Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5876/17.0T8PRT.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PRATICANTE DESPORTIVO
CAPACIDADE RESTANTE
VALOR DA PENSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I– Os valores das pensões decorrentes de acidentes de trabalho sofridos pelo praticante desportivo obedecem aos limites decorrentes do art.º 4.º, da Lei 27/2011, de 16 de junho. Com efeito,

II– Atendendo às especificidades que regem a prática desportiva, na consagração de tais limites, o legislador teve sobretudo em conta o facto de se tratar de profissão de desgaste rápido, cuja carreira é de curta duração (por regra situada nos 35 anos), a que andam associadas elevadas remunerações.

III– Por força dos princípios que regem a interpretação da lei (art.º 9.º do Código Civil), é de considerar que não tem o mínimo de correspondência com o texto da lei, nem resulta do seu elemento sistemático, histórico ou teleológico, que os referidos limites sejam aplicáveis em função do sinistrado e não em função de cada acidente.


(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


1.–Relatório

1.1.– AAA instaurou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra BBB, pedindo se condene a Ré no pagamento ao Autor de pensão anual e vitalícia a calcular em função da retribuição de € 1.903.200,00 e a IPP que vier a ser fixada ao mesmo, por força da IPP que o afeta. Juros moratórios vencidos e vincendos sobre a indemnização que lhe vier reconhecida, desde a data da alta até integral e efetivo pagamento. Alegou, para tanto, que celebrou com o …, um contrato de trabalho desportivo na época de 2014/2015. Em 14-12-2014, no exercício da sua atividade, em jogo de futebol oficial, sofreu um acidente, em consequência do qual ficou afetado de IPP. A entidade empregadora transferiu para a Ré a responsabilidade emergente de acidente de trabalho pela retribuição aí constante.

Regular e pessoalmente citada, a Ré deduziu contestação, excecionando que no Juízo do Trabalho, Juiz 8, corre termos o Processo n.º 3149/17.7T8LSB, emergente de um outro acidente de trabalho, sofrido pelo autor em 23-05-2015. Importa ter em consideração o princípio da capacidade restante. De igual modo, entende que as lesões em apreço não são causa de incapacidade permanente e, mesmo que assim não se entenda, mesmo perante a IPP de 7,88%, a comutação nunca daria a IPP pretendia pelo Autor. Conclui pela improcedência da ação.

Foi proferido despacho saneador, que julgou regular a instância. Foram fixados os factos assentes e selecionada a Base Instrutória, não tendo sido apresentadas reclamações.

Determinou-se o desdobramento do processo.

Em 16-03-2019, a Ré apresentou requerimento, sustentando aplicação do princípio da incapacidade restante em virtude de ao Autor, devido a outro acidente de trabalho ocorrido em 23-05-2015, ter sido fixada a IPP de 3% no âmbito do proc. 3149/17.7T8LSB.

Após realização de Junta Médica, foi proferida decisão no respetivo apenso, fixando ao sinistrado uma IPP de 2%, desde 15-07-2016.

Nesse apenso, foi ainda decidido que: “A entidade seguradora veio a fls. 79 do apenso de fixação da incapacidade invocar que ao sinistrado foi, entretanto, reconhecida uma IPP de 3% por acidente ocorrido em 31/05/2015, pelo que haverá lugar à observância da capacidade restante na atribuição de IPP nestes autos. A pretensão exposta pela entidade seguradora carece de fundamento legal. Com efeito, sendo o acidente dos autos anterior ao de 2015 (no âmbito do qual terá sido fixada IPP de 3%), as consequências advenientes de tal IPP na capacidade restante não se refletem nestes autos, mas sim no processo acima referenciado, caso venha a ser atribuída IPP nestes autos. Pelo exposto, indefere-se o requerido”

A Ré juntou articulado superveniente, alegando, em síntese, que naquele outro processo de acidente de trabalho, foi fixado ao Autor uma pensão que atingiu o limite máximo previsto no art.º º 4.º, alínea a), da Lei n.º 27/2011, de 16 de janeiro, esta limitação vale por sinistrado e não por acidente e respetiva pensão. Concluiu no sentido de que qualquer reparação por acidente de trabalho, deverá sempre ser atendida a pensão anual e vitalícia do acidente de 2015, já fixada, para que, pela acumulação de prestações pecuniárias nos dois acidentes, nunca seja ultrapassado o limite máximo de pensão anual e vitalícia, que está previsto na Lei nº 27/2011, de 16 de janeiro, o qual, no caso, e conforme art.º 4.º, alínea a), é de € 59.360,00.

O referido articulado superveniente não foi admitido.

Interposto recurso do correspondente despacho para esta Relação, foi, por decisão sumária da Relatora, tal despacho revogado e ordenada a admissão do referido articulado superveniente.

Admitido o dito articulado superveniente, ao mesmo respondeu o Autor, defendendo, em síntese, que a limitação legal é válida quanto a cada uma das pensões individuais associadas e cada um dos acidentes de trabalho a que o sinistrado seja sujeito; entender de forma diversa, viola a letra e o espírito da norma. Concluiu pela improcedência de tal entendimento, decidindo conforme peticionado.

Teve lugar a audiência final de julgamento.

Proferida sentença, nela se finalizou com o seguinte dispositivo:
Face ao exposto, decido condenar a Ré BBB
1.- a pagar ao sinistrado AAA a pensão anual e vitalícia de 39.967,20 €, acrescida dos juros de mora contados, à taxa supletiva legal, desde 16/07/2016, e até integral e efectivo pagamento;
2.- a actualizar anualmente a pensão, procedendo ao seu pagamento e dos juros legais a que haja lugar, com obediência aos limites consagrados no art. 4º, a), da Lei n.º 27/2011, de 16/06, até o sinistrado completar os 35 anos de idade, e aos limites previstos no art. 4º, b), daquele diploma legal, após a data em que o sinistrado complete os 35 anos.
*
Custas a cargo da Companhia de Seguros”.

1.2.Inconformada com esta decisão dela recorre a Ré seguradora, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
1.-No decurso deste processo foi fixada ao sinistrado uma IPP no processo nº 3149/17.7T8LSB, neste mesmo Juízo do Trabalho – Juiz 8, por douta decisão transitada em julgado e cuja certidão se encontra junta aos autos a fls..
2.-Essa IPP é de 3%, tendo originado o direito a uma PAV de 39.967,20 €
3.-Essa sentença transitou em julgado, não havendo fundamento para que a aqui recorrendo dela interpusesse recurso.
4.-A efetivação dos direitos emergentes de acidente de trabalho é feita em juízo, em processo próprio.
5.-No caso em apreço, o sinistro é anterior àquele em que foi fixada a IPP referida na conclusão nº 2, no entanto, estes autos foram significativamente mais demorados, tendo o outro processo chegado ao seu termo mais rapidamente do que este.
6.-Disso foi dando a Recorrente conhecimento aos autos, nomeadamente através da junção das certidões de fls. 
7.-Não obstante, na sentença de fixação de incapacidade de que se recorre e bem assim na sentença proferida na ação principal, o princípio da capacidade restante constante da al. d), do n.º5 das instruções gerais da tabela nacional de incapacidades não foi aplicado.
8.-Tal não aplicação do princípio coloca o sinistrado numa situação de enriquecimento ilícito injustificada, mais a mais sabendo-se que a Recorrente não pode alterar a decisão transitada em julgado no outro processo.
9.-Também disso tiveram conhecimento estes autos em devido tempo, não tendo a sentença recorrida procedido à correção da IPP considerando aquela que foi entretanto definida.
10.-É preciso não esquecer que, sem fixação da IPP, não existe forma de aplicar o referido princípio, pois dela ele está dependente, pese embora o facto que origina o direito seja o acidente. Além do mais,
11.-Nesse outro processo, que teve origem noutro sinistro, foi fixada uma IPP de 3% que conferiu ao sinistrado o direito a uma PAV de € 39.967,20.
12.-Devido à retribuição auferida de € 1.903.200,00 e ao grau de incapacidade atribuído, de 2% - mesmo sem considerar a aplicação do princípio da capacidade restante, o que não se concede - em conjugação a IPP entretanto fixada no processo a que já se aludiu no presente recurso, origina uma pensão de valor superior ao limite previsto no art.º 4.º da Lei nº 27/2011, de 16 de junho, ou seja, € 59.360,00.
13.-A devida interpretação do art.º 4º da Lei nº 27/2011, há-de ser conseguida com base no sentido e alcance do pensamento do legislador, mais do que a mera literalidade.
14.-É por demais evidente a preocupação de introduzir limites aos valores que resultariam da verificação de acidentes de trabalho na realidade de alguns profissionais, que em determinado momento da sua vida, lograram obter altas remunerações em atividade de desgaste muito rápido e em carreiras de curta duração.
15.-O limite às pensões referido no art. 4.º aplica-se por sinistrado e não por acidente, podendo ver-se, aliás, que o art.º 3º, quando trata da pensão por IPA, a qual, em princípio, é única, refere o seu plural, ou seja, “as pensões…”.
16.-Só este entendimento coloca em pé de igualdade todos os profissionais abrangidos por este diploma especial, que existe com o objetivo de tirar estes profissionais da realidade da generalidade dos trabalhadores.
17.-Não colhe o argumento da sentença recorrida que transporta o princípio da igualdade invocado pela seguradora para uma comparação com outros profissionais, pois que se o legislador decidiu retirar do abrigo da Lei 98/2009 este conjunto de profissionais, então a comparação terá forçosamente de ser feita dentro deste quadro, pois o legislador entendeu que estes (e só estes) carecem de tratamento legislativo diferenciado.
18.-É por demais evidente que a aplicação dos limites por sinistrado e não por acidente é a única interpretação legal que serve o objetivo do legislador, que é mitigar o recebimento de pensões originadas em salários milionários.
19.-Sem prejudicar os direitos de profissionais desportivos que não auferem os valores em causa e ganham ordenados “normais”, dado que tais salários não são suscetíveis de fazer funcionar o supra referido limite legal.
20.-A sentença recorrida viola, assim, tanto a al. d), do n.º 5 das instruções gerais da tabela nacional de incapacidades como o art.º 4º da Lei 27/2011, de 16 de Junho. Termos em que, concedendo provimento ao recurso, deve a sentença recorrida ser revogada e ser substituída por outra que condene a Ré no pagamento da pensão que realmente é devida ao sinistrado, tendo em atenção o princípio da capacidade restante e o limite do art.4º da Lei 27/2011, de 16 de junho, assim se fazendo JUSTIÇA!

1.3.O recorrido contra-alegou, com vista à confirmação da sentença e improcedência do recurso.

1.4.O recurso foi admitido na espécie, efeito e regime de subida adequados.

1.5.Remetidos os autos a esta Relação foi ordenada vista, tendo o Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitido parecer no sentido da manutenção da sentença e não provimento do recurso.

1.6.Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

Cumpre apreciar e decidir

2.– Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artigos 635.º, n.º s 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado. Assim, a questão que que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se deve aplicar-se na fixação da incapacidade permanente parcial que foi fixada ao Autor o princípio da capacidade restante, e se é aplicável, ao presente caso, o limite para os praticantes desportivos resultante do art.º 4.º, da Lei 27/2011, de 16 de junho.

3.– Fundamentação de facto

3.1.-A.- O Autor, AAA, exerceu a sua atividade de jogador profissional de futebol ao serviço da BBB, durante a época desportiva de 2014/2015, que se iniciou em 01-07-2014 e terminou em 30-06-2015.
B.-Durante o período referido em A), o Autor auferiu a retribuição anual ilíquida de € 1.903.200,00.
C.-No dia 14 de dezembro de 2014, pelas 20.30 horas, durante um jogo de futebol oficial, o Autor deu uma queda, tendo sido atingido pela bota de um jogador da equipa adversária no seu antebraço esquerdo.
D.-Em consequência do evento referido em C), o Autor sofreu fratura da diáfise do cúbito do braço esquerdo.
E.-Em 15-07-2016 foi atribuída ao Autor alta clínica, retomando o Autor a sua atividade profissional.
F.-A Ré pagou ao Autor as indemnizações legais devidas até à data da alta clínica.
G.-BBB, celebrou com a CCC acordo de seguro de acidentes de trabalho, do qual era beneficiário o Autor, titulado pela apólice AT 63217806, com as condições particulares constantes de fls. 5 dos autos, nos termos do qual transferiu a responsabilidade por acidentes de trabalho com base na remuneração anual de € 1.903.200,00.
H.-Por sentença proferida no Processo nº 3149/17.7T8LSB, do Juízo do Trabalho – Juiz 8, transitada em julgado em 15-11-2018 foi fixada ao sinistrado a existência da IPP de 3%, devida por acidente de trabalho ocorrido em 23-05-2015, e que lhe confere o direito uma pensão anual e vitalícia de € 39.967,20, desde 13 de fevereiro de 2016.
I.-Em consequência do evento referido em C) e da fratura referida em D), resultaram para o Autor cicatriz sem características patológicas, não aderente e indolor, no antebraço esquerdo; sem amiotrofias nos membros superiores; força muscular grau V/V; sem défices de mobilidade do punho, cotovelo ou antebraço; dor referida à apalpação profunda na facemedial do terço médio do antebraço esquerdo, que se considera aceitável face ao quadro clínico.
J.-Em consequência das sequelas mencionadas em H), o A. ficou afetado de uma Incapacidade Parcial Permanente de 2%.

3.2.– Factos não provados
1.–Em consequência evento referido em C) e da fratura referida em D), resultaram como sequelas:
- de hipotrofia de mais de 1 Cm do antebraço esquerdo;
- Cicatriz com 17 cm de cumprimento por 4 cm de eixo maior.

4.–Fundamentação de Direito

4.1.- Da aplicação do princípio da capacidade restante
Sustenta a Ré que nos presentes autos não foi aplicado o princípio da capacidade restante, o que coloca o sinistrado numa situação de enriquecimento ilícito injustificada, mais a mais, sabendo-se que a Recorrente não pode alterar a decisão transitada em julgado em outro processo.

Salvo o devido respeito, a Ré não tem razão.

Como resulta do princípio da capacidade restante, no caso de lesões múltiplas, o coeficiente global de incapacidade é obtido pela soma dos coeficientes parciais segundo o princípio da capacidade restante, calculando-se o primeiro coeficiente por referência à capacidade do indivíduo anterior ao acidente ou doença profissional e os demais à capacidade restante, fazendo-se a dedução sucessiva de coeficiente ou coeficientes já tomados em conta no mesmo cálculo (alínea d), do n.º 5, da TNI, aprovada pelo DL  352/2007, de 23 de outubro).
 
A este respeito, importa assinalar que a fls. 79, do apenso para fixação da incapacidade, veio a Ré requerer a observância da capacidade restante na atribuição da IPP a que se referem os presentes autos. Sucede que essa pretensão foi indeferida por despacho proferido em 15-05-2019 (fls. 85), o qual não foi impugnado pela Ré.

Registe-se também que o resultante da citada alínea d), do n.º 5 da TNI, sempre seria contrário à pretensão da Ré. Com efeito, na fixação do coeficiente global de atende-se, na fixação do primeiro coeficiente à capacidade anterior ao acidente (em questão) e nos demais à capacidade restante.

Ora, no caso em apreço, o acidente a que se reportam estes autos é anterior ao acidente também sofrido pelo Autor referente ao processo 3149/17.7T8LSB, pelo que a capacidade do Autor anterior aos presentes autos (a atender) era de 100%. Desta feita, a colocar-se questão do princípio da capacidade restante, a mesma devê-lo-ia ter sido naqueles autos e não nestes, visto que tal princípio implica, como se viu, se tenha em conta a data do acidente (e a (in)capacidade anterior) e não a sequência em que por força de circunstâncias processuais diversas foram fixados, relativamente a diferentes acidentes, coeficientes vários de incapacidade ao sinistrado. Termos em que improcede, sem mais, a presente questão.

4.2.Da aplicação do limite para os praticantes desportivos resultante do art.º 4.º da Lei 27/2011, de 16 de junho
Pretende a Ré, que o limite previsto no art.º 4.º da Lei 27/2011, de 16 de junho é aplicável ao caso em análise, visto que no referido processo 3149/17.7T8LSB, foi atribuída ao sinistrado a IPP de 3%, tendo-lhe sido fixada a pensão anual e vitalícia de €39.967,20, e nestes autos devido à retribuição auferida pelo sinistrado de €1.903.200,00 e ao grau de incapacidade atribuído de 2%, se originar uma pensão de valor superior ao limite previsto no referido dispositivo legal.

Sustenta a Ré que o mencionado limite se aplica por sinistrado e não por acidente, referindo o próprio art.º 3.º do diploma em questão, o plural, ou seja, “as pensões…”, mais dizendo que esta é a única interpretação que serve o objetivo do legislador, que é mitigar o recebimento de pensões originadas em salários milionários.

Desde já se adianta que seremos breves na análise da presente questão em virtude de a sentença recorrida se encontrar devidamente fundamentada e se acolher a decisão nela contida.

Como nota enquadradora, importa, contudo, assinalar que ao sinistrado, como praticante desportivo, são aplicáveis um conjunto de regras específicas diversas do regime legal aplicável à generalidade dos trabalhadores. Com efeito, ao contrato de trabalho do praticante desportivo aplica-se a Lei 54/2017, de 14 de julho (que revogou a Lei 28/98, de 26 de junho[i], alterada pela lei 114/99, de 3 de agosto), tendo sido também consagrado um regime próprio relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, nos termos previstos na Lei 27/2011, de 16 de junho (diploma este que revogou a Lei 8/2003, de 12 de Maio).

A Lei 27/2011, de 16 de junho tem a seguinte redação:
Artigo 1.º
Âmbito
A presente lei estabelece o regime específico relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais.
Artigo 2.º
Pensões por morte
1- Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte a morte, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, têm como limite global máximo o valor de 14 vezes o montante correspondente a 15 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da fixação da pensão, até à data em que o sinistrado completaria 35 anos de idade.
2- Após a data em que o sinistrado completaria 35 anos de idade, o limite global máximo previsto no número anterior passa a ser de 14 vezes o montante correspondente a 8 vezes a retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da alteração da pensão.
3- Se não houver beneficiários com direito a pensão, reverte para o Fundo de Acidentes de Trabalho uma importância igual ao triplo do limite máximo previsto nos números anteriores.
Artigo 3.º
Pensões por incapacidade permanente absoluta
1- Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, obedecem aos seguintes limites máximos:
a)-14 vezes o montante correspondente a 15 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da fixação da pensão, até à data em que o praticante desportivo profissional complete 35 anos de idade;
b)-14 vezes o montante correspondente a 8 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da alteração da pensão, após a data referida na alínea anterior.
2-Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, só são devidas até à data em que o praticante complete 35 anos de idade e tem como limite máximo 14 vezes o montante correspondente a 15 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da fixação da pensão.
Artigo 4.º
Pensões por incapacidade permanente parcial
Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte uma incapacidade permanente parcial para todo e qualquer trabalho, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, obedecem aos seguintes limites máximos:
a)-14 vezes o montante correspondente a 8 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da fixação da pensão, até à data em que o praticante desportivo profissional complete 35 anos de idade;
b)-14 vezes o montante correspondente a 5 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da alteração da pensão, após a data referida na alínea anterior.
Artigo 5.º
Tabela de incapacidades específicas
Nos casos previstos nos artigos anteriores, ao grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidente de trabalho e doenças profissionais corresponde o grau de incapacidade previsto na tabela de comutação específica para a actividade de praticante desportivo profissional, anexa à presente lei, da qual faz parte integrante, salvo se da primeira resultar valor superior.
Artigo 6.º
Incapacidades temporárias
Nos contratos de seguros celebrados entre as entidades seguradoras e as entidades empregadoras dos segurados podem ser estabelecidas franquias para os casos de incapacidades temporárias.
Artigo 7.º
Acompanhamento clínico e reabilitação do sinistrado
1-Podem ser celebrados acordos e protocolos entre as entidades seguradoras e as entidades empregadoras dos sinistrados para que estas possam conduzir o processo clínico, terapêutico e medicamentoso de recuperação dos sinistrados, através dos seus departamentos especializados.
2-A entidade seguradora pode, sempre que entenda, incumbir um médico de acompanhar o processo de recuperação do sinistrado junto dos departamentos referidos no número anterior.
3-Para efeitos do acompanhamento previsto no número anterior, pode igualmente prever-se no contrato de seguro, ou no protocolo, a obrigação de a entidade empregadora enviar ao departamento clínico da entidade seguradora os elementos clínicos pertinentes, designadamente relatórios médicos, exames complementares de diagnóstico, protocolos cirúrgicos e boletins de exame e de alta.
4-Em caso de discordância sobre o diagnóstico da lesão ou sobre a adequação das técnicas ou meios empregues no processo de recuperação do sinistrado, prevalece o parecer clínico emitido por um médico indicado pela federação desportiva da modalidade praticada pelo sinistrado, cabendo, no entanto, à entidade empregadora a continuidade de todos os tratamentos e demais prestações que sejam necessárias.
Artigo 8.º
Boletins de exame e alta
1-No caso previsto no n.º 1 do artigo anterior, a entidade empregadora, através do respectivo departamento médico, é responsável pelo cumprimento das obrigações constantes do artigo 35.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, designadamente garantindo a entrega ao sinistrado dos boletins de exame e de alta clínica.
2-O sinistrado, ao receber o boletim de alta, deve declarar que tomou conhecimento do respectivo conteúdo, assinando dois exemplares do mesmo, que entrega à entidade empregadora.
3-A entidade empregadora deve entregar um dos exemplares do boletim de alta, assinado pelo sinistrado, à entidade seguradora, nos termos previstos no n.º 3 do artigo anterior, e remeter o outro à federação desportiva da modalidade praticada pelo sinistrado.
4-No caso de o sinistrado se recusar a assinar o boletim de alta nos termos previstos no n.º 2, o clube informa de imediato a federação, não sendo permitida a inscrição do sinistrado em qualquer competição oficial enquanto permanecer essa recusa.
Artigo 9.º
Contrato de seguro
1-No acto do registo do contrato de trabalho desportivo, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 6.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, é exigida prova da celebração do seguro de acidentes de trabalho.
2-A celebração de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, em relação ao praticante desportivo profissional, dispensa a respectiva cobertura por um seguro de acidentes pessoais ou de grupo.
Artigo 10.º
Direito subsidiário
À reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho de praticantes desportivos profissionais é aplicável a regulamentação do regime de reparação de acidentes de trabalho, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente lei.

(…)”.

Sucede que as razões que presidiram à publicação do referido diploma constam da Proposta de Lei 43/XI, cuja redação, com exceção do seu art.º 4.º n.º 2[ii], foi transposta, para o novo diploma – a dita Lei 27/2011.

Ora, consoante resulta da exposição de motivos da referida Proposta de Lei:
“A Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, aprovada pela Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro, garante a institucionalização de um sistema de seguro obrigatório dos agentes desportivos inscritos nas federações desportivas, o qual, com o objectivo de cobrir os particulares riscos a que estão sujeitos, protege em termos especiais o praticante desportivo de alto rendimento.
O praticante desportivo de alto rendimento é aquele que, estando registado, desenvolve a prática desportiva nos limites da capacidade do ser humano e que, por maioria de razão, tem riscos agravados, quer no seu treino, quer em competição, estando sujeito a um maior número de lesões. O referido sistema de seguro desportivo obrigatório, incluindo o do praticante desportivo de alto rendimento, está actualmente regulamentado no Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro.

Este enquadramento legal foi complementado por um regime específico, constante da Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio, relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, entendendo-se como tais aqueles que estão abrangidos pelo disposto na Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, alterada pela Lei n.º 114/99, de 3 de Agosto. Tal regime específico procurou ter em conta a circunstância de que estas profissões se configuram como profissões de desgaste rápido, de baixa média etária, que são objecto de carreiras cuja duração é bastante inferior à das demais carreiras profissionais, a imposição de limites máximos às pensões devidas aos praticantes desportivos profissionais assenta, sobretudo, na curta carreira do desportista, a qual também acaba por condicionar em grande medida os rendimentos auferidos por estes profissionais. Carreira essa que em regra não ultrapassa os 35 anos de idade.
A experiência entretanto colhida veio, porém, a demonstrar, por um lado, que se equipararam os regimes aplicáveis à reparação dos danos em caso de morte e de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho sem qualquer decréscimo da pensão após a data em que o sinistrado complete, ou completaria, 35 anos de idade e, por outro, que neste tipo de profissões, os rendimentos auferidos por estes profissionais estão condicionados à curta duração da sua carreira, que em regra não ultrapassa os 35 anos de idade. Aquela opção, ao não entrar em linha de conta com a curta carreira do desportista, está na origem de diversas decisões judiciais que fixaram pensões vitalícias de montante excessivamente elevado, porque assentam em elevados salários que tais praticantes auferiram durante a sua carreira desportiva, solução que é manifestamente pouco equitativa e a que se obvia com a presente lei. Acresce que se torna ainda necessário regular a formalização da alta clínica, porquanto as omissões do cumprimento dos procedimentos legais nesta matéria têm permitido que sejam intentadas acções emergentes de acidentes de trabalho vários anos volvidos sobre a ocorrência dos mesmos, numa fase em que já é difícil o estabelecimento de um nexo de causalidade entre as sequelas que apresentam e as lesões sofridas e, quase sempre, apenas no final da carreira dos praticantes desportivos profissionais. Por último, eliminou-se a possibilidade de atribuição de reparação de acidentes incapacitantes para o trabalho habitual, depois dos 35 anos, por se entender não ser expectável o exercício da profissão depois daquela idade. Nestes termos, importa proceder a diversos ajustamentos no regime de reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho de desportistas profissionais, por forma a consagrar soluções mais justas e equitativas, que não sejam causa de encargos desproporcionados no que respeita ao custo dos respectivos seguros”. (Negritos, itálicos e sublinhados nossos).

Posto isto, importa considerar os princípios que regem a interpretação da lei, por via dos quais, consoante prescreve o art.º 9.º do Código Civil;
 “1.A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2.Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3.Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Neste domínio não pode deixar de assinalar-se o consignado, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-02-2007, proc. 06S3411, in www.dgsi.pt. que:
«[a] interpretação jurídica tem por objeto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo. A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma "tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal" (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).
Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).
O
elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar. Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto direta e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo.
A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados: tal distinção, como adverte FRANCESCO FERRARA (ob. cit., pp. 147-148), não deve confundir-se com a interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à mens legis.
A interpretação extensiva aplica-se, no dizer de BAPTISTA MACHADO (ob. cit., pp. 185-186), quando "o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não diretamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei".
Na interpretação restritiva, pelo contrário, "o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva" (cf. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., p. 186).

Por sua vez, a interpretação revogatória terá lugar apenas quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável e, finalmente, a interpretação enunciativa é aquela pela qual o intérprete deduz de uma norma um preceito que nela está virtualmente contido, utilizando, para tanto, certas inferências lógico-jurídicas alicerçadas nos seguintes tipos de argumentos: (i) argumento a maiori ad minus, a lei que permite o mais, também permite o menos; (ii) argumento a minori ad maius, a lei que proíbe o menos, também proíbe o mais; (iii) argumento a contrario, que deve ser usado com muita prudência, em que, a partir de uma norma excepcional, se deduz que os casos que ela não contempla seguem um regime oposto, que será o regime-regra (cf. BAPTISTA MACHADO, obra citada, pp. 186-187).
Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que "[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada" (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode "ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso" (n.º 2); além disso, "[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3)"» (nossos sublinhados)

A esta luz, atendendo aos aludidos princípios, importa assinalar o seguinte:
- Não resulta minimamente do texto do citado art.º 4.º da Lei 27/2011, que os limites aos valores das pensões devam aferir-se em função do sinistrado e não em função de (cada) acidente de trabalho e correspondente pensão.
O legislador refere-se a pensões e tem em consideração, no que se refere às coordenadas que envolvem a fixação dos limites que fixa, tanto na alínea a) como na alínea b), a data da fixação da pensão (de cada pensão). 
- Por outro lado, como emerge da aludida Proposta de Lei, atendeu-se às especificidades de que se reveste o exercício da prática desportiva; ao facto de se tratar de profissão de desagaste rápido, de curta duração, levada a cabo normalmente por pessoas (muito) jovens. E pretendeu-se limitar os encargos daí resultantes em termos de pensões por acidente de trabalho, sempre com base na ideia da curta carreira desportiva (e dos montantes remuneratórios elevados, que de modo geral lhe andam associados), carreira essa  que em regra não ultrapassa os 35 anos de idade.

Em parte alguma da mencionada Proposta de Lei (que, insiste-se, foi transposta quase integralmente para a Lei 27/2011), o legislador estabelece limite ao valor das pensões a atribuir a este tipo de profissionais assente no número (ou cúmulo) de acidentes de trabalho sofridos pelo sinistrado/praticante desportivo. O que, considerando o risco de ocorrência de lesões várias e inúmeros acidentes a que estão sujeitos tais profissionais, o mesmo legislador não desconhecia - como resulta igualmente da exposição de motivos da referida Proposta de Lei.

- Acresce ainda que tão pouco essa situação resulta do previsto na Lei 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), que, como é sabido, estabelece o regime dos acidentes de trabalho e doenças profissionais e é de aplicação subsidiária relativamente ao diploma que vimos interpretando (art.º 10.º). Assinala-se, a este propósito, que as leis se interpretam em conjugação com outras, todas se integrando na unidade do sistema jurídico.
- Importa, outrossim, atentar, consoante se fez constar na sentença recorrida:  “(…) a lei não se afasta do princípio geral da reparação decorrente do instituto de responsabilidade civil (e a responsabilidade emergente de acidente de trabalho, como vimos, é ainda responsabilidade civil pelo risco), segundo o qual um dano está associado a um facto; assim, qualquer reparação deve ter por base aquele dano resultante daquele facto (art. 283º, n.º 1, do CT). Desta feita, qualquer limitação prevista na lei tem por perímetro delimitador a reparação daquele dano específico associado ao facto que lhe deu causa (in casu, um evento qualificado como acidente de trabalho). Só assim se consegue que o sinistrado fique in damne. De outro modo, concorrendo para aquela limitação outros danos que contribuam para um cômputo indemnizatório global limitado, qualquer evento que produza dano, cujo valor já não se compreenda no todo ou em parte na indemnização (leia-se, pensão) que já foi fixada, por conta de outro(s) facto(s) e de outro(s) dano(s), ficará por indemnizar/reparar. Ora, como se vê da leitura daqueles artigos, e, nomeadamente, do art. 4º, daquele diploma legal, não foi isso o que a Lei pretendeu. De facto, aquele artigo versa sobre os limites das “pensões” por incapacidade permanente parcial calculadas nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro. Ora, naquele diploma inexiste qualquer forma de cálculo que verse um cúmulo jurídico ou material de pensões. Assim, aquela pensão é calculada tendo por base, apenas e só, o facto originador da lesão e subsequente sequela e o grau de desvalorização a esta associado, com perfeita autonomia face a outros acidentes e sequelas (e consequentes desvalorizações da capacidade de ganho aí fixadas; isto, sem prejuízo do princípio da capacidade restante, que vale para os acidentes futuros, mas não para os passados). (…) cada acidente dará lugar a uma reparação mediante a atribuição de uma pensão e esta pensão obedece àquele limite. Se, em momento posterior ao 1º acidente, o sinistrado tem outro acidente, este outro acidente dá lugar a uma reparação, mediante a atribuição de uma pensão, que também obedecerá (de modo autónomo e independente face à primeira pensão) àquele limite, e assim sucessivamente se o sinistrado for tendo outros acidentes de trabalho que importe reparar. (…) a lei não fixa a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho sofridos por um praticante desportivo a um tecto máximo, a partir do qual deixaria de haver lugar à reparação por incapacidade parcial permanente. A lei mantém sempre a obrigação de reparar os danos emergentes de acidente de trabalho dos quais resulte uma incapacidade permanente parcial para todo e qualquer trabalho, apenas limitando os valores indemnizatórios associados a cada uma das reparações, que o mesmo é dizer, a cada uma das pensões. Veja-se que a lei começa por referir “para efeitos de reparação de danos emergentes de acidente de trabalho (…) as pensões anuais calculadas (…) obedecem aos seguintes limites (…)”.  Finalmente, diremos que, fixando a lei que as pensões anuais obedecem aos seguintes limites, quis a lei manter a pluralidade de pensões, o que pressupõe a limitação referente a cada uma e não ao seu conjunto. De facto, se um primeiro acidente de trabalho deu origem a uma pensão que foi fixada naquele limite máximo; ocorrendo um segundo acidente, e aplicando-se aquela limitação ao todo, não haveria lugar à sua reparação, que o mesmo é dizer não haveria pensão a limitar, pelo que não faria sentido falar-se em “pensões”. Não fixando a lei uma regra de cúmulo de pensões da qual resulte uma pensão única, que tenha um limite máximo, julgamos que o uso do plural “pensões” vem sublinhar a autonomia de todas elas face às restantes. Por força desta autonomia, aqueles limites são aplicáveis de forma independente e autónoma a todas elas, podendo o cômputo global das pensões unitariamente fixadas (ainda que com observância daqueles limites) ir além do valor máximo ali previsto. Note-se que a não ser assim, ficamos na dúvida sobre qual pensão fixa o limite máximo: a mais antiga? a mais recente? E isto porque a remuneração mínima mensal garantida a considerar é aquela que vigorar à data da fixação da pensão. De que pensão, então, sendo elas várias? Por sinal, naquele outro processo de acidente de trabalho a data da alta também ocorreu no ano de 2016. Mas e se tivesse ocorrido em 2020? Seria a RMMG em vigor em 2020 a fixar o limite de uma pensão que reparava também as sequelas de um acidente verificado anos antes (com alta ocorrida anos antes)? Julgamos que não. Não colhe, por isso, a argumentação da R. de acordo com a qual só a posição por si defendida garantiria a igualdade de tratamento face aos demais trabalhadores (não desportistas profissionais), tendo em consideração que, na actividade desportiva profissional, as retribuições são elevadíssimas e as carreiras são curtas. Não percebemos a que referente de igualdade se refere a R., na medida em que, ao contrário do que alega, se nos afigura que a sua posição assenta, antes, em igualitarismo (forçado). Querer tratar de forma igual aquilo que é diferente dificilmente será corresponder a um princípio de igualdade. De todo o modo, sempre se diga que, no mundo moderno, outras profissões há que permitem aos trabalhadores conseguir salários milionários sem que estejam sujeitos àqueles limites por não serem profissionais do desporto. Ora, quanto a estes é inequívoco que, sofrendo vários acidentes, têm direito a uma pensão (sem limite máximo) por cada um deles, ao abrigo da lei geral da reparação de acidentes de trabalho. Se assim é quanto àqueles outros trabalhadores não desportistas profissionais que têm salários elevados e equiparados aos destes últimos, assim não deixa de ser, também, quanto aos trabalhadores com salários mais baixos. De facto, um trabalhador desportista profissional, por um único acidente de trabalho que lhe atribuísse a pensão anual no seu limite máximo (p. exp. de 60.000,00 €), ficaria impossibilitado de ser reparado dos danos decorrentes de uma IPP de um segundo acidente (o dano de uma IPP é reparado mediante o pagamento de uma pensão, atento o disposto nos arts. 23º, b) e 48º, n.º 3, c), da Lei n.º 98/2009, de 04/09), ou terceiro ou quarto acidente. Pelo contrário, um trabalhador não desportista profissional, com uma retribuição mais baixa, se tivesse três acidentes, com o arbitramento de pensões anuais e vitalícias de 25.000,00 € cada, poderia, com a mesma idade e um salário mais baixo do que aquele, receber um valor global compensatório (75.000,00 €) superior aos 60.000,00 €. Esta injustiça torna-se mais gritante se considerarmos aqueles valores, para o trabalhador não profissional, são actualizados todos os anos, sem qualquer limite (em ordem a evitar uma perda efectiva de rendimento, face ao desvalor da “moeda” associado à inflação); pelo contrário, o trabalhador profissional do desporto, a partir dos 35 anos, vê a sua pensão (global) sujeita a um novo limite mais baixa do que o primeiro. Ou seja, quem recebia 75.000,00 €, ao fim de cinco anos receberá, por ex., 78.000,00 €; quem recebia 60.000,00 €, ao fim de cinco anos passará a receber apenas, p. ex., 40.000,00 € (por mais acidentes que tenha “acumulado” e que lhe causaram dano). Daqui logo resulta que, se há dano para o tratamento igual de trabalhadores, ele traduz a sua influência negativa sobre o profissional do desporto que, no limite, acabará por ver danos por si sofridos não reparados (no todo ou em parte), atenta a impossibilidade de fixação de uma pensão (no todo ou em parte). A solução proposta pela R. é tão mais incongruente quanto é certo que levaria à solução perversa de quanto maior for o dano (e o dano em apreço é o dano patrimonial consistente na perda da capacidade de trabalho e de ganho e a sua projecção nos rendimentos futuros) menor, em termos relativos, é a pensão na medida em que o que vem depois ou é totalmente desconsiderado (por ultrapassar aquele limite legal global), ou é parcialmente atendido apenas e só na diferença entre a pensão anterior e o limite legal que ainda não foi atingido pela primeira pensão. Ou seja, um trabalhador profissional do desporto com uma IPP de 9% que atinge o limite legal da pensão – por ex. 60.000,00 € -, se sofrer um segundo acidente de trabalho que lhe atribua uma IPP de 5% (que levaria a que, face ao princípio da capacidade restante, ficasse afectado de uma IPP global de 13,55%), apesar de apresentar uma perda da capacidade de trabalho e de ganho maior, não veria a sua pensão aumentar, tudo permanecendo na mesma (o que constitui uma verdadeira diminuição da reparação face ao incremento do dano, atenta a não modificação, para mais, da pensão fixada). Pelo contrário, um trabalhador não profissional do desporto com uma IPP de 9% que lhe atribua uma pensão anual e vitalícia de 60.000,00 €, se sofrer um segundo acidente do qual resulte uma IPP de 1% (que levaria a que, face ao princípio da capacidade restante, ficasse afectado de uma IPP global de 9,91%), auferirá um valor global a título de pensões anuais e vitalícias de p. ex. 61.000,00 €. Ou seja, aquele que tem um grau de desvalorização global superior a título de IPP (13,55%) passaria a receber uma pensão inferior (60.000,00 €) à quantia recebida a esse título (pensões: 61.000,00 €) por quem tem um grau de desvalorização global inferior de IPP (9,91%). Finalmente, diga-se que o legislador já teve em consideração o desgaste associado à profissão quando estabeleceu uma tabela de comutação e fixou datas para a operância desses limites (tendo-se considerado a idade de 35 anos, como uma idade de charneira normal para termo da actividade profissional de desportista, atento o desgaste que a mesma importa e a condição física associada à sua prática com produtividade)”.

Assinale-se, por fim, que mesmo nos casos em que o trabalhador já aufere uma pensão por acidente de trabalho que atinja o limite máximo, o contrato de seguro de que gozam os praticantes desportivos, não deixa de vigorar (continuando a serem cobrados os respetivos prémios), pelo que tão pouco faria sentido que o sinistrado não pudesse continuar a beneficiar da cobertura do seguro de acidentes de trabalho. Nessa perspetiva, e em linha com o disposto no art.º 9.º n.º 1, da Lei 27/2001 e art.º 79.º, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro,  caso venha a ser vítima de acidente de trabalho, assiste-lhe o direito às prestações previstas no art.º 23.º da referida Lei 98/2009 (1 -O direito à reparação e as seguintes prestações: a)-Em espécie - prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa; b)-Em dinheiro - indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei), onde se inclui o direito a pensão, sob pena de ocorrer violação do direito à justa reparação (art.º 59.º n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa).

Em suma, não se vislumbram razões para acolher a posição da Ré (que, a colocar-se, salvo melhor opinião, será em termos de direito a constituir e não no plano do direito vigente). O que nos leva a concluir, sem outros considerandos, pela improcedência da presente questão.

5.–Decisão

Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela Ré.



Lisboa, 2021-09-15



Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Alves Duarte


[i]Este diploma viria a ser objecto de análise critica por parte de Albino Mendes Batista, “Especificidades do contrato de trabalho desportivo”, in “Estudos sobre o contrato de Trabalho Desportivo”, Coimbra Editora, pág. 16 e sgs.e
[ii]Com a seguinte redação:
Artigo 4.º Pensões por incapacidade permanente parcial
(…)
2- - Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte uma incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, só são devidas até à data em que o praticante complete 35 anos de idade e têm como limite máximo 14 vezes o montante correspondente a oito vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da fixação da pensão.