Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2789/14.0T8SNT-K.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
GRADUAÇÃO
CRÉDITOS LABORAIS
CRÉDITOS DO INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL
I.P.
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Perante o conflito (de disposições legais) que se estabelece entre o art. 333.º/2/a) do C. T. (ao dizer que os créditos laborais têm preferência sobre os créditos com idêntico privilégio do Estado), o art. 204.º/1 do CRCSPSS (quando diz que os créditos do ISS se graduam logo após os referidos na alínea a) do n.º 1 do 747.º do CC), a prevalência do privilégio mobiliário geral do ISS sobre qualquer penhor (estabelecida imperativamente pela lei) e a também referida prevalência do penhor sobre o privilégio mobiliário geral, a solução está em efectuar (quando concorram na mesma graduação um credito garantido por penhor, um crédito do ISS, um crédito de Trabalhadores e um crédito do Estado, todos estes com privilégio mobiliário geral) a seguinte graduação: 1.º: O crédito do ISS; 2.º: O crédito garantido por penhor; 3.º: Os créditos laborais; e 4.º: Os créditos do Estado.
Decisão Texto Parcial:I. Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


Por apenso aos autos de insolvência de E.., decretada por sentença, transitada em julgado, proferida a 16/01/2015, foram apreendidos o prédio urbano, os bens móveis e os veículos automóveis especificados nos autos de apreensão que são fls. 3, 5 a 10 e 13 do apenso A (Apreensão de bens).

Em 12.11.2015, sob a ref. Citius 4766721, o Administrador da Insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos que é fls. 6 a 14 do processo em papel, cujo teor se dá por reproduzido.
Em 26.08.2016 (fls. 149), na sequência de notificação do tribunal, o Administrador da Insolvência esclareceu que os créditos reconhecidos a CGD como condicionados são comuns e respeitam a garantias bancárias prestadas, os créditos reconhecidos a LC. beneficiam de privilégio mobiliário e imobiliário nos termos do art.º 333.º, CT.

Em 09.12.2016 (fls. 316), na sequência de nova notificação do tribunal, o Administrador da Insolvência esclareceu que os créditos privilegiados a favor da Autoridade Tributária respeitam a IRS quanto ao montante de € 152.679,13 e a IMT quanto ao montante de € 7.915,07, respeitando este último a imóveis que não foram apreendidos.

Deduziram impugnação:
(...)
3. Em 07.09.2016, sob a ref. Citius 7910619, o Fundo de Garantia Salarial requereu o reconhecimento da sua sub-rogação relativamente a créditos pagos a trabalhadores da insolvente, conforme certidão que juntou.

Em 03.02.2017 foi realizada tentativa de conciliação, que se frustrou.

Em 06.02.2017 (fls. 369), o Administrador da Insolvência apresentou nova lista de créditos, alterada em conformidade com a impugnação do credor L. e com a sentença proferida em 22.09.2016 no apenso M.
(...)

Foi proferido despacho saneador-sentença, no qual se decidiu:
A) Nos termos dos art.ºs 131.º, n.º 3, do CIRE, julgar procedente a impugnação deduzida pelo credor C., S.A., em consequência julgando reconhecido crédito no montante € 6.574,63. Qualificando como comum o montante de € 6.461,07 de capital, acrescido dos juros de mora correspondentes calculados até à data de declaração da insolvência e como subordinados os juros posteriores à referida data.
B)A)- Nos termos dos art.ºs 131.º, n.º 3, do CIRE, julgar procedente a impugnação deduzida pelo credor L., S.A., em consequência qualificando como garantido, por penhor de acções nominativas com o valor global de €8.200,00, o crédito reconhecido pelo A.I., no montante global de €228.718,78;
C) Qualificar como comum, o crédito reconhecido pelo A.I. como privilegiado, a favor da Autoridade Tributária, no montante de € 7.915,07, de IMT;
D) No mais, nos termos dos art.º 130.º n.º 3, do CIRE, homologar a lista de credores reconhecidos apresentada em 12.11.2015, sob a ref. Citius 4766721, em consequência julgando verificados os demais créditos dela constantes e qualificações correspondentemente atribuídas.
E) Julgar o Fundo de Garantia Salarial sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios reconhecidos aos trabalhadores da insolvente especificados na certidão junta com o requerimento apresentado em 07.09.2016, sob a ref. Citius 7910619, cujo teor se dá por reproduzido, na exata medida dos pagamentos aí enumerados.

F) Graduar os referidos créditos, para pagamento pelo produto da venda dos bens integrados na massa insolvente, nos seguintes termos:

1. Pelo produto da venda do imóvel apreendido dar-se-á pagamento pela seguinte ordem:
1.º- Os créditos dos trabalhadores, deduzidos dos montantes pagos pelo Fundo de Garantia, que beneficiam de privilégio imobiliário especial estabelecido no art.º 333.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes.
2.º- Fundo de Garantia Salarial;
3.º- Autoridade Tributária, até ao montante de 228,69, de IMI;
4.º- Novo Banco, S.A., até ao montante de € 468.000,43;
5.º- Os créditos privilegiados a favor do Instituto da Segurança Social, I.P., até ao montante de € 162.216,17 e Autoridade Tributária, de IRS, até ao montante de € € 152.679,13, se necessário em rateio;
6.º- Os créditos comuns, nos quais se incluem os créditos cujas garantias ou privilégios não operam relativamente ao imóvel, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes, observando-se o disposto no art.º 181.º, n.º 1, do CIRE, para os créditos sob condição.
7.º- Os créditos subordinados, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes.
*

2. Pelo produto da venda das acções representativas do capital social da L., S.A. dar-se-á pagamento pela ordem seguinte:
1.º- Os créditos dos trabalhadores, deduzidos dos montantes pagos pelo Fundo de Garantia, que beneficiam do privilégio mobiliário geral estabelecido no art.º 333.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes;
2.º- Fundo de Garantia Salarial;
3.º- Instituto da Segurança Social, I.P., do crédito privilegiado, até ao montante de € € 162.216,17;
4.º- L., S.A.
5.º- Autoridade Tributária, de IRS, até ao montante de € 152.679,13;
6.º- Y, LLC, até ao montante de € 9.442,28.
7.º- Os créditos comuns, nos quais se incluem os créditos cujas garantias não operam relativamente a estes bens, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes, observando-se o disposto no art.º 181.º, n.º 1, do CIRE, para os créditos sob condição;
8.º- Os créditos subordinados, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes.
*

3. Pelo produto da venda dos bens móveis e dos veículos automóveis apreendidos dar-se-á pagamento pela seguinte ordem:
1.º- Os créditos dos trabalhadores, deduzidos dos montantes pagos pelo Fundo de Garantia, que beneficiam do privilégio mobiliário geral estabelecido no art.º 333.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes;
2.º- Fundo de Garantia Salarial;
3.º- Os créditos privilegiados a favor do Instituto da Segurança Social, I.P., até ao montante de € 162.216,17 e Autoridade Tributária, de IRS, até ao montante de € € 152.679,13, se necessário em rateio;
4.º- Y, LLC, até ao montante de € 9.442,28:
5.º- Os créditos comuns, nos quais se incluem os créditos cujas garantias não operam relativamente a estes bens, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes, observando-se o disposto no art.º 181.º, n.º 1, do CIRE, para os créditos sob condição;
6.º- Os créditos subordinados, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes.
*
As dívidas da massa insolvente, incluindo as custas do processo de insolvência, são pagas prioritariamente sobre os demais (cfr. art.ºs 51.º, 172.º, n.º 1 e 241.º, do CIRE.
*
Sem custas (art.º 303.º, do CIRE)”.

Não se conformando com o decidido, a Credora L., S.A., interpôs o presente recurso de apelação, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
A) O presente recurso tem como objecto a sentença de verificação e graduação de créditos proferida a fls….
B) Em particular quanto à graduação dos créditos a ser pagos pelo produto da venda de 8200 acções nominativas, representativas do capital social da L., S.A..
C) Sobre os referidos títulos foi constituído penhor a favor da recorrente.
D) O crédito da L. foi reconhecido pelo senhor Administrador de Insolvência enquanto crédito comum, no montante de €228 718,78.
E) A recorrente impugnou a qualificação atribuída ao seu crédito, a qual foi julgada procedente.
F) As 8200 acções ainda não foram apreendidas, encontrando-se depositados nas contas tituladas pela insolvente junto dos Beneficiários das garantias prestadas pela L..
G) Existe para o credor pignoratício um direito de preferência sobre o produto da venda da mesma e que é oponível “erga omnes”, não sofrendo a concorrência de qualquer outro credor.
H) Resulta dos princípios expostos e do artigo 749.º do Código Civil, que o penhor prevalece sobre o privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos dos trabalhadores, devendo, por esse motivo, aquele ser graduado antes deste.
I) Os créditos da Segurança Social por contribuições, quotizações e respectivos juros gozam de privilégio mobiliário geral graduam-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil.
J) O penhor é uma garantia real completa que prevalece sobre os demais créditos garantidos por privilégio creditório mobiliário geral, devendo ser graduado, nestes autos, em primeiro lugar.
K) A graduação de que agora se recorre prejudica a aqui recorrente e viola as regras aplicáveis à graduação de créditos, impondo-se, pois, a alteração da sentença de verificação e graduação de créditos aqui sob recurso, alterando-se por uma outra onde se acautele devidamente o crédito garantido por parte da ora recorrente, devendo o crédito da L., S.A. ser graduado em primeiro lugar no que diz respeito às 8200 acções nominativas, representativas do seu capital social.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, a sentença de verificação e graduação de créditos ser alterada por uma outra onde se decida que o crédito da L., S.A. seja graduado em primeiro lugar no que diz respeito às 8200 acções nominativas, representativas do seu capital social, nos termos supra explanados.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir.
*

II. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
1.- Pelo(a) Sr(a). Administrador(a) da Insolvência foi elaborada, nos termos do artigo 129.º, n.ºs 1 a 3, do CIRE, a lista de créditos reconhecidos apresentada em 12.11.2015, sob a ref. Citius 4766721, cujo teor se dá por reproduzido.
2.- O crédito reconhecido a CGD, qualificado como condicionado, decorre de contrato de prestação de garantias bancárias, não accionado.
3.- O crédito reconhecido pelo A.I. a LC decorre de contrato de trabalho.
4.- O crédito reconhecido pelo A.I. a favor da autoridade Tributária, qualificado como garantido, de IMI, respeita ao prédio apreendido nos autos.
5.- O crédito reconhecido pelo A.I. a favor da autoridade Tributária, qualificado como privilegiado, respeita, quanto ao montante de € 152.679,13, a IRS e quanto ao montante de € 7.915,07, a IMT sobre imóveis não apreendidos.
6.- Foi apreendido o prédio urbano descrito na CRPredial de Cascais sob o n.º 1250 da freguesia de Alcabideche, sobre o qual incide hipoteca voluntária a favor de Banco Espírito Santo, S.A., actualmente Novo Banco, S.A., até ao limite de € 1.027.500,00.
7.- Foram apreendidos os bens móveis especificados no auto de apreensão de bens móveis apresentado em 13.04.2015 no apenso A.
8.- Foram apreendidos os veículos automóveis de matrículas 7... e 6....
9.- O Fundo de Garantia Salarial efectuou os pagamentos a trabalhadores da insolvente, especificados na certidão junta ao requerimento apresentado em 07.09.2016, sob a ref. Citius 7910619, cujo teor se dá por reproduzido.
10.- Por sentença proferida em 22.09.2016 no apenso M, transitada em julgado, foi reconhecido crédito comum, a favor do Estado, de custas processuais, no montante de € 16.084,50.
*

III. O objecto do recurso resume-se a saber se o crédito garantido por penhor incidente sobre 8.200 acções nominativas deve ficar graduado à frente dos créditos da Segurança Social e dos trabalhadores da insolvente.
*

IV.O Direito:
Na apelação está em causa a graduação do crédito da apelante, a ser pago pelo produto da venda das 8.200 acções representativas do capital social da L., S.A., propugnado aquela que deverá ser graduada em 1º lugar.

Na sentença, os créditos ficaram graduados como se segue:
1.º- Os créditos dos trabalhadores, deduzidos dos montantes pagos pelo Fundo de Garantia, que beneficiam do privilégio mobiliário geral estabelecido no art.º 333.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes;
2.º- Fundo de Garantia Salarial;
3.º- Instituto da Segurança Social, I.P., do crédito privilegiado, até ao montante de € € 162.216,17;
4.º- L., S.A.
5.º- Autoridade Tributária, de IRS, até ao montante de € 152.679,13;
6.º- Y, LLC, até ao montante de € 9.442,28.
7.º- Os créditos comuns, nos quais se incluem os créditos cujas garantias não operam relativamente a estes bens, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes, observando-se o disposto no art.º 181.º, n.º 1, do CIRE, para os créditos sob condição;
8.º- Os créditos subordinados, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes.
Assim, o recurso afecta a graduação dos créditos da apelante, do Instituto da Segurança Social, dos trabalhadores e do FGS, mas não a graduação destes dois últimos entre si.

Na sentença entendeu-se que:
L., S.A., pugnando pela qualificação do crédito que lhe foi reconhecido pelo A.I. como parcialmente garantido, por penhor de acções com o valor nominal de € 8.200,00.
Para tanto alegou que as garantias bancárias prestadas, a favor de BCP e CGD, são garantidas por penhor de 8.200 acções de € 1,00 cada, representativas do capital social da credora, adquiridas pela insolvente e depositadas junto dos bancos beneficiários.
No mapa apresentado em 06.02.2017, o A.I. assinalou como garantido, relativamente ao referido credor, o montante de € 8.200,00.
Muito embora não conste dos autos a apreensão das acções referidas, face á posição assumida pelo A.I., e sendo de admitir que as mesmas possam ainda vir a ser apreendidas, haverá que julgar procedente a impugnação, em consequência qualificando o crédito reconhecido ao referido credor como garantido por penhor das referidas acções.
Da sub-rogação do Fundo de Garantia Salarial
O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de créditos laborais, nos termos previstos, anteriormente nos artigos 317.º a 326.º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004 de 29 de Julho e actualmente no Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo DL n.º 59/2015, de 21 de Abril.
Em conformidade com o disposto nos art.ºs 322.º da Lei n.º 35/2004 de 29/07 e 4.º, n.º 1, do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, fica sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios dos trabalhadores, na medida dos pagamentos efectuados, acrescidos dos juros de mora vincendos.
(…)
O penhor, por seu turno, confere ao credor o direito de ser pago pelo valor do bem móvel objecto de penhor, com preferência sobre os demais credores (art.º 666.º e 750.º do Código Civil).
O pagamento dos credores garantidos ocorre prioritariamente após a liquidação dos bens onerados com garantia real e abatidas as correspondentes despesas, com respeito pela prioridade que lhes caiba.
O remanescente deste crédito que não se mostre integralmente pago e perante os quais o devedor responda com a generalidade do seu património, passa a ser incluído entre os créditos comuns - cf. art.º 174.º, do CIRE.
Estão nesta situação, os créditos garantidos por hipoteca a favor de Novo Banco, S.A. e por penhor a favor de L., S.A.” 
O apelante insurge-se contra esta graduação, propugnando que, nos termos do art.º 749.º do Código Civil, o penhor prevalece sobre o privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos dos trabalhadores, devendo, por esse motivo, aquele ser graduado antes deste. E que os créditos da Segurança Social por contribuições, quotizações e respectivos juros gozam de privilégio mobiliário geral graduam-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil.
Conclui que o crédito deve ser graduado em primeiro lugar no que diz respeito às 8.200 acções nominativas, representativas do seu capital social.

Está em causa a graduação entre o crédito da apelante, que está incontroversamente garantido por penhor, os créditos dos trabalhadores, que beneficiam do privilégio mobiliário geral estabelecido no art.º 333.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho, sendo graduado antes do crédito referido no n.º 1, do art. 747º do C. Civil (n.º 2, al. a), do Fundo de Garantia Salarial – este encontra-se sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios dos trabalhadores, na medida dos pagamentos efectuados, acrescidos dos juros de mora vincendos, em conformidade com o disposto nos art.ºs 322.º da Lei n.º 35/2004 de 29/07 e 4.º, n.º 1, do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril - e do Instituto da Segurança Social, I.P.
Quanto ao crédito deste último, estatui o art. 204º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16.9, com as alterações publicitadas):
“Privilégio mobiliário
1 Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil.
2 Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.”

Assim, de acordo com o citado n.º 2, os aludidos créditos da segurança social gozam de privilégio geral mobiliário e, além disso, prevalecem sobre créditos garantidos por penhor, ainda que de constituição anterior.

Prevendo a lei, expressamente, a prevalência dos créditos da segurança social sobre os créditos garantidos por penhor, e prevendo que o privilégio creditório mobiliário da segurança social se gradua após o privilégio creditório mobiliário dos trabalhadores, como proceder à respectiva graduação, no caso de concurso das três espécies de créditos?
Como nos dão conta os Acs. da RL de 9/05/2019 (relator, Jorge Leal) e da RC de 21/05/2019 Barateiro Martins (relator), ambos acessíveis em www.dgsi.pt, assim como os adiante citados sem indicação em contrário, têm-se apresentado diversas correntes jurisprudenciais e doutrinais tendentes a solucionar este imbróglio:
1ª. Uma interpretação restritiva do art. 204.º/2 do CRCSPSS (ou, mais exactamente, do anterior art. 10.º/2 do DL 103/80), segundo a qual tal preceito apenas seria aplicável no caso de estarem em confronto créditos da SS e créditos garantidos por penhor – cfr. Ac RG de 13 de Fevereiro de 2014, Ana Cristina Duarte (relatora).
Para esta corrente, quando além dos créditos da Segurança Social concorram com o crédito pignoratício outros créditos dotados de privilégio mobiliário geral, maxime créditos por impostos, gera-se uma lacuna de colisão.
Tal lacuna, defendem os seguidores desta linha de entendimento, deverá ser colmatada através da prevalência absoluta do crédito pignoratício, no confronto com os diversos créditos privilegiados, tendo em conta a natureza excepcional que revestem as normas que conferem privilégios gerais - certo que, à margem da autonomia privada, afectam o princípio da igualdade dos credores -, a determinar que não possam ser aplicadas por analogia e que, quanto a elas, deva prevalecer o critério da sua interpretação restritiva. “Como tal, e tendo em consideração o princípio da protecção da confiança e da segurança do comércio jurídico (a que o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 363/02, de 17.09.2002, apelou para declarar inconstitucional as normas contidas nos arts. 2.º do Dec. Lei n.º 512/76, de 3 de Julho, e 11.º do Dec. Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, na interpretação segundo o qual o privilégio mobiliário geral neles conferido prefere à hipoteca), deve concluir-se que, no confronto entre o direito de crédito garantido por penhor e os direitos de créditos garantidos por privilégio mobiliário geral emergentes de contrato de trabalho, derivados de impostos da titularidade do Estado e das autarquias locais e da titularidade das instituições de segurança social derivados de taxa contributiva, a prevalência deve operar por essa ordem.” (acórdão da Relação de Coimbra, de 20.06.2017; acórdão da Relação do Porto, 11.9.2018, processo 1211/17.5T8AMT-E.P1; acórdão da Relação de Guimarães, 25.5.2017, processo 703/13.0T8MDL-K-G1; Relação de Évora, 05.11.2015, processo 284/14.7TBRMR-A.E1; Relação do Porto, 15.9.2011, CJ XXXVI, tomo IV, pp. 173 e ss; STJ, 22.4.1999, processo 98B1084; na doutrina, Salvador da Costa, O concurso de credores, 4.ª edição, Almedina, p. 275; António Carvalho Martins, Reclamação, Verificação e Graduação de Créditos, Coimbra Editora, p. 91, nota 126).
Para a segunda corrente, deverá dar-se prevalência ao crédito da segurança social, seguindo-se o crédito pignoratício e, finalmente, os outros créditos protegidos por privilégios mobiliários, nomeadamente os do Estado (Relação de Guimarães, 31.3.2016, processo 565/14.0T8VCT-B.G1; Relação de Coimbra, 11.12.2012, processo 241/11.5TBNLS-B.L1; Relação de Évora, 30.4.2015, processo 1277/13.7TBCTX-B.E1; STJ, 06.3.2003, processo 03B034).
Para a terceira corrente, os créditos do Estado serão pagos em primeiro lugar, a seguir o crédito da segurança social e, finalmente, o crédito pignoratício (neste sentido, o citado Ac RL e ainda os acórdão da Relação de Coimbra, 16.5.2000, CJ XXV, tomo III, pp. 9 e seguintes; STJ, 29.4.1999,, também consultável em www.dgsi.pt, embora com data de20.04.1999, processo 99A200; STJ, 26.9.1995, BMJ 449, p. 339 e ss; STA, 22.3.1995, processo 013718; STA, 11.11.1992, processo 014274; sentença de José da Silva Paixão, 04.3.1985, CJ X, tomo I, p. 355 e ss; Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 40/90, de 07.11, BMJ 415, pp. 55 e ss, também consultável em www.dgsi.pt; na doutrina, Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL, 2018, p. 853).
A 1ª corrente é criticável por a posição relativa do crédito da Segurança Social ficar a depender de circunstância, aleatória, de também estarem ou não a concurso créditos do Estado ou dos Trabalhadores (com privilégio mobiliário geral), deixando outrossim a defesa de interesses prioritários do Estado como o são o da importância social da sustentabilidade da Segurança Social à mercê de factores que escapam ao próprio Estado.
A pretexto de, em suprimento de uma lacuna, aplicar as regras gerais, acaba por afrontar a lei, dando prevalência a um crédito (crédito pignoratício) que norma especial expressa subordina ao crédito da segurança social.
Restam a 2ª e 3ª correntes.
Dizem os defensores da 3ª corrente, que só graduando os créditos do Estado e dos trabalhadores em primeiro lugar, a seguir o crédito da segurança social e, finalmente, o crédito pignoratício se respeita a protecção concedida aos créditos da segurança social expressamente consignada no n.º 2 do art.º 204.º do Código da Segurança Social e, em simultâneo, se harmoniza com a hierarquia implicitamente e logicamente decorrente do disposto no art.º 204.º, n.ºs 1 e 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, e 747.º n.º 1 al. a) do CC, devendo, como é próprio do funcionamento do sistema jurídico, as regras gerais contidas nos artigos 666.º n.º 1 e 749.º n.º 1 do CC ceder perante o regime especial supra descrito – Cfr. o citado Ac RL de 9/05/2019.
Este entendimento, no sentido de, por arrastamento, colocar os créditos da Fazenda Nacional e dos trabalhadores à frente dos créditos garantidos por penhor excede o propósito do legislador, não representando matéria sobre a qual se tenha pretendido legislar.
Por outro lado, penaliza-se excessivamente o crédito pignoratício, retirando-lhe toda a relevância prática que lhe é atribuída pela sua natureza real e consequente sequela, como também porque não respeita a ordem estabelecida pelos artigos 747.º, n.º 1 a) do CC, 333.º, n.º 2 a) do CT e art. 204º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social que, sem prejuízo da prioridade do penhor, de acordo com as regras gerais dos artigos 666.º e 749.º do CC, coloca os créditos laborais e os créditos por impostos antes dos créditos da Segurança Social.
Quanto à 2ª corrente, ponderou-se no acórdão do STJ, de 24.9.1999, publicado na Col. de Jurisp, CJ STJ VII, tomo II, p. 77, que não tem correspondência, nem na letra nem no espírito, com qualquer das formulações normativas em confronto, não se conformando quer com a disciplina do art.º 749.º, quer com o regime especial do art.º 10.º do Dec.-Lei n.º 103/80 (actualmente, art.º 204.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social).
Discordamos desta visão da questão, sendo que o último Acórdão conhecido do STJ, que se pronunciou sobre a graduação em que em simultâneo concorrem um penhor, um privilégio mobiliário geral da Seg. Social e outro privilégio mobiliário geral (seja do Estado ou dos trabalhadores), aderiu a esta (a 2ª) corrente jurisprudencial.

“Efectivamente, em tal Ac. STJ (de 16/12/2009, publicado in CJ Online), relatado pelo Conselheiro Costa Soares, firmou-se o seguinte entendimento:
- O penhor prevalece contra e em relação aos privilégios creditórios mobiliários gerais de que gozam os créditos laborais (377.º, a), do C. T.) e os créditos do Fundo de Garantia Salarial;
- Outro tanto, porém, não acontece em relação aos créditos do ISS que gozam de privilégio creditório mobiliário geral, uma vez que a lei – art. 10.º/2 do DL 103/80 – determina, imperativamente, que este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior;
- Pelo que, perante o conflito (de disposições legais) que assim se estabelece entre o art. 377.º do C. T. (ao dizer que os créditos laborais tem preferência sobre os créditos do ISS), o art. 10.º/1 e 2 do DL 103/80 (quando diz que os créditos do ISS se graduam logo após os referidos na alínea a) do n.º 1 do 747.º do CC) e a referida prevalência do penhor sobre os créditos laborais e do FGS, a solução está em efectuar (quando concorram na mesma graduação os 3 créditos) a seguinte graduação: 1.º: O crédito do ISS; 2.º: O crédito garantido por penhor; 3.º: Os créditos laborais e do FGS.
Entendimento este que também tem a seu favor, conforme tem sido invocado, a importância social que cada vez mais reveste a garantia mobiliária (e imobiliária) dos créditos da Segurança Social (e que esteve na origem das disposições dos arts. 10.º do DL 103/80 de 9/05 e 204.º do CRCSPSS), ou seja, o valor extraordinariamente decisivo que hoje assume para o Estado e para os cidadãos a sustentabilidade da segurança social, a qual, pela sua enorme repercussão social, sobreleva aos direitos individuais decorrentes dos restantes créditos”- Ac RC de 21/05/2019, Barateiro Martins ( Relator).

Este acórdão consta nos sumários de acórdãos do STJ - A Insolvência na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça - como tendo sido proferido dia 17/12/2009, com o seguinte teor:
“II Tal conflito deve ser resolvido de forma a que os créditos se graduem do seguinte modo: 1.º crédito do Instituto da Segurança Social, na parte relativa às contribuições constituídas menos de 12 meses antes da data no início do processo de insolvência; 2.º crédito garantido por penhor; 3.º créditos laborais e do Fundo de Garantia Salarial. 17-12-2009 Revista n.º 1174/06.2TBMGR - 7.ª Secção Costa Soares (Relator)”.
Este entendimento respeita a regra especial do art. 204º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social e alicerçar-se na natureza real do penhor e na sequela daí resultante sobre os bens empenhados, que prevalece sobre os privilégios creditórios mobiliários gerais, os quais não constituem verdadeiros direitos reais de garantia, pois que não incidem sobre coisa certa e determinada, como é da natureza do direito real e, consequentemente, não conferem ao respectivo titular direito de sequela sobre os bens em que recaiam.
A solução, para a qual propendemos, não é alicerçável em argumentação indiscutível, nem isenta de críticas, mas é, em face do imbróglio/conflito de disposições legais, aquela que se apresenta mais coerente e conforme as disposições e princípios plasmados na lei.

Deste modo, os créditos reclamados nos autos ficam graduados como se segue, no que tange ao produto da venda das acções representativas do capital social da L., S.A.:
1.º- Crédito do Instituto da Segurança Social, I.P., até ao montante de € € 162.216,17;
2.º- O crédito da L., S.A.
3.º- Os créditos dos trabalhadores, deduzidos dos montantes pagos pelo Fundo de Garantia, que beneficiam do privilégio mobiliário geral estabelecido no art.º 333.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes;
4.º- Crédito do Fundo de Garantia Salarial;
5.º- Crédito da Autoridade Tributária, de IRS, até ao montante de € 152.679,13;
6.º- Crédito da Y., LLC, até ao montante de € 9.442,28.
7.º- Os créditos comuns, nos quais se incluem os créditos cujas garantias não operam relativamente a estes bens, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes, observando-se o disposto no art.º 181.º, n.º 1, do CIRE, para os créditos sob condição;
8.º- Os créditos subordinados, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes.
O processo de verificação e graduação de créditos não é alvo de tributação autónoma, sendo as custas a cargo da massa, nos termos do art. 303º e 304º do CIRE.
***

V.Pelo exposto, decide-se:
a. Julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, os créditos reclamados ficam graduados como se segue, no que tange ao produto da venda das 8.200 acções representativas do capital social da L., S.A.:
1.º- Crédito do Instituto da Segurança Social, I.P., até ao montante de € € 162.216,17;
2.º- O crédito da L., S.A.
3.º- Os créditos dos trabalhadores, deduzidos dos montantes pagos pelo Fundo de Garantia, que beneficiam do privilégio mobiliário geral estabelecido no art.º 333.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes;
4.º- Crédito do Fundo de Garantia Salarial;
5.º- Crédito da Autoridade Tributária, de IRS, até ao montante de € 152.679,13;
6.º- Crédito da Y, LLC, até ao montante de € 9.442,28.
7.º- Os créditos comuns, nos quais se incluem os créditos cujas garantias não operam relativamente a estes bens, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes, observando-se o disposto no art.º 181.º, n.º 1, do CIRE, para os créditos sob condição;
8.º- Os créditos subordinados, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes.
b.  Sem custas nesta instância;
c. Notifique.



Lisboa, 02 de Julho de 2019



(Manuel Ribeiro Marques - Relator)

(dispensei o visto)
(Pedro Brighton - 1º Adjunto)

(dispensei o visto)
(Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta)
Decisão Texto Integral: