Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10077/2006-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: SEGURO DE VIDA
GRAVAÇÃO DA PROVA
DOENÇA
ANULABILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DECISÃO CONFIRMADA
Sumário: 1 – Quando se verificar a imperceptibilidade da gravação, estar-se-á em face de omissão de formalidades que a lei prescreve, constituindo tal omissão uma nulidade já que a irregularidade cometida é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.
2 – Trata-se, todavia, de uma nulidade secundária que não é de conhecimento oficioso e que deve ser considerada sanada se não for arguida dentro do prazo de dez dias, a partir da data em que as gravações foram entregues pela Secretaria ao requerente, e apenas perante o tribunal onde ocorreu.
3 – Tendo sido ouvidas testemunhas, sem que tivessem sido registados os seus depoimentos, ainda que a quesitos diferentes daqueles cujas respostas se questionam, a Relação não pode alterar a matéria de facto apurada pela 1ª instância, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 712º CPC, porque podem ter influenciado, ainda que indirectamente, tais respostas.
4 – Num contrato de Seguro de Vida – Grupo e Invalidez Permanente – de que são participantes os empregados do Banco – Tomador do Seguro -, beneficiários do Plano de Crédito à Habitação própria e permanente, abrangendo o risco situações de morte ou invalidez dos participantes beneficiários que ocorram durante o prazo de amortização do empréstimo, recai sobre os beneficiários desse contrato o ónus de não encobrir qualquer facto que possa contribuir para apreciação do risco por parte da Seguradora e se o fizer, tendo conhecimento de tais factos que de alguma maneira possam influir sobre a formação do contrato e as considerações do mesmo, perdem o direito à contra – prestação da Seguradora.
5 – Para que a declaração inexacta ou reticente implique a desvinculação da seguradora, não é necessário que exista dolo do declarante, bastando que a declaração haja sido produzida por via de mero erro, podendo a reticência derivar tanto de má fé como de mera negligência.
6 – O artigo 429º do Código Comercial não abrange apenas as declarações a prestar pelo segurado ou proponente na altura da celebração do contrato, devendo entender-se qualquer modificação que aumente o risco, seja em que momento for, pelo que deve o segurado, logo que a conheça ou dela se aperceba, declará-la sob pena de anulabilidade.
7 – Tendo, in casu, o beneficiário do seguro, subscrito declaração em que atestou a sua plena capacidade de trabalho e que não tinha conhecimento de qualquer alteração importante do seu estado de saúde devido a doença ou acidente ou qualquer outro facto que influa na apreciação do risco de morte ou de invalidez, muito embora tivesse conhecimento que o seu estado de saúde estava afectado, sendo assistido por psiquiatra, é de entender que os factos que respeitam às declarações em causa são susceptíveis de influir na existência e nas condições do contrato, de sorte que o segurador, se as conhecesse como tais, isto é, conhecesse factos ou circunstâncias não declarados, ou não contrataria ou teria contratado com diversas condições, pelo que, perante as declarações inexactas por si prestadas, o beneficiário do seguro perdeu o direito à contra – prestação da Seguradora.
(GF)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:




1.
Fernandes demandou, na 4ª Vara Cível de Lisboa, Companhia de Seguros, pedindo que a Ré seja condenada:
i – no pagamento da quantia de 1.308.188$40 relativa a amortizações indevidamente pagas pela Autora até Outubro de 1994 e nas que vier a pagar depois dessa data
ii - no pagamento de 104.746$00 referentes a prémios de seguro indevidamente prestados pelo Autor, igualmente até Outubro de 1994 e nos anos que se vencer depois da mesma data;
iii - no pagamento de juros vencidos referentes a indevidas amortizações e prémios de seguro;
iv - no pagamento da quantia de 500.000$00 a título de danos não patrimoniais;
v - e no pagamento de sanção pecuniária compulsória no valor de 50.000$00 por cada mês até integral cumprimento do que lhe é devido.

Segundo o Autor, entre a ora Ré e o Banco foi convencionado um contrato de Seguro de Vida – Grupo e Invalidez Permanente de que são participantes os empregados do referido Banco, beneficiários do Plano de Crédito à Habitação Própria e Permanente.
Este Seguro abrange situações de Morte ou Invalidez Permanente que ocorram durante o prazo de amortização do empréstimo contraído por funcionários do aludido Banco, no âmbito do referido Plano de Crédito.
O Autor é, desde 6 de Julho de 1984, simultaneamente beneficiário do referido Plano de Crédito à Habitação Própria e Permanente e participante do seguro de Grupo, uma vez que, nessa data, foi celebrado entre o Autor e o B um mútuo no valor de 1.800.000$00, destinado a compra de habitação própria.
Em Janeiro de 1991, o Autor viria a assinar novo Boletim de Adesão ao Seguro, escusando-se a responder ao questionário nele inserto, por entender que não havia qualquer alteração ao seu estado de saúde desde a última declaração.
Na sequência da dissolução do seu casamento, por divórcio, foi celebrado entre o Autor e o B um segundo mútuo no valor de 4.500.000$00 e igualmente destinado a compra de habitação própria.
O Autor tem, pelo menos, desde 1991, um médico assistente, o qual, em 14/10/92, num relatório que elaborou, resumiu a situação clínica do Autor, atestando que este padece de uma depressão ansiosa crónica fortemente vitalizada. Apesar de ter sido medicado regularmente, a sua situação tem-se agravado com o aumento súbito das crises de ansiedade, de tal sorte que o seu estado psicopatológico não lhe permite uma profissão regular, estando permanentemente limitada a sua capacidade de trabalho, pelo que deve ser considerado definitivamente incapacitado para o exercício de qualquer profissão.
Este relatório viria a ser confirmado pelos Serviços Clínicos do B e do SAMS, passando o Autor à situação de reforma a partir de 1/11/92.
Entretanto, o Autor viria a ser informado que a Ré não aceitava a sua invalidez, porquanto, no boletim de adesão ao seguro de 1991, o Autor atestou possuir plena capacidade de trabalho e não ter conhecimento de qualquer alteração do seu estado de saúde devido a doença ou a acidente ou a qualquer outro facto que influísse na apreciação do risco de morte ou invalidez, quando tais declarações eram omissas, uma vez que o Autor já era seguido por um médico psiquiatra por motivo de uma depressão ansiosa fortemente vitalizada, pelo que concluía a Ré que o seguro se encontrava cancelado.
O médico assistente do Autor emitiu então uma declaração médica, esclarecendo que assistia o Autor desde 1991, sendo certo que, durante todo o tempo em que foi seguido, se manteve compensado e em plenas capacidades psicológicas para a execução da sua tarefa, tal como o prova o facto de ter continuado a desempenhar normalmente o seu trabalho de modo adequado e correcto na Instituição onde trabalhava mas, em meados de 1992, o Autor entrou em descompensação do seu problema, tendo sido impossível controlar a sua situação desde então.
Perante a insistência do Autor para que fosse reconhecida a sua invalidez, a ora Ré convocou-o para comparecer nos seus serviços clínicos a 15/07/93, a fim de ser observado, sendo, após isso, informado que a Ré tinha decidido favoravelmente quanto à sua situação de Invalidez Total e Permanente.
Foi ainda solicitado pela Ré que o Autor a informasse sobre o montante do capital em dívida relativo ao empréstimo inicial contraído em 6/7/84, para que pudesse proceder ao pagamento da indemnização relativo a este empréstimo, o que de facto fez, tendo consequentemente sido cancelada a hipoteca que incidia sobre a fracção objecto do 1º mútuo.
Existe, porém, um segundo mútuo contraído em 27/7/91, igualmente destinado à compra de habitação própria, no valor de 4.500.000$00, e realizado na pendência do contrato de seguro, que vincula a Ré ao pagamento do capital seguro em caso de invalidez total ou permanente, caso esta ocorra durante o prazo de amortização do empréstimo para a compra de habitação. E perante o facto do Autor ter passado à reforma por invalidez e tal invalidez ter ocorrido no prazo de amortização dos empréstimos para a compra de habitação, impunha-se à Ré o cumprimento do contrato de seguro, sendo que, por tal não ter acontecido, foi compelido a efectuar prestações mensais do mútuo e os prémios de seguro que não mais eram devidos em virtude da reforma por invalidez.

Contestando, refere a Ré que o Autor em 1991, e para inclusão no Seguro de Grupo titulado pela Apólice 132, a partir de 8 de Fevereiro de 1991, subscreveu declaração em que atestou “a sua plena capacidade de trabalho e que não tem conhecimento de qualquer alteração importante do seu estado de saúde devido a doença ou acidente ou qualquer outro facto que influa na apreciação do risco de morte ou invalidez” e tal declaração era acompanhada por um relatório médico que certificava em 28 de Janeiro de 1991 a situação já atrás referida relativamente ao estado de saúde do Autor.
Não duvidando quer das declarações do Autor quer do Médico examinador, o Médico Chefe dos Serviços da Companhia de Seguros expressou, em 26 de Fevereiro de 1991, que aceitava sem reservas aquela declaração.
Não obstante, apesar desta declaração, o Autor manifestava então profundas alterações ao seu estado de saúde. Pelo menos, desde 1990, faltava com frequência ao serviço por razões de saúde, isto é, de doença. Era assistido frequentemente e, pelo menos, era-o por psiquiatra, sendo certo que essas modificações do seu estado de saúde eram do seu perfeito conhecimento.
Quer quando da data de subscrição do boletim de adesão ao seguro, quer quando da celebração do mútuo, o Autor sabia que o seu estado de saúde estava afectado, faltando, por tal motivo, com frequência ao serviço. Por esse mesmo motivo, era assistido por médico e que tal assistência lhe impunha a tomada de diferentes medicamentos. E todos esses factos foram omitidos à Ré, sendo certo que, se a Ré os conhecesse , não teria aceite a ampliação do montante de seguro que o Autor lhe propôs.
O Autor, ao declarar inexactamente, actua de má fé, razão que torna o seguro nulo, não assistindo ao Autor o direito a qualquer indemnização a coberto do mesmo seguro e nem mesmo o direito à recuperação de prémios.

Mas, ainda que se não comprovasse a má fé do Autor, ainda assim se manteria a nulidade do contrato.
É que, se o Autor ou o B tivessem declarado que, ao tempo da adesão de 1991, já aquele manifestava alterações de saúde, necessidade de assistência médica medicamentosa, a Ré não teria aceite o seguro e, em tal hipótese, não tem o Autor direito ao capital ou a qualquer indemnização, assistindo-lhe, tão somente, o direito a reaver os prémios pagos.
E, se, por hipótese, o seguro não fosse nulo, nunca o Autor teria direito a receber o valor das prestações de amortizações de empréstimo que haja feito ao BESCL. Teria sim direito ao capital seguro como resulta do texto da Apólice.

Oportunamente, procedeu-se a julgamento, tendo o Tribunal decidido a matéria de facto e, em seguida, foi proferida a sentença, julgando procedente a excepção peremptória invocada pela Seguradora e, consequentemente, ao abrigo do artigo 429º do Código Comercial, declarou a nulidade do contrato de seguro celebrado com o Autor, a partir de 8 de Fevereiro de 1991 e titulado pela apólice 132. Decidiu ainda, ao abrigo do artigo 289º, n.º 1, do Código Civil, condenar Ré a restituir ao Autor todos os prémios daquele seguro que a este foram cobrados e julgou improcedentes todos os pedidos formulados pelo Autor, com a consequente absolvição da Ré, porque a declaração de nulidade do contrato de seguro é impeditivo dos direitos invocados pelo demandante.

Inconformado, apelou o Autor, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
1ª – A Cassete facultada, em cópia, para sustentar a transcrição dos depoimentos prestados em audiência, nenhum registo contém.
2ª – De igual modo, a cassete denominada “master” existente na Secção e onde também os depoimentos deveriam ter sido registados, igualmente nenhum registo contém, conforme confirmação dos funcionários.
3ª - Cremos, assim, estar perante uma nulidade apenas susceptível de ser suprida pela anulação de todo o Processado posterior ao início da Audiência de Julgamento dos Autos, com repetição integral do dito julgamento, seguindo-se os ulteriores trâmites até final.
4ª – Ou, pelo menos, a respectiva repetição para efeitos de inquirição e gravação dos depoimentos de todas as testemunhas, pois, verificando-se a impossibilidade de transcrição do depoimento das testemunhas, a fixação da matéria de facto pelo Tribunal constitui irregularidade que afecta a validade da sentença, devendo o julgamento ser repetido.
5ª – Ainda assim e porque da restante prova, maxime documental, constante dos autos, já é possível extrair o mal fundado de algumas das respostas dadas aos quesitos, não pode deixar de se suscitar a reapreciação de tal matéria de facto, o que, só por si, já se reputa suficiente para decidir no sentido do mal fundado da sentença posta em crise.
6ª – Quanto à matéria de facto, no que tange aos depoimentos prestados, dir-se-á que as pessoas chamadas a depor pelo Autor, ora Recorrente, fizeram-no com conhecimento directo e pessoal dos factos, conforme se infere e deduz do vertido na resposta dada aos quesitos enquanto as testemunhas arroladas pela Ré assentaram o seu depoimento em generalidades, acabando por afirmar que não tinham conhecimento directo e pessoal dos factos.
7ª – Assim sendo, não se entende como foi possível dar como provado o quesito 6º, isto é, que o Autor, à data da subscrição do boletim de adesão e à data da celebração do mútuo, sabia que o seu estado de saúde estava afectado.
8ª – Pois nada dos autos permite extrair tal conclusão uma vez que, em ambos os casos, a outorga respectiva ocorreu em 1984 e inexiste prova quanto a tais factos.
9ª – Ainda que o quesito (ou a resposta) estivessem mal formulados e com eles se quisesse significar ou referir ao reforço do mútuo e à extensão do seguro (esta ocorrida em Janeiro de 1991), também aqui não há factos que sustentem a consideração como provado de tal quesito.
10ª – Quanto à prova decorrente dos documentos dos autos, o único elemento probatório que se refere a tal e, por isso, o único que poderia ter-se em conta para prova de tal quesito, é o relatório de fls. 29 dos autos, em que o Dr. Jaime Ribeiro refere, em 14/04/93 que o doente (autor) é por ele seguido “desde há cerca de dois anos” e que a “descompensação” do doente do seu problema ocorreu em “meados de 1992”.
11ª – Ora a extensão do contrato de adesão ao segurado foi outorgada em Janeiro de 1991, pelo que nenhuma prova existe que permita sustentar que, em Janeiro de 1991, o Autor soubesse que alguma maleita do foro psiquiátrico o atormentava ou atormentaria.
12ª – E também é notória a incompatibilidade da matéria dada como provada com a decisão.
13ª – Com efeito, para a decisão tal como a mesma se encontra formulada, revelava-se imperioso que fossem considerados provados os quesitos 10º e 11º, ou seja, que, caso a Ré soubesse das pretensas maleitas, não teria aceite o seguro ou a sua ampliação.
14ª – Ora a resposta dada a tais quesitos foi de “não provado”, pelo que a sentença jamais poderia (a contrario do que veio a acontecer) declarar a nulidade do contrato de seguro com tal fundamento.

A Ré contra – alegou, defendendo a bondade da decisão.

2.
Na 1ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos:
1º - Entre a Ré e o Banco, foi convencionado um contrato de seguro de Vida – Grupo e Invalidez Permanente, de que são participantes os empregados do referido Banco, beneficiários do Plano de Crédito à Habitação Própria e Permanente (alínea A).
2º - Este Seguro abrange situações de Morte ou Invalidez Permanente que ocorram durante o prazo de amortização do empréstimo contraído por funcionários do citado Banco no âmbito do referido Plano de Crédito (alínea B).
3º - O Autor é, desde 6 de Julho de 1984, simultaneamente beneficiário do referido Plano de Crédito à Habitação Própria e Permanente e participante do seguro de Grupo (alínea C).
4º - Uma vez que, nessa data, foi celebrado entre o Autor e o B um mútuo no valor de 1.800.000$00, destinado a compra de habitação própria – (alínea D).
5º - Em Janeiro de 1991, o Autor viria a assinar novo Boletim de Adesão ao Seguro, escusando-se a responder ao questionário nele inserto (alínea E).
6º - Por entender que não havia qualquer alteração ao seu estado de saúde desde a última declaração (alínea F).
7º - Após a dissolução do casamento do Autor, e nos termos da respectiva sentença, foi celebrado entre o Autor e o B um segundo mútuo no valor de 4 500 000$00, com destino a compra de habitação própria (alínea G).
8º - Este mútuo foi exarado em Escritura Pública, a 27 de Julho de 1991, no 17º Cartório Notarial de Lisboa (alínea H).
9º - O Autor tem, pelo menos desde 1991, como médico assistente, o Dr Ribeiro (alínea I).
10º - Este médico, em 14/10/1992, num relatório que elaborou, resumiu a situação clínica do Autor, atestando:
a) - que o Autor padece de uma depressão ansiosa crónica fortemente vitalizada;
b) - que o Autor tem sido medicado regularmente mas a sua situação agravou-se com o aumento súbito das crises de ansiedade;
c) - que o seu estado psicopatológico não lhe permite uma profissão regular, estando permanentemente limitada a sua capacidade de trabalho;
d) - que o Autor deve ser considerado definitivamente incapacitado para o exercício de qualquer profissão (alínea J).
11º - Este relatório viria a ser confirmado pelos Serviços Clínicos do B em 15/10/1992 e pelos Serviços Clínicos do SAMS em 16/10/1992 (alínea K).
12º - A Direcção de Pessoal do B assegurou ao Autor a passagem à situação de reforma a partir de 1/11/1992 (alínea U).
13º - Em 25/01/1993, por carta, o Autor viria a ser informado pela Ré que não aceitava a sua invalidez, porquanto:
a) - No boletim de adesão ao seguro de 1991, o Autor atestou possuir plena capacidade de trabalho e não ter conhecimento de qualquer alteração do seu estado de saúde devido a doença ou acidente ou a qualquer outro facto que influísse na apreciação do risco de morte ou invalidez;
b) - Tais declarações eram omissas uma vez que o Autor era seguido por um médico psiquiatra por motivo de uma depressão ansiosa fortemente vitalizada (alínea M).
14º - A ora Ré concluía considerando o seguro como cancelado (alínea N).
15º - Em 14/04/93, o médico assistente do Autor emitiu uma declaração médica, esclarecendo que:
a) - Assistia o Autor desde 1991;
b) - Este se manteve compensado durante todo o tempo que foi seguido e em plenas capacidades psicológicas para a execução da sua tarefa, tal como o prova o facto de ter continuado a desempenhar normalmente o seu trabalho de modo adequado e correcto na Instituição em que trabalhava;
c) - Em meados de 1992, o Autor entrou em descompensação do seu problema, tendo sido impossível controlar a situação desde então (alínea O).
16º - Perante a insistência do Autor para que fosse reconhecida a sua invalidez, a ora Ré convocou-o para comparecer nos seus serviços clínicos a 15/07/1993, a fim de ser observado (alínea P).
17º - O Autor assim fez e a 21/07/1993, por carta, seria informado que a ora Ré tinha decidido favoravelmente quanto à sua situação de Invalidez Total e Permanente (alínea Q).
18º - Foi ainda solicitado pela Ré que o Autor informasse sobre o montante do capital em dívida relativo ao empréstimo inicial contraído em 06/07/1984 (alínea R).
19º - Tal pagamento, no montante de 1.521.429$00, foi efectivamente realizado pela Ré em 23/09/1999 e consequentemente cancelada a hipoteca que incidia sobre a fracção objecto do primeiro mútuo (alínea S).
20º - Existe um segundo mútuo contraído em 27/07/1991, no valor de 4.500.000$00, igualmente destinado a compra de habitação própria e realizado na pendência do contrato de seguro (alínea T).
21º - Nos meses de Novembro de Dezembro de 1992, o Autor pagou mensalmente 65.381$00 de prestações relativas a amortizações do segundo mútuo (alínea U).
22º - Nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio de 1993. o Autor despendeu mensalmente 65.381$00 em amortizações referentes ao segundo mútuo (alínea V).
23º - Nos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 1993, a quantia mensal despendida pelo Autor foi de 65.572$00, relativas às citadas amortizações (alínea X).
24º - No último trimestre de 1993 (Outubro - Dezembro) a prestação mensal para amortização do empréstimo orçou em 47.815$00 (alínea Z).
25º - Em relação aos meses de Janeiro e Fevereiro de 1994, o Autor despendeu mensalmente 46.073$90 em amortizações (alínea AA).
26º - No mês de Março a quantia despendida atingiu 45.931$00 (alínea BB).
27º - Nos meses de Abril a Maio de 1994, o montante despendido mensalmente atingiu os 45.139$00 (alínea CC).
28º - Relativamente a prémios de seguro, em Novembro de 1992, foi pelo Autor despendida a quantia de 13.994$00 e no mês de Dezembro de 1992 o montante foi de 14.011$00 (alínea DD).
29º - No ano de 1993, de Janeiro a Maio inclusive, o Autor pagou mensalmente 8.455$00; no mês de Junho não foi exigida ao Autor qualquer quantia. Nos meses de Julho, Agosto e Setembro as prestações foram de 8.629$00 (alínea EI).
30º - Desde Outubro de 1993 que nenhum pagamento de prémios de seguro é exigido ao Autor (alínea FF).
31º - O pagamento das referidas quantias provocou no Autor um estado de angústia e apreensão (alínea GG).
32º - O Autor em 1991, e para inclusão no Seguro titulado pela Apólice 132, a partir de 8 de Fevereiro de 1991, subscreveu declaração em que atestou “a sua plena capacidade de trabalho e que não tem conhecimento de qualquer alteração importante do seu estado de saúde devido a doença ou acidente ou qualquer outro facto que influa na apreciação dos riscos de morte ou invalidez” (alínea HH).
33º - Tal declaração era acompanhada por um relatório médico que certificava em 28 de Janeiro de 1991 a situação já atrás referida relativamente ao estado de saúde do Autor (alínea II).
34º - Não duvidando das declarações quer do Autor quer do médico examinador, o Médico Chefe dos Serviços da Companhia de Seguros expressou, em 26 de Fevereiro de 1991, que aceitava sem reservas aquela declaração (alínea JJ).
35º - Desde Junho (inclusive) de 1994 a Outubro do mesmo ano, o Autor pagou mensalmente a quantia de 45.139$00, a título de prestações relativas a amortização daquele segundo empréstimo (quesito 1º).
36º - No ano de 1990 o Autor faltou um dia em Maio, por doença; de 25/06 a 28/09 em virtude de sequelas resultantes de uma fractura e de 04/10 a 26/12 por doença não apurada (quesito 2º).
37º - O Autor era assistido por doença nos anos de 1990 a 1992 (quesito 3º).
38º - O Autor era assistido por psiquiatra (quesito 4º).
39º - O Autor tinha conhecimento do seu estado de saúde (quesito 5º).
40º - Quer quando da data da subscrição do boletim de Adesão ao Seguro, quer quando da celebração do mútuo, o Autor sabia que o seu estado de saúde estava afectado (quesito 6º).
41º - O Autor tomava medicamentos (quesito 9º).
3.
Pretende o Autor que seja repetido integralmente o julgamento, uma vez que os depoimentos das testemunhas não se encontram gravados, apesar de ter sido requerida a gravação da audiência. Por outro lado, ainda que assim se não entenda, deve alterar-se a resposta dada ao quesito 6º, tendo em conta os documentos dos autos. Pretende, por fim, o Recorrente que, declarando-se a validade do seguro existente, seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene a Recorrida nos pedidos que formulou.

Tendo, assim, em consideração as doutas conclusões do Recorrente, que afinal delimitam o objecto do recurso, são as seguintes questões que importa dirimir:
1ª – A falta de gravação dos depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência de julgamento constitui nulidade que determina a nulidade do julgamento, apesar de apenas ter sido suscitada nas alegações de recurso?
2ª – Deverá ser alterada a resposta dada ao quesito 6º?
3ª – O contrato de seguro subscrito pelo Apelante não padece de qualquer invalidade, devendo, consequentemente, revogar-se a sentença recorrida?
3.1.
Deficiência da gravação da prova e da anulação do julgamento.

Com o objectivo de assegurar o duplo grau de jurisdição no que respeita à decisão sobre a matéria de facto, torna-se necessário obter o integral registo da audiência, pois que só desse modo é possível que o processo contenha todos os elementos de prova que serviram de base àquela decisão.
O Decreto – Lei 39/95, de 15 de Fevereiro, veio, por isso, estipular um conjunto de formalidades, indispensáveis à concretização daquele desiderato.
Uma regra a observar é a de que a gravação deve ser efectuada de modo a que facilmente se apure a autoria dos depoimentos gravados ou das intervenções e o momento em que os mesmos se iniciaram e cessaram (artigo 6º).
Outra regra é a de que a gravação deve ser integral, de modo que se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição, sempre que for essencial ao apuramento da verdade (artigo 9º).
Por isso, a audiência será interrompida pelo tempo indispensável sempre que ocorra qualquer circunstância que impossibilite temporariamente a continuidade da gravação (artigo 8º).
Uma vez terminada a gravação, incumbe ao funcionário accionar o mecanismo de prevenção contra gravações acidentais, devendo as fitas gravadas ser apensadas aos autos, ou, se isso for impossível, serem devidamente guardadas depois de numeradas e identificadas com o processo a que se referem (artigo 6º, n. os 2 e 3).
E incumbe ao Tribunal que efectuou o registo facultar, no prazo máximo de oito dias após a realização da respectiva diligência, cópia a cada um dos mandatários das partes que a requeiram (artigo 7º).
Por outro lado, estabelece o artigo 522º, n.º 2 do CPC que, quando haja gravação da audiência, deve ser assinalada na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.
Assim, quando se verificar a imperceptibilidade da gravação, estar-se-á em face de omissão de formalidade que a lei prescreve, constituindo tal omissão uma nulidade já que a irregularidade cometida é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa (artigo 201º CPC).
Trata-se, todavia, de uma nulidade secundária que não é de conhecimento oficioso e que deve ser considerada sanada se não for arguida e apenas perante o tribunal onde ocorreu.
A arguição da nulidade ou irregularidade da gravação deve ser efectuada dentro do prazo de 10 dias, uma vez que não se trata de nulidade arguível a todo o tempo (artigos 204º, 205º, n.º 1, e 153º, n.º 1, todos do CPC) e junto do tribunal de 1ª instância onde a nulidade, a verificar-se, fora cometida, até para facultar àquele tribunal o exame da gravação e o eventual suprimento da nulidade.
De resto, por regra, as nulidades do processo (não as da sentença) devem ser arguidas perante o tribunal onde foram cometidas, como decorre designadamente do artigo 205º do CPC, excepto na hipótese prevista no n.º 3 deste preceito , ou seja, se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo atrás assinalado, pode a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição.
No caso vertente, o apelante, depois de ter sido notificado da sentença, em 16/04/2005, dela veio interpor recurso em 28/04/2005 e simultaneamente requerer que lhe fossem facultadas as cópias das cassetes em que os depoimentos das testemunhas foram recolhidos, visando recorrer também da decisão sobre a matéria de facto.
Em 16/05/2005, foi admitido o recurso e foi ordenado que se disponibilizassem as cassetes que continham a gravação dos depoimentos pretendidos, tendo o autor sido notificado, através de carta registada emitida em 7/06/2005, que a cassete que continha os depoimentos prestados se encontrava disponível na secretaria, a fim de proceder ao seu levantamento e também de que tinha sido admitido o recurso.
Temos, assim, que, a partir de 11/06/2005, estava a cassete ao seu dispor, apesar de só a haver levantado em 22/06/2005, pelo que, quando, em 23/09/2005, veio arguir a irregularidade da gravação, há muito havia decorrido o prazo para a arguição dessa nulidade (a da gravação).
Aliás, salvo o devido respeito, se o autor carecia da cassete para preparar o recurso sobre matéria de facto, terá tentado proceder à sua audição, atento o disposto no artigo 690º-A e 522-C do CPC.
Assim, não faz qualquer sentido que uma pessoa medianamente diligente espere até ao termo do prazo das alegações para suscitar a nulidade em questão.
Sucede, porém, que o tribunal recorrido, por despacho proferido a fls. 424, julgou improcedente a nulidade arguida e indeferiu o pedido de repetição de julgamento.
Ora este despacho transitou em julgado, porque o apelante dele não recorreu, embora tenha vindo nas alegações da presente apelação suscitar de novo a questão. Porém, no caso, porque estamos perante uma alegada nulidade processual e não da sentença, o apelante carecia de ter agravado do despacho que lhe indeferiu a repetição do julgamento, para que este tribunal pudesse reapreciar a questão. Como deixou transitar aquele despacho, formou-se caso julgado sobre a questão em apreço pelo que o tribunal da Relação já se não pode pronunciar.
Se em causa estivesse uma nulidade da sentença, prevista no artigo 668º do CPC, a solução seria diferente, porque nesse caso o Tribunal da Relação sempre se podia pronunciar, apesar de o juiz da 1ª instância se ter sobre ela também pronunciado no sentido de não a dever suprir. Mas não é essa a situação.
Com os fundamentos descritos, considera-se precludido o conhecimento da arguida nulidade da gravação da audiência, pelo que, por este invocado fundamento, não poderá o julgamento ser repetido.
3.2.
Da errada apreciação da prova pelo tribunal recorrido.
Alega o apelante que a acção não foi julgada logo procedente na 1ª instância, porque a Exc. ma Sr. ª Juiz a quo, fez uma má apreciação da prova, como se pode constatar dos factos dados como provados, na resposta ao quesito 6º
Ao que parece, o apelante pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, ou mais precisamente que o Tribunal da Relação faça um segundo julgamento da matéria de facto, com base nos documentos juntos aos autos, dada a falta de gravação da audiência, pretendendo deste modo a alteração da resposta dada ao quesito 6º.
Ora, como é sabido, em recurso da decisão da matéria de facto, o Tribunal da Relação não pode substituir-se ao Tribunal a quo no julgamento da matéria de facto, salvo se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base às respostas ou, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma resposta insusceptível de ser destruída por quaisquer outros meios de prova e, também, se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a resposta assentou (cfr. artigo 712º n.º 1 CPC).
Prevê-se, pois, que o processo contenha todos os elementos de prova que serviram de base à decisão do tribunal a quo, o qual aprecia conjuntamente toda a prova produzida, de forma livre, isto é, segundo a sua experiência e prudência e sem subordinação a regras ou critérios formais pré – estabelecidos (1), ou que o processo contenha elementos probatórios cujo valor não pode ter-se contrariado por qualquer das outras provas produzidas nos autos. É o caso de o Tribunal a quo ter desprezado a força probatória de documento não impugnado nos termos legais (2).
Por outro lado, não cabendo nas excepções à imodificabilidade das decisões da 1ª instância, as chamadas regras de experiência, os juízos de probabilidade ou princípios de lógica, em última análise as presunções judiciais (cfr. artigo 351º CC), o que será necessário é que se verifique uma certeza jurídica quanto ao valor probatório dos elementos de prova existente no processo, para, com base neles, alterar as respostas aos quesitos (3), ao abrigo da al. b), do n.º 1 do artigo 712º CPC.
Ora, in casu, consta da fundamentação que o Tribunal considerou como provado o aludido quesito com base nos depoimentos das testemunhas e dos documentos mencionados no despacho de fundamentação.
Conclui-se, portanto, que a convicção do julgador assentou na conjugação da prova testemunhal e documental junta aos autos, devidamente especificada nesse despacho.
Ora, in casu, pese embora o facto de toda a prova testemunhal ter sido produzida oralmente, não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à convicção do julgador, quanto à matéria de facto provada, dada a deficiência da gravação.
Conforme se decidiu no Ac. RL, de 26/4/93, CJ, III, 137, cuja doutrina permanece actual, a Relação não pode alterar a matéria de facto apurada pela 1ª instância, desde que tenham sido ouvidas testemunhas sem que tivessem sido registados os seus depoimentos, ainda que tenham sido ouvidas a quesitos diferentes daqueles cujas respostas se questionam, porque podem ter influenciado, ainda que indirectamente tais respostas.
Logo, tendo sido ouvidas testemunhas, como foram, nomeadamente ao aludido quesito, sem que tivessem sido registados os seus depoimentos, a Relação não pode alterar a matéria de facto apurada pela 1ª instância, com fundamento na al. a) do n.º 1 do artigo 712º CPC.
Acontece, por outro lado, que do processo não constam elementos que imponham resposta diversa daquela que foi dada pelo Tribunal a quo aos aludidos quesitos.
Também não está em causa qualquer documento novo superveniente, o que tudo obsta à pretensão da recorrente de ver alterada a decisão do Tribunal da 1ª Instância quanto à matéria de facto apurada, uma vez que os documentos a que alude não fazem prova plena que o autor desconhecia o seu estado de saúde, nomeadamente que estava afectado, tanto quando subscreveu o boletim de adesão ao seguro, como quando celebrou o mútuo, a que este quesito se reporta.
Não podendo a Relação proceder, neste contexto, à alteração da matéria de facto, improcede a conclusão retirada pelo recorrente, nesta parte.
3.3.
Da alegada verificação de todos os requisitos para que a sentença recorrida seja revogada e substituída por acórdão que condene a recorrida nos pedidos formulados pelo recorrente.
Entre a Ré e o B, foi convencionado um contrato de seguro de Vida – Grupo e Invalidez Permanente, de que são participantes os empregados do referido Banco, beneficiários do Plano de Crédito à Habitação Própria e Permanente.
Este Seguro abrange situações de Morte ou Invalidez Permanente que ocorram durante o prazo de amortização do empréstimo contraído por funcionários do citado Banco no âmbito do referido Plano de Crédito.
O Autor é, desde 6 de Julho de 1984, simultaneamente beneficiário do referido Plano de Crédito à Habitação Própria e Permanente e participante do seguro de Grupo, uma vez que, nessa data, foi celebrado entre o Autor e o B um mútuo no valor de 1.800.000$00, destinado a compra de habitação própria.
Todavia, em Janeiro de 1991, o Autor viria a assinar novo Boletim de Adesão ao Seguro de Grupo titulado pela Apólice 132, a partir de 8 de Fevereiro de 1991, subscrevendo declaração em que atestou a sua plena capacidade de trabalho e que não tinha conhecimento de qualquer alteração importante do seu estado de saúde devido a doença, ou acidente ou qualquer outro facto que influísse na apreciação do risco de morte ou invalidez.
É que, nessa altura, o autor e a esposa estavam em vias de se divorciar, sendo certo que, após a dissolução do casamento do Autor com Maria, e nos termos da respectiva sentença, foi celebrado entre o Autor e o B um segundo mútuo no valor de 4 500 000$00, com destino a compra de habitação própria, sendo este mútuo exarado em Escritura Pública, a 27 de Julho de 1991, no 17º Cartório Notarial de Lisboa.
Não duvidando das declarações quer do Autor quer do médico assistente, o Médico Chefe dos Serviços da Companhia de Seguros expressou, em 26 de Fevereiro de 1991, que aceitava sem reserva aquela declaração.
Sucede, porém, que o recorrente era assistido por doença nos anos de 1990 a 1992, sendo assistido por psiquiatra e tinha conhecimento do seu estado de saúde, de tal modo que, na data da subscrição do boletim de adesão ao seguro e na data da celebração do mútuo o recorrente sabia que o seu estado de saúde estava afectado.
Ora dispõe o artigo 429º do Código Comercial que “toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”.
A “declaração” consiste na informação dada sobre esses factos ou circunstâncias e a “reticência” envolve a sua omissão.
Sobre o segurado recai o ónus de não encobrir qualquer facto que possa contribuir para a apreciação do risco por parte da seguradora e se o fizer, tendo conhecimento de tais factos que de alguma maneira possam influir sobre a formação do contrato e as condições do mesmo, perde o direito à contra – prestação da seguradora(4).
Explicitamente, Moitinho de Almeida escreveu que “sobre o segurado recai o dever de declaração do risco, pois, se não completar a declaração realizada por quem fez o seguro, tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador”(5).
É efectivamente obrigação do segurado não omitir quaisquer factos ou circunstâncias que se possam considerar decisivos para a apreciação do risco que a seguradora se propõe assumir e que terá por ela de ser aferido e avaliado com rigor, munida, portanto, do conhecimento de todos os respectivos elementos referenciadores.
De realçar, portanto, que não é qualquer declaração inexacta ou reticente que pode tornar anulável o contrato de seguro. “É indispensável que a inexactidão influa na existência e condições do contrato, de sorte que o segurador ou não contrataria ou teria contratado em diversas condições (6)”. Daí que as simples inexactidões anódinas não produzem a consequência jurídica de anular o contrato.
Assim, “para efeitos do artigo 429º, uma declaração só será inexacta ou reticente, se puder influir sobre a existência ou condições do contrato, ou seja, se for susceptível de aumentar o risco ou prémio aplicável” (7).
“Para que a declaração inexacta ou reticência implique a desvinculação do segurador não é necessário que exista dolo do declarante, o que resulta claro do § único” (8), sendo comummente aceite que a “declaração inexacta” a que se refere o artigo 429º do Código Comercial, abrange não só a declaração falsa feita com má fé ou dolo, como também aquela que é produzida por via de mero erro involuntário e ainda que a “reticência” – isto é, a omissão de factos que servem para apreciar o risco – tanto pode derivar de má fé, como de mera negligência.
Ora, se a leitura apressada deste artigo 429º pode fazer supor que apenas abrange as declarações a prestar pelo segurado ou proponente na altura da celebração do contrato, certo é dever entender-se que, “sempre que se verifique qualquer modificação que aumente o risco, seja em que ramo for, deve o segurado, logo que a conheça ou que dela se aperceba, correr a declará-la, sob pena de nulidade do seguro, nos termos do artigo 429º”.
Por isso, e sob pena de nulidade de seguro – parece-nos mais correcto considerar a invalidade prevista naquele preceito como mera anulabilidade (9) – cumpre ao “segurado, sempre que se verifiquem alterações ao risco seguro, agravando-o, dar delas conhecimento ao segurador, para que este se possa eximir ao pagamento das indemnizações fixadas na apólice com fundamento de que aceitou certo risco e outro afinal foi o que veio a verificar-se (10)”.
Na hipótese dos autos é de entender que os factos que respeitam às declarações em causa são susceptíveis de influir na existência e nas condições do contrato, de sorte que o segurador, se as conhecesse como tais, isto é, conhecesse factos ou circunstâncias não declarados, ou não contrataria, ou teria contratado com diversas condições. No caso dos autos é de entender que os factos que respeitam às declarações em causa são desse género, pois o elemento decisivo para tal efeito é o questionário apresentado pela apelada ao apelante, na medida em que se presume não serem aí feitas perguntas inúteis. Isto é, através desse questionário, indicou a apelada ao apelante as circunstâncias em que se baseava para o admitir como participante do grupo e para estabelecer as condições particulares do contrato em relação a ele. Trata-se, pois, de factos ou circunstâncias susceptíveis de influir sobre a existência ou condições do contrato.
Ora como ficou provado, o recorrente era assistido por doença nos anos de 90 a 92, e era assistido por psiquiatra.
O recorrente tinha conhecimento do seu estado de saúde e, na data da subscrição do boletim de adesão ao seguro e na data da celebração do mútuo, o recorrente sabia que o seu estado de saúde estava afectado.
O recorrente em 1991, e para inclusão no seguro de grupo titulado pela apólice 132 a partir de 8 de Fevereiro de 1991 subscreveu a declaração em que atestou “a sua plena capacidade de trabalho e que não tem conhecimento de qualquer alteração importante do seu estado de saúde devido a doença ou acidente ou qualquer outro facto que influa na apreciação do risco de morte ou de invalidez”.
Tal declaração era acompanhada por um relatório médico que certificava em 28 de Janeiro de 1991 a situação já atrás referida relativamente ao estado de saúde do recorrente.
Não duvidando quer das declarações do recorrente quer do médico examinador, o médico – chefe dos serviços da Seguradora expressou, em 26 de Fevereiro de 1991, que aceitava sem reservas aquela declaração.
É, pois, patente que o recorrente prestou falsas declarações sobre o seu estado de saúde, declarações essas que influenciaram a decisão da recorrida de aceitar a celebração do mencionado contrato de seguro do ramo vida, nos seus termos e condições.
O recorrente tinha evidentemente conhecimento das declarações sobre o seu estado de saúde que omitiu.
Como realça a recorrida, a relevância das falsas declarações do recorrente sobre o seu estado de saúde decorre desde logo da Seguradora lhe ter solicitado a subscrição da declaração sobre o respectivo estado de saúde.
Na verdade, “a recorrida solicitou a subscrição pelo recorrente da referida declaração de saúde precisamente por entender que a respectiva subscrição era relevante para a apreciação do risco emergente da celebração do mencionado contrato de seguro do ramo vida”.

Verificam-se, pois, os pressupostos da aplicabilidade da norma constante do artigo 429º do Código Comercial, tendo a sentença recorrida feito uma correcta aplicação e interpretação da aludida norma.
4.
Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2007.
Granja da Fonseca
Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel Pereira
_______________________________
1 Alberto dos Reis, CPC Anotado, IV, pág. 544.
2 Manuel de Andrade, Noções Fundamentais, pág. 209.
3 Rodrigues Bastos, Notas, III, pág. 336.
4Cfr. Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial, II, 540-541.
Pinheiro Torres, Ensaio sobre o Contrato de Seguro, 106.
5 Contrato de Seguro, 65.
6 Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, Volume II, 541.
7 Acórdão do STJ, de 3 de Março de 1998, in CJ – Acórdãos do STJ, Ano VI, Tomo I, 106
8 Moitinho de Almeida, Contrato de seguro, 65
9 Não se trata aqui, em rigor, de verdadeira nulidade, mas sim de simples anulabilidade, uma vez que os interesses em jogo não justificam sanção tão grave como a da nulidade, termo cujo uso, nesse dispositivo, traduz imperfeição terminológica. É que o regime mais severo da nulidade encontra o seu fundamento em motivos de interesse público que se destina a salvaguardar, enquanto as anulabilidades se fundam na infracção de requisitos dirigidos à tutela de interesses particulares.
10 Acórdão da RP, de 14 de janeiro de 1997, CJ, Ano XXII, Tomo I, 207.