Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4806/06.9TBVFX-E.L1-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
ALIMENTOS A FILHO MAIOR
MAIORIDADE
CESSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A obrigação de alimentos estabelecida para o período da menoridade cessa, em princípio, com o advento da maioridade, só se mantendo no caso de o alimentando ainda não ter completado, sem culpa grave, a sua formação profissional, e verificados os demais pressupostos do direito a alimentos.
Incumbe ao credor de alimentos, que invoca a manutenção da correspondente obrigação, fazer prova dos pressupostos dessa manutenção, como excepção à regra da sua extinção.
(FA)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, no Tribunal da Relação de Lisboa

No âmbito do incidente de incumprimento da obrigação de alimentos, estabelecida no regime de responsabilidades parentais respeitante ao ora apelado “B”, veio a progenitora, ora apelante, requerer a cessação daquela obrigação, e a cessação dos descontos ordenados no seu vencimento, uma vez que o filho atingira, entretanto, a maioridade.
Notificado, o “B” veio dizer que ainda não completou a sua formação profissional, estando a frequentar o 12.º ano de escolaridade, conforme certificado de matrícula de que juntou cópia.
No seguimento, depois de confirmada esta informação junto do estabelecimento de ensino frequentado pelo requerido, foi decidido, com parecer favorável do Ministério Público, manter os descontos ordenados.

Inconformada, a progenitora apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:
1.ª
A obrigação de prestar alimentos a um filho menor cessa logo que o menor atinge a maioridade;
2.ª
O artigo 1877.º do Código Civil contém o prazo inicial e o prazo final da obrigação de prestar alimentos a um filho menor;
3.ª
A cessação da obrigação alimentar prevista no artigo 1877.° Do Código Civil não está sujeita a qualquer condição, apenas decorrendo do decurso do tempo;
4.ª
A fixação de alimentos a filho maior, mediante a manutenção do pagamento por via dos descontos a efectuar pela entidade empregadora no vencimento da progenitora já antes obrigada, viola o disposto no artigo 1877. ° do Código Civil;

Ao decidir na manutenção dos descontos a efectuar pela entidade empregadora e ao indeferir o pedido de cessação da obrigação alimentar por virtude de o menor atingir a maioridade, sem que à ora apelante fosse dada a oportunidade de se pronunciar, o despacho de fl. 118.º violou o disposto nos números 1 e 2 do artigo 264. ° do Código de Processo Civil.

Termos em que se requer a revogação do douto despacho de fl. 118°, devendo proferir-se acórdão determinando a cessação da obrigação alimentar e demais consequências,

O Ministério Público contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas respectivas conclusões, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, está em causa na presente apelação saber se, em face da maioridade do ora apelado, deve ser determinada a cessação da obrigação de alimentos estabelecida no âmbito do regime de exercício das responsabilidades parentais.

Com interesse para a decisão está assente:
Nos autos regulação do exercício das responsabilidades parentais respeitantes ao ora apelado “B” foram fixados alimentos a prestar pela ora apelante, sua mãe, no montante mensal de 50,00.
Tendo a devedora entrado em incumprimento dessa obrigação de alimentos foram ordenados descontos no respectivo vencimento.
O “B” completou a idade de dezoito anos no dia 05 de Outubro de 2010.
No ano lectivo 2010/2011, frequentou o 12.º ano no curso técnico de informática e de gestão.

O Direito:

Como se viu, está em causa saber se a prestação de alimentos fixada no âmbito do regime de exercício das responsabilidades parentais deve ser declarado cessada com a maioridade do alimentando. Estando igualmente em causa a forma de fixação de alimentos a prestar a filhos maiores, designadamente quando tiver sido fixada aquela prestação de alimentos.
A questão não é de solução pacífica, como é, desde logo evidenciado pelos termos do presente recurso, e confirmado pela sua apreciação em sede de doutrina e jurisprudência encontrada na breve indagação a que se procedeu.
Em termos de doutrina a decisão recorrida encontra apoio nos ensinamentos de Maria Clara Sottomayor, em Regulação do Exercício do Poder Paternal nos casos de Divórcio, 4.ª edição, a fls. 215 e seguintes; e de J.P. Remédio Marques, em Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) «Versus» o Dever de Assistência dos Pais Para Com os Filhos (Em Especial Filhos Menores). Não tendo sido identificada qualquer posição contrária.
Em termos de jurisprudência, as posições divergem, afigurando-se, no entanto, claramente maioritário o entendimento propugnado pela apelante.
No sentido da decisão recorrida, pode ver-se o acórdão do STJ de 06-07-2005, (relator Lucas Coelho), e o da Relação do Porto de 09-03-2006, (relator Fernando Baptista).
Mas em sentido contrário podem ver-se os acórdãos do STJ de 31-05-2007, (relator Salvador da Costa) e de 22-04-2008, (relator Pereira da Silva); e desta Relação de 25-05-2004, (relatora Rosa Ribeiro Coelho) e de 10-09-2009, (relatora Teresa Albuquerque).
Pela nossa parte, propendemos a subscrever esta última posição, por ser a que melhor se ajusta à norma estabelecida no art. 1880.º do C. Civil, a sede material do direito em discussão.
Estabelece o referido do referido preceito legal que, “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação de alimentos estabelecida no artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”
A estatuição de que a obrigação de alimentos se manterá após a maioridade, sugere uma ideia de continuidade, apontando no sentido da não cessação da prestação. E, segundo se julga, seria essa a solução mais adequada a tutelar os interesses em confronto.
Pois que o simples advento da maioridade não traz qualquer alteração às necessidades do alimentando, ou às possibilidades de o mesmo prover à sua subsistência; é cada vez mais comum o completamento da formação profissional ocorrer depois de se atingir a maioridade; e não se vê que o progenitor prestador de alimentos possa ter dificuldade relevante em saber se o filho se mantém, com utilidade, em formação profissional.
Seria, pois, indicado que o simples advento da maioridade não tivesse qualquer efeito na obrigação de alimentos do progenitor, estabelecida na menoridade.
Esta solução também parece encontrar algum eco no art. 1412.º do CPC, que regula o processo de jurisdição voluntária de fixação de alimentos a filhos maiores, designadamente no seu n.º 2, ao estabelecer que: “Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.”
Ou seja, havendo alimentos fixados no período da menoridade, e porque a maioridade não altera as necessidades de alimentos, a obrigação fixada deveria manter-se enquanto a sua alteração, ou cessação, não fosse objecto de apreciação no âmbito de um incidente a processar por apenso. Incidente, onde, designadamente, deveria ser discutida a verificação dos pressupostos do direito a alimentos enunciados no referido art. 1880.º do C. Civil, considerando-se a tramitação incidental adequada a suportar essa discussão.
Que, no caso, apenas estaria limitada à verificação de que o alimentando ainda não completou, sem culpa relevante, a sua formação profissional, uma vez que nada mais foi invocado.
Com o que, desde logo, se limitaria o número de acções, para mais intentadas por um filho, acabado de se tornar maior, contra o progenitor que não se disponibiliza a manter a prestação de alimentos que era necessária no período imediatamente anterior; e se evitaria a suspensão do recebimento dos alimentos logo após a maioridade, e até ser reconhecido o direito à sua manutenção, que, mesmo com efeitos retroactivos à data de propositura da acção, não supre a efectiva necessidade de os alimentos serem prestados no período a que respeitam; não advindo daí prejuízo relevante para a posição do devedor de alimentos que, se fosse o caso, podia obter a cessação da prestação com efeitos à data da maioridade, não lhe podendo ser reconhecidos interesses, ao menos nas situações em que se mostrem claramente verificados os pressupostos enunciados no art. 1880.º do C. Civil, cuja tutela legal justifique a sua discussão em acção autónoma, em acção a intentar pelo filho.
Apesar de tudo isso, parece não ser essa a solução estabelecida na lei, em particular no referido art. 1880.º do C. Civil, já acima transcrito. É que, nos termos em que o mesmo se mostra estruturado, a manutenção da obrigação alimentar após a maioridade do alimentando não é a regra, mas a excepção, cujos pressupostos devem, pois, ser alegados e provados por quem a invoca.
Ou seja, a obrigação de alimentos estabelecida para o período da menoridade cessa, em princípio, com o advento da maioridade, só se mantendo no caso de o alimentando ainda não ter completado, sem culpa grave, a sua formação profissional, e verificados os demais pressupostos do direito a alimentos. Sendo, pois, a regra a cessação da prestação, e não a sua manutenção, tendo também em conta que está em causa uma obrigação integrada no complexo de direitos/obrigações, em que se analisa o regime das responsabilidades parentais, que cessa com o advento da maioridade. E incumbindo ao credor de alimentos, que invoca a manutenção da correspondente obrigação, fazer prova dos pressupostos dessa manutenção, como excepção à regra da sua extinção.
Como, de resto, o aqui apelado já tomou a iniciativa de fazer, na acção que intentou para ver reconhecido o seu direito a alimentos, nos termos do art. 1880.º do C. Civil. E que seria desnecessária se o despacho recorrido pudesse ser confirmado.

Entende-se, pois, que deve ser reconhecida razão à apelante, não podendo ser mantida a decisão recorrida.


Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação, declarando-se cessada a obrigação de alimentos estabelecida no regime de responsabilidades parentais respeitante ao ora apelado “B” , e determinando-se a cessação dos descontos ordenados no vencimento da apelante para cumprimento coercivo dessa obrigação.
Sem custas.

Lisboa, 29 de Setembro de 2011

Farinha Alves
Ezagüy Martins
Maria José Mouro