Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3095/17.4T8BRR.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: DOENÇA PROFISSIONAL
REFORMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I. Nos termos do disposto no art.º 155 do Código de Processo do Trabalho o regime previsto nos art.º 117 e ss. para os acidentes de trabalho aplica-se às doenças profissionais, porém “com as necessárias adaptações”, não sendo, pois, o processado de um e de outro, totalmente igual;
II. No processo para efetivação de direitos resultantes de doença profissional, fase contenciosa, justifica-se o desdobramento para fixação da incapacidade, nos termos do disposto nos art.º 131, n.º 1, al. e), 132, n.º 1 e 155 do Código de Processo do Trabalho, de um trabalhador entretanto reformado por incapacidade.
III. É razoável que uma junta médica, no apenso de fixação de incapacidade, conclua, fundamentadamente, que não pode pronunciar-se sobre a desvalorização decorrente de doença profissional, na medida em que, no caso, não se verifica uma tal doença. De outro modo, estar-se-ia a praticar atos inúteis, violando o princípio da limitação dos atos consagrado no art.º 130 do Código de Processo Civil.
IV. As nulidades da decisão devem ser arguidas expressa e separadamente perante o Tribunal recorrido, sem o que o seu conhecimento fica prejudicado por extemporaneidade (art.º 77/1, CPT).
V. Nos termos dos art.º 283, n.º 2 e 3, do Código do Trabalho e 94, n.º 1 e 2, da Lei 98/20o9, de 4.9, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, doença profissional é (1) aquela que resulta diretamente das condições de trabalho, consta da Lista de Doenças Profissionais e causa incapacidade para o exercício da profissão ou morte; e (2) a lesão corporal, a perturbação funcional ou a doença não incluídas na lista, que sejam consequência, necessária e direta, da atividade exercida e não representem normal desgaste do organismo.
 VI. Não se provado que a doença do trabalhador resulta diretamente das condições de trabalho, e nem que é consequência, necessária e direta, da atividade exercida, a ação improcede.
VII. Não se vislumbrando vícios nem se vendo que o requerente tenha tido alguma especial dificuldade em carrear a prova que entendesse pertinente, não cabe anular diligências ou renovar a prova.
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.
A) Requerente e recorrente, designado por comodidade por A. (de autor): AAA
Requerido: Departamento de Proteção Contra Riscos Profissionais, Instituto de Segurança Social, IP.
O requerente alegou que exercia funções inerentes à categoria profissional de “técnico de grau III” na Direcção Geral de Risco da Caixa Geral de Depósitos; por força das funções desempenhadas veio a desenvolver síndroma depressivo grave, tendo em conta a categorização do stress laboral como risco psicossocial, enquadrável nos grupos de riscos associados ao trabalho; nesta sequência, apresentou requerimento ao DPRP solicitando o reconhecimento da doença de que padece, tendo o mesmo sido indeferido; reclamou daquela decisão, certo sendo que, por despacho de 18/01/2017, foi indeferido o seu pedido; não se conforma com aquelas decisões, pois padece de doença profissional que o afeta e que deve, em conformidade, ser reconhecida, com as legais consequências.
Com estes fundamentos pediu ao Tribunal o reconhecimento de que padece de doença profissional (psiquiatria), e a condenação do R. no pagamento àquele da pensão anual correspondente ao grau de desvalorização que lhe vier a ser reconhecido.
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Citado, o Réu contestou, impugnando a existência de qualquer doença, relacionada com o exercício das funções desempenhadas pelo A.
Conclui pedindo a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.
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Saneados os autos, com seleção dos factos assentes e da base instrutória, procedeu-se ao desdobramento do processo com vista à determinação da doença profissional e fixação do grau de desvalorização.
No apenso de fixação da doença realizou-se junta médica de psiquiatria. Os Peritos Médicos decidiram por unanimidade, cfr. fls. 14/15, que “o autor sofre de episódio depressivo moderado, o que não configura uma doença profissional.” Em 28/09/2018 foi proferida decisão final no apenso de não reconhecimento de que o A. padeça de doença profissional do foro psiquiátrico.
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Em 18.1.2009 foi proferida sentença neste processo principal que considerou inexistir doença profissional e absolveu o requerido do pedido.
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O A. não se conformou com esta decisão e recorreu, concluindo:
(…)
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O R. contra-alegou e pediu a improcedência do recurso da A., concluindo:
(…)
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O DM do Ministério Público teve vista e pugnou pela manutenção da sentença.
Não houve resposta ao parecer.
Foram colhidos os competentes vistos.
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II
A) É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objeto do recurso em apreciação, que no caso é o da seguradora, se limita em face das conclusões insertas nas alegações da recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC.
Deste modo o objeto do recurso consiste em saber se existe nulidade da sentença por falta de fundamentação, ou qualquer outra nulidade que imponha a realização de outras diligências.
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São os seguintes os factos considerados provados, após a realização do julgamento:
A) O Autor AAA exercia funções inerentes à categoria profissional de “técnico de grau III”, na Direção (…).
B) Por ofício datado de 14.01.2016, endereçado ao ora Autor pela Ré, consta:
“Assunto: Notificação da decisão de indeferimento Psiquiatria
Informamos que o requerimento relativo a pensão por incapacidade permanente para o trabalho será indeferido se, no prazo de 10 dias úteis a contar da data de recepção deste ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam impedir o indeferimento, juntando meios de prova, se for caso disso.
Os fundamentos para o indeferimento são os a seguir indicados:
Não estar afectado por doença caracterizada como doença profissional ou não ter estado exposto ao risco pela natureza da indústria, actividade ou condições, ambiente e técnicas de trabalho habitual”.
C) Por ofício datado de 24.01.2017, endereçado ao ora Autor pela Ré, consta:
“Relativamente ao pedido de diagnóstico e caracterização de doença profissional, informo V. Exa. que, por despacho do Director do (...)  datado de 18.01.2017, foi indeferido o pedido nele formulado, pois o quadro clínico do doente não é passível de ser classificado como doença profissional-Psiquiatria.”.
D) Em consulta de medicina interna do trabalho, em 02.02.2009, por, na opinião do médico que o observou, apresentar síndrome depressivo arrastado, com alterações cognitivas, o A. foi encaminhado para eventual acompanhamento por psiquiatria e psicologia.
E) O Autor passou a ser acompanhado por Psiquiatria e Psicologia, após consulta realizada a 02/02/2009.
F) Após baixa prolongada, o Autor foi aposentado por invalidez.
G) O Autor actualmente continua a ser acompanhado por Psiquiatria, sendo medicado para controle da doença.
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Resulta ainda dos autos
H) No apenso de fixação de incapacidade para o trabalho foi proferida sentença, em 28.09.2018, decidindo nestes termos:
"Face ao exposto, não reconheço que o autor AAA padece de doença profissional do foro psiquiátrico.
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A sentença proferida no processo principal considerou não provado:
1º O Autor foi colocado na Direcção (…).
2º Esta colocação sujeitou o Autor a intensa pressão psicológica.
3º Foi atribuído ao Autor um trabalho pouco estimulante e rotineiro.
4º O Autor foi o único técnico a ser colocado no Núcleo de Apoio.
5º Após a colocação referida em 1), o Autor passou a não se identificar com o trabalho que executava.
6º E passou a não ter expectativa em relação ao futuro.
7º O Autor após a colocação referida em 1), passou a ser uma pessoa ansiosa e com níveis de stress elevados.
8º Passou a viver de forma triste, desgostosa e desmotivada quanto ao seu percurso profissional.
9º Em consulta de medicina interna do trabalho, em 02.02.2009, na opinião do médico que o observou, o A. apresentava síndrome depressivo acentuado.
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De Direito
Das nulidades
1ª Defende o recorrente que não devia ter havido sequer desdobramento do processo, com formação de apenso, porquanto já não estava a trabalhar, antes estava "aposentado por invalidez desde o dia 1.4.2014 (...), pelo que nunca poderia ser fixada qualquer  incapacidade de trabalho ao A."
O argumento é de difícil compreensão.
Primeiro: qual a nulidade que isto, supostamente, consubstancia? O requerente não o diz e não se vê qualquer vício dessa natureza.
Segundo: a decisão que determinou o desdobramento é de 17.11.17, data em que teve lugar o saneamento dos autos e a condensação da matéria de facto. O requerente não estava impedido de arguir a pretensa nulidade em reclamação autónoma (neste sentido, cremos, cfr. o Acórdão desta Relação de Lisboa de 9.1.2008, rel. Desemb. Leopoldo Soares), pelo que a questão é, agora, extemporânea (art.º 199/1 e 149/1, ambos do Código de Processo Civil).
Terceiro: pode evidentemente haver incapacidade para o trabalho não obstante o prestador da atividade não estar a trabalhar (em regra exatamente devida a uma situação de incapacidade, mesmo que apenas temporária). Aliás, é próprio da doença profissional gerar incapacidade para o trabalho ou de ganho (cfr. art.º 97, n.º 1, da LAT, por referencia ao art.º 19, para o qual remete, relativo aos acidentes de trabalho). De resto, basta ao recorrente ler a sua própria petição inicial e os quesitos apresentados para junta médica, para ver que está realmente em causa uma alegada incapacidade.
Portanto, inexiste qualquer nulidade nesta parte que cumpra conhecer.
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2ª Da decisão que não reconhece a existência de doença profissional.
Insurge-se o requerente porquanto no apenso o Tribunal a quo decretou logo inexistir doença profissional, quando deveria ter-se pronunciado apenas quanto à incapacidade; o mesmo fez a Junta Médica. Há, portanto, nulidade da sentença proferida no apenso por excesso de pronúncia. Acresce que o nexo de causalidade é fixado de forma insensata.
Vejamos. É certo que o art.º 132, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho dispõe que "a fixação da incapacidade para o trabalho corre por apenso, se houver outras questões a decidir no processo principal". Logo, neste apenso do processo especial por acidente de trabalho, determinado aquando do saneamento (art.º 131/1/e, CPT), importa apurar essencialmente o grau de incapacidade
Importa, ter presente, no entanto, que não estamos num procedimento de acidente de trabalho, mas sim de doença profissional, o qual segue os termos previstos nos art.º 117 e ss. "com as necessárias adaptações", de harmonia com o disposto no art.º 155, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
Ora, conhecer a (in)existência de uma doença profissional é precisamente um caso em que se impõe a adaptação das normas dos acidentes de trabalho, visto que, de outro modo, estar-se-ia a violar o princípio da limitação dos atos, praticando atos inúteis, e como tal proibidos por lei (art.º 130 Código de Processo Civil), na exata medida em que se apurava uma incapacidade de doença fora da lista legal e sem os demais pressupostos, e, portanto, não profissional.
Visto o laudo, vê-se que foi precisamente o que ocorreu. Ao quesito que visava saber se o requerente padece de doença profissional, a resposta dos peritos foi "não configura uma doença profissional". Esta afirmação foi fundamentada de forma concisa em quatro motivos que a Junta Médica indica, nomeadamente a não demonstração da existência de mobbing, dados os termos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.3.12, junto aos autos, que julgou a ação movida a esse título pelo A. improcedente, e que mesmo que houvesse existido e fosse provado não era imputável à profissão. E nessa sequência, aos demais quesitos, sobre a incapacidade, a Junta declarou: "não se consegue responder... na medida em que se considerou não haver doença profissional".
De resto, mais uma vez a pretensão do requerente, agora de ver repetida a diligência para que a Junta responda aos quesitos em lugar de enveredar por caminhos que lhe estão vedados, relativamente à qualificação da doença, não é feliz, uma vez que os quesitos do requerente incidiam também, justamente, sobre a qualificação da doença. Ou seja, os peritos responderam aos quesitos que lhes foram apresentados (e pelo requerente).
Logo, também aqui não há nulidade.
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3º Da nulidade da sentença proferida no processo principal
Defende o requerente que a sentença proferida no processo principal é nula, porquanto tem escassa fundamentação, tendo aderido ao parecer da Junta Médica.
Apreciando e decidindo, notar-se-á que é pacífico que a nulidade decorrente de falta de fundamentação (art.º 615/1/b, CPC) só existe quando a falta de motivação é total, e não quando é sucinta (cfr. por todos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3.3.70 - "I - Só a falta absoluta de motivação, e não a motivação deficiente, medíocre ou errada, produz a nulidade prevista no artigo 668, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil. II - Assim, não existe tal nulidade quando se fundamentou a decisão por referência as folhas do processo e aos artigos da petição e da resposta"; e da Relação de Lisboa de 24.1.2019: "Tem sido unânime o entendimento de que apenas a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da sentença, prevista no art. 615º, nº1, b), do CPC, importando distinguir – conforme ensinava José Alberto dos Reis – a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. Esta pode levar à revogação ou alteração da sentença, mas não produz nulidade".
Ora, a sentença não omite a fundamentação (nem o laudo dos peritos, uma vez que o recorrente também o visa), embora a mesma seja concisa.
Logo, não se verifica a alegada nulidade.
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4º Há nulidade porquanto o processo não tem os elementos previstos no ponto 13 do anexo I do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10, nomeadamente
a) inquérito profissional;
b) análise do posto de trabalho;
c) história clínica, com referência obrigatória aos antecedentes médico-cirúrgicos relevantes;
d) exames complementares de diagnóstico apropriados.
E também devia ter ouvido todos os peritos médicos em audiência.
Vejamos. Quanto a esta ultima parte, o recorrente não conclui pela nulidade. Também, verdadeiramente, não se vê porque é que o Tribunal devia convocar os peritos, os quais já se haviam pronunciado por escrito.
Por outro lado, tudo isto é extemporâneo, já que, falando embora em nulidades, esta não foram arguidos perante o Tribunal a quo.
Acresce que também neste caso o requerente esteve presente e patrocinado em audiência, e não se trataria sequer de nulidade da decisão, mas de procedimento (a haver; mas, acentue-se, não há, porque nada impunha o dever, nas aludidas circunstancias, de os convocar), pelo que a arguição nesta sede é extemporânea.
E quanto à falta de elementos?
Mais uma vez, recordaremos que estamos num processo por doença profissional e não por acidente de trabalho.
Não se vê em que é que os três primeiros elementos poderiam relevar para qualificar como profissional a doença. Também não teria sentido que se fizesse uma análise do posto de trabalho e um inquérito profissional tanto mais que o recorrente já está, conforme deu conta nos autos, aposentado. E não se vislumbra, outrossim, que exames complementares de diagnóstico pretende.
Ainda assim, é certo que existem uma série de exames e outros elementos nos autos, suscetíveis de carrear elementos pertinentes sobre a situação do A. Com efeito, estes não estão constituídos apenas pelo apenso de fixação da incapacidade e pelo processo principal, onde foram efetuadas juntas médicas, havendo que ter presente ainda o processo de doença profissional do Instituto da Segurança Social, IP, o qual contém, nomeadamente, pareceres clínicos, atestados e boletins médicos, avaliação psicológica, exames clínicos (incluindo a história da doença atual), atestado psiquiátrico detalhado.
Ou seja, a falta dos elementos aludidos em a) e b), nas circunstâncias do requerente, já aposentado, não acarreta erro de julgamento; e quanto aos demais há elementos nos atos
Mas ainda que se pretenda que aqueles elementos sempre haviam de estar presentes, sob pena de nulidade, tem de se concluir que, aquando do julgamento, em 10.12.2018, já era sabido o que estava e o que não estava nos autos. Tratar-se-ia de uma nulidade processual e não da decisão. Ora, o requerente nada arguiu, apenas levantando esta questão com o recurso, em 12.2.19. Em suma, já extemporaneamente.
*5º Da nulidade por contradição
Rebela-se o recorrente porque o Tribunal a quo não deu como provados "determinados factos" afirmando que na ação que o opôs à empregadora o aqui R. não foi parte, pelo que "não valem quanto a ele os factos que ali foram considerados assentes", mas para dar por improcedente esta ação considerou que (nesse mesmo processo) "não foi provada a existência de mobbing, de acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça".
Ou seja, conclui o recorrente, não valem quanto ao R. os factos assentes no processo n.º 429/09.9TTLSB, mas o facto de aí não se ter provado o mobbing já "serve de fundamento para não se estabelecer o nexo de causalidade entre a doença sofrida pelo A. e as suas condições de trabalho, e consequentemente, para não a qualificar como profissional. Isto faz com que, na sua óptica, a fundamentação da decisão entre em clara contradição. E também não valorou de igual modo a documentação junta. Acresce que um perito médico, em exame individua, reconheceu a existência de doença profissional. Enfim, numa ficha de tratamento ocasional de 2002 fala-se em conflito laboral, o que aponta para o assédio.
Vejamos.
A pretensa contradição de fundamentos não gera nulidade, a menos que a decisão se torne ininteligível por obscuridade ou ambiguidade (art.º 615/1/c, CPC), o que não é o caso.
E também não foi arguida perante o Tribunal a quo, sendo, pois, extemporânea (art.º 77/1, CPT).
Coisa diversa será a eventual existência de erro de julgamento.
No entanto, não está em causa o nexo de causalidade entre a doença sofrida pelo A. e a incapacidade, mas a própria qualificação da doença.
É sabido que doença profissional é (1) aquela que resulta diretamente das condições de trabalho, consta da Lista de Doenças Profissionais (Decreto Regula-mentar n.º 76/2007, de 17 de Julho), e causa incapacidade para o exercício da profissão ou morte; e também (2) a lesão corporal, a perturbação funcional ou a doença não incluídas na lista, que sejam consequência, necessária e directa, da atividade exercida e não representem normal desgaste do organismo (Código do Trabalho, n.º 2 e 3 do art.º 283; art.º 94, n.º 1 e 2, da Lei 98/2009, de 4.9, que regulamenta o regime de repa-ração de acidentes de trabalho e doenças profissionais, designada abreviadamente por LAT). Na doutrina, Carlos Alegre em “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” – Regime Jurídico Anotado – 2ª Edição, pag. 140 refere que “é possível (…), conjugando todas as referências legais, chegar à noção de doenças profissionais como as que são provocadas por agentes nocivos a que os trabalhadores, por força da sua função laboral, estão habitual ou continuadamente expostos, no local e no tempo em que desempenham essa função”.
Diferentemente do acidente de trabalho, que se carateriza pela subitaneidade (embora a sua etiologia não tenha de ser sempre súbita), a doença profissional é em regra progressiva (convergindo cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.11.2016: “As doenças profissionais são enfermidades adquiridas no exercício de uma profissão e em consequência dele, ou seja, as inerentes a determinada profissão ou consequentes do seu exercício, em regra de lenta manifestação ou revelação”; da RE. de 15.1.15: “ao invés do que sucede com o acidente de trabalho, que se trata de um evento naturalístico, súbito ou inesperado de que o trabalhador possa ser vítima no exercício da sua atividade laboral ou por causa dela e que seja gerador de consequências danosas no seu corpo ou na sua saúde, determinantes de uma redução da sua capacidade de trabalho ou de ganho ou da sua morte, a doença profissional surge de uma forma lenta e insidiosa, sendo provocada por agentes nocivos a que o trabalhador, por força das suas funções laborais, está habitual e continuadamente exposto ao longo do tempo de desempenho das mesmas no seu local de trabalho ao serviço da sua entidade empregadora”; e da RL. de 10.11.2005: “o que é de exigir para se estabelecer a distinção entre «acidente de trabalho» e «doença profissional» é o nexo de causalidade que se pode estabelecer entre uma situação de lesões corporais (ou morte) e um facto súbito ou de curta duração”. E cita José Vasques (Contrato de Seguro, pag. 61): «O conceito de acidente parece dever constituir-se a partir dos seus elementos integradores, isto é: a lesão corporal há de consubstanciar-se na invalidez (parcial ou total) ou na morte, e resultar de um evento involuntário, externo, violento e súbito... O carácter «súbito» afasta as lesões resultantes da reiteração de factos, pelo que, também por este critério, ficaria afastada a doença, embora devam considerar-se incluídos os transtornos orgânicos e as doenças que sejam consequentes a factos repentinos».
Do exposto resulta que a doença tem de resultar diretamente das condições de trabalho e estar prevista na tabela, ou tem de ser consequência, necessária e direta, da atividade exercida (e não normal desgaste do organismo).
Os peritos médicos consideraram, por unanimidade, que inexiste doença profissional porque:
(1) o tempo que mediou entre o alegado início dos conflitos laborais e a procura de tratamento psiquiátrico é demasiado longo para se estabelecer o nexo de causalidade,
(2) a procura de tratamento não foi por iniciativa própria,
(3) não foi provada a existência de mobbing de acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e
(4) na eventualidade do mobbing ter existido, este não pode ser imputado à profissão.”
Ora, não obstante os termos da decisão proferida no apenso de fixação de incapacidade, cujo dispositivo declarou não reconhecer que o A. “padece de doença profissional do foro psiquiátrico” (e que tem o sentido de apreciação de questão prévia de conhecimento necessário, sob pena da prática de atos inúteis e como tal proibidos nos autos, art.º 130 do CPC, a saber, a determinação de incapacidade num caso antevisto como não de doença profissional), a verdade é que no processo principal se procedeu ao julgamento, com produção da prova indicada pelo recorrente, aí decidindo o Tribunal a quo, apreciando o amago da questão, “que o A. não padece de doença profissional”.
E porque não? Em sede de facto, a sentença teve por não provados os factos acima referidos, nomeadamente que (1º) foi colocado na Direção de Gestão de Risco no Núcleo de Apoio, (2) colocação que o sujeitou a intensa pressão psicológica, (3) foi-lhe atribuído um trabalho pouco estimulante e rotineiro, (5) após a colocação referida em 1), passou a não se identificar com o trabalho que executava, (6) a não ter expectativa em relação ao futuro, (7) a ser uma pessoa ansiosa e com níveis de stress elevados, (8) a viver de forma triste, desgostosa e desmotivada quanto ao seu percurso profissional.
Estes pontos, que enunciavam a sua posição, não foram demonstrados.
E também não provou que apresentava síndrome depressivo acentuado (mas sim arrastado).
Lavrou a este propósito a sentença:
“O A. bate-se por um diagnóstico de síndrome depressivo acentuado detetado em consulta de 02/02/2009. Porém, tal facto deve-se a erro de leitura, pois daquele relatório, cuja cópia juntou a fls. 30 v. (mas cujo exemplar mais legível está junto daquele apenso), o médico fala de “S. Depressivo arrastado” e não “acentuado”, como depois veio a confirmar a Junta Médica, no relatório que apresentou.
Para a conclusão da inexistência de qualquer relação causal entre a atividade desenvolvida pelo A. e a doença em causa e sua qualificação como profissional, para além do referido relatório da Junta Médica, relevámos os esclarecimentos prestados pelo Médico psiquiatra (…), que observou o A. ao longo do processo.
Finalmente, acrescente-se que, para além dos documentos juntos, o A. não arrolou qualquer testemunha que depusesse sobre os factos em análise, certo sendo que os elementos documentais já referidos não nos permitem concluir pela sua comprovação.
Na ação que opôs o A. à sua entidade empregadora, apesar de ter sido já proferida decisão transitada em julgado, não tendo o aqui R. ali sido parte na ação, não valem quanto a ele os factos que ali foram considerados assentes. Nesta medida, importava aqui produzir prova sobre aqueles factos. O que não foi feito”.
A fundamentação é suficientemente precisa, não merecendo censura a convicção alcançada, face aos elementos probatórios disponíveis, em que cabe destacar a modesta prova oferecida pelo A., que não logrou indicar qualquer testemunha.
Ora, daqui resulta que o A. não provou o alegado assédio, o qual aliás teria de ser imputável de algum modo ao empregador (e nem se fale no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, cuja interpretação o incomoda – ao A.), nada demonstrando neste julgamento.
Sem essa prova é notório que a doença não resulta “diretamente das condições de trabalho”, nem é “consequência, necessária e direta, da atividade exercida”.
E teria sempre de resultar [a título de exemplo veja-se os seguintes arestos, mencionados no citado ac. da RL de 10.11.2005, relativos a casos em que o nexo direto se verifica: «A longa permanência do trabalhador em ambiente com ruído excessivo, pode provocar-lhe um traumatismo auditivo – hipoacusia permanente o que constitui doença profissional determinada por diagnóstico inequívoco» (Ac TRE 16.02.93, CJ 93, 1, 125); «É de considerar como doença profissional indemnizável a surdez bilateral que afeta trabalhador que durante cerca de 20 anos esteve sujeito no seu trabalho, nas instalações fabris... a um ambiente ruidoso permanente» (Ac TRL de 09.02.94, CJ 94, 1, 177)].
De resto, o A. sofre de síndrome depressivo arrastado e não acentuado, o qual não constitui doença profissional prevista (sendo que a Junta considerou que a sua situação não se encontra ainda consolidada, podendo conhecer melhorias com a aplicação de terapêuticas alternativas).
Face ao exposto, não se vê que tenham ficado por realizar diligências relevantes e nem que a sentença proferida nestes autos mereça censura
*
*
III.
Pelo exposto, o Tribunal julga
a) improcedentes as arguidas nulidades;
b) improcedente o recurso, assim confirmando as sentenças recorridas.
Custas do recurso pelo recorrente, que litiga patrocinado por mandatária.

Lisboa, 12 de Junho de 2019
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega
Decisão Texto Integral: