Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7220/17.7T8LSB.L1-6
Relator: GILBERTO JORGE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CRUZAMENTO
VEÍCULO PRIORITÁRIO
SINAL VERMELHO
CULPA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: MAIORIA COM * DECLARAÇÃO DE VOTO E * VOTO VENCIDO
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I Não obstante aberto o semáforo com a luz verde para o táxi ND, concedendo-lhe portanto o direito de prioridade, tal não é todavia absoluto, não estando o beneficiário dispensado de adoptar certas precauções e os normais deveres de diligência, pois que todos os condutores tenham ou não prioridade de passagem, têm o dever de reduzir a velocidade nos cruzamentos ou entroncamentos e nos locais de visibilidade reduzida ;
II Em face do referido em I, tendo a condutora da ambulância GN, perante o semáforo vermelho, tomado as devidas precauções para prosseguir a sua marcha em serviço de urgência, sem necessidade de esperar que a cor da sinalização mudasse, o embate entre os dois v+iculos no cruzamendo é da responsabilidade exclusiva do TAXI ND ;
III É que, se o condutor do ND conduzisse com a atenção devida, teria tido oportunidade de se aperceber da presença do veículo em serviço de urgência, o qual entrara no referido cruzamento, com os respectivos sinais luminosos e sonoros ligados e tomado as providências adequadas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 6.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa


IRelatório:


A com sede em Milharado, intentou e fez seguir contra B [ SEGURADORA ], sedeada em Lisboa, a presente acção declarativa, com processo comum, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe: – a quantia de € 2 640,00 a título de lucros cessantes, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação, até efectivo e integral pagamento; – a quantia de € 10 585,09 a título de danos emergentes, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; - e a quantia de € 75,00 pela aquisição de uma certidão de participação de acidente elaborada pela PSP, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Para tanto e em síntese, alegou dedicar-se à indústria de táxi e um seu veículo, quando circulava num cruzamento da cidade de Lisboa, foi embatido por uma ambulância, segurada na ré, que desrespeitou a sinalização semafórica, causando danos no veículo táxi no valor de € 10 585,09 para cuja reparação careceu de 24 dias, à razão de € 110,00/dia; suportando ainda € 75,00 do custo da certidão de participação de acidente.

A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

Para tanto e em síntese alegou que a responsabilidade do acidente não pode ser imputada à ambulância sua segurada porque a respectiva condutora circulava em serviço de urgência, assinalando essa marcha, não carecendo por isso de aguardar a passagem do semáforo a verde, podendo avançar assegurando-se, como fez, de que não punha em risco os demais utentes da via.

Mais alegou que a responsabilidade do acidente deve ser imputada ao veículo da autora porque o seu condutor não respeitou o dever absoluto de cedência de passagem; o retardamento na reparação do veículo deve ser imputado à autora e é injustificado o valor diário do lucro alegado.

Findos os articulados e saneados os autos, após realizou-se a audiência de discussão e julgamento seguida de sentença que decidiu nos termos seguintes:
“(…)
Em razão do exposto julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência:
a)- Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 3.967,53, acrescida de juros mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento;
b)- Absolvo a Ré do restante pedido formulado pela Autora;
(…)”.

Inconformada com a decisão, a ré interpôs recurso que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

A apelante apresentou alegações sintetizadas do modo seguinte:
1 Como decorre da matéria dada como provada, nomeadamente os arts. 4 a 6, 8 a 21, resultou assente que o GN é uma ambulância do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), que à data dos factos circulava com sinalização luminosa e sonora de emergência ligada.
2 Mais resultou provado que a condutora do GN na confluência da Avenida C... P... com a Avenida B... abrandou a marcha a fim de se certificar que tinha sido vista por todos os condutores e que poderia atravessar o cruzamento sem causar embaraço para o trânsito.
3 Resultou igualmente provado que o sinistro ocorreu quando o GN se encontrava já a atravessar a última faixa da Avenida B..., com a frente da ambulância fora da intersecção das vias, quando foi embatido pelo ND que circulava na Avenida C... P... -Lisboa, na hemifaixa mais à direita, no sentido, Sul – Norte.
4 Está igualmente assente que o ND embateu com a sua frente na lateral direita traseira da ambulância, atrás do rodado da retaguarda.
5 Decorre da conjugação dos arts. 64.º n.º 1 e 65.º n.º1, ambos do C.E. que a sinalização de emergência impõe aos condutores o dever absoluto de cedência da passagem, pelo que perante tal sinalização se um condutor prossegue a marcha sem ceder a passagem não cumpre a obrigação que lhe é imposta.
6 No caso em apreço o condutor do veículo do ND estava onerado com o dever absoluto de cedência da passagem ao GN.
7 Ora, da matéria dada como provada outra solução não é possível concluir senão que a manobra causal que provocou o sinistro foi apenas a circunstância do condutor do ND não ter cedido a passagem ao GN, como se lhe impunha.
8 O facto de a condutora da ambulância não ter parado no sinal vermelho, mas apenas abrandado, ao entrar no cruzamento, em nada contribuiu para o acidente, dado que este se deu quando a ambulância já estava com a frente fora do cruzamento.
9 Do exposto decorre que apenas o condutor do veículo do recorrido, em termos de violação de deveres de cuidado, é merecedor de um juízo de censura, porquanto, violou o disposto nos arts 64.º n.º 1 e 65.º n.º1, ambos do C.E.
10 Por tudo isto, afigura-se patente que a douta sentença violou as normas legais citadas nas presentes conclusões ao repartir a culpa do condutor do ND na proporção de 70% e 30% para a condutora do GN e consequentemente na condenação da recorrente ao pagamento da quantia € 3.967,53.
11 Assim, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e consequentemente a acção improceder inteiramente.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II–Fundamentação de facto

O quadro factual provado que vem da 1.ª instância é o seguinte:
1 A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto é a indústria de transportes em automóveis de aluguer a táxi.
2 A Autora é proprietária de um veículo ligeiro de passageiros, de aluguer, de marca Dacia, modelo Logan, de cor preto e verde-mar e de matrícula ND.
3 O veículo referido em 2) é adstrito ao serviço de transporte de passageiros em táxi, com Licença n.º 1... emitida pela Câmara Municipal de Lisboa.
4No dia 17 de Julho de 2016 cerca das 16:15 horas, o identificado veículo de matrícula GN circulava na Avenida B... - Lisboa, no sentido Nascente – Poente, conduzido por V... K....
5 No mesmo momento circulava na Avenida C... P... - Lisboa, no sentido, Sul – Norte, o veículo de marca Mercedes, modelo 311CDI, e matrícula ND, conduzido por V... A... S....
6 O veículo de matrícula GN era uma ambulância do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), caracterizada com as cores e dizeres do mesmo, e equipada com sinalização sonora e luminosa do serviço de ambulância.
7 No dia 17 de Julho de 2016, a responsabilidade civil pelo risco de circulação do veículo GN, encontrava-se transferida para a Ré através da Apólice 8.......0.
8 O cruzamento da Avenida C... P... com a Avenida B... é regulado por sinalização semafórica, com velocidade limitada a 50Km/hora.
9 As mesmas avenidas são rectas.
10 No momento referido em 4) e 5), o tempo estava seco.
11Havia trânsito, com número não concretamente apurado de veículos.
12O veículo ...-GN-... circulava pela fila à esquerda do seu sentido de trânsito, das duas que permitem seguir em frente no indicado cruzamento.
13Pretendendo seguir em frente pelo cruzamento para continuar a circular por aquela artéria.
14Em marcha de urgência, sinalizada por via luminosa e sonora.
15O veículo ...-ND-... circulava pela fila à direita do seu sentido de trânsito, das três que permitem seguir em frente no indicado cruzamento.
16Pretendendo seguir em frente, atravessando o cruzamento para continuar a circular pela mesma artéria.
17Na confluência da Avenida C... P... com a Avenida B..., o semáforo apresentava-se com cor vermelha para o veículo ...-GN-....
18Antes de entrar no cruzamento, a condutora do ...-GN-... abrandou a marcha, a fim de se certificar que tinha sido vista por todos os condutores e que poderia atravessar o cruzamento sem causar embaraço para o trânsito.
19Um número não concretamente apurado de veículos ficaram parados na Avenida C... P... e na Avenida B..., tendo a condutora do ...-GN-... avançado, atravessando o cruzamento com o sinal vermelho.
20Quando se encontrava a atravessar a última faixa da Avenida B..., com a frente da ambulância fora da intersecção das vias, surgiu o veículo ...-ND-..., que foi embater com a frente na lateral direita traseira da ambulância, atrás do rodado da retaguarda.
21Com o embate a ambulância rodou e tombou para o lado esquerdo, arrastando-se sobre o asfalto e imobilizando-se na fila à direita da Avenida C... P....
22O embate referido em 20) causou danos em ambos os veículos.
23Os danos no veículo ND foram avaliados pelo relatório de peritagem em €10.585,09.
24A Autora pagou o preço de €10.585,09 respeitante à reparação do ND.
25A Autora apresentou uma reclamação, através da entrega da Declaração Amigável de Acidente de Viação em 18 de Julho de 2016.
26Indicando onde se encontrava estacionado o veículo ND, para que a Ré pudesse realizar as peritagens que devessem ter lugar.
27A peritagem foi realizada em 25 de Julho de 2016, por impossibilidade de agenda e por se te interposto um fim-de-semana.
28O veículo da Autora não podia circular.
29Na sequência da peritagem foram considerados necessários doze dias úteis de trabalho, para se proceder à reparação dos danos do ND..
30A reparação do ND iniciou-se em 25 de Julho de 2016 e terminou em 9 de Agosto de 2016.
31A Autora tinha um apuro diário com o ...-ND-..., de cerca de €110,00.
32A Ré remeteu à Autora carta datada de 5 de Agosto de 2016, constante de fls. 58 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
33A Ré remeteu à Autora carta datada de 12 de Agosto de 2016, constante de fls. 59 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Factos não provados
AQue antes de entrar no cruzamento, a condutora do GN parou o veículo.
BQue o veículo ...-ND-... circulava a velocidade superior a 60 Km/hora.
CQue a Autora suportou € 75,00 com a aquisição de certidão de participação de acidente.

III–Fundamentação de direito

À luz das conclusões da legação da apelante – delimitadoras do
objecto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, atentas as regras plasmadas nos arts. 608.º n.º 2 in fine, 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 todos do CPC – a questão colocada ao Tribunal ad quem prende-se apenas com o erro de julgamento/mérito da decisão; concretizando, a questão colocada no recurso prende-se em saber se há fundamento para considerar o condutor do veículo da autora/apelada o único responsável pelo acidente e suas consequências.

O Mm.º Juiz a quo considerou ter havido culpa dos dois condutores na produção do acidente, na proporção de 70 % para o condutor do veículo ND táxi da autora e de 30 % para o veículo GN ambulância, segurado na ré e, consequentemente, julgou a acção parcialmente procedente por provada, condenando a ré a pagar à Autora a quantia de € 3.967,53, acrescida de juros mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento, absolvendo a ré do restante pedido formulado pela autora.

Para tanto e em síntese, o Mm.º Juiz a quo discreteou, em síntese, nos termos seguintes:
“(…)
Compete pois captar a dinâmica do acidente, tal como emerge da discussão da causa, para de seguida valorar juridicamente a acção dos respectivos intervenientes de molde a apurar o seu grau de contribuição ou responsabilidade na produção do mesmo.

Verifica-se que o acidente ocorreu da seguinte forma.

O veículo de matrícula ...-GN-..., uma ambulância, circulava com sinalização luminosa e sonora de emergência na Avenida C... P..., ao chegar ao cruzamento da mesma Avenida com a Avenida B..., a sinalização semafórica apresentava-se com cor vermelha para o seu sentido de marcha, antes de entrar no cruzamento a sua condutora abrandou a marcha a fim de se certificar que tinha sido vista por todos os condutores e que poderia atravessar o cruzamento sem causar embaraço para o trânsito, um número não concretamente apurado de veículos ficaram parados na Avenida C... P... e na Avenida B..., tendo a condutora do ...-GN-... avançado, atravessando o cruzamento com o sinal vermelho, e quando se encontrava a atravessar a última faixa da Avenida B..., com a frente da ambulância fora da intersecção das vias, surgiu o veículo ...-ND-..., que circulava na Avenida B... na fila à direita do seu sentido de trânsito, atravessando o cruzamento para continuar a circular pela mesma artéria, e foi embater com a frente na lateral direita traseira da ambulância, atrás do rodado da retaguarda.

O Artigo 64.º n.ºs 1 e 2 al. a), do Código da Estrada estatuía da seguinte forma na sua redacção em vigor à data dos factos: “1 - Os condutores de veículos que transitem em missão de polícia, de prestação de socorro, de segurança prisional ou de serviço urgente de interesse público assinalando adequadamente a sua marcha podem, quando a sua missão o exigir, deixar de observar as regras e os sinais de trânsito, mas devem respeitar as ordens dos agentes reguladores do trânsito. 2 - Os referidos condutores não podem, porém, em circunstância alguma, pôr em perigo os demais utentes da via, sendo, designadamente, obrigados a suspender a sua marcha: a) Perante o sinal luminoso vermelho de regulação do trânsito, embora possam prosseguir, depois de tomadas as devidas precauções, sem esperar que a sinalização mude”.

O Artigo 65.º n.º 1, do Código da Estrada estatuía da seguinte forma na sua redacção em vigor à data dos factos:
“Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 31.º, qualquer condutor deve ceder a passagem aos condutores dos veículos referidos no artigo anterior”.
(…)”.

Até aqui nenhum reparo a fazer.

Porém, já não concordamos com o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo no sentido de que ambos os condutores foram responsáveis na produção do acidente em apreciação nestes autos.

Vejamos

À luz da factualidade provada, o veículo GN era uma ambulância do INEM, caracterizada com as cores e dizeres do mesmo e equipada com sinalização sonora e luminosa do serviço de ambulância (facto provado 6) // a qual circulava em marcha de urgência, sinalizada por via luminosa e sonora (facto provado 14) // antes de entrar no cruzamento da Avenida C... P... com a Avenida B... regulado por sinalização semafórica, com velocidade limitada a 50Km/hora (facto provado 8) // na confluência da Avenida C... P... com a Avenida B..., o semáforo apresentava-se com cor vermelha para o veículo GN (facto provado 17) //antes de entrar no cruzamento, a condutora GN abrandou a marcha, a fim de se certificar que tinha sido vista por todos os condutores e que poderia atravessar o cruzamento sem causar embaraço para o trânsito (facto provado 18) // uma vez que havia trânsito, com número não concretamente apurado de veículos (facto provado 11) // tendo verificado que um número não concretamente apurado de veículos ficaram parados na Avenida Cidade P... e na Avenida B..., então a condutora do GN avançou, atravessando o cruzamento com o sinal vermelho (facto provado 19).

Até aqui e salvo melhor opinião, não nos parece que a condutora do GN ao agir do modo descrito e dado como provado seja merecedora de censura do ponto de vista ético-jurídico.

Porém, quando o veículo/ambulância GN se encontrava a atravessar a última faixa da Avenida B..., com a frente já fora da intersecção das vias, surgiu o veículo/táxi ND, que foi embater com a frente na lateral direita traseira da ambulância, atrás do rodado da retaguarda (facto provado 20) // sendo que com o embate a ambulância rodou e tombou para o lado esquerdo, arrastando-se sobre o asfalto e imobilizando-se na fila à direita da Avenida Cidade P... (facto provado 21).

Ora, apesar dos veículos parados em ambas as Avenidas, inclusive, na Avenida por onde circulava o veículo/táxi ND, com semáforo de cor verde para os veículos, o ND não cedeu a passagem à ambulância GN sinalizando marcha de emergência e que já tinha percorrido 2/3 do cruzamento, indo embater com a frente na lateral direita traseira da ambulância, atrás do rodado da retaguarda.

Aqui chegados, atenta a dinâmica do acidente, sempre se dirá que, mesmo que a ambulância GN tivesse imobilizado completamente junto ao semáforo vermelho e tivesse de seguida reiniciado em marcha de urgência, já que os veículos de ambas as Avenidas tinham ficado parados para lhe cederem a passagem, certamente que o táxi ND viria igualmente embater na ambulância GN, mas provávelmente, não na traseira da lateral direita mas sim na lateral da parte da frente do GN ou, no limite, seria o GN a abalroar o ND.

Perante todo o circunstancialismo descrito, não se pode dizer que o condutor do táxi ND tenha sido surpreendido com a presença da ambulância do INEM, em serviço de urgência, devidamente sinalizado com a utilização da via luminosa e sonora, atentas as características do GN, ao facto de já ter percorrido grande parte do cruzamento, mais concretamente, encontrando-se com a frente já fora da intersecção das vias e finalmente ao facto das viaturas que circulavam no mesmo sentido do ND, não obstante o sinal verde de regulação do trânsito se apresentar para eles, terem ficado paradas a fim de deixarem passar o GN.

Como salientou a apelante “… se os condutores de outros veículos que circulavam também no mesmo sentido do ND pararam, não obstante o sinal verde de regulação do trânsito se apresentar para eles e, desse modo, cederam a passagem ao veículo em serviço de urgência, observando a regra prevista no art. 65.º n.º 1 do Código da Estrada, isso revela que o condutor do veículo, propriedade do recorrido, também o poderia ter feito…”.

Do exposto, pode concluir-se:
– Por um lado, que a condutora da ambulância GN, perante o semáforo vermelho, tomou as devidas precauções para prosseguiu a sua marcha, sem necessidade de esperar que a cor da sinalização mudasse;
Por outro, não obstante o semáforo com a luz verde para o táxi ND concedendo-lhe o direito de prioridade, tal não é absoluto, consequentemente não dispensa o beneficiário de adoptar certas precauções, os normais deveres de diligência, pois que todos os condutores tenham ou não prioridade de passagem, têm o dever de reduzir a velocidade nos cruzamentos ou entroncamentos e nos locais de visibilidade reduzida;
E ainda (como referiu a apelante) que “… se o condutor do ND conduzisse com a atenção devida, teria tido oportunidade de se aperceber da presença do veículo em serviço de urgência, o qual entrara no referido cruzamento, com os respectivos sinais luminosos e sonoros ligados e tomado as providências adequadas…”.

Dito isto, pode afirmar-se que, no caso em análise, o condutor do táxi ND teve culpa na produção do acidente dado que, naquelas circunstâncias, sempre podia e devia ter agido de outro modo, pelo que o sinistro só pode ter derivado de uma condução inadequada/imprudente para o local motivada por distração ou falta de atenção (inconsideração/negligência).

O que vale por dizer que se conduzisse com atenção devida, teria tido oportunidade de se aperceber da presença no cruzamento da ambulância em serviço de urgência, a qual entrara no referido cruzamento com os respectivos sinais luminosos ligados e, assim, tomado as providências adequadas.

Tanto mais que o cruzamento regulado por sinalização semafórica, onde se verificou o acidente, trata-se de local amplo/aberto, conforme se infere dos factos provados sob os n.ºs 8, 9, 12 e 15, e portanto local com boa visibilidade para os condutores, inexistindo referência a qualquer obstáculo redutor do campo visual daqueles, designadamente do condutor do táxi ND.

Sendo de notar ser lícito ao Tribunal da 1.ª instância (tal como à Relação), à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, tirar conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto provada e fazer a sua interpretação e esclarecimento, desde que, sem a alterarem, antes nela se apoiando, se limitem a desenvolvê-la, conclusões essas que constituem matéria de facto.

Como se escreveu no Acórdão do STJ de 02.12.2010, proc. n.º 1/2004, “… II– O disposto no art. 349.º do Cód. Civil permite às instâncias, através das chamadas presunções judiciais, tirar ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, completando-a e esclarecendo-a. III– Essas deduções hão-de ser o desenvolvimento lógico e racional dos factos assentes, não sendo possível extraí-las de factos não provados nem de factos não alegados…”.

Por fim, entendendo-se, como vimos, que o condutor do DN foi o exclusivo causador do acidente -- ao entrar no cruzamento deveria ter abrandado marcha ou parado, tal como o fizeram os outros veículos que circulavam na mesma Avenida por onde circulava, por forma a facilitar a passagem do GN e/ou não ter feito parar o DN no espaço visível à sua frente -- pois que foi embater com a frente na parte lateral direita, entre a roda traseira e a rectaguarda do GN que, no momento da colisão, já tinha transposto todo o cruzamento, estando apenas a rectaguarda a ocupar parte dele, não poderá subsistir a decisão recorrida que tinha repartido a culpa por ambos os condutores.

Termos em que, procedendo, como procedem, as conclusões recursivas, a decisão recorrida não poderá subsistir.


IV–Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, revogando-se a decisão recorrida, decide-se julgar a acção improcedente com a consequente absolvição da ré dos pedidos formulados pela autora.
Custas a cargo da apelada/autora.



Lisboa, 11 de Abril  de  2019



Gilberto Martinho dos Santos Jorge
Maria de Deus Simão da Cruz Silva Damasceno Correia
Adeodato Evangelista Mendes Brotas (vencido cfr. voto que segue)
*

Por vencimento enquanto relator, apresento o seguinte voto de vencido:
1– Inexistência de prioridade absoluta de passagem.
A seguradora apelante fundava a sua apelação na alegação de que a ambulância, assinalando a marcha de urgência, tem um direito absoluto de prioridade sobre os demais utentes da via. Ora, é pacífica a jurisprudência e a doutrina no sentido de o veículo em missão se socorro – ambulância - ainda que assinalando a sua marcha com sinalização luminosa e sonora, não tem prioridade absoluta de passagem num cruzamento (Cf., entre outros TRL, 09/12/1972, BMJ222-472; TRP, de 19/07/1974, BMJ 239-269; TRC, de 06/07/1977, BMJ 272-268; STJ, de 08/06/1977, BMJ268-218; TRC, de 07/06/1978, BMJ 278-256; STJ de 22/05/1979, BMJ 287-300; TRL, de 06/03/1981, CJ II, 156; TRC de 09/04/1985, BMJ 346-312; TRP, de 22/10/1991, BMJ 410-872; na doutrina Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 3ª edição, pág. 529).
2– Princípio geral de cautela relativo à prioridade de passagem.
Essa inexistência de prioridade absoluta de ambulância, ainda que assinalando a sua marcha, resulta o princípio geral de cautela relativo à prioridade de passagem mesmo para quem dela goza, estabelecido no artº 29º nº 2 do CE que estabelece “O condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito.”
Aliás este dever geral de cautela e diligência, que se impõe a todos os condutores (e demais utentes da via) resulta logo do artº 3º do CE: “As pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou comodidade dos utentes das vias.”.
3– Dever especial específico relativo a condutores de veículos urgentes.
Para além deste dever geral de cautela, impende ainda sobre os condutores de veículos assinalando marcha de urgência um dever específico de cuidado, no artº 64º do CE:
“1– Os condutores de veículos que transitem em missão de polícia, de prestação de socorro, de segurança prisional ou de serviço urgente de interesse público assinalando adequadamente a sua marcha podem, quando a sua missão o exigir, deixar de observar as regras e os sinais de trânsito, mas devem respeitar as ordens dos agentes reguladores do trânsito.
2– Os referidos condutores não podem, porém, em circunstância alguma, pôr em perigo os demais utentes da via, sendo, designadamente, obrigados a suspender a sua marcha:
a) Perante o sinal luminoso vermelho de regulação do trânsito, embora possam prosseguir, depois de tomadas as devidas precauções, sem esperar que a sinalização mude;”.
Portanto, no caso, a condutora da ambulância estava submetida ao dever geral de cuidado e ainda ao dever específico de suspender a sua marcha perante a sinalização semafórica vermelha e apenas poderia avançar quando se certificasse que esse avanço não punha em risco qualquer outro utente da via, designadamente aqueles para quem a sinalização semafórica se apresentava verde.
4– Violação das duas regras/deveres: geral de cuidado e específico de suspensão da marcha ao sinal vermelho.
No caso dos autos, a condutora da ambulância não observou aquelas duas regras de trânsito, agindo, desse modo com culpa. (neste sentido, Ac. TRL, de 20/10/2005 - Olindo Geraldes).
5– Concorrência de culpas.
O condutor do veículo da apelada agiu igualmente com culpa, como bem se saliente na sentença.
Por conseguinte, perante esta concorrência de culpas de ambos os condutores na produção do acidente, nos termos do artº 570º nº 1 do CC, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas sequências que delas resultam, se a indemnização deve ser totalmente concedida ou mesmo excluída.
Por isso, perante o caso dos autos, manteria a decisão da 1ª instância, graduando as “culpas” respectivamente, em 70% para o condutor do veículo da autora/apelada e em 30% para a condutora da ambulância segurada na ré/apelante.
Adeodato Brotas

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Acidente de Viação: - Colisão entre ambulância e táxi.
Condutor do táxi exclusivo causador do acidente, apesar do semáforo com a luz verde conceder-lhe o direito de prioridade que, por não ser absoluto o direito de passagem, não dispensa o beneficiário de adoptar os normais deveres de diligência, por forma a evitar acidente que, nas circunstâncias concretas do caso, se exigem.
*