Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ANTAS DE BARROS | ||
Descritores: | EXEQUATUR REGULAMENTO UNIÃO EUROPEIA SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/16/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Sumário: | 1. De acordo com o art. 45º nº 1 do Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22.12.2000, o tribunal onde foi interposto o recurso, ao abrigo dos arts. 43º, apenas recusará ou revogará a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos arts. 34º e 35º. 2. Estando em causa a exigência do pagamento do preço estipulado num contrato de compra e venda entre comerciantes, a situação não se inscreve em qualquer uma das circunstâncias constantes do citado Regulamento. 3. As regras relativas à competência não dizem respeito à ordem pública dos Estados-Membros, como dispõe o art. 35º, nº 3 do citado Regulamento. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Relação de Lisboa D S.R.L., com sede em Roma, na Itália, requereu contra F, L.ª, com sede em Mem Martins, que seja concedido exequatur à decisão do Tribunal de Roma, Secção de Injunções, na Itália, proferida em 4 de Agosto de 2005 no processo de injunção que aí correu termos sob o nº 16.988/2005, transitada em julgado. Apreciando a referida pretensão, o Sr. Juiz do 5º Juízo Cível da comarca de Sintra deferiu-a. Foi dessa decisão que a requerida recorreu. Nas suas alegações, formula as seguintes conclusões: l .a O Tribunal a quo não deveria ter conferido força executiva ao procedimento de injunção que correu termos no tribunal de Roma, em Itália. 2.a Com efeito, o Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, permite unificar, no âmbito da sua aplicação, as normas de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, assim como simplificar as formalidades visando o reconhecimento e execução céleres das decisões proferidas sobre aquelas matérias. 3.a O artigo 38º daquele regulamento, referente à exequibilidade da decisão dispõe possibilita que as decisões proferidas num Estado-Membro e aí tenham força executiva possam ser executadas noutro Estado-Membro, depois deste, a requerimento de qualquer parte interessada, as terem declaradas executórias. 4.a De acordo com o art. 41º do Regulamento, quando estiverem cumpridos os trâmites previstos no artigo 53.°, a decisão será declarada executória, sem verificação dos motivos referidos nos artigos 34.° e 35.°. 5.a Esses trâmites limitam-se à apresentação da decisão e à apresentação de certidão emitida pelo tribunal segundo o formulário uniforme constante do anexo V ao Regulamento. 6.a Apenas na fase de recurso da decisão que o requerido poderá invocar os motivos de recusa da declaração de executoriedade, estabelecendo o art. 45 do Regulamento que o tribunal ad quem apenas recusará ou revogará a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos artigos 34° e 35 °. 7.a Esses motivos são: - a declaração de exequibilidade da decisão em causa ser manifestamente contrária à ordem pública do Estado-Membro requerido; - o acto que iniciou a instância não ter sido notificado ao requerido, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa; - ser a decisão a que se reporta a declaração de exequibilidade inconciliável com outra decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado-Membro requerido, ou ser inconciliável com outra anteriormente proferida noutro Estado-Membro ou num Estado terceiro entre as mesmas partes, em acção com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, desde que a decisão proferida anteriormente reúna as condições necessárias para ser reconhecida no Estado-Membro requerido, - terem sido desrespeitadas as regras referentes a competência (designadamente quanto a seguros, contratos celebrados por consumidores e competências exclusivas). 8.a Acontece que, no caso sub judice, foram violadas as regras referentes a competência. 9.° Estabelece o artigo 2.° do Regulamento a regra de que as pessoas devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais do Estado-Membro em que estão domiciliadas. 10.a Pelo que, sendo a Recorrente é uma sociedade sediada em Portugal, deveria ter sido demandada perante os tribunais portugueses. 11 .a Além disso, o artigo 3.° do Regulamento prevê a existência de regras especiais de competência, isto é, que as pessoas possam ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro e não daquela em que estão domiciliadas nos situações previstas nas secções 2 a 7 do capítulo II do Regulamento. 12.° Ora, nenhuma das situações previstas nas secções 2 a 7 se aplica à recorrente justificando a sua demanda num tribunal Italiano, antes pelo contrário, vão de encontro à competência dos tribunais portugueses para a injunção movida à recorrente. 13.a Tratando-se de matéria contratual, o tribunal competente é o do lugar onde a obrigação em questão foi ou deva ser cumprida, sendo aquele o lugar onde os bens foram ou devam ser entregues (artigo 5.° do regulamento). 14.a E, respeitando o pleito a um suposto fornecimento de bens ocorrido em Mem Martins, Sintra, Portugal, onde, aliás, igualmente deveria ser efectuado o pagamento, também por aí a competência seria dos tribunais portugueses. _• 15.a A condenação da recorrente, sociedade portuguesa, pelo tribunal Italiano ocorreu com grosseira violação das regras de competência internacional. 16.a A violação dessas regras, no direito processual civil português e, em regra, nos demais ordenamentos jurídicos europeus, consubstancia uma excepção dilatória que importa a absolvição da ré da instância, o que deveria ter ocorrido. 17.a O reconhecimento dessa decisão e a atribuição de força executiva coloca-nos perante um manifesto e grave desrespeito pelo ordenamento jurídico português e violação da sua ordem pública. 18.a A ordem pública internacional é constituída pelos princípios ético-jurídicos fundamentais que regem a vida social do Estado, de forma tal que não é tolerável a aplicação de normas de direito estrangeiro que violem esses princípios. 19.° Daqui resulta que deve intervir o limite da reserva de ordem pública nos casos de particular gravidade como o presente, em que regras fundamentais acerca da competência dos tribunais internacionais são preteridas. 20.a Pelo que, salvo melhor opinião, o tribunal a quo não deveria ter conferido força executiva a uma injunção intentada num tribunal Italiano ao arrepio, não só das normas portuguesas de atribuição de competência internacional, como das normas estabelecidas no Regulamento e, por isso, aplicáveis em toda a união europeia, pelo que deve ser revogada a sentença que conferiu força executiva à injunção intentada no tribunal italiano. A recorrida contra-alegou, defendendo que se mantenha o decidido. * Segundo as conclusões da alegação de recurso da apelante, na decisão recorrida não se teve em conta que a sujeição da presente causa à decisão de um tribunal italiano, ofendeu as regras da competência internacional e que, sendo essa violação grosseira, tal ofende com gravidade os princípios de ordem pública do ordenamento jurídico português.Apreciando esta posição, assinala-se que, nos termos do artº 45º nº 1 do Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000, o tribunal onde foi interposto o recurso ao abrigo dos arts. 43º, como aqui sucede, apenas recusará ou revogará a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos arts. 34º e 35º. Assim, , no presente recurso, só em tais casos se poderá revogar a decisão recorrida. Nos termos do citado artº 34º, uma decisão não será reconhecida se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido, se tiver havido inobservância das comunicações ao requerido que viabilizem a defesa, ou se for inconciliável com outra decisão já proferida entre as mesmas partes nas circunstâncias referidas nos ns. 3 e 4 do mesmo artº 34º. Conforme o disposto no artº 35º, as decisões não serão igualmente reconhecidas se tiver sido desrespeitada a regulação da competência no atinente a seguros, a contratos celebrados por consumidores e às competências exclusivas dos Estados-Membros referidas no artº 22º (secção 6), hipóteses que aqui, tal como a referida no artº 72º , não têm aplicação. Deste modo, não cabendo o caso destes autos em nenhuma das mencionadas situações, pois antes se refere à exigência do pagamento do preço estipulado num contrato de compra e venda entre comerciantes, improcedem as correspondentes conclusões da recorrente. No que concerne a tratar-se, tal inobservância das normas de competência internacional dos tribunais portugueses, pela sua gravidade, de violação dos princípios de ordem pública do ordenamento jurídico nacional, a parte final do nº 3 do artº 35º do Regulamento (CE) nº 44/2001, que se vem referindo, dispõe, com clareza, que as regras relativas à competência não dizem respeito à ordem pública dos Estados-Membros. Deste modo, também as restantes conclusões da recorrente não devem ter êxito. Consequentemente, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Sem custas. – artº 52º do Regulamento (CE) nº 44/2001. Lisboa, 16/12/2008 António Luís Caldas de Antas de Barros Alexandrina Branquinho Eurico Reis |