Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19051/16.7T8LSB-A.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: BES
REVOGAÇÃO PELO BCE
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CUSTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Tendo sido revogada pelo BCE a autorização do réu BES para o exercício da sua actividade e funcionando esta revogação como declaração de insolvência, verifica-se a inutilidade superveniente da lide relativamente a este réu.  

2. Sendo a decisão que declarou a inutilidade superveniente da lide omissa quanto a custas, não inexiste objecto de impugnação, não podendo ser conhecido o recurso nesta parte, nem podendo este Tribunal suprir a omissão, não dispondo, nestes autos de recurso em separado, de elementos para avaliar os pressupostos previstos no artigo 536º do CPC e para proceder à rectificação a que se refere o artigo 614º do mesmo código.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO.

J… e C… intentaram acção declarativa com processo comum contra, entre outros, Banco Espírito Santo, SA, pedindo a condenação solidária dos réus a indemnizar os autores pelos danos patrimoniais em quantia a apurar em liquidação de sentença e pelos danos não patrimoniais no montante de 5 000,00 euros.
Revogada a autorização do réu BES para o exercício da actividade de instituição de crédito, foi proferido despacho que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente a este réu. 
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Inconformados, os autores interpuseram recurso e alegaram, formulando conclusões onde levantam as seguintes questões:
   - Havendo liquidação universal do património do devedor no processo de insolvência e repartindo-se o produto obtido pelos credores, é necessário que estes sejam contemplados e graduados nesse processo, aí havendo que reclamar os respectivos créditos, quer estejam ou não reconhecidos por sentença com trânsito em julgado.
   - A declaração de insolvência determina a apensação das acções de natureza exclusivamente patrimonial sobre os bens apreendidos na massa insolvente, bem como a suspensão e extinção das acções executivas, mas este regime não é extensível às acções declarativas, já que o legislador não o expressou sem limitações, como fez nas acções executivas (artigo 88º do CIRE).
   - Se o credor com uma acção declarativa de condenação a correr não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (artigo 277º e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus créditos satisfeitos sobre ao devedor insolvente. 
   - Mas a natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação dos direitos litigiosos complexos e especializados das acções declarativas e, se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção das acções declarativas de condenação a correr contra o devedor insolvente.
   - Nesse caso, deve o seu crédito ser contemplado e devidamente acautelado no processo de insolvência como crédito sujeito a condição suspensiva, nos termos do artigo 181º nº1 do CIRE.
   - Com a nova redacção do nº1 do artigo 50º do CIRE, o legislador tomou posição considerando as decisões judiciais como condição suspensiva até ao trânsito em julgado, pelo que o Acórdão Uniformizador perdeu a actualidade e validade.
   - No actual quadro legislativo, só na falta de reclamação do crédito se poderá entender que o credor perdeu o seu interesse na acção declarativa e, consequentemente, considerar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 297º e) do CPC.
   - No presente caso os autores reclamam o seu crédito no processo de insolvência do réu BES, como é do conhecimento deste.
   - Não existe qualquer violação do princípio da igualdade dos credores.
   - Os autores mantêm o interesse na presente acção e a decisão recorrida fez uma errada interpretação dos artigos 50º e 90º do CIRE e do artigo 277e) do CPC.
   - As causas da liquidação do BES são da sua responsabilidade, pelo que, nos termos da parte final do artigo 536º do CPC, deveria o BES (massa insolvente) suportar as custas da extinção da instância.
Deverá proceder o recurso, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento da instância.
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O BES contra-alegou, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
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As questões a decidir são:
I) Inutilidade superveniente da lide relativamente ao réu BES.
II) Custas devidas pela extinção da instância relativamente ao réu BES.
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FACTOS.
A decisão recorrida considerou os seguintes factos:
O Banco Central Europeu retirou ao BES a autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito, decisão essa que, atenta a informação de fls 102, é definitiva.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Inutilidade da lide relativamente ao réu BES.
Como resulta dos factos e é aliás facto público e notório, em 13 de Julho de 2016 o BCE revogou a autorização do réu BES para o exercício da actividade bancária, o que produz efeitos de declaração de insolvência, nos termos do artigo 8º nº2 do DL 199/2006 de 25/10, diploma que regula a liquidação das instituições de crédito e sociedades financeiras e procede à transposição para a ordem jurídica portuguesa da Directiva 2001/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, estabelecendo a mesma disposição legal, no seu nº1, que a respectiva liquidação se efectua de acordo com os termos do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) e ainda, no seu nº3, que cabe ao Banco de Portugal (BdP) requerer a liquidação no tribunal competente, o que, como é também facto público e notório veio a ocorrer no caso em apreço.
Por força dos artigos 1º, 47º, 90º e 128º do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal, onde são considerados todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente ou garantidos por bens integrados na massa insolvente, devendo todos reclamar os seus direitos de acordo com os meios processuais previstos no CIRE, mesmo que já tenham o seu crédito reconhecido por sentença transitada em julgado.
Na sequência de divergências de entendimentos jurisprudenciais sobre as consequências destas normas, veio a ser proferido o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ, de 8 de Maio de 2013, nº 1/2014, publicado no DR, I Série, nº39, de 25/02/2014, o qual decidiu fixar a seguinte jurisprudência: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287º do Código de Processo Civil”.
No presente caso, a revogação da autorização para o exercício da actividade pelo réu BES tem o mesmo efeito que a declaração de insolvência, sendo aplicável a jurisprudência uniformizada e acima transcrita, já que com a acção se pretende obter o reconhecimento de um crédito da responsabilidade deste réu.
Nas alegações de recurso defende-se que a instância relativamente ao réu BES não perdeu a utilidade e que não é aplicável a jurisprudência do AUJ, quer porque o CIRE não contém normas de extinção, suspensão ou apensação para as acções declarativas como acontece com as acções executivas, quer porque o artigo 50º nº1 do CIRE, na redacção introduzida pela Lei 16/2012 de 20/4, contempla os créditos sob condição, entre os quais aqueles que estão sujeitos à verificação de um acontecimento futuro e incerto por força de decisão judicial, como seria o caso das acções declarativas pendentes em que é pedido o reconhecimento de um crédito contra o insolvente.
Não procedem estes argumentos, pois, no que se refere ao regime das acções executivas, o mesmo tem necessariamente de ser diverso do das acções declarativas, face à natureza diferente dos dois tipos de acções e à absoluta incompatibilidade entre a subsistência de execução de bens e o processo de liquidação universal inerente ao processo de insolvência.
Por seu lado, o crédito condicional por força de acção judicial previsto no artigo 50º do CIRE é aquele em que o facto incerto de que o mesmo depende é fixado pela sentença judicial e não qualquer crédito litigioso cujo reconhecimento está dependente de sentença a proferir em processo pendente como é o caso dos autos.
Improcedem, pois, as alegações de recurso quanto à extinção da instância relativamente ao réu BES.
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II) Custas devidas pela extinção da instância relativamente ao réu BES.
Alegam os apelantes que as custas devidas pela extinção da instância relativamente ao réu BES devem ser fixadas a cargo deste, por ter dado causa à sua situação de liquidação.
Estabelece o artigo 536º nº1 do CPC que, no caso de deixar de ser fundada a acção devido a alteração de circunstâncias não imputável às partes, as custas serão repartidas entre autores e réus em partes iguais.
O nº2 do mesmo artigo 536º enumera os casos em que se considera que ocorreu uma alteração de circunstâncias não imputável às partes, prevendo, na sua alínea e), o caso de ocorrer a declaração de insolvência do réu em acção destinada à satisfação de obrigações pecuniárias, desde que, à data da propositura da acção, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.
Contudo, nos presentes autos, a decisão recorrida não fixou quem será responsável pelas custas, sendo omissa nessa matéria.
Deste modo, não existe decisão para ser objecto de impugnação, não podendo ser conhecido o recurso nesta parte, nem podendo este Tribunal suprir a omissão, não dispondo, nestes autos de recurso em separado, de elementos para avaliar os pressupostos previstos no artigo 536º do CPC e para proceder à rectificação a que se refere o artigo 614º do mesmo código.
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DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e decidir:
a) Confirmar a decisão recorrida na parte relativa à extinção da instância relativamente ao réu BES.
b) Não conhecer do objecto do recurso na parte relativa à responsabilidade pelas custas devidas em consequência da extinção da instância, devendo oportunamente proceder-se à rectificação do despacho quanto a custas, nos termos dos artigos 614º nº1 e 613º nº3 do CPC.
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Custas pelos apelantes.
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2018-06-21

Maria Teresa Pardal
Carlos Marinho
Anabela Calafate