Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9509/15.0T8ALM-A.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
INSOLVÊNCIA
PERSI
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) A cláusula contratual que prevê a perda de benefício de prazo na verificação da situação de insolvência de qualquer dos devedores, implica o afastamento do regime contrário do artigo 782.º do Código Civil.
II) A cláusula que estabelece que a credora poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de (…) insolvência de qualquer dos devedores, institui a credora numa situação jurídica activa que consiste no poder de produzir efeitos na esfera jurídica de outrem, sem que este o possa impedir.
III) Tal cláusula significa que a credora pode declarar, na ocorrência da insolvência de um dos devedores, que a perda de benefício do prazo se estende aos devedores não insolventes, exigindo-lhes o cumprimento imediato, ou pode não o fazer; por isso, impõe essa declaração para afastar a aplicação do regime do artigo 782.º, do Código Civil.
IV) A situação de vencimento automático e antecipado decorrente do artigo 91.º, n.º 1, do CIRE, quanto ao devedor insolvente, não se estende aos co-devedores na ausência de cláusula contratual ou situação legal que o determine.
V) O PERSI constitui a instituição bancária na obrigação de analisar a situação de incumprimento e a capacidade financeira do devedor, privilegiando a renegociação do contrato e o cumprimento do programa contratual com a alteração que resultar do procedimento.
VI) A inexistência de PERSI formal não determina a absolvição da instância executiva intentada quando os objectivos que se pretendam visar pelo PERSI tenham sido prosseguidos sem essa formalidade, antes da entrada em vigor do respectivo regime jurídico.
VII) Não cumpre as finalidades do PERSI a indicação pela credora do modo de sanar o incumprimento, unilateralmente e sem análise da situação concreta dos devedores; não pode considerar-se tal comunicação unilateral como substitutiva informal do PERSI.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO
G… deduziu oposição à execução que lhe é movida por CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., relativa a contratos de mútuo hipotecário e de cartão de crédito, alegando, não se encontrar documentado o montante em dívida tanto quanto ao capital como quanto à contabilização de juros, não ser a Executada parte nos contratos de cartão de crédito, que apenas a seu marido respeitam e que não foram utilizados em proveito comum do casal já dissolvido actualmente, tendo a Executada, quanto aos mútuos hipotecários, pedido moratória à Exequente, que julgou ter sido aceite, procedendo ao pagamento de diversas quantias até ao momento em que a Exequente bloqueou a conta e a possibilidade de o fazer, passando a Executada a proceder a depósitos numa conta poupança para demonstrar a sua vontade de cumprimento e face à declaração da Exequente de que, apenas após decurso do processo de insolvência de seu co-executado e ex-marido poderiam ser reestruturados os créditos.
Mais alega que:
(…) como é de sublinhar, que a Executada, nunca foi interpelada pela Exequente para proceder ao pagamento da divida dada à execução, nem tão pouco pelo seu mandatário, sob cominação da entrada na instância executiva.
31. Face ao exposto, é legítimo concluir, que a Executada tudo fez, dentro dos seus conhecimentos, para conseguir o cumprimento das suas obrigações, no âmbito dos diversos contratos de mútuo com a Exequente.
32. Sendo que, conforme fica demonstrado, foi a Exequente, que sempre lhe negou tal possibilidade, impedindo inclusive a Executada de proceder a qualquer pagamento sobre os mútuos, desde Junho de 2013.
A Exequente contestou invocando tratar-se a oposição de mero expediente dilatório por se ter verificado o incumprimento, terem sido os contratos de cartão de crédito estabelecidos na constância do casamento e ter a Executada sido interpelada para cumprir, não o tendo feito.
Cumprido o demais legal, houve audiência de julgamento, reaberta por despacho judicial que deu nota às partes de que, ponderando a factualidade elencada no requerimento executivo e na petição de embargos, considero essencial aferir se a embargada deu cumprimento ao regime consagrado no DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
A Exequente pronunciou-se no sentido de não ser aplicável o regime estabelecido no indicado diploma legal, por a declaração de insolvência de um dos devedores determinar o vencimento de todas as obrigações, sendo aliás causa de extinção do PERSI que visa evitar o recurso à execução e à venda do imóvel, sendo que a declaração de insolvência determina a apreensão da meação do insolvente na qual o imóvel se integra.
Conclui, por isso, que não se encontrava obrigada a integrar a Executada no PERSI. Juntou prova.
Após reabertura de audiência, foi proferida sentença que absolveu a Embargante da instância executiva, declarando extinta a execução.
Desta decisão interpôs a Exequente o presente recurso e, alegando, concluiu como segue as suas alegações:
I – O presente recurso cingir-se-á à obrigação emergente dos contratos de mútuo exequendos.
II – A sentença em crise absolveu a embargante da instância executiva.
III – A decisão é fundada no dever da embargada integrar a embargante no PERSI, regulado no DL nº 227/2012 de 25 de Outubro.
IV – De modo a aferir da obrigatoriedade de integração da embargante do PERSI, ter-se-á que analisar a) quando operou o vencimento da obrigação titulada pelos contratos de mútuo apresentados à execução b) se os factos carreados aos autos determinariam a obrigação de integração da embargada no PERSI.
V – A embargada diverge do entendimento do Tribunal a quo quanto à matéria de facto provada e não provada determinantes para a decisão da causa.
VI – Foi considerado como facto não provado – “9. As partes tenham convencionado a dispensa de interpelação de modo a operar o vencimento imediato da obrigação”.
VII – Constam dos contratos de mútuo exequendos, outorgados pela embargante na qualidade de mutuária as seguintes cláusulas:
- alínea e) da cláusula 14ª do documento complementar do documento nº 1 junto ao requerimento executivo – “ A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente e) insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada (…)”
- alínea e) da cláusula 13ª do documento complementar do documento nº 2 junto ao requerimento executivo – “A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente e) insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada (…)”
- alínea f) da cláusula 20.1 do documento nº 3 junto ao requerimento executivo – “A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente: f) insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada.”
VIII – Conforme clausulado, a insolvência de “qualquer dos devedores” determinaria o vencimento automático da obrigação e perda do benefício do prazo operaria para qualquer dos mutuários.
IX – As partes expressamente convencionaram o afastamento do regime previsto no artigo 782º do Código Civil.
X – Realçamos a expressão “qualquer dos devedores”.
XI – Compreender-se-ia a decisão em crise se ao invés da expressão no plural “qualquer dos devedores”, se tivesse estipulado o singular “insolvência do devedor”.
XII – No caso sub judice a insolvência de “qualquer dos devedores” (mutuários) determinaria o vencimento automático e independente de qualquer interpelação, das obrigações tituladas pelos contratos de mútuo exequendos.
XIII – O clausulado imporia decisão diversa quanto à matéria de facto não provada, concretamente a eliminação do ponto 9. dos factos não provados e aditamento aos factos provados de alínea onde conste “ As partes convencionaram a dispensa de interpelação de modo a operar o vencimento imediato da obrigação”.
XIV - Consta dos factos provados com interesse para a decisão da causa: “d) O co-mutuário e subscritor do contrato de cartão de crédito, … foi declarado insolvente por sentença de 4 de Abril de 2013.”
XV - Considerando a declaração de insolvência do co-mutuário em 4 e Abril de 2013, e convencionado o vencimento automático das obrigações emergentes dos contratos de mútuo com a insolvência de “qualquer dos devedores”, considera que deverá ser aditado aos factos provados a seguinte alínea: “As obrigações emergentes dos contratos de mútuo venceram-se em 4 de Abril de 2013”
XVI – Consta do ponto 5 dos factos não provados “5. A embargante tenha sido interpelada para o pagamento da totalidade da dívida/vencimento antecipado das prestações acordadas nos mútuos dos autos.”
XVII – Não obstante a convenção de dispensa de interpelação de modo a operar o vencimento da obrigação, a embargada interpelara a embargante, alertando para o accionamento judicial, caso se mantivesse a situação de incumprimento.
XVIII – A alínea e) dos factos provados faz menção e dá por integralmente reproduzido o documento nº 1 junto com os embargos – “Em 2012 e a fim de liquidar as prestações em atraso, a embargante apresentou, junto da embargada, um pedido de moratória sobre empréstimo hipotecário, ao qual a embargada respondeu conforme consta do Doc. 1 junto com a petição de embargos e que aqui dou por integralmente reproduzido, na sequência do que, a embargante comprometeu-se a liquidar o montante de € 200,00 até Setembro de 2012 e a quantia de € 350,00 a partir de Outubro de 2012”
XIX – Vide o mencionado documento nº 1 – carta enviada pela embargante à embargada datada de 14/06/2012: “(…) Acusamos a recepção da carta de 24 de Abril pºpº, a qual mereceu a nossa melhor atenção. Como é do conhecimento de V. Exas., os empréstimos acima identificados continuam em incumprimento, apresentando nesta data, 4 prestações em atraso, em cada um deles no valor de € 956,64, € 881,82 e € 1.499,82, respectivamente, o cartão de crédito uma dívida de € 1.112,98, e as contas à ordem saldos devedores de € 104,58 e € 243,96, respectivamente, verbas a que acrescem os correspondentes juros de mora diários. Assim, e desde que recomecem a efectuar entregas mensais e regulares, com início já no corrente mês de Junho, para a prévia regularização dos saldos devedores das contas à ordem, a Caixa poderá analisar a vosso pedido, uma reestruturação dos empréstimos (…) Caso não obtenhamos resposta a esta carta no prazo de 10 dias e mantendo-se o incumprimento, os processos serão de imediato remetidos para Tribunal, com vista à cobrança judicial da dívida.”
XX - Considerando o teor do documento junto aos autos e dado como integralmente reproduzido impor-se-á a eliminação do ponto 5 da matéria de facto não provada “5. A embargante tenha sido interpelada para pagamento da totalidade da dívida/vencimento antecipado das prestações acordadas nos mútuos dos autos”.
XXI - E aditamento à matéria de facto provada de alínea onde conste. “A embargante foi interpelada para pagamento da totalidade da dívida/vencimento antecipado das prestações acordadas nos mútuos dos autos.”.
XXII – Alicerçamo-nos novamente na alínea e) dos factos provados com interesse para a decisão da causa.
XXIII – Antes e no decurso da vigência do PERSI (01/01/2013) embargante e embargada encetaram negociações extrajudiciais de modo por termo ao incumprimento, perspetivando-se a reestruturação dos empréstimos.
XXIV – No decurso de 2012 e no seguimento da proposta apresentada pela embargante, a embargada acedeu em analisar a reestruturação dos empréstimos, se concretizados pagamentos mensais e regulares com início em Junho de 2012.
XXV – Contrariamente ao que se propusera, a embargante não procedeu a pagamentos regulares e mensais, conforme alínea f) dos factos provados – “sendo que no período compreendido entre Outubro de 2012 e Maio de 2013 não foi efectuado qualquer pagamento por conta do mútuo dos autos”.
XXVI – E conforme ponto 4 dos factos não provados “Nem a partir de Junho de 2013 a embargada impediu a embargante de efectuar qualquer pagamento sobre os mútuos exequendos”.
XXVII – A reestruturação que solucionaria o problema não foi concretizada por facto imputável à embargante, porque não procedeu aos prometidos pagamentos mensais regulares, que não foram impedidos ou impossibilitados pela embargada.
XXVIII - O intuito do Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro é estabelecer princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização das situações de incumprimento.
XXIX – O diploma visa obrigar as instituições de crédito a apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira dos clientes e avaliar propostas alternativas dos próprios clientes.
XXX – A actuação da embargada foi de acordo com o que preconiza o PERSI, ao ter acedido à proposta apresentada pela embargante de iniciar pagamentos mensais e regulares a partir de Junho de 2012, de modo a que uma vez concretizados fosse analisada a reestruturação dos mútuos em função das disponibilidades financeiras demonstradas pela embargante pelos pagamentos a que se comprometera.
XXXI – A embargada encetara negociações e procedimento extrajudicial de modo a pôr termo ao incumprimento, em data anterior e no decurso da vigência do PERSI.
XXXII – Em Junho de 2012, a embargada acedera à proposta apresentada pela embargante que se comprometera a iniciar pagamentos mensais e regulares para que uma vez concretizados fosse analisada a reestruturação dos contratos de mútuo.
XXXIII – Não se imporia à embargada a integração da embargante no PERSI, quando à data da entrada em vigor (01/01/2013) se encontrava em curso proposta e negociações que permitiriam a resolução extrajudicial e a regularização do incumprimento.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença ora recorrida por outra que determine o prosseguimento da execução para cumprimento da obrigação emergente dos contratos de mútuo exequendos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II) OBJECTO DO RECURSO
Tendo em atenção as conclusões da Recorrente - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, cumpre apreciar (i) da impugnação da decisão de facto e (ii) das consequências da omissão de PERSI prévio à execução no que respeita aos contratos de mútuo.
III) FUNDAMENTAÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1.1. A impugnação
A Recorrente impugna a decisão de facto defendendo que os factos não provados 5 e 9 devem ser eliminados e aditados aos factos provados, devendo ser aditado a estes um facto que indica.
a) É o seguinte o teor do ponto 9 da matéria não provada:
[Não provado que] 9. As partes tenham convencionado a dispensa de interpelação de modo a operar o vencimento imediato da obrigação.
Pretende a Recorrente que tal matéria seja considerada provada.
b) É o seguinte o teor do ponto 5 da matéria não provada:
[Não provado que] 5. A embargante tenha sido interpelada para o pagamento da totalidade da dívida/vencimento antecipado das prestações acordadas nos mútuos dos autos.
Pretende a Recorrente que tal matéria seja considerada provada.
c) Pretende ainda a Recorrente que seja aditado como provado o seguinte: as obrigações emergentes dos contratos de mútuo venceram-se em 4 de Abril de 2013.
 1.2. Apreciação
Como resulta da leitura dos pontos indicados e do aditamento pretendido, não estão em causa factos, mas conclusões de direito.
No pretérito Código de Processo Civil, o artigo 646.º, n.º 4, determinava que houvessem de ser tidos como não escritos determinados factos constantes das respostas do tribunal colectivo, entre as quais se encontravam as que respeitavam a questões de direito.
Todavia, o actual Código de Processo Civil não contém norma equivalente à do artigo 646.º, n.º 4. Entendemos que tal não resulta de uma redefinição do regime, mas, antes, de a mesma constituir mero afloramento do regime geral que estabelece que o tribunal se pronuncia sobre factos, destinando-se as provas a demonstrarem a realidade desses factos (artigo 341.º, do Código Civil).
Um outro caminho nos conduz à mesma solução, qual seja o de as consequências jurídicas da factualidade assente respeitarem à actividade do juiz a que alude o artigo 608.º do Código de Processo Civil, enquanto a decisão de facto se encontra prevista nos n.º 4 e 5, do artigo 607.º, do mesmo Código.
A inclusão das asserções indicadas sempre constituiria um acto inútil por as conclusões que incluem apenas poderem ser tiradas em sede de apreciação jurídica dos factos e fundamentando a dita apreciação.
Assim, dão-se como não escritos os indicados pontos enquanto pontos de facto, sem prejuízo de as conclusões que enunciam serem retiradas em sede própria, face ao que fica prejudicada a apreciação a outro título da impugnação da decisão de facto.
1.3. Fixação dos factos assentes
Dado o teor do ponto anterior, encontram-se assentes nos autos os seguintes factos constantes da decisão de primeira instância (com explicitação da alínea a)):
a) Caixa Geral de Depósitos, S.A. instaurou, em 14 de Setembro de 2015, a acção executiva a que os presentes embargos correm por apenso contra G.., para obter o pagamento coercivo da quantia de € 163.960,09, acrescida de juros de mora vincendos, com base em escrituras públicas de mútuo com hipoteca, contrato de mútuo com hipoteca e contratos de cartão de crédito, juntos aos autos de execução, que aqui se dão por reproduzidos, sendo os seguintes os mútuos celebrados:
1) Em 22 de Setembro de 2006, no montante de € 59.273,71, destinando-se à liquidação do financiamento concedido pelo Crédito Predial Português, SA, aos mutuários para aquisição de habitação própria da fracção autónoma a respeito da qual foi constituída hipoteca para garantia do mútuo, contrato a que foi dado o n.º PT 00350386003659385;
2) Em 22 de Setembro de 2006, no montante de € 53.000,00, destinando-se ao financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis, com hipoteca constituída sobre a fracção autónoma referida em a)1), contrato a que foi dado o n.º PT 00350386003660785;
3) Em 18 de Março 2008, no montante de € 40.000,00, destinando-se à aquisição de bens ou serviços vários, para uso ou consumo dos CLIENTES, de modo a satisfazer as suas necessidades pessoais ou familiares, com hipoteca constituída sobre uma …contrato a que foi dado o n.º PT 00350386004192484;
b) As prestações acordadas nos mútuos exequendos deixaram de ser pagas em 18 de Fevereiro de 2012, quanto ao referido em a) 3), e 2 de Abril de 2013, quanto aos referidos em a) 1) e 2).
c) As obrigações assumidas nos aludidos contratos de cartão de crédito deixaram de ser cumpridas em 20 de Janeiro de 2012 e 16 de Fevereiro de 2012.
d) O co-mutuário e subscritor do contrato de cartão de crédito, A… foi declarado insolvente por sentença de 4 de Abril de 2013.
e) Em 2012 e a fim de liquidar as prestações em atraso, a embargante apresentou, junto da embargada, um pedido de moratória sobre empréstimo hipotecário, ao qual a embargada respondeu conforme consta do Doc. 1 junto com a petição de embargos e que aqui dou por integralmente reproduzido, na sequência do que, a embargante comprometeu-se a liquidar o montante de € 200,00 até Setembro de 2012 e a quantia de € 350,00 a partir de Outubro de 2012.
f) A partir de Junho de 2012 e, pelo menos, até Janeiro de 2014, a embargante liquidou, por conta dos empréstimos dos autos, as quantias indicadas nos documentos juntos com a petição de embargos e que aqui dou por reproduzidos, sendo que no período compreendido entre Outubro de 2012 e Maio de 2013 não foi efectuado qualquer pagamento por conta dos mútuos dos autos.
g) Em virtude da declaração de insolvência do co-mutuário A…, a embargante deixou de conseguir efectuar pagamentos por conta dos empréstimos hipotecários em crise e, no período compreendido entre Março de 2014 e Abril de 2015 efectuou os depósitos reflectidos nos documentos juntos aos autos com a petição de embargos, numa outra conta bancária domiciliada na embargada.
h) A embargada solicitou à embargante o pagamento das prestações vencidas e não pagas nos mútuos dos autos.
i) A embargada não integrou a embargante no PERSI.
Dos autos resulta ainda com pertinência, o que se adita nos termos do artigo 663.º, n.º 2, com referência ao artigo 607.º, n.º 4, ambos do CPC, por não ser controverso e/ou resultar dos documentos juntos que se enunciarão:
j) Os mutuários e as mutuantes convencionaram a seguinte cláusula quanto a cada um dos mútuos referidos em a) 1), a) 2) e a) 3), respectivamente, pelas cláusulas  14.ª e), 13.ª  e)  e 20.1 f), com o seguinte teor:
1 - A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:
(…)
Insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito.
l) A resposta da Exequente ao pedido da Executada a que alude a alínea e) supra foi dada em 14 de Junho de 2012, referindo que os empréstimos acima identificados continuam em incumprimento, apresentando, nesta data, 4 prestações em atraso, em cada um deles, no valor de € 956,64, € 881,82 e € 1.499,82, respectivamente (…), acrescentando que, assim, e desde que recomecem a efectuar entregas mensais e regulares, com início já no corrente mês de Junho, para a prévia regularização dos saldos devedores das contas à ordem, a Caixa poderá analisar, a vosso pedido, uma reestruturação dos empréstimos, indicando que tal reestruturação seria de alargamento do prazo dos empréstimos, capitalização  dos valores em atraso, possível introdução de períodos de carência e alteração do spread, referindo ainda que caso não obtenhamos resposta a esta carta no prazo de 10 dias, e mantendo-se o incumprimento, os processos serão de imediato remetidos para tribunal, com vista à cobrança judicial da dívida.
2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
2.1. O Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro (Plano de Ação para o Risco de Incumprimento - PARI), visou, como consta do seu sumário, estabelecer princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e criar a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
Com esse objectivo, indica no seu preâmbulo, como medida essencial, a definição de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.
Procedimento que o diploma consagra, estabelecendo o âmbito dos contratos sujeitos e a tramitação a seguir.
2.2. O artigo 2.º do PARI, na redacção original, indicava como segue o âmbito dos contratos a que se aplicava o diploma:
1 - O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:
a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;
b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
2 - O disposto no presente diploma não prejudica o regime aplicável aos sistemas de apoio ao sobre-endividamento, instituído pela Portaria n.º 312/2009, de 30 de março.
Tal redacção, foi alterada pelo Decreto-Lei 70-B/2021, de 6 de Agosto, que indica com segue o âmbito dos contratos a que se aplica o diploma:
1 - O disposto no presente decreto-lei aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:
a) Contratos de crédito relativos a imóveis abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, na sua redação atual;
b) (Revogada.)
c) Contratos de crédito aos consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, na sua redação atual;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, na sua redação atual;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
2 - O disposto no presente decreto-lei não prejudica o regime aplicável aos sistemas de apoio ao sobre-endividamento, instituído pela Portaria n.º 312/2009, de 30 de março, na sua redação atual.
O Decreto-Lei 70-B entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, a 7 de Agosto de 2021.
Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, esta nova redacção não é aplicável no caso dos autos, por isso que a situação que determinaria a inclusão dos contratos no PERSI se verificou em data anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei 70-B.
Estão em causa nos autos apenas os contratos de mútuo referidos na alínea a) da matéria assente, por restrição operada pela Recorrente nas suas alegações de recurso. Todos eles têm a natureza de contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel, integrando-se, por isso, no âmbito de aplicação do diploma, quanto ao conteúdo, vista a alínea b), na redacção aplicável.
O mesmo resultaria da aplicação da lei actualmente em vigor, uma vez que a alínea a) do artigo 2.º remete para o Decreto-Lei 74-A/2017, de 23 de junho, cujo artigo 2.º, n.º 1, alínea c), dispõe:
1 - Sem prejuízo das exclusões previstas no artigo seguinte, o presente decreto-lei aplica-se aos seguintes contratos de crédito, celebrados com consumidores:
c) Contratos de crédito que, independentemente da finalidade, estejam garantidos por hipoteca ou por outra garantia equivalente habitualmente utilizada sobre imóveis, ou garantidos por um direito relativo a imóveis.
Sendo que o artigo 4.º, n.º 1, alínea d) estabelece que, para os efeitos do diploma, se considera «Consumidor», a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente decreto-lei, atua com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional.
Ora, tendo em atenção as finalidades previstas nos mútuos conforme matéria assente nos pontos 1), 2) e 3) da alínea a), tem de considerar-se que os mutuários se enquadram nesta noção de consumidor, uma vez que num caso contratam o mútuo para um contrato envolvendo a aquisição de habitação própria, noutro para consumo pessoal e familiar e num terceiro para investimento não especificado em imóveis, sem que esteja assente ser essa actividade profissional que exerçam, constituindo, aliás, hipoteca sobre o imóvel que adquiriram para habitação própria.
Em suma, no que se refere ao âmbito objectivo de aplicação do PERSI, entende-se aplicável o PARI na sua versão original, sendo que idêntica conclusão resultaria, quanto ao caso concreto, da aplicação do artigo 2.º na redacção actualmente em vigor.
2.3. No que respeita ao âmbito de aplicação na dimensão temporal, há que ter em atenção que a situação de incumprimento, quanto ao contrato referido em a) 3), ocorreu em 18 de Fevereiro de 2012 e, quanto aos contratos referidos em a) 1) e 2), em 2 de Abril de 2013.
O artigo 39.º, n.º 1, do PARI, que não sofreu alterações, determina que são automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
O diploma entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2013 (artigo 40.º, do mesmo texto legal) e todos os três contratos se encontravam em vigor nessa data.
Como já indicado, os executados deixaram de pagar as prestações dos mútuos referidos em a) 1) e 2) em 2 de Abril de 2013 e as do mútuo referido em a) 3) em 18 de Fevereiro de 2012, sendo incontroverso nos autos que se encontravam em mora desde essas datas.
Quanto ao mútuo referido em a) 3), atenta a data da mora, também nesta dimensão há que considerar o mesmo abrangido pela integração no âmbito de aplicação do diploma (artigo 39.º, n.º 1), uma vez que, estando o contrato em vigor em 1 de Janeiro de 2013, os executados encontravam-se em mora, tendo ocorrido o vencimento da prestação há mais de 30 dias.
No que respeita aos contratos referidos em a) 1) e 2), a mora verificou-se na vigência do PARI, uma vez que ocorreu em 2 de Abril de 2013, aplicando-se o regime sem necessidade de recurso à norma transitória do artigo 39.º, do PARI.
Em conclusão se dirá que o regime do Decreto-Lei 227/2012 é aplicável aos contratos em causa, quer por força das disposições de aplicação no tempo, quer por o incumprimento se ter verificado já na vigência do PARI.
Pese embora, a Recorrente entende que tal regime não pode ser convocado por diversas razões que constituem outras tantas conclusões de recurso.
2.4. Em primeiro lugar, entende que o regime de regularização extra-judicial de situações de incumprimento não tem aplicação nos autos por se ter vencido automaticamente a obrigação de pagamento da totalidade dos montantes mutuados, uma vez que tal é determinado pela declaração de insolvência de um dos devedores que, nos termos convencionados, implica sem mais a perda do benefício do prazo, afastando a aplicação do regime supletivo do artigo 782.º, do Código Civil.
No caso dos autos, não resulta dos contratos cláusula que determine a razão da estipulação de prazo para o cumprimento da obrigação. Todavia, a razão de ser do crédito que o mútuo proporciona consiste na disponibilidade imediata ao devedor do montante mutuado com a faculdade de o restituir faseadamente ao longo do tempo. Essa a razão do prazo que sempre determinaria concluíssemos que foi estipulado a favor do devedor (salvaguardando o interesse do credor apenas pelas cláusulas de amortização), o que é aliás dispensado pela presunção do artigo 779.º, do Código Civil, ao estatuir que o prazo tem-se por estabelecido a favor do devedor, quando se não mostre que o foi a favor do credor, ou do devedor e do credor conjuntamente.
 Em cada um dos três contratos as partes estipularam que, face à insolvência de qualquer dos devedores, poderia a credora exigir o cumprimento imediato da obrigação, conforme resulta das cláusulas a que se reporta a alínea j) da matéria assente. Ou seja, entende a Recorrente, a insolvência determinaria a perda do benefício de prazo e possibilitaria a exigência imediata do cumprimento da obrigação de restituição das quantias mutuadas (e juros que fossem contratualmente devidos).
O artigo 782.º do Código Civil estabelece, todavia, que a perda de benefício de prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.
A norma não estabelece a sua aplicação mesmo contra a vontade das partes, sendo que regula matérias contratuais sujeitas ao princípio geral da autonomia da vontade (artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil), sem excepcionar a aplicabilidade de tal princípio. Por outro lado, não se reveste de essencialidade quanto ao regime que estabelece, uma vez que a sua aplicação ou não é indiferente à caracterização de tal regime[1]. Concluímos por isso que a norma tem natureza supletiva, sendo permitido o afastamento do seu regime por convenção das partes.
A Recorrente entende que essa convenção existe e é a constante das referidas cláusulas.
A convenção de que a perda de benefício de prazo pode ocorrer na verificação da situação de insolvência de qualquer dos devedores, implica o afastamento do regime contrário do artigo 782.º citado.
Na verdade, as regras de interpretação da declaração negocial constantes dos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, aplicáveis também em situações como as dos autos por via do artigo 10.º, do Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro (Regime jurídico das cláusulas contratuais gerais – RJCCG), impõem a conclusão de que o único sentido da estipulação que pode ser entendido como contido nas cláusulas é o de que basta a ocorrência da insolvência de um dos devedores para a obrigação poder ser imediatamente exigível a todos[2]. Tal conclusão unívoca afasta a ponderação de favor a que alude o artigo 11.º do mesmo RJCCG[3].
Em suma, entende-se que as cláusulas 14.ª e), 13.ª e) e 20.1 f) dos contratos em causa estabelecem a possibilidade de perda do benefício do prazo quanto a ambos os devedores em caso de ocorrência da insolvência de um deles.
2.5. Estando estabelecido que o co-executado da Embargante recorrida foi declarado insolvente em 2 de Abril de 2013, importa apreciar se tal determina, como defende a Recorrente, a perda do benefício de prazo relativamente à executada não insolvente.
Entende a Recorrente que as cláusulas estabelecidas e que se vêm analisando implicam o afastamento do regime do artigo 782.º do Código Civil e, ainda, o vencimento automático das obrigações sem prévia interpelação, por tais cláusulas corresponderem a convenção das partes no sentido de dispensa de interpelação para operar o vencimento imediato da obrigação.
Ora essa convenção é que não se consegue discernir nas cláusulas em causa, utilizando os critérios hermenêuticos aplicáveis e já mencionados. Lembremos o teor das cláusulas que são idênticas (cf. alínea j):
1 - A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:
(…)
Insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito.
A Caixa poderá considerar é uma locução que atribui ao sujeito, a Recorrente, uma faculdade: exigir o imediato pagamento da dívida. Trata-se de uma situação jurídica activa que consiste no poder de produzir efeitos na esfera jurídica de outrem, sem que este o possa impedir[4].
Em suma, a Recorrente pode declarar, na ocorrência da insolvência de um dos devedores, que a perda de benefício do prazo se estende aos devedores não insolventes, exigindo-lhes o cumprimento imediato, ou pode não o fazer. O mesmo é dizer que a cláusula não dispensa essa declaração por não afastar automaticamente a aplicação do disposto no artigo 782.º, do Código Civil, embora atribua à credora a faculdade de declarar o afastamento deste regime.
O reverso é a conclusão de que a cláusula não dispensa a interpelação, antes a impõe.
Coisa diversa é a situação decorrente do disposto no artigo 91.º, n.º 1, do CIRE, quanto ao devedor insolvente, situação em que a declaração de insolvência determina o vencimento automático e antecipado da obrigação. Todavia, tal vencimento antecipado não se estende aos co-devedores, como o é a Executada, sem que exista cláusula contratual ou situação legal que o determine[5].
2.6. Em outra linha de argumentação a Recorrente entende que a interpelação ocorreu através da carta que é documento 1 referido na alínea l) supra. Das conclusões de recurso, lembramos as conclusões XVII a XIX, em que a Recorrente invoca a indicação na mencionada carta (que é de 14 de Junho de 2012) de que accionaria judicialmente a dívida no caso de não obter resposta a tal carta e de se manter o incumprimento.
Se esta declaração pode ser interpretada como interpelação em ordem ao vencimento antecipado da dívida é o que agora nos ocupará, antecipando que entendemos que não pode. Desde logo por uma lapidar razão: a carta é anterior à insolvência, não podendo interpretar-se aquela menção como indicando que a Caixa entendia usar da faculdade atribuída nas mencionadas cláusulas para o caso de a insolvência se verificar. Qualquer relação com essas cláusulas do mencionado passo da carta – relação que não se vislumbra – apenas poderia ser a reafirmar, não a de operar, o vencimento por condição não verificada.
Concluímos por isso que não se encontra demonstrada nos autos interpelação extra-judicial de vencimento da obrigação nos termos permitidos pela cláusula de perda de benefício de prazo, nomeadamente na medida da sua extensão ao co-obrigado.
Naturalmente, exepciona-se da conclusão anterior a interpelação judicial que consiste na citação para a execução de que estes autos são apenso, visto o disposto no artigo 805.º, n.º 1[6], do Código Civil.
No entanto, tal interpelação não é relevante para a apreciação da obrigação de submissão ao PERSI, uma vez que esta é prévia ao acionamento judicial.
Em conclusão, não se verifica qualquer excepção às regras do PERSI antes enunciadas por via do vencimento da obrigação e exigibilidade de restituição das quantias mutuadas em razão da ocorrência de insolvência.
2.7. A Recorrente alega ainda que não haveria nunca lugar ao PERSI uma vez que à data da entrada em vigor (01/01/2013) se encontrava em curso proposta e negociações que permitiriam a resolução extrajudicial e a regularização do incumprimento.
De sublinhar que na execução é indicada como data de cessação de pagamentos quanto aos empréstimos a) 1) e 2) a de 2 de Abril de 2013 e é esse incumprimento que está em causa nos autos quanto a esses empréstimos. A tal não obsta supor-se da carta de 14 de Junho de 2012 que outras situações de incumprimento quanto a eles se terão verificado porque não foram elas as trazidas à execução.
Por tal razão, a invocação de que se encontrava em curso regularização extra-judicial apenas pode ser considerada quanto ao empréstimo cujo incumprimento invocado é anterior à entrada em vigor do PARI, o referido em a) 3).
Nada se provou nem está em causa quanto a uma formal tramitação do PERSI, sendo certo que à Exequente caberia o ónus de tal prova – artigo 342.º, do Código Civil.
Contudo, o facto de não ter ocorrido uma tramitação formal, não seria impeditivo de que se encontrasse a Exequente desobrigada dela. Vejamos o regime legal. 
2.8. Dispõe o artigo 18.º, n.º 1, do diploma citado que, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de (…) b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
O regime assim estabelecido obsta a que o credor intente acções visando a satisfação do crédito, maxime, acções executivas, na pendência do PERSI. Tal regime, impedindo a instauração das acções para satisfação do crédito até ao termo do PERSI, implica que a integração do cliente no PERSI e a conclusão do procedimento sejam condição de admissibilidade da instauração da acção, no caso, executiva, não podendo prosseguir acção que tenha sido instaurada sem a conclusão do PERSI.
Assim, a omissão constitui um obstáculo a que o tribunal possa conhecer do mérito da causa instaurada em violação do mencionado artigo 18.º, assumindo a natureza processual de excepção dilatória – artigo 576.º, do Código de Processo Civil – determinante de absolvição da instância. Decisão que foi a da primeira instância aqui recorrida
2.9. Ora, deve ser vedada a consequência quando os objectivos que se pretendam visar pelo PERSI tenham sido prosseguidos sem essa formalidade, nomeadamente antes da entrada em vigor do respectivo regime jurídico, por o mesmo estar em aplicação a situações de incumprimento anterior que é o caso do contrato que agora nos ocupa.
Assim[7], o PERSI, visando estabelecer princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários, é consagrado no Decreto-Lei 227/2012, com um esquema procedimental constituído por uma fase inicial (artigo 14.º), em que o cliente é integrado no procedimento estabelecendo-se entre a instituição bancária e o devedor os primeiros contactos visando o decurso do procedimento e a regularização da situação, uma fase de avaliação e proposta (artigo 15.º), em que são desenvolvidas as diligências destinadas a apurar as causas do incumprimento e a concluir por uma avaliação da possibilidade ou impossibilidade de retoma do cumprimento, concluindo-se com uma proposta de renegociação do contrato ou de inviabilidade de acordo, e uma fase de negociação (artigo 16.º) das propostas de regularização apresentadas.
Em suma, o PERSI constitui a instituição bancária na obrigação de analisar a situação de incumprimento e a capacidade financeira do devedor, privilegiando a renegociação do contrato e o cumprimento do programa contratual com a alteração que resultar do procedimento.
No caso dos autos, não se encontra demonstrada qualquer renegociação resultante de uma avaliação ou actividade de análise da capacidade financeira do ou dos devedores face ao contrato e ao incumprimento e de renegociação do mesmo, favorecendo o cumprimento no futuro.
A única matéria de facto susceptível de integrar tal (e alegada enquanto tal) é a carta de 14 de Junho de 2012 (alínea l) da matéria de facto), a qual nada indica ter resultado de qualquer avaliação, antes surge como o estabelecimento unilateral de um modo de sanar o incumprimento cuja potencialidade de o conseguir nos termos visado pelo PERSI não está minimamente demonstrada. Em consequência, não pode considerar-se tal comunicação unilateral como substitutiva informal do PERSI.
Concluímos assim que, no caso, deve julgar-se procedente a excepção dilatória de omissão do PERSI, devendo ser mantida a decisão recorrida de extinção da execução.

IV) DECISÃO
Pelo exposto, ACORDAM em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente – artigo 527.º, n.º 2, do CPC.
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Lisboa, 04-11-2021
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva
Manuel Rodrigues
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[1] Sobre os critérios de qualificação das normas jurídicas como injuntivas ou supletivas, veja-se Miguel Teixeira de Sousa in Introdução ao Direito, Almedina, 2016, p. 229: para a classificação de uma regra jurídica como injuntiva ou dispositiva podem ser utilizados vários critérios: os mais comuns são os da qualificação pelo legislador e da valoração da regra. (…) Em conformidade com o critério da valoração da regra, ou seja, segundo o critério que atende à matéria regulada pela regra e aos interesses que ela procura salvaguardar, pode concluir-se que são injuntivas as regras que são essenciais a um determinado regime.
[2] Assim o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 16 de Maio de 2018, proferido no processo 2183/15.6T8OAZ-A.P1.S1 (Alexandre Reis) ou o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Janeiro de 2021, proferido no processo 4388/19.1T8LOU-A.P1 (Alexandra Pelayo) que, referindo-se a cláusula diversa da que nos ocupa, hipnotiza o sentido que a estabelecida nos autos teria.
[3] 1 - As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real. 2 - Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.
[4] Assim, Professor Carvalho Fernandes in Teoria Geral do Direito Civil, II, UCP, 5.ª edição revista e actualizada, p.584.
[5] Neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2018, proferido no processo 123/14.9TBSJM-A.P1.S2 (Henrique Araújo).
[6] O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
[7] Seguimos anteriores decisões relatadas pela ora Relatora e subscritas pelo Ex.mo Primeiro Adjunto.