Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
269/10.2SELSB.L1-5
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: REGISTO CRIMINAL
TRANSCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário:
1. A não transcrição da sentença condenatória (por autoria de crime de condução em estado de embriaguez, em pena de multa ) nos certificados referidos nos artºs 11º e 12º e ao abrigo do artº 17º nº3 da Lei nº 57/98 de 18 de Agosto, não deve ser negada com fundamento na comissão de ilícito penal doloso cometido anteriormente a essa condenação mas só pelo qual seja o arguido apenas condenado posteriormente àquela.
2. O  crime anterior com condenação posterior, estando  entre si  numa relação de concurso real com o dos autos, impõe se conclua que, caso tivesse sido julgado em simultâneo, teria sofrido uma única condenação em pena unitária.  Logo deve entende-se e retirar-se da leitura daqueles preceitos legais que, no alcance do seu espírito e objectivo,  o nº3 do artº 17º apenas se refere a condenações posteriores mas por factos posteriores, não sendo impedimento à não transcrição  a mera  condenação posterior desde que se reporte a factos anteriores à condenação a não transcrever e das circunstâncias do caso não se induza a prática de novos crimes.
3. Na economia do artº 11º nºs1 e 3, a não referência de elementos registrais opera desde logo ope legis, independentemente de decisão judicial. Mas, já quanto ao nº2 do artº 11º citado, a remissão para o artº 12º implica a conexão dos casos com o respectivo âmbito e alcance. De outro modo, o que se reporta de significativo contém-se no escopo do artº 12º.

4. Assim, na economia do pretendido e no âmbito assim elencado e explicitado, a não transcrição da sentença condenatória no registo criminal deve ser autorizada.

(Sumário efectuado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – 5ª SECÇÃO (PENAL)

I-RELATÓRIO

1.1- O arguido P, já idº nos autos, foi aqui condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, por sentença de 12 de Junho de 2012, em pena de multa por sessenta dias no montante global de 300 euros ou 40 dias de prisão subsidiária bem como na pena acessória de inibição de conduzir por 3 meses.

  Mais, ali foi determinada a remessa de boletins à D.S.I.C.

Mais tarde, veio solicitar a substituição da execução da multa por dias de trabalho a favor da comunidade o que foi concedido, cumprida e declarada extinta entretanto.

  Por requerimento de fls 233 de 17.11.2014, o arguido veio requerer  a não transcrição da sentença de 12 de Junho nos certificados referidos nos artºs 11º e 12º e ao abrigo do artº 17º nº3 da Lei nº 57/98 de 18 de Agosto.

Para tanto, alegou conjuntura laboral e que, atendendo às circunstâncias que acompanharam o crime, não se pode induzir perigo de perpetração de novas infracções.

  Por decisão de 21.11.2014 a fls 245, foi negado o pedido de não  transcrição, com fundamento na comissão posterior de novo ilícito pelo qual foi condenado.

1.2 – Desta decisão  recorreu o arguido dizendo em conclusões da motivação apresentada:

Reza, o n°. 1, do art°. 17°., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção conferida pela Lei n°. 114/2009, de 22 de Setembro, que:
 "(...)
Os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior (...), a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11°. e 12°.
Nesta conformidade, encontram-se preenchidos os pressupostos mencionados no n°. 1, do art°. 11°., nos ns. 1 e 2, do art°. 12°, a contrario sensu, e no n°. 1, do art°. 17°., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, de molde a determinar a não transcrição da condenação fixada nos presentes autos, conforme solicitado pelo Arguido.
3a.
Em abono da verdade, o Arguido ora Recorrente, P, pretende, tão - só, a não transcrição no registo criminal da sobredita condenação, nas hipóteses previstas nos artigos 11° e 12º da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto.
A primeira disposição - artigo 11° da Lei n°. 57/98. de 18 de Agosto -, referente aos certificados requeridos para fim de emprego, expressamente afasta, no seu número 1, alíneas a) e b), a possibilidade de a presente condenação constar do respectivo certificado, a saber:
«Artigo 11°.
(Certificados requeridos para fins de emprego ou de exercício de actividade)
1 - Os certificados requeridos por particulares que sejam pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública devem conter apenas:


a) As decisões que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou actividade ou interditem esse exercício;
a) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo.
2 - Nos casos em que, por força de lei, se exija ausência de quaisquer antecedentes criminais ou apenas de alguns para o exercício de determinada profissão ou actividade, os certificados são emitidos em conformidade com o disposto nos ns. 1 e 2 do artigo 12°., devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer. (Negrito e Sublinhado do teor do art°. 11o., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, da autoria do subscritor!
5a.
Desta arte, se é certo que o artigo 17°., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, ao abrigo do qual foi proferido o douto Despacho recorrido, consagra um poder - dever a ser exercitado de acordo com determinados pressupostos legais, o certo é que, nos termos dos artigos 11°. e 12°. da mesma Lei, a não transcrição, em hipótese como a vertente, é automática - resultando da própria letra da lei -:
«Artigo 12°.
 (Certificados requeridos para outros fins)
1 - Os certificados requeridos por particulares, quer sejam pessoas singulares ou pessoas colectivas ou equiparadas, para fins não previstos no artigo anterior -artigo 11°. - [(...), emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública (...)] contêm a transcrição integral do registo criminal, excepto se a lei permitir transcrição mais restrita do seu conteúdo.
2 - Os certificados referidos no número anterior [ou seja, para os fins não previstos no artigo 11°. (...), emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública (...)] não podem conter informação relativa: (-.),».
Negrito. Sublinhado e Glosa do teor do art°. 12°., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, da autoria do subscritor!

6a.
Desta sorte, é exacto que, sobre o Arguido ora Recorrente, P, recaiu uma decisão que não tem suporte legal!
7a.
Não pode indeferir-se aquilo que resulta directamente da lei!
8a.
No sentido precedente, confira-se o ensinamento partilhado por banda do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de Novembro de 2004. proferido no âmbito do Processo n°. 1921/04(…):
 "(...), Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em: - Revogar o despacho recorrido, considerando que a não transcrição da decisão condenatória nos termos e para os efeitos dos artigos 11° e 12° da Lei 57/98 resulta já da própria lei. Sem custas (...)".
Vd.  Negrito e Sublinhado nosso!
Pelo sucintamente exposto  e pelo mais que for doutamente suprido, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser declarada ilegal a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra em ordem à sua reparação, considerando que a não transcrição da decisão condenatória, nos termos e para os efeitos dos artigos 11°. e 12°., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, resulta já da própria lei, assim se fazendo justiça.”

1.3- Em resposta disse o MºPº, em síntese :

  “o recurso do arguido não merece provimento, pelo que deverá manter-se na íntegra o despacho da Mmª Juiz.”

1.4- Admitido o recurso e remetido a esta Relação, o MºPº emitiu parecer no sentido de provimento parcial do recurso apenas para os fins do artº 11º da Lei 57/98.     

1.5- Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora decidir.

II- CONHECENDO

2.1-O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo  do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, n.º2 do CPP  ([1]).

Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida[2].

Assim, traçado o quadro legal, temos por certo que as questões levantadas no recurso são cognoscíveis  no âmbito dos poderes desta Relação.

2.2-Está em discussão para apreciação, em síntese,  a seguinte e única questão:

O despacho que negou a não transcrição da sentença é ilegal e viola o artº 11º da Lei 57/98 , mas já quanto ao artº 12º o mesmo deverá  manter-se por força do artº 17º nº3 daquele diploma?

2.3 - A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL

O arguido, não se conformando com o despacho proferido pela Mmª Juiz, no dia 21.11.2014, a fls. 245, que negou a não transcrição da condenação sofrida pelo recorrente nos presentes autos, por sentença transitada em julgado a 12.7.2012, por factos de 22.1.2010 e declarada extinta, pelo cumprimento, em 15.4.2014 e em que o arguido foi condenado em 60 dias de multa à taxa diária de € 5,00, no total de € 300,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 3 meses, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.s 292.°, n.° 1, do C.Penal e 69.°, n.°l, al. a), do C.Penal, nos certificados elencados nos art.s 11.° e 12.° da Lei n.° 57/98, de 18.8., dele veio interpor recurso -pugnando pela sua ilegalidade.
O artigo 17.°, n.° 1, da Lei n.° 57/98, de 18 de Agosto, diploma que estabelece o regime jurídico  da identificação criminal e de contumazes, dispõe o seguinte:
"Os tribunais que condenem em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11º e 12.º deste diploma".
Por sua vez, o n.°3, do referido preceito, refere:
 "O cancelamento previsto no n.° l é revogado automaticamente no caso de o interessado incorrer em nova condenação por crime doloso ".


Do Certificado de Registo Criminal do arguido de fls. 237 a 344, dos autos, com data de emissão de 20.1.2013, resultam as seguintes condenações:
- Nos presentes autos- Processo 269/10.2SELSB por factos de 22.1.2010, o arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 12.7.2012, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 5,00, no total de € 300,00, extinta pelo cumprimento em 15.4.2014 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 3 meses, extinta em 24.1.2013;
- No Processo 330/11.6PGOER, por factos de 2 ( ameaça) e de 6.9.2011 ( detenção de arma proibida), o arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 14.1.2013, por crime de ameaça e de  detenção de arma proibida, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de e 7,00, no total de € 1.260,00, extinta pelo cumprimento em 27.1.204.

    Ora, no caso em apreço, já após a condenação nestes autos, o arguido foi novamente condenado mas por crimes dolosos praticados antes da dita condenação,  crimes esses numa relação entre si e com o dos autos, de concurso real, o que significa que, caso tivesse sido julgado em simultâneo, teria sofrido uma única condenação em pena unitária.
    Dispõem os artºs 11ºe 12º daquele diploma:
      “Artigo 11.º
     Certificados requeridos para fins de emprego ou de exercício de actividade
      1 - Os certificados requeridos por particulares que sejam pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública devem conter apenas:
      a) As decisões que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou actividade ou interditem esse exercício;
      b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo.
       2 - Nos casos em que, por força de lei, se exija ausência de quaisquer antecedentes criminais ou apenas de alguns para o exercício de determinada profissão ou actividade, os certificados são emitidos em conformidade com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 12.º, devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer.
       3 - Os certificados requeridos por pessoa colectiva ou equiparada para o exercício de certa actividade contêm a transcrição integral do registo criminal, excepto se a lei permitir transcrição mais restrita do conteúdo.
       Artigo 12.º
      (Certificados requeridos para outros fins )
      1 - Os certificados requeridos por particulares, quer sejam pessoas singulares ou pessoas colectivas ou equiparadas, para fins não previstos no artigo anterior contêm a transcrição integral do registo criminal, excepto se a lei permitir transcrição mais restrita do seu conteúdo.
       2 - Os certificados referidos no número anterior não podem conter informação relativa:
       a) A condenações por contravenção, decorridos seis meses após o cumprimento da pena;
      b) A decisões canceladas nos termos do artigo 15.º;
      c) A decisões canceladas nos termos dos artigos 16.º e 17.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento;
      d) A decisões que declarem uma interdição de actividades ao abrigo do artigo 100.º do Código Penal, quando o período de interdição tenha chegado ao seu termo;
      e) Tratando-se de pessoa singular, a condenações de delinquentes primários em pena não superior a seis meses de prisão ou em pena equivalente, salvo enquanto vigorar interdição decretada pela autoridade judicial.
       3 - O director-geral da Administração da Justiça pode limitar o conteúdo ou recusar a emissão de certificados requeridos para fins não previstos na lei se o requerente não justificar a necessidade de acesso à informação sobre identificação criminal.”

      Logo, podemos com facilidade entender e retirar da leitura destes preceitos que, no alcance do espírito e objectivo da lei, o nº3 do artº 17º, apenas se refere a condenações posteriores mas por factos posteriores, não sendo impedimento à não transcrição  a mera  condenação posterior desde que se reporte a factos anteriores à condenação a não transcrever e das circunstâncias do caso não se induza a prática de novos crimes.
    O certo é que o arguido não cometeu novos crimes, cumpriu adequadamente as condenações sofridas e às referidas no registo criminal não se pode apontar estarem subjacentes factores suficientemente consistentes para se afirmar, sem mais, qualquer indução de perigo de continuação anómica.
    Por isso, a negação no despacho recorrido de não transcrição, baseada nesse pressuposto, não deve ser acolhida.
    Porém, importa salientar que, na economia do artº 11º nºs1 e 3, a não referência de elementos registrais opera desde logo ope legis, independentemente de decisão judicial e, nesse conspecto, o recurso e a própria decisão seriam desnecessários.
    Mas, já quanto ao nº2 do artº 11º citado, a remissão para o artº 12º implica a conexão dos casos com o respectivo âmbito e alcance.
    De outro modo, o que se reporta de significativo contém-se no escopo do artº 12º e, nessa medida, o pedido do arguido deve ser considerado.
    Assim, na economia do pretendido, o despacho recorrido é revogado, autorizando-se nos termos solicitados e dentro do âmbito elencado nas explicadas previsões dos artºs 11º e 12º, a não transcrição da sentença no registo criminal.

III- DECISÃO

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, nos termos e com o alcance aludido.

Lisboa, 14  de  Abril  de  2015

Os Juízes Desembargadores

(texto elaborado em  suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP)

                                                                                 

Agostinho Torres

João Carrola

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[1]   vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95

[2]  vide ,entre outros, o Ac STJ de 19.06.96, BMJ 458, págª 98 e  o Ac STJ de 13.03.91, procº 416794, 3ª sec., tb citº em anot. ao artº 412º do CPP de  Maia Gonçalves 12ª ed; e Germano Marques da Silva, Curso Procº Penal ,III, 2ª ed., págª 335; e ainda  jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Acs. do STJ de 16-11-95, in BMJ 451/279 e de 31-01-96, in BMJ 453/338) e Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), bem como Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas.