da arguida de que os documentos de reconhecimento de assinaturas (um em Língua portuguesa e outro em Língua inglesa) são falsos.
33. O facto de a própria arguida fazer esta afirmação, aliado ao facto de a versão dos factos apresentada pelo ofendido ir no mesmo sentido, bem como o facto de essa ser a versão dos factos que também é apresentada pela testemunha NN e FF, levam à conclusão inequívoca que o ofendido não assinou o documento na presença da arguida DD.
34. Esta conclusão tem total sustentação na prova recolhida durante a fase de inquérito - Fls. 3 a 11, 16 a 31, 42 a 43, 90 ("Adenda ao Registo n.° 2795892" junta aos autos pela arguida DD), 152 a 153 e 168 a 169.
35. Como é evidente, indicar que determinada pessoa esteve presente em determinado lugar e assinou determinado documento na sua presença, é completamente diferente de indicar que determinada assinatura foi reconhecida por semelhança, mediante exibição de uma fotocópia de um cartão de cidadão.
36. Não há um lapso numa situação destas. Há uma falsificação de um documento.
37. A arguida DD nunca se poderia ter enganado na afirmação de uma realidade diametralmente oposta àquela que sucedeu, ou seja, o ofendido nunca ter estado no seu escritório e não ter assinado o documento na sua presença.
38. Além disso, a ser verdade a teoria do "lapso" vertida nos autos pela arguida, teria que se concluir que esta teria que se ter enganado na referência que fez no reconhecimento de assinaturas (a presença do arguido perante si) duas vezes.
39. Com efeito, por consulta do processo, o ofendido deparou-se, a fls. 86 e 87 dos autos, com a versão inglesa do reconhecimento de assinaturas, onde a arguida DD afirma "further reported that the present recognition was in person". (bold nosso)
40. Repetimos: nesse dia, na segunda autenticação realizada, a arguida DD afirma "the present recognition was in person". (bold nosso)
41. Ou seja, afirma, mais uma vez, que o ofendido assinou o documento na sua presença, o que revela que essa afirmação nunca se tratou de um lapso,  tendo sido intencional.
42. E de outra forma não poderia ser.
43. A arguida DD, sendo solicitadora, tinha perfeito conhecimento que, nos termos da Lei, o reconhecimento da assinatura de um progenitor para a saída do filho Menor de território nacional nunca poderia ser feito por semelhança.
44. Nos termos do artigo 133.° do Código do Notariado:
1 - Os reconhecimentos notariais podem ser simples ou com menções especiais.
2 - O reconhecimento simples respeita à letra e assinatura, ou só à assinatura, do signatário de documento.
3 - O reconhecimento com menções especiais é o que inclui, por exigência da lei ou a pedido dos interessados, a menção de qualquer circunstância especial que se refira a estes, aos signatários ou aos rogantes e que seja conhecida do notário ou por ele verificada em face de documentos exibidos e referenciados no ter  mo.
4 - Os reconhecimentos simples são sempre presenciais; os reconhecimentos com menções especiais podem ser presenciais ou por semelhança. (bold nosso)
45. Por outras palavras, o reconhecimento da assinatura do ofendido nunca poderia ter ocorrido sem a presença deste, na medida que se trata de um reconhecimento simples.
46. Além do mais, a arguida DD, solicitadora, não poderia ter feito o reconhecimento por semelhança baseada numa alegada cópia do cartão de cidadão do ofendido.
47. Teria, sim, de ter em sua posse o original do cartão de cidadão deste ou uma cópia certificada do mesmo.
48. Ora, em momento algum o ofendido facultou o seu cartão de cidadão ou qualquer cópia autenticada do mesmo.
49.  Sendo de referir, ainda, que, nos termos do artigo 155.° do Código do Notariado,
1 - O reconhecimento deve obedecer aos requisitos constantes da alínea a) do n.° 1 do artigo 46.° e ser assinado pelo notário.
2 - Os reconhecimentos simples devem mencionar o nome completo do signatário e referir a forma por que se verificou a sua identidade, com indicação de esta ser do conhecimento pessoal do notário, ou do número, data e serviço emitente do documento que lhe serviu de base.
3 - Os reconhecimentos com menções especiais devem conter, além dos requisitos exigidos no número anterior, a menção dos documentos exibidos e referenciados no termo.
50. Ora, na redacção do documento de reconhecimento, a arguida DD, conhecedora das disposições legais supra citadas, em momento algum, cumpre as formalidades legais.
51. E, por um motivo muito simples: o objectivo da solicitadora nunca foi o de fazer um reconhecimento de assinatura por semelhança, mas sim o de forjar um reconhecimento de assinatura presencial.
52. Acresce que, como se teve ocasião de referir, a arguida DD é irmã do companheiro da arguida CC, FF.
53. FF, irmão da arguida DD e companheiro da arguida CC, na qualidade de testemunha, presta depoimento nos presentes autos.
54. Curiosamente, do auto de inquirição que consta de fls. 152, é referido que "fez-se acompanhar pela advogada Dra. SS".
55. A advogada SS era (e é) a advogada das arguidas nos presentes autos e, como tal, nunca poderia ter acompanhado testemunhas arroladas pelas próprias arguidas, nos termos do disposto no artigo 132.°, n.° 5, do CPP.
56. A testemunha, ZZ, afirma que, tem conhecimento porque a arguida CC lhe contou, que esta terá ido buscar o menor a casa do ofendido, na parte da tarde desse dia (17 de Abril), deixando o carro estacionado na parte de fora do condomínio, onde o queixoso habita, onde este lhe entregou o menor, sendo que nessa altura os documentos foram assinados, mais propriamente em cima do capot do carro da arguida.
57. Ora, tal facto não corresponde à verdade, sendo que, nesse dia, foi o ofendido que, nessa tarde, se deslocou a casa da arguida CC para levar o filho. (Doc. 3 - Dados de Localização Celular do Telemóvel do ofendido no dia 17 de Abril de 2017)
58.Todavia, as declarações da testemunha reforçam a ideia que o ofendido  nunca esteve na presença da arguida DD, bem como, que a arguida CC, cunhada de DD, tinha perfeito conhecimento desse facto.
59. Nos termos do artigo 127.° do CPP, "salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente".
60. Ora, é evidente que, recorrendo às regras da experiência e do normal acontecer, nenhum juiz, confrontado com o presente caso, poderá considerar que a arguida DD cometeu um lapso quando, num documento redigido em Língua portuguesa e, num documento redigido em Língua inglesa, por duas vezes, atestou que o ofendido teria assinado a autorização de saída do menor de território nacional na sua presença.
61. Tal como não pode ignorar todo o seu comportamento subsequente, evidentemente destinado a dissimular a prática do ilícito precedente.
62. E, desta forma, verifica-se que os presentes autos reúnem elementos mais do que suficientes para que seja possível concluir pela existência de fortes indícios da prática de diversos crimes de falsificação de documentos, sendo mais provável que as arguidas, sujeitas a julgamento, sejam condenadas pela prática em autoria material dos referidos crimes, do que, ao invés, venham a ser absolvidas.
63. Desta forma, não se compreende nem se pode aceitar a fundamentação vertida no despacho de arquivamento proferido pelo MP.
64. Sendo evidente que, no despacho em causa, o MP foca-se, praticamente em exclusivo, na questão da perícia da polícia judiciária não ter sido conclusiva quanto à falsificação da assinatura do ofendido Tiago Mota.
65. Mas parece ignorar que, independentemente do facto de esta perícia não ter sido conclusiva relativamente à assinatura aposta na autorização de saída de menor de território nacional, há urna outra falsificação que é evidente: a dos dois documentos (reconhecimentos de assinatura, um em Língua portuguesa e outro em Língua inglesa), elaborados pela arguida DD e utilizados pela arguida CC, onde se atestam factos que não correspondem à verdade.
66. E ainda, diga-se, a suposta "Adenda" que a arguida DD junta aos autos depois de ser constituída arguida pela falsificação dos referidos documentos.
67. Incorrectamente, o MP, para fundamentar a decisão de arquivamento, considerou, apenas, a possível prova da falsificação da assinatura imputada ao ofendido que consta dos documentos de autorização de saída de menor de território nacional.
68. Pergunta-se: como?
69. Com efeito, uma vez que o crime investigado nos autos reveste natureza pública, cabia ao MP considerar toda a matéria com relevância criminal, sendo que, deparado com a prática de algum crime de natureza pública, teria que deduzir acusação.
70. E, note-se também, que o ofendido denuncia, igualmente, a conduta da arguida DD, fazendo a junção aos autos do reconhecimento de assinatura forjado por esta e deixando claro que são atestados factos que não correspondem à verdade.
71. Posto isto, é por demais evidente que, no decorrer do inquérito, foram recolhidos indícios mais do que suficientes da prática de diversos crimes de falsificação de documento, crime que é previsto e punido pelo artigo 256.° do Código Penal e que reveste natureza pública.
72. Ainda mais, tratando-se o reconhecimento de assinatura de documento autêntico ou com igual força, o crime é praticado numa das suas formas agravadas.
74. Por outro lado, o MP refere, parecendo conformar-se com a justificação, que a arguida DD "esclareceu, nos autos, ter havido lapso de escrita no documento em causa, uma vez que mencionou, no mesmo, que havia efectuado reconhecimento presencial da assinatura do denunciante, quando, efectivamente, efectuou reconhecimento por semelhança de assinaturas".
75. Ora, como é evidente e, pelas razões que acima foram apresentadas, o ofendido não se pode conformar com este entendimento, sendo que a "Adenda" que a arguida DD junta aos autos, comprova, ao invés, que o ofendido não assinou o documento na sua presença.
Face ao exposto,
II - DA ACUSAÇÃO QUE SE IMPUNHA CONSIDERANDO A PROVA CARREADA PARA OS AUTOS
1) A arguida CC foi casada com o ofendido AA.
2) Desse relacionamento nasceu o menor, MM.
3) A arguida DD é irmã do companheiro da arguida CC, logo, cunhada desta.
4) No dia 12 de Dezembro de 2017, a arguida CC deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo de Família e Menores de Lisboa - Juiz 1, Processo n.° 23819/ 17.9T8LSB, de um requerimento ao qual juntou um documento correspondente a uma autorização de saída de menor do território nacional.
5) Este documento continha uma assinatura que foi imputada ao ofendido, mas que este nunca fez.
6) Foi junto, ainda, um documento (reconhecimento de assinatura) forjado pela arguida DD.
7) No documento de reconhecimento de assinatura, datado de 17 de Abril de 2017 e registado nesse mesmo dia, a arguida Rosa Balsinha atestou que reconhecia a assinatura rectro "efectuado. por AA, portador do Cartão de Cidadão n.° ……….., válido até …..2020. (...) Mais se informa que o presente reconhecimento foi presenciar .
8) Nesse mesmo dia, 17 de Abril de 2017, a arguida DD registou um segundo reconhecimento de assinatura, correspondente à versão em Língua inglesa do reconhecimento anteriormente referido.
9) Nesse segundo reconhecimento de assinatura, constava a seguinte menção: "further reported that the presente recognition was in person", numa nova alusão à presença do ofendido AA perante si, no momento da assinatura do documento.
10) Os reconhecimentos de assinatura elaborados pela arguida DD atestam factos que não correspondem à verdade e, por isso, são falsos.
11) Tal facto é confirmado pela arguida DD, quando vem comunicar aos autos, por requerimento de fls. 89 e 90, Adenda ao Registo n.° 2795892, que "ao contrário do que é mencionado no mencionado registo o reconhecimento realizado não foi presencial (...).
12) No dia 17 de Abril de 2017, a arguida DD sabia que o ofendido AA não havia estado na sua presença, tal como não esteve em qualquer outra ocasião.
13) Ainda assim, na qualidade de solicitadora, com poderes especiais para o acto, quis e elaborou dois documentos, um em Língua portuguesa e outro em Língua inglesa - reconhecimentos de assinaturas - em que atestou que o ofendido AA tinha assinado os documentos de autorização de saída de menor do território nacional na sua presença.
14) A arguida DD, solicitadora, sabia que o um reconhecimento simples nunca poderia ser feito por semelhança.
15) No entanto, sendo sua intenção forjar um documento que permitisse à sua cunhada, a arguida CC, viajar com o menor para o estrangeiro, atestou, no reconhecimento de assinatura que fez, que o ofendido tinha comparecido perante si e assinado o documento na sua presença.
16) Com esta conduta, a arguida DD quis favorecer ilegitimamente a arguida CC, facultando-lhe um documento sem o qual não poderia viajar para o estrangeiro.
17) Pelo exposto, verifica-se a prática de um acto intencional e doloso por parte da arguida DD, com vista a permitir a obtenção de um beneficio ilegítimo por parte da arguida CC.
18) A arguida DD sabia que a sua conduta era punida por Lei, nomeadamente, nos termos do artigo 256.°, n.° 1, alíneas a), d) e f) do Código Penal.
 19) Com efeito, a arguida DD, recebeu da arguida CC dois documentos (uma autorização de saída em Língua portuguesa e uma autorização de saída em Língua inglesa) que tinham assinaturas falsamente imputadas ao ofendido AA.
20) Com esses documentos, a arguida DD forjou dois documentos (reconhecimentos de assinatura, um em Língua portuguesa e outro em Língua inglesa).
21) Mais, ao tentar dissimular a prática destes ilícitos mediante a criação de uma "Adenda ao Registo n.° 2795892" (fls. 89 e 90), a arguida DD forjou um terceiro documento.
22) Todos estes documentos eram falsos para efeitos de aplicação da alínea b) do n.° 1 do artigo 256.° do Código Penal.
23) Sendo falsos, também, para efeitos de aplicação da alínea d) do referido preceito legal, uma vez que as arguidas fizeram constar falsamente do documento um facto juridicamente relevante, neste caso, a presença do ofendido AA perante si e a assinatura do documento de autorização de saída de menor de território nacional na sua presença.
24) Acresce que, a arguida DD facultou os documentos falsos que forjou (reconhecimentos de assinatura) à arguida CC para que esta fizesse uso do mesmo em juízo, o que é criminalmente punível pelo disposto na alínea f) do n.° 1 do artigo 256.° do Código Penal.
25) As arguidas DD e CC agiram sempre com o propósito conseguido de alterar, falsificar, e atestar factos que não correspondiam à verdade, com vista à criação de um documento final que pudesse ser usado pela arguida CC e que lhe permitisse viajar com o filho para o Estrangeiro, obtendo, assim, um beneficio ilegítimo.
26) As arguidas DD e CC agiram sempre voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela Lei Penal e tendo a liberdade necessária para se determinarem de acordo com essa avaliação.
27) Por seu lado, a arguida CC, facultou documentos à arguida DD para que esta falsificasse o reconhecimento das assinaturas.
28) Sendo que, posteriormente, fez uso dos documentos falsificados para viajar com o filho para o Estrangeiro.
29) Desta forma, obteve um beneficio ilegítimo.
30) A arguida CC fez, ainda, uso dos documentos falsificados pela arguida DD para juntar os mesmos, no dia 12 de Dezembro de 2017, ao processo n.° 23819/ 17.9T8LSB, com vista a denegrir a imagem do ofendido AA.
31) Agindo como supra descrito, a arguida CC sabia que a sua conduta era punida por Lei, nomeadamente, nos termos do artigo 256.°, n.° 1, alíneas e) e f) do Código Penal.
32) Tendo querido e efectivamente conseguido fazer uso dos dois documentos que sabia terem sido falsificados, quer junto às autoridades aeroportuárias, quer junto de um tribunal, no âmbito do processo n.° 23819/ 17.9T8LSB.
33) A arguida CC agiu sempre consciente e voluntariamente, bem sabendo que as sua condutas eram proibidas e punidas pela Lei Penal e tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.
Com a conduta descrita, as arguidas praticaram os seguintes ilícitos de natureza criminal:
a) Ao promoverem e executarem dois reconhecimentos falsificados, as arguidas DD e CC praticaram, em co-autoria material e na forma consumada, dois crimes de falsificação ou contrafacção de documento agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas do artigo 256.°, n.° 1, alíneas a), b), d), e f), n.° 3 e n.° 4, 26.° e 28.°, n.° 1, todos do Código Penal,
b) Ao forjar a assinatura do ofendido e ao utilizar os documentos reconhecidos forjados, a arguida CC praticou, em autoria material e na forma consumada, dois outros crimes de falsificação de documento, nos termos do disposto no artigo 256.°, n.° 1, alíneas a), c) e e), do Código Penal;
c) Ao forjar a adenda "Adenda ao Registo n.° ….., a arguida DD praticou ainda, em autoria material e na forma consumada, um outro crime de falsificação de documento, nos termos do disposto no artigo 256.°, n.° 1, alíneas a), c) e e), do Código Penal.
Nestes termos e nos demais de Direito que V.a Ex.a doutamente suprirá, requer-se que:
A. Seja admitida a constituição de assistente do ofendido e ora requerente, nos termos do disposto no artigo 68.°, n.° 3, alínea a), do CPP, e
B. Seja declarada a abertura de instrução e, após realização do debate instrutório, seja julgado procedente o presente requerimento de abertura de instrução e pronunciadas as arguidas pela prática dos crimes supra imputados.
Junta: 3 Documentos, DUCs, Comprovativo de Pagamento da Taxa de Justiça Pelo Pedido de Constituição de Assistente, Comprovativo de Pagamento da Taxa de Justiça Devida Pela Apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução, Cópias e Duplicados Legais.
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Em causa está a única questão que é a de saber se foi correcta a decisão tomada sobre a rejeição da abertura da instrução em despacho preliminar.
***             
Não compete ao Tribunal da Relação apreciar os factos apurados e substituir-se ao tribunal de 1ª Instância na prolação de despacho de pronúncia ou não pronúncia mas apenas, por força do recurso, com a base indiciária recolhida, corroborada ou não por outros elementos de prova, decidir se, no seu conjunto, são suficientes ou insuficientes para a prolação de um despacho de pronúncia ou não pronúncia a levar a efeito sempre em primeira instância. É isso que resulta do art. 286º do C.P.P.: a instrução tem como fim a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito com vista a submeter ou não os factos a julgamento.
A estrutura processual assente na separação funcional do Mº.Pº. e Juíz de Instrução tem os seus reflexos no que respeita ao direito probatório. Assim, na preparação investigatória da fase do inquérito, o Juiz tem uma acção tipificada, intervindo em regra quando estão em causa actos que interfiram com os direitos fundamentais.
Também na fase da Instrução, devido à estrutura acusatória do processo, “o juiz de instrução está vinculado (…) aos termos da própria acusação ou do requerimento instrutório do assistente”. A prolação de despacho de pronúncia depende - para além da “existência dos necessários pressupostos processuais e demais condições de validade para que o tribunal possa conhecer em julgamento do mérito da acusação”, - da recolha, até ao encerramento da instrução de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança.
Para efeitos de pronúncia, o conceito de indícios suficientes é o que vem enunciado no nº 2 do art. 283º do C.P.P., aplicável por determinação expressa do nº 2 do art. 308º do mesmo diploma legal: são aqueles dos quais resulta uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança.([2])
Sendo que, o grau de exigência quanto à consistência e verosimilhança dos indícios é menor do que aquele que é imposto ao juiz do julgamento, sem, no entanto, se prescindir de um juízo objectivo e apoiado no acervo probatório recolhido nos autos, mas, é aqui onde se declara a verificação dos pressupostos indispensáveis para a submissão a julgamento dos factos descritos na acusação ou no requerimento de abertura da instrução. Dito de outra forma, na pronúncia não se profere decisão sobre a prática ou não dos crimes ou dos seus autores, mas apenas se declara que os autos fornecem indícios materiais da existência dos factos e da sua autoria na forma descrita na acusação ou no requerimento de abertura da instrução, isto é, não se exige que só valham, também como para efeitos de acusação, os indícios que conduzam à certeza da futura condenação, bastando os trazidos ao processo que persuadam de que, a manterem-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do agente.
Entendimento este plenamente vigente no que toca à instrução, suas diligências probatórias e consequente decisão instrutória que pronunciará ou não os respectivos denunciados.
No caso, a questão situa-se ainda a montante desta fase instrutória própria, mais concretamente no despacho judicial que avalia da sua admissibilidade.
Vejamos.
Considerou o despacho judicial, que o requerimento de abertura da instrução não consubstanciava a descrição do ilícito penal da incriminação prevista no artigo 256 nº. 1 do C.Penal ou outra, não correspondendo a infracção criminal (falta de tipicidade).
Fez, portanto, desde logo um juízo de valor e mérito sobre a prova do inquérito, o que lhe estava vedado por lei.
Para além disso e, diga-se, num contexto absolutamente genérico e académico, fez uma notória e errada avaliação do requerimento do assistente.
Melhor explicando:
Dispõe-se no artigo 287 do C.P.P.
Requerimento para abertura da instrução
1 - A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:
a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou
b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.
2 - O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas.
3 - O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
4 - No despacho de abertura de instrução o juiz nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído nem defensor nomeado.
5 - O despacho de abertura de instrução é notificado ao Ministério Público, ao assistente, ao arguido e ao seu defensor.
6 - É aplicável o disposto no n.º 14 do artigo 113.º

Ou seja, se o requerimento de abertura da instrução do ponto de vista formal, contém os requisitos de uma verdadeira acusação, cumprindo as exigências legais do preceito acima referido, pode o Juiz de Instrução proferir despacho preliminar, rejeitando a Instrução, com fundamentos que resultam afinal da apreciação do mérito da questão?. Cremos que não o pode fazer nessa fase, embora já o possa após a realização da instrução dos seus actos requeridos ou oficiosos do Tribunal, quando conclui sobre a existência dos indícios suficientes da prática de um crime.
É que o n.º 3 da norma acima, refere que “O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.
Ora no caso em apreço interpretou-se o requerimento de abertura da instrução como não contendo factos objectivos e subjectivos de uma verdadeira acusação de ilícito penal, nomeadamente da falsificação de assinatura, através de um juízo valorativo da prova do inquérito. Mas assim não deve ser; coisa diversa é saber se pelo simples facto de ter havido o reconhecimento da assinatura pela pessoa cujo nome dela consta é o bastante para se considerar a inexistência de qualquer ilícito, nomeadamente da denunciada falsificação, para além de que esta apreciação, a nosso ver só o poderia ser em sede de decisão instrutória e não em despacho preliminar de rejeição, pois que, apenas as questões de índole formal atrás indicadas podem conduzir à rejeição da instrução, mas já não a apreciação jurídico-penal dos factos susceptíveis de instrução.
Tal apreciação deve ser reservada para o despacho de pronúncia ou não pronúncia previsto art. 308.º, n.º 1 do Código Processo Penal – aí se preceitua que “Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.
Por outro lado, do simples confronto do texto do requerimento de abertura da instrução nada aponta no sentido da falta de objectividade dos requisitos do crime imputado. Ou seja, o que é evidente no requerimento, logo na suas primeiras páginas- fls. 194 dos autos- é a explicação resultante da discordância do Assistente quanto ao despacho de arquivamento. E, nas páginas seguintes- mormente nos pontos 1 a 29- faz a descrição objectiva e factual dessa mesma discordância, explicando claramente o seu entendimento. Seguidamente no capítulo II, pontos 1 a 29, dando-lhe um formato típico de uma acusação (tal como obriga o preceito legal atrás referido) objectiva e traduz factualmente os requisitos típicos da incriminação, para depois, nos pontos 30 a 33 objectivar os requisitos subjectivos da referida tipicidade do ilícito imputado às arguidas. Termina, tal como exigido numa acusação, com o enquadramento jurídico-legal dos factos antes descritos e da indicação das provas fundamento. Não vemos pois quais os factos que o assistente omitiu em face da imputação ilícita pretendida, e deveria ter indicado no entendimento do despacho recorrido, já que também ali não se encontra o respectivo fundamento.
Assim, forçoso é concluir que do ponto de vista formal, o requerimento do Assistente preenche todos os requisitos legais exigidos para o recebimento do requerimento da abertura da instrução. E, por outro lado, concluir ainda que o Mm.º Juiz de instrução ao apreciar no despacho preliminar de abertura da instrução do mérito do requerimento, procedendo à apreciação jurisdicional do objecto processual, proferiu na realidade um verdadeiro despacho de não pronúncia, violando assim o disposto no art. 287.º, n.º 3 do Código Processo Penal, pelo que se impõe a sua revogação e a aceitação do requerimento de abertura da instrução.

III -  DECISÃO.

Face ao exposto, acordam os Juízes da 9ª Secção deste Tribunal da Relação em dar provimento ao recurso, revogando assim o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que declare a abertura da instrução, procedendo aos actos e diligências subsequentes, culminando na decisão instrutória (de pronúncia ou de não pronúncia).
Sem custas.

Lisboa, 26/09/2019
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – artº 94º, nº 2 do C.P.Penal)
                                                                       
Relatora
(Maria do Carmo Ferreira)

Adjunta
(Cristina Branco)

[1] Não se transcrevem as conclusões dada a sua quase ilegibilidade após a digitalização, uma vez que o papel utilizado apresenta uma gravação com o logotipo do escritório da mandatária, que impede a clareza do texto.
[2] Conforme se pode ler no Ac.R.Évora de 1/3/2005-em www.dgsi.pt: “Por indícios suficientes entendem-se suspeitas, vestígios, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido o responsável por ele”. A simples sujeição de alguém a julgamento, mesmo que a decisão final culmine numa absolvição, não é um acto neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais quer jurídicas. Submeter alguém a julgamento é sempre um incómodo.