Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
254/17.3PFAMD.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
PROCESSO SUMÁRIO
SENTENÇA
FORMA ESCRITA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/31/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I–A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena de substituição (por isso autónoma da pena principal de prisão) e, daí, por definição própria, natureza e modo de execução, uma pena não privativa da liberdade.

II–Tendo arguido, no âmbito de processo especial sumário, sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída pela pena de 150 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, inexiste imposição legal de elaboração da sentença por escrito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1.–Nos presentes autos com o NUIPC 254/17.3PFAMD, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Local Criminal da Amadora – Juiz 1, em Processo Especial Sumário, foi o arguido J. condenado, por sentença de 21/02/2017, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída por “150 horas de trabalho comunitário junto de instituição a indicar pela DGRS” e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 8 meses.

2.–O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1a. -O presente recurso tem como objecto a matéria de direito da douta sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artº. 292º., nº. 1 e 69º., nº. 1, alínea a) ambos do Código Penal, na pena de cinco meses de prisão, substituída por 150 dias de trabalho comunitário junto de Instituição a indicar pela DGRS, bem como, condenou o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 meses.
2a. -A decisão recorrida é nula, nos termos dos artigos 374º e 379º do Código de Processo Penal, atento o facto da sentença em causa ter sido proferida oralmente quando deveria ter sido reduzida a escrito no seu todo, e não apenas no seu dispositivo.
3a. -Mesmo quando se trata de processos que correm termos sob a forma de processo sumário ou abreviado, a sentença é escrita nos casos de aplicação de pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o justificarem.
4a. -Em qualquer dos casos, a sentença deve conter, sob pena de nulidade (art. 379º, nº 1, al. a), e 389º A, nº 1, al. a) a d), do Código de Processo Penal):
a)-A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;
b)-A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;
c)-Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;
d)-O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374º.
5a. -Sendo que a sentença é nula por não ter sido reduzida a escrito nos termos do art. 379º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal.
6a. -Assim, deve declarar-se nula a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, devendo ordenar-se a esse tribunal de primeira instância que proceda à elaboração de nova decisão final que observe o disposto no artº. 374º do Código de Processo Penal.
7a. -A pena acessória de proibição de condução de veículos com motor visa prevenir a perigosidade do agente.
8a. -Assim, esta medida peca por excessiva.
9a. -Pois, o tribunal a quo atendeu aos antecedentes criminais do arguido, cuja última condenação remonta ao ano 2014, sendo que estes factos são de 2017.
10a. -O aqui recorrente necessita da sua carta de condução para a sua actividade laboral.
11a. -Pelo que, tendo em conta os elementos já referidos, afigura-se adequada a aplicação ao recorrente da pena acessória de proibição de condução de veículos a motor próxima do mínimo legal consagrado.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deve declarar-se nula a douta sentença do tribunal a quo, devendo ordenar-se a esse tribunal de primeira instância que proceda à elaboração de nova decisão final que observe o disposto no artº 374º do Código de Processo Penal.
Porém, caso assim se não entenda, deve ser aplicada uma pena acessória de proibição de condução de veículos a motor próxima do mínimo legal consagrado.

3.–Respondeu o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo à motivação de recurso,pugnando por não merecer provimento.

4.–Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5.–Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

6.–Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO.

1.–Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Nulidade da sentença por não redução a escrito.

Dosimetria da pena acessória aplicada.

2.–A Decisão Recorrida.

Ouvida a gravação da audiência, onde consta a sentença oralmente proferida (artigo 389º-A, do CPP), constata-se que o tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:

No dia 13 de Fevereiro de 2017, cerca das 03:45 horas, na Rua Fernão Mendes Pinto, Amadora, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DB, com um teor de álcool no sangue de pelo menos 2,185 g/l.

O arguido sabia que havia ingerido bebidas alcoólicas e que sob a sua influência conduzia na via pública, com conhecimento que essa quantidade de álcool que ingerira lhe reduzia consideravelmente as faculdades psicológicas absolutamente necessárias à condução automóvel, designadamente no que respeita à coordenação das funções da percepção e da coordenação motora e não obstante quis conduzir o seu veículo na via pública depois dessa ingestão.

Agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente.

O arguido é electricista auto e encontra-se a trabalhar, auferindo mensalmente a quantia média de setecentos e cinquenta euros. Reside com a companheira, que exerce a actividade de empregada de balcão e dois filhos menores. Reside em casa própria, despendendo a quantia mensal de quatrocentos euros a título de prestação do crédito contraído para a sua aquisição.

Tem o décimo segundo ano de escolaridade como habilitações literárias.

Relativamente aos antecedentes criminais, resulta provado que o arguido foi já condenado em quarenta dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de três meses, pela prática, no dia 9 de Julho de 2005, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença de 11 de Julho de 2005, transitada em julgado em 26 de Setembro de 2005.

Foi também condenado na pena de noventa dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de quatro meses e quinze dias, pela prática, no dia 17 de Outubro de 2008, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença de 17 de Outubro de 2008, transitada em julgado em 6 de Novembro de 2008.

Foi ainda condenado na pena de três meses de prisão, suspensa pelo período de um ano e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de cinco meses, pela prática, no dia 24 de Outubro de 2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença de 24 de Outubro de 2014, transitada em julgado em 24 de Novembro de 2014.

Quanto aos factos não provados, inexistem.

Fundamentou a formação da sua convicção nas declarações do arguido, na parte em que foram confessórias, nos depoimentos das testemunhas Ivo F..., Ricardo B... e Sérgio D..., bem como nos documentos de fls. 3/5 (auto de notícia), resultado do teste de pesquisa de álcool no sangue de fls. 13 e notificação de fls. 14; CRC de fls. 21 e seguintes.

Apreciemos.

Nulidade da sentença por não redução a escrito

No entender do recorrente a sentença revidenda padece de nulidade, em vista do estabelecido nos artigos 374º e 379º, nº 1, alínea a), do CPP, porquanto foi proferida oralmente, constando apenas da acta da audiência de julgamento o seu dispositivo, quando devia ter sido integralmente reduzida a escrito.

Estabelece-se no artigo 389º-A, do CPP:

“1–A sentença é logo proferida oralmente e contém:

a)-A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;

b)-A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;

c)-Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;

d)-O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º

2–O dispositivo é sempre ditado para a acta.
3–A sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º
4–É sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do n.º 4 do artigo 101.º
5–Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.”

E, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP, é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 389º-A e 391º-F.

O arguido/recorrente foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída pela pena de 150 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58º, do mesmo diploma legal e a sentença respectiva foi proferida oralmente, tendo apenas ficado reduzida a escrito na acta de audiência de julgamento a parte do dispositivo.

Conforme se consagra no nº 1, deste aludido artigo 58º, “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é, indubitavelmente, uma pena de substituição (por isso autónoma da pena principal de prisão) e, daí, por definição própria, natureza e modo de execução, uma pena não privativa da liberdade.

Destarte resulta que, a pena efectivamente aplicada ao recorrente, a que ele tem para cumprir, não é a pena de prisão por 5 meses, mas a de prestação de trabalho a favor da comunidade – neste sentido cfr., entre outros, Acs. R. de Évora de 20/10/2015, Proc. nº 64/14.0PTSTB.E1 e 25/10/2016, Proc. nº 10/16.6PATNV.E1; Ac. R. de Guimarães de 08/04/2013, Proc. nº 367/12.8GAPTL.G1; Acs. R. de Coimbra de 07/03/2012, Proc. nº 162/11.1PTLRA.C1 e 13/01/2016, Proc. nº 25/15.1GAIDN.C1, todos em www.dgsi.pt - pelo que não estava legalmente obrigada a Mmª Juíza a quo a elaborar a sentença por escrito.

Termos em que, não se verifica a apontada nulidade, improcedendo o recurso neste segmento.

Dosimetria da pena acessória aplicada

O recurso versa sobre matéria de direito, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto e, posto que se não vislumbra qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, nem nulidade alguma de conhecimento oficioso, cumpre considerar, como se considera, definitivamente fixada a matéria de facto constante da sentença sob censura.

Inconformado se mostra o recorrente com a medida da pena acessória aplicada, que entende dever ser reduzida para próximo do mínimo legal, aduzindo que a última condenação sofrida remonta ao ano de 2014 e necessita de exercer a condução para o desenvolvimento da sua actividade profissional.

Nos termos do artigo 292º, nº 1, do Código Penal, “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

Quanto à pena acessória, estabelece-se no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto no artigo 292º.

Resulta da sentença revidenda, que o tribunal a quo ponderou, para a determinação da pena acessória a aplicar, que o arguido foi já condenado anteriormente em três penas acessórias de proibição de conduzir veículos motorizados pela prática do mesmo crime e conduzia neste caso com uma taxa de álcool no sangue elevadíssima.

Seguindo a lição de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, págs. 90 e segs., as penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas também de defesa contra a perigosidade individual.

Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, deve o julgador, na sua graduação atender, também, ao estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo presente que a sua finalidade (ao contrário da pena principal que visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente) assenta na censura da perigosidade.

Há que considerar, pois, a culpa do agente (que estabelece o limite máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar) e as exigências de prevenção nos termos referidos.

Cumpre ainda ponderar todas as circunstâncias que depõem a favor ou contra o agente.

Provado ficou que o arguido conduziu na via pública um veículo automóvel com uma taxa de alcoolémia equivalente a 2,18 g/l, o que é relevante para a apreciação do grau de ilicitude dos factos, tendo de se concluir por ser elevada, pois situada está essa taxa bem acima do valor que confere significado criminal à conduta.

Ficou provado também que a sua actuação foi dolosa.

O perigo inerente à conduta do recorrente não ultrapassou o abstracto, já valorado no tipo legal.

Assim, atendendo também a que sofreu três condenações anteriores pelo mesmo tipo de crime, a última das quais transitada em julgado em 24/11/2014 (onde lhe foi aplicada pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses) manifesto se torna que esta pena tem agora de se afastar significativamente do limite mínimo.

As exigências de prevenção da perigosidade individual que se colocam no caso situam-se em grau significativo, considerando a taxa mencionada e as anteriores condenações.

No que concerne às de intimidação geral, são também elevadas, ponderando o significativo índice de acidentes de viação em que são intervenientes condutores influenciados pelo álcool.

No que tange à necessidade de conduzir para desenvolver a sua actividade profissional, cumpre se diga que não constitui critério para a determinação da medida da sanção acessória, porquanto inexiste norma legal ou princípio da ordem jurídica que autorize ou torne menos censurável a condução em estado de embriaguez por parte de quem se dedica profissionalmente ao exercício da condução motorizada e, estava bem ciente o arguido, tendo em conta a sua experiência passada, que a ingestão de bebidas alcoólicas e a acção de conduzir conjugadas eram susceptíveis de determinar, se fosse submetido a julgamento, a aplicação da pena de proibição de conduzir e esta teria inevitavelmente repercussão no seu trabalho.

Face ao exposto, considerando a moldura abstracta aplicável de 3 meses a 3 anos, não se mostra desadequada ou excessiva a graduação da pena acessória em 8 meses de proibição de condução de veículos com motor.

III–DISPOSITIVO.

Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido J. e confirmar na íntegra a decisão recorrida.          
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.



Lisboa, 31 de Outubro de 2017


                                           
(Artur Vargues) - (Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)
                                          
(Jorge Gonçalves)