Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15162/18.2YIPRT.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- A venda de produtos hortícolas em palotes que no conjunto atingem várias toneladas, como o brócolo, deve considerar-se uma venda feita debaixo da condição de a mercadoria ser conforme à qualidade convencionada (art.º 469 do CCom), a qualidade do bem e o estado do bem são conceitos jurídicos diferentes mas da deterioração que determina a alteração das características específicas do bem resulta a sua qualificação e pelo art.º 471 do CCom a condição do art.º 469 do mesmo código ter-se-á por verificada e o contrato por perfeito se o comprador examinando o bem comprado no acto da entrega ou não reclamar contra a sua qualidades, não a examinando dentro do prazo de 8 dias a partir do acto da entrega.
II- Comprovando-se que a Autora, sociedade comercial vendedora, não exigiu que a sociedade comercial compradora procedesse ao exame da mercadoria no acto da entrega, de todo o modo atendendo à quantidade vendida (várias toneladas de brócolo em palote) e como resulta da própria apreciação da prova gravada, era impossível fazer o exame no momento em que o brócolo foi entregue (cfr § único do art.º 471 do CCom), atentos os factos provados, deve concluir-se que a Ré fez a reclamação dentro daquele prazo legal de oito dias do modo acima descrito, por isso em tempo, razão pela qual pode exercitar os direitos que a lei lhe confere por virtude do incumprimento do outro contraente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: APELANTE/AUTORA na ACÇÃO ESPECIAL para CUMPRIMENTO de OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS: S…- Produção e comércio de Frutas, Unipessoal, Ld.ª (representada em juízo pelo ilustre advogado AS… com escritório no Porto, como dos autos resulta)
APELADA/RÉ na ACÇÃO ESPECIAL para CUMPRIMENTO de OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS: NL…, Ld.ª (representada em juízo pela ilustre advogada CH… com escritório em Torres Vedras, conforme cópia do instrumento de procuração de 5/5/2016 de fls. 17 v.º)
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Com os sinais dos autos.
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Valor da acção: 7.538,65 euros (sentença recorrida)
I.1.Inconformada com a sentença de 23/10/2018 de fls. 55/62 (ref.ª380726781), que decidiu julgar a acção improcedente por não provada, por não ter logrado provar que os bens que forneceu à Ré se tenham estragado nas instalações desta última ou por culpa sua, dela apelou a Autora, em cujas alegações, conclui em suma:
a) Mal andou o Tribunal recorrido ao considerar como provados os factos 7 e 8 e não provados o facto b), pois das declarações do legal representante resulta que o carregamento foi feito a um Domingo e a descarga a uma segunda-feira do mês de Julho de 2016 o que o legal representante da ré confirmou, mas a mandatária da Ré refere-se ao dia posterior à descarga como sendo dia 28/7/2016 o que consultando o calendário permite concluir tratara-se de uma quinta-feira, mas a segunda-feira da descarga foi dia 25 e não o dia 27, a data de 27/7/2016 é apenas a data da emissão da factura que foi posterior a essa entrega, o que permite concluir pela existência de uma discrepância de 3 dias entre o dia da entrega e o da primeira comunicação dirigida pela ré à autora, o que não é equivalente à diferença de um dia que erroneamente se leva a crer nos autos (Conclusões 1 a 16)
b) A confusão em torno da data da descarga da mercadoria influenciou a decisão a quo conduzindo a um errado julgamento da matéria de facto que condicionou a sentença recorrida; das declarações do legal representante da Ré (31:37 a 1:19:09, concretamente 32:59 a 1:19:00) resulta que a testemunha declarou com má-fé uma vez que sabia perfeitamente que a descarga tinha sido efectuada a uma segunda-feira apesar de afirmar, em plena contradição, que a comunicação foi feita ainda no mesmo dia à tarde e, posteriormente, no dia subsequente, alegando que tal correspondia a uma quarta-feira, essa mesma testemunha alega que não poderá ser totalmente imputável à apelante qualquer responsabilidade afirmando não ter visto a carga por não considerar a Autora um grande fornecedor, pelo que não pode dar-se como provado o facto 7, estando a motivação da decisão em clara contradição com o depoimento desse legal representante da Ré, não podendo constar da motivação que as fotos de fls. 43 e 44 reflectem o estado do produto quer no dia da entrega quer no dia seguinte, por as mesmas serem dúbias quanto à identificação dos palotes nomeadamente se esses correspondiam ou não aos palotes da apelante, o que leva a concluir que os brócolos poderiam advir de outro fornecedor ou até da produção da própria apelada que é também produtora, sendo que o estado do produto não é relativo ao dia da entrega ou ao dia seguinte mas sim a 3 dias depois; não se provou ter acontecido comunicação verbal e se nenhum dos dois foi verificar o estado do produto no interior das palotes à chegada às instalações da Ré não pode dar-se como provado o facto 8; o legal representante da Ré declarou ter estado presente nas suas instalações um dia antes da descarga um técnico comum a ambas as partes, a regular uma máquina de gelo da Ré e nada garante à Ré assim como não garantirá ao homem médio que não tenha existido um problema com a refrigeração no sistema da Ré daí a presença do técnico para a reparação e que tal tenha sido a causa necessária e adequada da deterioração dos brócolos. (Conclusões 17 a 33)
c) A Autora logrou provar os factos cujo ónus lhe cabe e que constam de 1 a 6, seja o fornecimento, a entrega dos bens e a quantia em dívida, à Ré cabia alegando a excepção do não cumprimento do contrato provar salvo melhor entendimento que os bens já se encontravam deteriorados à chegada às suas instalações o que não sucedeu, quedando inúmeras dúvidas, não estando provado o cumprimento defeituoso da prestação da Autora nos termos dos art.ºs 406/1 e 913/1 do CCiv, sendo a decisão nula, por vício de fundamentação, nos termos dos art.ºs 607/4 e 615/1 c) e d) pelo que a mesma deverá ser anulada e substituída por outra que julgue procedente a acção. (Conclusões 34 a 43).
I.2. Em contra-alegações, a Ré pugna pela improcedência da apelação.
I.3. Nada obsta ao conhecimento do recurso.
I.4: Questões a resolver:
a) Saber se a sentença padece das aludidas nulidades dos art.ºs 607/4 e 615/1 c) e d) do Código de Processo Civil.
b) Saber se ocorre na decisão recorrida erro na apreciação dos meios de prova e subsequente decisão dos factos positivos 7 e 8 e b) negativa.
c) Saber se em razão da alteração da decisão de facto, procedendo a acção improcede a excepção de não cumprimento alegada pela Ré com o fundamento na venda de coisa defeituosa pela Autora à Ré.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II.1. Deu o Tribunal recorrido como provados os seguintes factos cujos 7 e 8 a apelante Autora impugna nos termos da lei de processo:
1. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio por grosso de fruta e de produtos hortícolas, excepto batata.
2. A Requerida é uma sociedade comercial que se dedica à cultura de produtos hortícolas, raízes e tubérculos.
3. No âmbito da relação comercial estabelecida entre as partes, a Requerente forneceu brócolos à Requerida no valor de 6 217,41 €.
4. A A. procedeu à emissão a 26/07/2016 da Factura nº 4112/2016, no valor de 10817,41 €, tendo-se vencido no dia 25/08/2016.
5. Foi emitida a seguinte nota de crédito nº 300/2016, emitida a 01/09/2016 relativa à entrega de vasilhame no valor de 4 600,00 €, tendo-se vencido a 01/10/2016.
6. A Requerida não procedeu ao pagamento voluntário do valor em dívida.
7. Os produtos entregues pela Autora – brócolos encontravam-se deteriorados e estragados;
8. A Requerida reclamou dos bens entregues, que se encontravam deteriorados e estragados por mais que uma vez e de diversas formas –escrita e verbalmente
9. Foi pedida a nota de crédito respectiva à Requerente, mas que esta nunca enviou.
10. A carga vinha toda em mau estado, porem a Requerida ainda tentou aproveitar uma pequena parte da mercadoria, que acreditou talvez ainda fosse vendável, porem não foram aceites.
II.2 Deu o Tribunal recorrido como não provados os seguintes factos, vindo impugnado o facto b):
a) A Requerida não apresentou qualquer reclamação relativamente aos artigos fornecidos, nem do respectivo teor da factura a qual aceitou.
 b) Os produtos vendidos pela A. estavam em boas condições quando foram entregues na Ré.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3. Saber se a sentença padece das aludidas nulidades dos art.ºs 607/4 e 615/1 c) e d) do Código de Processo Civil.
III.3.1. Comecemos pela nulidade da alínea d) do art.º 615/1. Tem essa nulidade a ver com a violação do dever que ao juiz é imposto de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o seu conhecimento oficioso (cfr. art.º 608, n.º 2 do CPC).
 III.3.2. Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos, que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de resolução do pleito as partes tenha deduzido ou o próprio juiz tenha inicialmente admitido (cfr. Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, vol V, pág. 143, Lebre de Freitas, Código do Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra editora, 2001, pág. 646); em sentido contrário se pronunciou Anselmo de castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, pág. 142, para quem o conceito “questões” deve ser tomado em sentido amplo abrangendo tudo o que diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir, fundabilidade ou infundabilidade de umas e outras, às controvérsias que as partes sobre elas suscitem, a menos que o exame de uma só parte imponha necessariamente a decisão da causa.
III.3.3 A jurisprudência o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender uniformemente, na esteira de Alberto dos Reis, que o conceito questões não abrange as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes; a determinação da norma aplicável e a sua correcta interpretação não integra o conceito de questão a resolver mencionado art.º 660 do CPC (cfr. Ac do STJ de 18/12/2002, Revista n.º 3921/02-2.ª Sumários). III.3.4.Uma fundamentação pobre ou medíocre da sentença não constitui vício susceptível de conduzir à sua nulidade.
III.3.5. Não se percebe bem em que medida a decisão recorrida possa ser nula por omissão ou excesso de pronúncia: as questões suscitadas pela Autora ou seja a venda dos produtos à Ré sem que tivesse ocorrido o pagamento e bem assim como o reconhecimento pela Ré dessa falta de pagamento da factura que a Ré não aceitou em razão da deterioração do bem fornecido foram apreciadas na perspectiva da excepção do não cumprimento já que a Ré reconheceu não ter pago a factura, contendo o preço dos bens fornecidos.
III.3.6. Invoca, ainda, a apelante a nulidade do art.º 615/1/c por, haver contradição entre a motivação a decisão no que toca à verificação pelo legal representante da Ré de que os bens não se encontravam em condições e as declarações prestadas pelo mesmo que se mostram contraditórias, havendo ainda contradição na motivação quando a determinado passo se afirma que nenhum dos dois (o legal representante da Autora e o legal representante das Ré) foi verificar o estado do produto no interior dos palotes à chegada às instalações.
III.3.7. A nulidade da alínea c) do n.º 1 do art.º 615 do CPC ocorre quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
III.3.8. A nulidade em causa traduz-se num vício lógico da sentença, o juiz escreveu o que queria escrever mas a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não a resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto.[2] III.3.9.Assim o tem entendido também a jurisprudência do STJ, acrescentando que a nulidade também ocorre, quando os fundamentos conduzam lógica e necessariamente a um resultado diferente. Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica mas esse vício não se confunde com o erro de subsunção dos factos à norma jurídica e muito menos com o erro de interpretação desta, como é entendimento uniforma na doutrina e na jurisprudência e se o juiz entende, embora mal que dos factos provados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre encontramos perante erro de julgamento; também a ininteligibilidade da parte decisória da sentença quando subsista após a rejeição da arguição da nulidade pelo juiz ou pelo tribunal de recurso ou após a falta desta arguição (art.ºs 615/4 e 617/1 do Código de Processo Civil) merece a qualificação de nulidade, mas a obscuridade ou ambiguidade limitada à parte decisória só releva quando gera ininteligibilidade, isto é quando um declaratário normal nos termos do art.º 236/1 e 238/1 do CCiv não possa retirar da decisão um sentido unívoco mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar e assim sendo se o vício não for corrigido a sentença não poderá aproveitar-se sendo nula nos termos do art.º 280/1 e 295 do CCiv[3].
III.3.10. A contradição consiste em que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não a resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto ou pelo menos diferente. Ora os factos alegados pela Autora no requerimento da injunção resultaram fundamentalmente provados de 1 a 6 e nesse aspecto cumpriu o seu ónus de alegação e prova, realçando-se a alegação do requerimento de injunção de que os artigos foram entregues à requerida na data da emissão da respectiva factura acompanhados da mesma (factura de 26/7/2016 no valor de 10.817,41 euros) conforme artigos 3 e 6, mas não ficou provada nem a data da entrega nem que a factura tenha acompanhado a mercadoria; é ónus da prova da Ré o da alegação e prova do pagamento do preço dessa mercadoria. Contudo, a ré, no seu articulado de oposição, sustenta que, ao invés do alegado pela Autora no seu requerimento de injunção, (art.º 7.º), não pagou a aludida factura e nunca a aceitou em virtude de os alegados artigos, a que a mesma, alegadamente, respeita não terem sido entregues em boas condições (art.º 24), reclamou dos bens entregues escrita e verbalmente conforme documentação que protestava juntar (26), a entrega foi alvo de reclamação e foi pedida a nota de crédito respectiva (27), a carga vinha toda em mau estado, porém a requerida ainda tentou aproveitar uma pequena parte da mercadoria que acreditou talvez ainda fosse vendida, porém, não foram aceites (29), a requerente nada fez para ultrapassar o cumprimento defeituoso da prestação (38); a esta factualidade a Autora respondeu entre o mais dizendo que “a ré procedeu ao envio e-mails e fotografias para a Ré, denunciando supostos defeitos na mercadoria fornecida pela Autora (16), a Autora nunca aceitou essa denúncia, porquanto a descarga dos brócolos aconteceu nas instalações da Ré dia 27/7/2016 seja uma 2.ª feira (o que contradiz a alegação do requerimento de injunção segundo o qual os artigos foram entregues no mesmo dia da emissão da factura que acompanhou a entrega seja dia 26/7/2016), a mercadoria foi conferida. Logo aqui se denota confusão por parte da Autora na alegação quer na alegação inicial quer na resposta à excepção, quanto à data da entrega da mercadoria na certeza de que 26/7/2016 foi uma terça-feira e 27/7/2016 foi uma quarta-feira, mas, como se dirá a seguir, os legais representantes da Autora e da Ré nas suas declarações de parte em audiência estão de acordo em que a mercadoria foi entregue numa segunda-feira que foi dia 25/7/2016, sendo a factura emitida um dia depois, pelo que o consta da factura no que toca à data do carregamento e à data da descarga não é correcto. A sentença recorrida julga a acção não provada e improcedente o que só aparentemente é uma contradição lógica na medida em que na fundamentação que antecede o dispositivo se sustenta que a Autora “foi incapaz de provar os factos que alegou…não tendo provado que os bens tenham estragada nas instalações da Ré ou por culpa desta, antes provando que os brócolos já chegaram deteriorados à Ré…”; ou seja na sentença entende-se que também era ónus de alegação e prova da Autora o de que os bens se tenham estragado nas instalações da Ré (contra excepção à excepção de cumprimento defeituoso alegado pela Ré). Saber se tal raciocínio está correcto em termos jurídicos envolve, já outra questão que não é da lógica antes das regras de direito e o eventual erro quanto às regras de distribuição do ónus da prova não constitui a nulidade em causa.
III.4. Saber se ocorre na decisão recorrida erro na apreciação dos meios de prova e subsequente decisão dos factos positivos 7 e 8 e b) negativa.
III.4.1. A Ré ao impugnar o alegado pela Autora no art.º 6.º da injunção (cfr art.º 34 da contestação), põe efectivamente em causa que a mercadoria referente a factura mencionada tenha sido entregue e acompanhada da factura mencionada mas admite que a mesma foi entregue (em declarações de parte o legal representante da Ré confirma as declarações do legal representante da Autora de que a mercadoria foi-lhe entregue uma segunda feira que corresponde a 25/7/2016) mas que não a aceitou pagar na medida em que conforme alegou reclamou dos produtos por virem deteriorados tendo a Ré solicitado da Autora a nota de crédito por esses produtos terem sido entregues deteriorados, nunca a Autora tendo enviado qualquer nota de crédito tendo a Autora faltado ao cumprimento da sua obrigação (art.ºs 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31 da contestação); na motivação da sentença refere-se que os factos 1 a 6 estão provados por acordo e esses factos correspondem à alegação, com ligeiras nuances constante dos art.ºs 1 a 6 do requerimento de injunção, sem conterem uma única referência à data da entrega da mercadoria e a referência a 27/7/2017 como sendo a data da entrega tal como a Autora em resposta à excepção da Ré deve seguramente a lapso, porquanto é manifesto que, por um lado, a data da emissão da factura é 26/7/2016, factura que expressamente refere como data de entrega da mercadoria (brócolos) o dia 26/7/2016 que é o dia da emissão da factura (que não o da entrega que foi no dia anterior como melhor seexplicará), além do que consta desse documento o local da carga, a hora, a matrícula do veículo transportador e o local de descarga que é a morada do cliente em MF….
III.4.2. Ainda assim como a apelante cumpre o seu ónus processual na impugnação a decisão de facto, que se estriba nas contradições do depoimento do legal representante da Autora que segundo a motivação não foi verificar o estado dos produtos no interior dos palotes à chegada às instalações da Ré, a tal como o não fez o motorista AF… que asseverou que o carregamento da mercadoria foi feito a um domingo, na certeza de que o mesmo não trabalhava aos domingos, porque da mesma motivação resulta que o tribunal se convenceu da credibilidade dos depoimentos do legal representante da Ré, do de PM… e SC… que no próprio dia da descarga verificaram que o produto não se encontrava em boas condições, tendo sido muito claras quanto às razões pelas quais os brócolos ficam no estado que as fotos de fls. 43/44 evidenciam ouviu-se o suporte áudio. A entrega da mercadoria foi feita a uma segunda-feira dia 25/7/2016 e nisso são convergentes todos os depoimentos dos quais também resulta que a factura dos autos foi emitida no dia seguinte e enviada para a Ré, desde logo porquanto o valor a cobrar estava dependente da pesagem dos brócolos que foi feita no dia 25 nas instalações da Ré e pelos seus funcionários, cujo resultado de pesagem foi levado pelo motorista no regresso ao armazém da Autora. O legal representante da Autora não esteve no local da descarga, o motorista AJ… revelou um depoimento contraditório e pouco credível, desde logo pelas seguintes expressões “…Trabalho de 2.ª a sexta-feira, às vezes ao sábado, no Domingo 24/7/2016 fui para o campo, Melides, carregar o brócolo, lá estavam 6 pessoas no campo a cortar e 3 nos tractores, estive lá das 8h30 da manhã até às 16h, altura em que carreguei o brócolo, foi transportado para tractores, cada tractor leva 3 palotes e daí foram para uma Câmara frigorífica e dessa câmara foram para um galera refrigerada e daí para o meu camião , depois partir para o armazém do Auto no Domingo, descarreguei para uma câmara frigorífica, durante toda a noite, no outro dia de manhã voltei a carregar o camião e fui para a NL… e fui recebido pelo senhor J… à 7h da manhã, estive 1/ hora ou 45 minutos a descarregar, o brócolo para mim estava em óptimo estado, foi pesado nos nossos palotes e depois puseram os brócolo  no armazém mas fora da câmara e depois fui-me embora…” Instado para esclarecer porque razão trabalhou naquele dia fora do seu horário de trabalho foi incapaz de o fazer, não soube explicar se foi o patrão que lho pediu a título excepcional, o que era normal lembrar-se uma vez que, alegadamente, não trabalha fora do seu horário de trabalho, deixando sérias dúvidas sobre se o brócolo foi efectivamente carregado em Melides nesse Domingo ou se em qualquer dia anterior em que o mesmo desempenhava normalmente a sua actividade. O legal representante da Autora, não assistiu nem ao carregamento nem ao descarregamento do brócolo, limitou-se a dizer que o camião tinha frio que o produto tinha no campo sido colocado numa galera e a meio da tarde veio para o seu camião que arrancou de Melides às 17, assevera que nunca recebeu nenhuma mensagem do senhor J… a não ser na 4ª feira à noite que o legal representante diz ser o dia 28/7/2016 mas que na realidade corresponde ao dia 27/7/2016 já que a segunda-feira foi dia 25 e que só falou com o senhor J… na 5.ª feira que lhe comunicou que os brócolos tinham um problema e em resposta lhe disse que não acreditava serem os seus brócolos já que os mesmos tinham chegado no Domingo à noite ao seu armazém em perfeito estado tendo ali sido armazenados numa câmara frigorífica sua em boas condições de frio. Por seu turno o legal representante da Ré NL… foi muito claro e convincente no que toca ao relacionamento comercial com a Autora (poucas vezes no período de 2014/2016), cimentou as dúvidas no que toca à alegação de que o produto foi carregada pela Autora no Domingo e consistente quanto à comunicação do produto avariado “… que esta carga foi por telefone produtor é em Melides, o senhor JF…, a mão-de-obra é de Coruche e trabalham só à semana, não sei se trabalham ao Domingo, esta mercadoria deve ter sido cortada na sexta ou no sábado…a encomenda foi no sábado por telefone, acho difícil estarem na apanha no Domingo e foi o senhor J… que se ofereceu para me fornecer a mercadoria, a experiência é a de que quendo se oferece uma mercadoria destas é porque está já a ser apanhada e os 48 palotes precisam de um dia inteiro para apanhar…o senhor J… queria entregar a mercadoria no Domingo, daí eu convencer-me que ele tinha produto a mais, disse-me que podia entregar o produto no Domingo de manhã, então se me podai entregar no Domingo de manhã é porque já o tinha consigo…assisti à descarga, um funcionário fez…os brócolos por cima estavam verdes …foram pesados, um lote, foi feita a rastreabilidade, foi acondicionada no frio a 2º positivos e a 90% de humidade relativa que é a humidade a que devem ser acondicionados…ajudei a meter metade da carga no frio…da parte da tarde houve uma pequena carga de brócolo que iria para um cliente, 3 palores e então é que se nota a “fervura” que o brócolo levou no interior da palote…a folha está verde por cima, tudo quanto é epiderme e do tronco fica amarelo, o brócolo está fresco mas sofreu um choque térmico brutal…liguei-lhe ao fim da tarde, no dia consecutivo à descarga (refere o dia 28 mas o dia 28 foi uma 5.ª feira)…o que eu disse ao senhor J… foi para ele vir ver o produto ele, parece-me, disse que estava ocupado, disse-lhe que ía aproveitar algum brócolo por mail tentei aproveitar mil e tal quilos, tornámos a por aquilo tudo no frio, pedimos nota de crédito…2.ª feira à tarde iniciaram-se os telefonemas todo o dia, recepcionei a factura não a devolvi porque tentei aproveitar ao máximo o brócolo, solicitei nota de crédito posterior…3 dias depois é que mandei as fotos mas fiz chamadas logo nessa segunda-feira à tarde…”; os depoimentos do legal representante da Ré são corroborados pela testemunha PV…, chefe de Divisão de Produção da NL… e bem assim como pelo depoimento da testemunha SM… Engenheira Agrónoma a desempenhar funções para a NL… há 4 anos, aquele primeiro depoimento muito mais completo na medida em que a testemunha acompanhou o descarregamento do brócolo e o “trabalhar” do mesmo (trabalhar significa preparar o produto para ir para o supermercado de acordo com a ficha técnica do cliente), assim como as tentativas de contacto telefónico imediato, ambas assegurando que um processo destes, estando em causa várias toneladas de brócolo, leva mais do que um dia e só à medida em que se “trabalha” o brócolo é que se consegue ver o que é que é possível aproveitar dele. Disse com interesse aquela primeira: “…a S… não é fornecedor habitual, forneceu brócolo só dessa vez…foi entregue segunda feira, dia 25/7/2016, às 7h da manhã, por cima estava bom, o produto chega vai para a câmara frigorífica, por ordem de chegada, quando começamos a trabalhar o produto, escolhemos o produto bom e o que não está bom vai para uns palotes para ir para o desperdício…nesse dia só houve uma única carga de brócolos, é descarregado, é pesado nos mesmos palotes e depois vão para a Câmara, o senhor C…, encarregado do armazém é que pesou os brócolos…estava bom por cima, começamos a usar esse brócolo e conforme fomos fazendo verificámos, já da parte da tarde que o estava todo amarelo por baixo, avisei o senhor J… para entrar em contacto com o fornecedor, logo nesse dia verificámos que o brócolo não estava bom…quando depois de pesados tirámos os brócolos das palotes da S… colocamos nos nossos palotes pois os palotes da S… são para devolver…nessa tarde e continuámos dias seguintes e cada vez estava pior…no 2.º ou no 3.º dia não se aproveitou nada…a Engª viu como estava o brócolo. Tentámos aproveitar ao máximo, os de cima que depois vieram devolvidos…tenho a certeza que era da S… porque nessa altura não havia outro brócolo…assisti a tirar fotos…vejo o produto que estava em mau estado, chamo o senhor J… que tirou as fotos…vi ele fazer o telefonema ao senhor J……”; no mesmo sentido também a mencionada Engenheira S… que muito embora com horário diferente, não tendo presenciado a descarga nem a pesagem presenciou o que se passou depois das 9h da manhã, teve um depoimento muito rigoroso e tecnicamente relevante e entre o mais disse: “…quando começamos a trabalhar o brócolo nesse mesmo dia verificámos que por cima estava verde e por baixo estava amarelo…as fotos são referentes aos brócolos da S… e foram tiradas pelo senhor J…, quando começamos a trabalhar o brócolo ele não estava mas depois informei-o da situação, não assisti aos telefonemas, ele disse-me que tinha telefonado à S……palote a palote fizemos a escolha para aproveitar alguma coisa que foi enviada mas depois rejeitada e devolvida, é que é feito o número do lote, e o registo da entrada e a rastreabilidade do produto e não há dúvida de que o produto era da S……o brócolo tem uma hormona que é o etileno que, havendo excesso de temperatura e alta luminosidade é libertado e faz com que o brócolo fique amarelo…o brócolo que estava por baixo não estava ventilado e tinha excesso de temperatura, por isso começou a abafar e estava péssimo…”
III.4.3. Por conseguinte o Tribunal apreciou livre e criticamente os documentos e os depoimentos prestados em audiência como o consente o disposto no art.,º 607/4 que de nenhuma inconstitucionalidade padece, nenhum erro se notando na apreciação da prova, mantendo-se, por isso, a decisão de facto.
III.5. Saber se em razão da alteração da decisão de facto, procedendo a acção improcede a excepção de não cumprimento alegada pela Ré com o fundamento na venda de coisa defeituosa pela Autora à Ré.
III.5.1. Como resulta do antecedente a decisão de fato não padece de nenhum erro e foi mantida, ainda assim teceremos algumas considerações sobre a compra e venda de bens sujeitos a pesagem e perecíveis dos autos.
III.5.2. Sendo certo que ocorre cumprimento defeituoso da prestação por parte da Autora temos o disposto nos artigos 913 e ss., sendo que o n.º 1 do art.º 913, no tocante às qualidades asseguradas pelo vendedor, manda aplicar o prescrito nos artigos 905 a 912 em tudo quanto não seja modificado pelos art.ºs 914 e ss. do CCiv. Ocorrendo dolo ou erro o contrato é anulável (art.º 905), anulabilidade essa que não é de conhecimento oficioso como decorre do art.º 287, n.º 1 do CCiv, devendo ser suscitada, que não foi, pela Ré e sujeita a prazo de caducidade ali previsto, havendo direito à indemnização mesmo nessa hipótese conforme resulta dos art.ºs 908 e 909 do CCiv. Contudo, o contrato de compra e venda dos autos tem a natureza subjectiva e objectivamente comercial, desde logo porque realizadas entre sociedades comerciais que tem por objecto a compra e venda de produtos hortícolas, sendo que os actos de compra e venda se destinavam a posterior revenda (art.ºs 463/1 e 464 a contrariu sensu do CCom); por outro lado, resulta claramente, da prova produzida e reapreciada por este Tribunal de recurso que os brócolos foram vendidos por peso, sendo a pesagem feita no local de compra, neste caso pela Ré e nesta circunstância o risco corre por conta do vendedor até que sejam pesadas e no caso concreto a pesagem ocorreu no próprio dia da descarga dia 25/7/2016, pelo que o risco associado à transmissão da propriedade ter-se-ia transferido imediatamente após a pesagem efectuada. Contudo não é assim, porquanto estamos perante um especial contrato de compra e venda comercial não sendo aplicáveis as disposições do art.ºs.º 923 e ss do CCiv. A venda de produtos hortícolas como o brócolo em palotes que atingem várias toneladas ou a batata deve considerar-se uma venda feita debaixo da condição de a mercadoria ser conforme à qualidade convencionada (art.º 469 do CCom), a qualidade do bem e o estado do bem são conceitos jurídicos diferentes mas da deterioração que determina a alteração das características específicas do bem resulta a sua qualificação e pelo art.º 471 do CCom a condição do art.º 469 do mesmo código ter-se-á por verificada e o contrato por perfeito se o comprador examinando o bem comprado no acto da entrega ou não reclamar contra a sua qualidades, não a examinando dentro do prazo de 8 dias a partir do acto da entrega (cfr entre outros o Ac RLxa de 15/6/1955 JR 1955-553 a propósito da compra e venda de batata).
III.5.3. Ora, no caso concreto, a Autora vendedora não exigiu que o comprador procedesse ao exame da mercadoria no acto da entrega, de todo o modo atendendo à quantidade vendida (várias toneladas de brócolo em palote) e como resulta da própria apreciação da prova gravada, era impossível fazer o exame no momento em que o brócolo foi entregue (cfr § único do art.º 471 do Ccom). Por isso a Ré fê-lo dentro daquele prazo de oito dias do modo acima descrito, por isso em tempo, razão pela qual pode exercitar os direitos que a lei lhe confere por virtude do incumprimento do outro contraente, a lei presume iuris et iure que a falta de denúncia tempestiva significa aceitação, não sendo pois de admitir contra isso qualquer espécie de prova. A falta de reclamação do comprador no acto ou no prazo de 8 dias, na hipótese, como dos autos, não ser possível fazer o exame da mercadoria no acto da entrega dela importa a aprovação da mercadoria e torna definitiva a compra e venda, passando desde este momento para o comprador a propriedade e os riscos da coisa.[4] Este regime, nitidamente diverso do estabelecido na lei civil para as vendas do mesmo tipo (art.º 916) tem na base a ideia de que a rescisão de um contrato pode causar ao comércio entorpecimentos ou danos no sentido de que envolve insegurança para os direitos perturba a rapidez das actividades e ao originar a ineficácia de uma operação já realizada, transtorna ou impede o encadeamento económico das operações sucessivas, daí aquele prazo de caducidade curto de 8 dias (Cfr entre outros o Ac RLxa de 18/1/1974 in BMJ 233/232, RP 14/7/87 CªJª 1987, 4-206, Ac RC de 24/1/1989, CªJª 1989,i-46)
III.5.4.O vendedor, recebida a reclamação não fez qualquer caso do assunto, não tentou sequer resolver a questão e mesmo a pedido da Autora para lhe enviar a nota de crédito correspondente, nada fez. Assim sendo, é de concluir, não se chegando a transferir a propriedade da mercadoria para a Ré, correndo os riscos do perecimento do bem vendido por conta do vendedor, perecendo a mercadoria, não é devido o preço dela, desde logo com base no art.º 795/1 do CCiv. Se a prestação da Autora se tornou impossível, nos termos provados não é devido o preço.

IV- DECISÃO
Tudo visto acordam os juízes na 2.ª secção desta Relação em julgar improcedente a apelação, consequentemente confirma-se a decisão recorrida.
As custas são da responsabilidade da apelante que decai e porque decai (art.º527/1 e 2)
Lxa.,

João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Pedro Martins

[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento o disposto nos art.º 5/1, 8, e 7/1 (a contrario sensu) e 8 da mesma Lei que estatuem que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no passado dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente às acções declarativas atendendo a que o requerimento de injunção entrou no balcão nacional de injunções via citius aos 21/11/2017 e distribuída na sequência da oposição ao Juiz 7 Local Cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa em 12/3/2018 e a data da decisão recorrida que é de 23/10/2018; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2] A. Reis, obra citada, pág. 142.
[3] LEBRE de FREITAS, José e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2017, 3.ªe dição, volume 2.º, págs. 734/737.
[4] CUNHA GONÇALVES, Comentário ao Código Comercial Português, vol II, pág. 34