Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
35/20.7SULSB.L1-5
Relator: ISILDA PINHO
Descritores: CASO JULGADO FORMAL
PROVA PROIBIDA
BUSCAS DOMICILIÁRIAS
NULIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
CONSENTIMENTO DO ARGUIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO DE AMBOS OS RECURSOS
Sumário: I. O facto de o juiz de instrução, mediante despacho proferido em sede de 1.º interrogatório judicial, ter considerado válida uma busca domiciliária, essa decisão não se torna definitiva, não configura uma situação de caso julgado formal, não impede que o juiz, designadamente em sede de julgamento, aprecie a validade/nulidade da mesma diligência, se as questões concretamente apreciadas, num e noutro momento, não forem as mesmas.
II. A nulidade a que alude o artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal é de conhecimento oficioso, não estando, portanto, sujeita a arguição do respetivo interessado.
III. A lei refere-se ao “consentimento do respetivo titular [artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal] e ao “consentimento do visado” [artigo 177.º, n.º 3, al. a) ex vi 174.º, n.º 5, al. b), ambos do Código de Processo Penal], mas, na verdade, o visado pode não ser o disponente do bem.
IV. Quando a lei fala em “visado” está a referir-se ao visado pela diligência processual, à pessoa que está a ser investigada, sendo este quem tem de prestar o consentimento para a realização da busca domiciliária.
V. A validade de uma busca domiciliária não depende do consentimento de terceiros que habitem naquela residência, bastando, para tanto, que tenha sido consentida pelo arguido, enquanto residente visado com a referida diligência processual.
 [sumário elaborado pela relatora]
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum coletivo n.º 35/20.7SULSB que corre termos pelo Juízo Central Criminal de Lisboa [Juiz 7], do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 03 de junho de 2022, foi proferido acórdão, no que agora interessa, com o seguinte dispositivo [transcrição]:
III -DECISÃO
Pelo exposto, com os fundamentos invocados e de acordo com as disposições legais acima citadas, julga-se a acusação totalmente procedente, por provada, e em consequência decide-se:
a) Absolver o arguido BB quanto à prática de:
-1 (um) crime de roubo, p.p. pelos arts. 26.º, 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) em articulação com o disposto no art. 204.º, ns.º 1, al. d) e f) e 2, al. g) do CP (processo principal)
-1 (um) crime de roubo, p.p. pelos arts. 26.º, 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) em articulação com o disposto no art. 204.º, ns.º 1, al. d) e f) e 2, al. g) do CP (inquérito 407/20.7POLSB)
-1 (um) crime de roubo, p.p. pelos arts. 26.º, 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) em articulação com o disposto no art. 204.º, ns.º 1, al. d) e n.º 2, al. g) do CP (inquérito 483/20.2POLSB)
-1 (um) crime de roubo, p.p. pelos arts. 26.º, 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) em articulação com o disposto no art. 204.º, ns.º 1, al. d) e f) e 2, al. g) do CP (inquérito 23/20.3PEALM)
-1 (um) crime de furto qualificado, p.p. pelos arts. 26.º, 203.º e 204.º, n.ºs 1, al. d) e n.º 2, al. g) do CP (inquérito 996/20.6PSLSB)
-1 (um) crime de abuso de cartão de crédito, p.p. pelo arts. 26.º, 225, n.º 1, e n.º 5, al. b) do CP (inquérito 996/20.6PSLSB)
b) Absolver o arguido CC quanto à prática de:
-1 (um) crime de roubo, p.p. pelos arts. 26.º, 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) em articulação com o disposto no art. 204.º, ns.º 1, al. d) e f) e 2, al. g) do CP (processo principal)
-1 (um) crime de roubo, p.p. pelos arts. 26.º, 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) em articulação com o disposto no art. 204.º, ns.º 1, al. d) e f) e 2, al. g) do CP (inquérito 407/20.7POLSB)
-1 (um) crime de roubo, p.p. pelos arts. 26.º, 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) em articulação com o disposto no art. 204.º, ns.º 1, al. d) e n.º 2, al. g) do CP (inquérito 483/20.2POLSB)
-1 (um) crime de roubo, p.p. pelos arts. 26.º, 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) em articulação com o disposto no art. 204.º, ns.º 1, al. d) e f) e 2, al. g) do CP (inquérito23/20.3PEALM)
-1 (um) crime de furto qualificado, p.p. pelos arts. 26.º, 203.º e 204.º, n.ºs 1, al. d) e n.º 2, al. g) do CP (inquérito 996/20.6PSLSB)
-1 (um) crime de abuso de cartão de crédito, p.p. pelo arts. 26.º, 225, n.º 1, e n.º 5, al. b) do CP (inquérito 996/20.6PSLSB)
c) Absolver a arguida AA quanto à prática de:
-1 (um) crime de roubo, p.p. pelos arts. 26.º, 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) em articulação com o disposto no art. 204.º, ns.º 1, al. d) e n.º 2, al. g) do CP (inquérito n.º 483/20.2POLSB)
-1 (um) crime de burla p.p. pelos arts. 26.º, 217.º e 218.º, n.º 2, al.c) do CP (inquérito n.º 443/20.3POLSB)
d) Condenar a arguida AA pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (processo principal), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
e) Condenar a arguida AA pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (inquérito n.º 23/20.3PEALM), na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;
f) Condenar a arguida AA pela prática de um crime de roubo na forma tentada,p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) e n.º 4 , 22º, 23º e 73º, todos do C. Penal (inquérito n.º 407/20.7POLSB), na pena de 9 (nove) meses de prisão (absolvendo-a do crime que, nesta parte, lhe é imputado na acusação);
g) Condenar a arguida AA pela prática de um crime de abuso de cartão, p. e p. no art. 225º/1 e 5, al. a), do C. Penal (inquérito n.º 996/20.6PSLSB), na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão (absolvendo-a do crime que, nesta parte, lhe é imputado na acusação);
h) Condenar a arguida AA pela prática de um furto, p. e p. nos artigos 204º/1, al. d) e n.º 4, do C. Penal (inquérito n.º 996/20.6PSLSB), na pena de 5 (cinco) meses de prisão (absolvendo-a do crime que, nesta parte, lhe é imputado na acusação);
i) Em cúmulo, pela prática dos crimes acima referidos, aplicar à arguida AA, a pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão.”
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I.2 Recurso da decisão
Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso a arguida AA e o Ministério Público para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraíram as seguintes conclusões [transcrição]:
Recurso da arguida AA:
“CONCLUSÕES
1ª - O motivo de discordância da recorrente em relação à decisão recorrida, prende-se, por um lado com o quantum da pena e por outro com o facto de a mesma ter sido efetiva.
2ª – No que tange ao quantum da pena, cumpre referir que a arguida assumiu a prática dos factos, aliás como resulta, repetidamente da motivação da matéria de facto (os factos provados), de cujo trecho consta: “desde logo e mais uma vez consideradas as declarações prestadas pela arguida AA, a qual admitiu integralmente a prática dos factos”.
3ª - Consta também da motivação da decisão recorrida que a recorrente “reconheceu igualmente a intenção visada e a consciência da sua ilicitude”, o que demonstra arrependimento sincero e interiorização da culpa pelo desvalor da acção.
4ª - Sem pretender escamotear a gravidade objetiva dos factos, todavia ainda que não nos encontremos ante a prática de um acto isolado “tout court”, a verdade é que os crimes foram praticados durante um curto período de tempo, concretamente 3 situações em Maio de 2020 (entre os dias 17 e 22) e as restantes duas no início do mês seguinte, a 1 e 9 de Junho.
5ª - Desde 9 de Junho de 2020, até à data da sua detenção, em Março de 2021, sempre com a arguida em liberdade, não mais prevaricou.
6ª - Apesar de ter tido uma vivência muito difícil, como decorre dos factos provados, a arguida sempre levou a vida conforme o direito, sendo primária.
7ª - Num curtíssimo período de tempo (cerca de 3 semanas), em face de circunstâncias pessoais muito peculiares, em que foi abandonada pelo marido com 4 filhos menores nos braços, sem apoio e em sofrendo grande transtorno emocional, entrou em desespero, errou e prevaricou, após o que caiu em si, procurou um caminho lícito para os seus problemas (foi trabalhar para França) e retomou a sua vida obediente à lei.
8ª - Esta realidade permite efetuar uma prognose favorável, concluindo que de futuro manterá o seu comportamento habitual que é obediente à lei.
9ª - Por outro lado, a arguida, por efeito dos factos dos presentes autos, já se encontra em reclusão há mais de 17 meses, tratando-se do primeiro contacto como o meio prisional, período de tempo que foi suficiente para que a mesma tenha interiorizado profundamente o desvalor dos seus atos e tomado a firme determinação de não mais voltar a delinquir.
10ª - A correta ponderação de todas atenuantes que a seu favor militam, supra elencadas, á luz e de acordo com os critérios estabelecidos no artº 71º do CP, deverá conduzir á aplicação das seguintes penas concretas, pela prática de:
- Um crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (processo principal), na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão;
- Um crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (inquérito n.º 23/20.3PEALM), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
- Um crime de roubo na forma tentada, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) e n.º 4, 22º, 23º e 73º, todos do C. Penal (inquérito n.º 407/20.7POLSB), na pena de 6 (seis) meses de prisão (absolvendo-a do crime que, nesta parte, lhe foi imputado na acusação);
- Um crime de abuso de cartão, p. e p. no art. 225º/1 e 5, al. a), do C. Penal (inquérito n.º 996/20.6PSLSB), na pena de 1 (um) ano de prisão;
- Um crime de furto, p. e p. nos artigos 204º/1, al. d) e n.º 4, do C. Penal (inquérito n.º 996/20.6PSLSB), na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
11ª - Nos termos do disposto no art.º 77º n.º 1 do Código Penal, há que definir uma pena única, correspondente ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, na qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade da arguida, tendo a referida pena como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
12ª - As atenuantes supra, correta e criticamente apreciadas e, bem assim os motivos que determinaram a prática ilícita, deverão ser levados em conta tal como estatui a ultima parte da al. c) do nº 2 do art.º 72º do CP.
13ª - E, obviamente, não estando nós perante qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, porém deverão estas considerar-se mitigadas pelo contexto e pelo desespero, conduzindo a uma reação penal também ela mitigada.
14ª - Importa salientar, porque demonstrativa da personalidade da arguida, que se trata do de uma arguida que apresenta uma conduta anterior e posterior aos factos conforme ao direito.
15ª - Por outro lado, a confissão e assunção dos seus erros é demostrativa de arrependimento sincero e o caminho para reinserção. Tudo aponta para uma situação ocasional na vida da arguida que de futuro certamente se não repetirá;
16ª - Por todo o exposto em cúmulo jurídico deverá ser aplicada a pena de única de 4 anos e 9 meses de prisão.
17ª - Ainda que, hipoteticamente se entendam corretamente fixadas as penas parcelares, o que se admite embora sem conceder, sempre consideramos algo elevada a pena única.
18ª - Assim e porque a soma das penas parcelares é de 10 anos de prisão, a aplicação de uma pena única correspondente a metade da soma aritmética das penas parcelares, ou seja 5 (cinco anos) é suficiente e adequada á luz das exigências do caso concreto e das regras que norteiam o cúmulo jurídico.
19ª - Na decisão ora sob censura, uma vez que a pena aplicada excedia o limite previsto no nº 1 do art.º 50º do CP, o Tribunal não pôde equacionar tal hipótese. Todavia, após o provimento do ora pretendido abaixamento, deverá ser ponderada a aplicação de tal instituto.
20ª – Enfatiza-se o tempo que a arguida se encontra privada da liberdade, quase um ano e meio, aquando do julgamento do presente recurso, provavelmente terão decorrido quase dois anos, tratando-se de uma primária, com 4 filhos menores, alguns de tenra idade, que dela tanto necessitam.
21ª - Acresce que a sua postura de confissão e arrependimento permitem uma prognose favorável quanto ao seu afastamento de práticas ilícitas.
22ª - Aos arguidos ainda relativamente jovens e primários como a recorrente, deve ser-lhes dada uma oportunidade ou ter-se-á que pôr em causa todo o regime previsto no Código Penal e que assenta nessa hipótese de que as penas sejam executadas com sentido pedagógico e ressocializador (art. 50º nº 1 do CP).
23ª - De facto na maior parte das vezes as penas efetivas aplicadas produzem um efeito perverso que consiste em criar nos delinquentes um sentimento de revolta antagónico à ressocialização.
24ª - Por outro lado não podemos olvidar que, a pena suspensa na sua execução, não perde a sua virtualidade enquanto elemento dissuasor da prática de novos crimes que é, pois todo e qualquer arguido sujeito a uma pena suspensa na respetiva execução sabe que se prevaricar a suspensão é revogada.
25ª - Tudo ponderado, entendemos que deve ser decretada a suspensão da execução da pena de cujo abaixamento pugnamos supra (art.º 50 do CP). Tal suspensão deverá, por imperativo legal (nº 3 do art.º 53º) ser subordinada a regime de prova.
26ª - O tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 70º, 71º e 50º nº 1 e 53º todos do CP.
(…)”.
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Recurso do Ministério Público:
“IV - CONCLUSÕES:
1. Por douto acórdão proferido no processo acima identificado foram declaradas nulas as buscas às residências do arguido BB e foram os arguidos BB e CC absolvidos o 1.º da prática dos crimes que lhes foram imputados na acusação, no que respeita aos inquéritos 35/20.7SULSB, 407/20.7POLSB, 23/20.3PEALM, 996/20.6PSLSB, e o 2.º arguido dos crimes que lhes foram imputados na acusação no que respeita aos inquéritos 407/20.7 POLSB e 23/20.3PEALM.
2. A decisão no que respeita às buscas é contraria à lei e a decisão de absolvição dos arguidos enferma de erro de julgamento que se afigura poder ser superiormente corrigido através da analise e reapreciação da mesma prova produzida em julgamento e inadequadamente valorada pelo Tribunal a quo, já que nos suscita as maiores reservas, parecendo – nos indevidamente fundamentada e inteiramente contrária às regras da experiência comum e configurando por isso, um erro notório na apreciação da prova ou, pelo menos, errada valoração da mesma.
3. Quanto à nulidade das buscas domiciliárias: - no decurso de diligências de investigação realizadas nos presentes autos Agentes da PSP abordaram o arguido BB e obtiveram do mesmo autorização para realizar busca às suas residências, concretamente na sua residência, sita na Rua DD, conforme termo de autorização de fls. 231 e na residência, sita na Rua EE, conforme termo de autorização de fls.235, as quais decorreram na sua presença, tendo sido encontrados e apreendidos as quantias monetárias e objectos descriminados no respetivo auto a fls. 232 a 233;
4. Após serem realizadas as buscas, foi o arguido BB detido fora de flagrante delito a fim de ser presente a primeiro interrogatório Judicial.
5. Na sequência da apresentação pela defesa de requerimento de habeas corpus, o Mm.º Juiz de Instrução Criminal determinou a imediata restituição do arguido à liberdade com fundamento que tinha decorrido o prazo de 24 horas sem que tivesse sido presente a 1.º interrogatório judicial.
6. Posteriormente, dia 2 de maio de 2021, o arguido BB foi sujeito a 1.º interrogatório judicial, conforme fls. 542 a 545 dos autos.
7. No interrogatório, o arguido no uso legitimo dos direitos que a lei lhe confere, declarou “não pretender prestar quanto aos factos, referindo que no que respeita às buscas efectuadas no dia 20/07/2020, não as autorizou, tendo assinado o termo de residência em virtude de os Srs Agentes lhe terem dito que era melhor para si, tendo-o agarrado e instado a assinar tais documentos.”.
8. Nessa diligência, pela defesa do arguido foi apresentado requerimento a arguir a nulidade de todas as buscas em que o arguido era visado, com o fundamento, em sínteses, de que as consentiu porque estava algemado e o OPC o instigou a prestar consentimento, o que veio a acontecer por medo de represálias.
 9. Por despacho proferido o Mmº Juiz de Instrução indeferiu a nulidade das buscas.
10. E em sede de julgamento, a defesa do arguido BB veio novamente invocar a nulidade das buscas com o mesmo fundamento do requerimento apresentado em sede de 1.º interrogatório judicial, ou seja, defendendo que o arguido BB não consentiu as buscas de forma livre, nunca questionando a sua legitimidade para as consentir.
11. O Ministério Publico pronunciou-se no sentido de não se verificar a invocada nulidade nos termos da promoção junta aos autos, sem ter nessa altura constatado que, em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido, já tinha sido apresentado requerimento semelhante a arguir a nulidade das buscas.
12. O douto acórdão, também ele omisso, quanto à existência de despacho anterior a indeferir a arguida nulidade, não acolhe os fundamentos invocados pelo arguido, no entanto, declara nulas as buscas com o fundamento na falta de consentimento de terceiros residentes nas habitações, sem que para tal o arguido o tivesse sequer invocado, extraindo esta conclusão do depoimento prestado pelo Agente da PSP FF.
13. Salvo melhor e superior entendimento, não podemos concordar, com a douta decisão do Tribunal a quo por a mesma enfermar de erro na apreciação da matéria de facto e de direito.
14. Contrariamente ao considerado pelo Tribunal a quo, entendemos que, do depoimento prestado pela testemunha da PSP - FF, não resulta que o arguido quando autorizou as buscas ou enquanto as mesmas decorriam lhes tivesse transmitido que as casas não eram suas e como tal não tinha legitimidade para dar a respectiva autorização.
15. O que resulta dos depoimentos prestados pelos Agentes da PSP é coisa diversa.
16. De facto, em instância da Mm.ª Juiz adjunta e só em instância desta, é que a testemunha foi questionada acerca da legitimidade do arguido para autorizar as buscas e concretamente foi-lhe foi perguntado ao minuto 01.18.40:
- Mm.ª Juiz adjunta: “Quem é que tinha a disponibilidade da casa?
Testemunha: Era o BB.
- Mm.ª juiz adjunta: era a sogra que morava lá de favor?
- Testemunha : Não, eu julgo que não, não sei se era de um ou de outro.
- Mm.ª Juiz adjunta: É isso que faz a diferença para a autorização, percebe? É que quem mora lá de favor tem que autorizar relativamente ao seu espaço, mas o outro que é dono da casa também tem que autorizar.
 -Testemunha: Também foi falado com a senhora e a senhora autorizou (…) mas não ficou por escrito.
- Ao minuto 01:19.55
- Mm.ª Juiz adjunta: E na outra casa quem é que lá morava? Ele tinha um quarto na casa da mãe ou a mão tinha um quarto na casa da mãe?
- Testemunha: Ele morava em casa com a mãe.
- Mm.ª Juiz adjunta: Ou seja a casa era dele e a mãe dele é que morava lá em casa dele, era isso?
- Testemunha: Moram os dois ….
- Ao minuto 01:20.40 a Mm.ª Juiz volta a perguntar à testemunha: “de quem era a casa? - Testemunha: Eu não sei de quem era a casa, se era do BB se era da mãe, o BB morava lá e a mãe também, ambos moravam lá.
17. Da prova produzida temos que concluir que nunca o Tribunal a quo poderia concluir, como o fez, que o arguido BB não era dono da casa e que não tinha legitimidade para autorizar as buscas às residências em causa.
18. E a verdade, é que nem o arguido, nem nenhum terceiro residente nas casas em causa, veio em momento algum requer a nulidade da busca com tal fundamento.
19. Os fundamentos utilizados pelo arguido para arguir a nulidade da busca, quer em sede de 1.º interrogatório judicial, quer em sede de audiência de julgamento, em ambos os requerimentos, arguiu a nulidade da busca por entender que o consentimento que prestou ter sido obtido mediante coação, nos termos do art.º 126.º do CPP. o que reforça a convicção que o arguido tinha legitimidade para as autorizar.
20. E se o arguido nunca prestou declarações nem veio por em causa a sua legitimidade para autorizar as buscas às suas residências, nem qualquer terceiro o fez.
21. Assim, tendo o arguido consentido na realização da busca ao seu quarto, sempre diremos, porque pacifico na doutrina e jurisprudência, que pelo menos a busca realizada ao quarto do arguido, devidamente autorizada por termo assinado por si, nunca poderia ser declarada nula porque, neste ponto em concreto, ele deu autorização.
 22. Por outro lado, ainda que se considerasse que o consentido prestado não era valido, também não podia, em nosso entender, o tribunal declarar nula nos termos e com os fundamentos em que o fez:
23. Vejamos: - O art.º 126.º descreve métodos proibidos da prova, ferindo de nulidade as provas deles resultantes; o seu n.º 1 refere-se a provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensas da integridade física ou moral das pessoas, não podendo ser utilizadas, enquanto o n.º 3 considera igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicilio, na correspondência nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
24. Releve-se que, no caso do n.º 1, as provas, sempre inválidas, não poderão nunca ser utilizadas, mesmo com o consentimento do titular, porque contendem com a dignidade e integridade física ou moral das pessoas, que são bens jurídicos indisponíveis para o seu titular; no caso do n.º 3, as provas só serão nulas quando os métodos utilizados para a sua obtenção não obtiveram o consentimento do respectivo titular, porque se reportam a bens jurídicos disponíveis. Da diferente qualificação dos bens em causa e da respectiva disponibilidade ou indisponibilidade para o seu titular resultam regimes ou consequências diversas. As provas obtidas por métodos absolutamente proibidos não poderão nunca ser utilizadas no processo mesmo com o consentimento daquele; pelo contrário, se tais métodos foram apenas relativamente proibidos, enquanto susceptíveis de consentimento relevante do respectivo titular, as provas obtidas também serão nulas, mas tal nulidade, porque sanável, depende da arguição do interessado, ficando sujeito à disciplina dos art.º 120.º e 121.º do Código de Processo Penal.
25. No caso concreto, o arguido nunca prestou declarações nem veio por em causa a sua legitimidade para autorizar as buscas às suas residências, nem qualquer terceiro o fez, não pode oficiosamente declarar nulas as buscas.
26. Pois tal nulidade não podia ser conhecida e declarada oficiosamente pelo Tribunal, como o foi, mas só se tivesse sido invocada pelo arguido, o que nunca o fez, por um lado, sendo certo que sobre o respectivo prazo de arguição rege o disposto no art.º 20.º, n.º 3, e que o sucesso de tal arguição de modo algum estará ou estaria garantido).
27. Assim, tecidas estas considerações, temos pois, que concluir que as buscas realizadas às casas do arguido e por este consentidas são válidas.
28. Pelo exposto deverá ser revogado o despacho que declarou nulas as buscas realizadas nos autos às residências do arguido BB, sitas na Rua DD e na Rua EE.
29. Discordamos da absolvição do arguido BB quanto aos inquéritos 35/20.7SULSB (processo principal), 407/20.7POLSB, 23/20.3PEALM, 996/20.6PSLSB e da absolvição do arguido CC quanto aos inquéritos 407/20.7 POLSB e 23/20.3PEALM.
30. Em primeiro lugar entendemos que o tribunal incorreu em erro na apreciação da prova, em violação do artº127º do Código Processo Penal, uma vez que em nosso entendimento da prova produzida imponha-se que o Tribunal tivesse dado como provado que nos episódios que a seguir se enunciem tivesse dado como provado que os arguidos BB e CC agiram em conjunto e em comunhão de esforços com a arguida AA.
31. Assim, relativamente aos factos imputados nos inquéritos supra referidos para além dos factos que o acórdão recorrido deu como provados no capitulo dos factos provados, em nosso entender deveria ter dado como provados os factos constantes no capítulo dos factos não provados, concretamente:
32. No NUIPC. 35/20.7SULSB - processo principal – ofendida GG, para além dos factos dados como provados, deveria ainda ter sido dado como provado que foi o arguido BB a praticar os factos em conjunto e em comunhão de esforços com a arguida AA;
33. No NUIPC 407/20.7POLSB – ofendida HH, para além dos factos dados como provados, deveria ainda ter sido dado como provado que foram os arguidos BB e CC a praticar os factos em conjunto e em comunhão de esforços com a arguida AA;
34. No NUIPC 23/20.3PEALM – ofendido II, para além dos factos dados como provados, deveria ainda ter sido dado como provado que foram os arguidos BB e CC a praticar os factos em conjunto e em comunhão de esforços com a arguida AA;
35. No NUIPC 996/20.6PSLSB – ofendida JJ, para além dos factos dados como provados, deveria ainda ter sido dado como provado que foi o arguido BB a praticar os factos em conjunto e em comunhão de esforços com a arguida AA;
36. Vejamos a fundamentação utilizada pelo Coletivo para justificar as suas opções nesta matéria, transcrevendo-se alguns excertos:
- Os factos não provados foram assim julgados por não ter sido produzida prova suficiente da sua verificação.
 É o caso, desde logo, as imputadas intervenções dos arguidos BB e CC em cada uma das situações descritas na acusação.
Referiu a arguida AA, em declarações prestadas em audiência de julgamento, quanto às situações a que respeitam os inquéritos n.º 35/20.7SULSB (processo principal) e 996/20.6PSLSB, ter praticado os factos em questão juntamente com (apenas) o arguido BB, e quanto às respeitantes aos inquéritos n.º 407/20.7POLSB e 23/20.3PEALM, que praticou os factos descritos juntamente com ambos os arguidos, BB e CC.
Estes últimos, por seu turno, exercendo o seu direito ao silêncio, não prestaram declarações em audiência de julgamento.
 As declarações de co-arguido podem ser valoradas, conforme decidido em douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 113/2010 (DR, II Série de 18-05-2010), onde se decidiu não julgar inconstitucional “a norma do artigo 345.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, conjugada com os artigos 133.º, 126.º e 344.º, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do coarguido que entenda não prestar declarações sobre o objecto do processo”.
São por outro lado, tais declarações admissíveis, na situação em apreço e face ao regime legal actualmente vigente, ao abrigo do disposto no art. 345º/4, do CPP, a contrário.
Não pode deixar de ter-se em conta que, não estando em causa prova proibida, nem prova legalmente tarifada, vigora o principio geral da livre apreciação da mesma pelo julgador, o que implica que caiba a este, face às circunstâncias concretas de cada caso, avaliar da credibilidade a conferir ao depoimento em causa.
Contudo, entendemos, nos termos acima expostos, estar efectivamente em causa um meio de prova que, pelas suas particularidades, acima enunciadas, demanda especial cuidado na sua análise, não devendo, designadamente, ser julgados provados factos que implicam a responsabilidade criminal de um arguido com base, apenas, em declarações prestadas por outro arguido.
Na situação em apreço, as referidas declarações da arguida AA, relativas à intervenção dos arguidos BB e CC, não se mostram corroboradas por outros meios de prova.
Com efeito, e no que a tal intervenção respeita, verifica-se o seguinte:
 - no processo principal (ofendida GG) a própria ofendida referiu que a arguida AA se encontrava acompanhada por um homem (e não dois), não tendo sido realizado o reconhecimento pessoal de qualquer dos arguidos BB e CC, nem tendo sido efectuadas vigilâncias na data em causa e nenhuma outra prova tendo sido produzida quanto à invocada intervenção dos arguidos em causa.
- quanto à situação a que respeita o inquérito n.º 407/20.7POLSB, foi realizado reconhecimento fotográfico, por parte da testemunha LL (cfr. fls. 31- 32 do apenso respectivo. Este carece, contudo, de valor probatório, para o efeito em causa, por não corresponder ao prescrito no art. 147º do CPP, ao que acresce resultar do depoimento, já acima referido, da testemunha em questão, ter esta apenas visto as pessoas visadas reconhecer a partir da varanda de sua casa e a andar em passo apressado (o que sempre dificultaria a sua capacidade de as reconhecer posteriormente), para além do que, tendo sido realizado pessoal, nos termos previstos no art. 147º do CPP (cfr. fls. 249 dos autos principais) pela mesma testemunha, com a intervenção do arguido BB, o mesmo veio a resultar negativo.
- quanto à situação a que respeita o inquérito n.º 23/20.3PEALM, não foi realizado qualquer reconhecimento pessoal do arguido BB. Ouvida em julgamento, a testemunha MM(vizinha do ofendido), já acima mencionada, confrontada com a presença do referido arguido durante a audiência, manifestou reconhecê-lo como a pessoa que vira, na entrada do seu prédio, antes da ocorrência dos factos. Contudo, não só tal “reconhecimento” (que não oferece a segurança própria dos efectuados nos termos do art. 147º, do CPP) pode ter sido condicionado pela situação em que foi confrontada com o arguido e pelo facto de lhe terem sido previamente exibidas fotografias do mesmo (cfr. fls. 81-82 do apenso respectivo), como não é forçoso que a pessoa que viu nessa ocasião, no seu prédio, seja a mesma que veio a entrar no apartamento do ofendido, tanto mais que, nessa altura, não viu a arguida AA, a qual veio a saber-se (por tê-lo admitido) ter aí entrado.
Finalmente, o relatório de vigilância de fls. 59-60 dos autos principais, respeitante à mesma data, mostra o resultado do acompanhamento feito aos arguidos BB e AA, ao longo de extenso periodo de tempo, não resultando do mesmo a passagem destes pela morada do ofendido.
-quanto à situação a que respeita o inquérito n.º 996/20.6PSLSB, no depoimento prestado e já acima referido, a ofendida mostrou não se recordar, sequer, da presença de outra pessoa para além da senhora que a abordou (e que será a arguida AA, como admitido pela própria), não resultando assim deste nem de qualquer outro elemento de prova – para além das declarações de co-arguida - que fosse o arguido BB a pessoa que acompanhava a arguida AA em tal situação.
Dos relatórios de vigilância constantes dos autos resulta ter sido frequentemente constatado que os três arguidos – ou os arguidos BB e AA – se deslocavam juntos de carro a vários locais. Contudo, em nenhum deles é constatada a presença dos arguidos junto de qualquer dos ofendidos das situações descritas, antes se deslocando os mesmos, enquanto observados, a locais como restaurantes, um Casino e um Motel.
No mesmo sentido, do exame pericial ao telemóvel da arguida AA (fls. 723 e ss) resulta terem sido encontradas no mesmo, para além de fotografias de artigos que terá comprado e de dinheiro, diversas mensagens, demonstrativas de que a mesma mantinha convívio próximo e combinava encontros com o arguido BB, de modo algum, contudo, se podendo extrair das mesmas que este tivesse estado presente em qualquer das concretas situações em apreciação nos autos.
Conclui-se assim que, no que respeita à imputada intervenção dos arguidos BB e CC nas várias situações acima referidas, nenhuma prova se produziu para além das declarações da co-arguida AA, sendo assim tal prova, face às suas particulares características, insuficiente para a demonstração de tal factualidade, com a segurança que se impõe em matéria criminal (…).
Quanto ao descrito nos pontos 5 e 6 dos factos não provados, não foi produzida prova, tendo sido referido pela própria ofendida que nada – para além de um relógio sem qualquer valor e que não funcionava – foi levado da sua casa, na ocasião em apreço.
Assim, o depoimento da testemunha NN(empregada doméstica da ofendida) – que referiu que a ofendida tinha no quarto pelo menos dois anéis grossos de ouro, que já ali não se encontravam após os factos, quando lá se deslocou – mostra-se insuficiente para demonstração da subtracção de qualquer bem, por não ter sido corroborado pela própria ofendida, e também porque, resultando do depoimento daquela que “pensava” ter visto tais anéis, pela última vez, cerca de uma semana antes, não permite que se conclua com segurança que os mesmos tivessem sido subtraídos do local na ocasião em apreço.
Finalmente, a arguida AA negou ter levado qualquer bem da casa da ofendida, sendo que, no mais, admitiu os factos que lhe são imputados, não se vislumbrando – na falta de outros elementos apurados que para tanto apontassem – por que motivo não admitiria igualmente ter a mesma subtraído bens, caso assim tivesse ocorrido.
37. Venerandos Desembargadores, entendeu o Tribunal a quo não valorar as declarações da arguida AA relativas à intervenção dos arguidos BB e CC, por considerar que as mesmas não se mostram corroboradas por outros meios de prova.
38. Porém, o Tribunal não dá uma explicação razoável para não valorar as declarações prestadas por esta arguida, pois as mesmas são totalmente corroboradas pela restante prova produzida nos autos e que diga-se, em nosso entendimento é abundante e não deixa qualquer duvida que em todas as situações em que a arguida confessou que praticou os factos com aqueles arguidos a restante prova corrobora-o.
39. Atentando na fundamentação do Tribunal para dar como não provado o envolvimento daqueles arguidos nos factos apontados pela arguida AA, afigura-se –nos que a mesma é forçada e sem qualquer lógica na descredibilização de todos os demais elementos de prova.
 40. Vejamos mais detalhadamente:
41. No processo 35/20.7SULSB (principal) o depoimento da ofendida GG foi desconsiderado porque esta referiu que a arguida AA se encontrava acompanhada por um homem (e não dois), não tendo sido realizado o reconhecimento  pessoal de qualquer dos arguidos BB e CC, nem tendo sido efectuadas vigilâncias na data em causa e nenhuma outra prova tendo sido produzida quanto à invocada intervenção dos arguidos em causa.
42. A arguida referiu que praticou os factos com o arguido BB e a testemunha apesar de não o ter reconhecido fez uma descrição desse individuo que corresponde à estrutura deste arguido. Por outro lado, e apesar de não ter sido realizada nesse dia nenhuma vigilância policial, a verdade é que das vigilâncias documentadas nos autos verifica-se que este arguido está quase sempre presente e para além deste e uma ou outra vez o arguido CC, a arguida não foi vista com mais ninguém do sexo masculino. Acresce que era o arguido BB que alugava os carros em que se faziam transportar e as mensagens e conversas existentes no telemóvel da arguida também confirmam que dependia deste para praticar os factos.
43. Assim, perante tais elementos de prova, deveria o Colectivo tê – lo considerado como autor da prática deste crime em co-autoria com a arguida AA. Era esta a conclusão lógica, inteiramente razoável – ditada, necessariamente, pelas regras da experiência e, mais do que isso, imposta pela prova produzida – a que o Tribunal deveria ter chegado.
44. Quanto à situação a que situação a que respeita o inquérito n.º 407/20.7POLSB:
- A arguida confessou que praticou os factos com os arguidos BB e CC.
45. E da prova produzida nos autos, resulta que na altura dos factos foi realizado reconhecimento fotográfico, por parte da testemunha LL (cfr. fls. 31-32 do apenso respectivo.
46. Não discordamos que este reconhecimento não tem a força probatória para de forma isolada, ou seja, sem outros meios de prova, permita com segurança e certeza jurídica dar como provada a sua intervenção nos autos, mas conjugado com os demais elementos de prova, e o facto de fazer uma descrição do mesmo que corresponde à estrutura do arguido BB, as imagens captadas no dia e hora dos factos no interior do prédio onde a vitima morava mostram os arguidos BB e CC juntamente com a arguida e a vitima, pese embora a sua idade e estado de saúde, também refere que a arguida ia acompanhada de outros e a verdade é que são vistos a sair do prédio em passo acelerado em direção à viatura.
47. Assim, perante tais elementos de prova, deveria o Colectivo tê – los considerado como co-autores da prática deste crime com a arguida AA. Era esta a conclusão lógica, inteiramente razoável – ditada, necessariamente, pelas regras da experiência e, mais do que isso, imposta pela prova produzida – a que o Tribunal deveria ter chegado.
48. Quanto à situação a que respeita o inquérito n.º 23/20.3PEALM: - A arguida AA também confessou que praticou os factos juntamente com os arguidos BB e CC.
49. Porém, a confissão da arguida não foi valorada e os depoimentos das testemunhas com conhecimento direto dos factos foi igualmente desvalorada pelo Tribunal, com os seguintes argumentos "Ouvida em julgamento, a testemunha MM(vizinha do ofendido), já acima mencionada, confrontada com a presença do referido arguido durante a audiência, manifestou reconhecê-lo como a pessoa que vira, na entrada do seu prédio, antes da ocorrência dos factos. Contudo, não só tal “reconhecimento” (que não oferece a segurança própria dos efectuados nos termos do art. 147º, do CPP) pode ter sido condicionado pela situação em que foi confrontada com o arguido e pelo facto de lhe terem sido previamente exibidas fotografias do mesmo (cfr. fls. 81-82 do apenso respectivo), como não é forçoso que a pessoa que viu nessa ocasião, no seu prédio, seja a mesma que veio a entrar no apartamento do ofendido, tanto mais que, nessa altura, não viu a arguida AA, a qual veio a saber-se (por tê-lo admitido) ter aí entrado. (…)
50. Desvalorizar o depoimento da testemunha por se considerar o mesmo condicionado ao ter visto fotografias do arguido? E porque não considerar que é um depoimento credível porque viu o arguido, reconheceu-o em fotografia que lhe foi apresentada e reconheceu-o presencialmente, ou seja, o reconhecimento fotográfico só poderia ser entendido no sentido de reforçar as certezas de que foi o arguido a praticar os factos e não o seu contrário.
51. E as fotografias dos três arguidos captadas no interior do prédio da vítima no dia e hora em que os factos ocorreram, também não significam nada!?
52. Com o devido respeito, parece-nos que andou muito mal o Tribunal ao desconsiderar um conjunto de provas que apreciadas segundo as regras da experiência comum e a livre convicção, levam a concluir pela participação dos arguidos na prática dos factos.
53. Contrariamente ao que refere o acórdão recorrido, que entendeu que as declarações desta testemunha não foram convincentes e que suscitou dúvidas quanto ao reconhecimento do arguido, fazendo apelo ao que a testemunha declarou, principalmente quanto à segurança com que depôs relativamente ao reconhecimento que efectuou em inquérito, que confirmou, afirmando que não teve dúvidas naquele reconhecimento e à espontaneidade com que indicou em julgamento o arguido BB, parece-nos que a conclusão deverá ser exactamente inversa à do acórdão recorrido.
54. Assim, perante tais elementos de prova, deveria o Colectivo tê – los considerado como co-autores da prática deste crime com a arguida AA. Era esta a conclusão lógica, inteiramente razoável – ditada, necessariamente, pelas regras da experiência e, mais do que isso, imposta pela prova produzida – a que o Tribunal deveria ter chegado.
55. Quanto à situação a que respeita o inquérito n.º 996/20.6PSLSB:
56. Considerou o Tribunal a quo que “ a ofendida mostrou não se recordar, sequer, da presença de outra pessoa para além da senhora que a abordou (e que será a arguida AA, como admitido pela própria), não resultando assim deste nem de qualquer outro elemento de prova – para além das declarações de co-arguida - que fosse o arguido BB a pessoa que acompanhava a arguida AA em tal situação.
57. Dos relatórios de vigilância constantes dos autos resulta ter sido frequentemente constatado que os três arguidos – ou os arguidos BB e AA – se deslocavam juntos de carro a vários locais. Contudo, em nenhum deles é constatada a presença dos arguidos junto de qualquer dos ofendidos das situações descritas, antes se deslocando os mesmos, enquanto observados, a locais como restaurantes, um Casino e um Motel. No mesmo sentido, do exame pericial ao telemóvel da arguida AA (fls. 723 e ss) resulta terem sido encontradas no mesmo, para além de fotografias de artigos que terá comprado e de dinheiro, diversas mensagens, demonstrativas de que a mesma mantinha convívio próximo e combinava encontros com o arguido BB, de modo algum, contudo, se podendo extrair das mesmas que este tivesse estado presente em qualquer das concretas situações em apreciação nos autos.
58. Conclui-se assim que, no que respeita à imputada intervenção dos arguidos BB e CC nas várias situações acima referidas, nenhuma prova se produziu para além das declarações da co-arguida AA, sendo assim tal prova, face às suas particulares características, insuficiente para a demonstração de tal factualidade, com a segurança que se impõe em matéria criminal (…).
59. A vítima em julgamento referiu de facto algumas dificuldades de recordar os acontecimentos, mas explicou a razão pela qual quis ou teve que esquecer o que aconteceu, é que o acontecimento traumático resultante dos factos, levou a que pouco tempo depois, tivesse perdido a visão!
60. Mais, uma vez nos questionamos: as declarações da arguida analisadas em conjugação com a demais prova produzida nos autos, são insuficientes? A vida que o arguido BB levava, com gastos diários excessivos, com consumos de cocaína, com aluguer de carros e quantia de dinheiro avultada que guardava em casa, não são valorados?
61. Com o devido respeito, parece-nos que andou muito mal o Tribunal ao desconsiderar um conjunto de provas que apreciadas segundo as regras da experiência comum e a livre convicção, levam a concluir pela participação do arguido BB na prática dos factos.
62. Assim, perante tais elementos de prova, deveria o Colectivo tê – lo considerado como co-autor da prática deste crime com a arguida AA. Era esta a conclusão lógica, inteiramente razoável – ditada, necessariamente, pelas regras da experiência e, mais do que isso, imposta pela prova produzida – a que o Tribunal deveria ter chegado.
63. Os pontos acima referidos, no que respeita à apontada participação dos arguidos BB e CC, são os pontos que o Tribunal a quo, a nosso ver, julgou incorrectamente, conforme o disposto no art.º 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal, ou que pelo menos, erradamente valorou.
64. Na verdade, Venerandos Desembargadores, como a jurisprudência unanimemente aceita, o princípio in dúbio pro reo, cuja escrupulosa observância não pode, obviamente, deixar de ser respeitada, como principio basilar do nosso direito processual penal, tem que ser temperado pelas regras da experiência comum, tal como impõe o art.º 127.º do Código de Processo Penal.
65. Nos termos daquela disposição com a epigrafe Livre apreciação da prova – “ a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção”.
66. O Tribunal é livre para apreciar e valor a prova, dando credibilidade, ou não, ao que é dito em audiência de julgamento pelos arguidos e testemunhas, mas a liberdade não é absolutamente discricionária, pois é conformada por condicionantes resultantes da necessária coerência da própria decisão, da conformidade desta com a prova produzida em audiência e da obediência às regras da experiência comum. Em suma as conclusões a que chega o Tribunal devem o corolário logico da analise dos elementos de prova recolhidos ao longo do inquérito e produzidos em audiência.
67. Assim, se um arguido presta declarações incriminatórios de outros arguidos que optam por não falar e estas declarações são consentâneas com a demais prova produzida deverão as mesmas ser valoradas.
68. Parece-nos, pois, que decidindo como decidiu, o Tribunal violou, o disposto no art.º 127.º do Código de Processo Penal.
69. Em conformidade com o que ficou exposto, atentas as circunstâncias do caso, a gravidade dos factos e a ausência de qualquer arrependimento por parte dos arguidos BB e CC, deveriam os mesmos ter sido considerados co-autores dos factos imputados nos inquéritos supra referidos.
 70. Assim, os factos que o acórdão inclui no capítulo relativo aos factos não provados sob os n.º 1, 2, 3, 4, 5, 6, 16, 17, 19, 20, 21,22, 23 deveriam passar a constar do capitulo dos dedicado aos factos provados.
71. Não o fazendo, o Tribunal violou as já citadas normas previstas pelos art.º 127.º, 410.º, n.º 2, alínea c) do Código Processo Penal.
72. Atenta a nossa posição quanto aos factos, o arguido BB e CC deverão ser condenados pela prática em co-autoria, com a arguida AA dos seguintes crimes:
73. O arguido BB: - um crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal, (processo principal), um crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (inquérito n.º 23/20.3PEALM), um crime de roubo na forma tentada, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) e n.º 4, 22º, 23º e 73º, todos do C. Penal (inquérito n.º 407/20.7POLSB), um crime de abuso de cartão, p. e p. no art. 225º/1 e 5, al. a), do C. Penal (inquérito n.º 996/20.6PSLSB), um crime de furto, p. e p. nos artigos 204º/1, al. d) e n.º 4, do C. Penal (inquérito n.º 996/20.6PSLSB), todos do Código Penal;
74. O arguido CC: - um crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (inquérito n.º 23/20.3PEALM), - um crime de roubo na forma tentada, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) e n.º 4, 22º, 23º e 73º, todos do C. Penal (inquérito n.º 407/20.7POLSB).
75. Quanto às penas:
76. Entendemos que deverão ser condenados em pena de prisão parcelas idênticas às aplicadas à arguida AA, atenta a gravidade dos crimes cometidos, que põem em causa a ordem e tranquilidade públicas.
77. E, quanto à suspensão da execução destas penas, manifestamos a nossa total discordância, por entendermos que no caso concreto não se verificam os pressupostos legais da aplicação deste instituto.
78. A suspensão da execução da pena de prisão está regulada no artº50º do Código Penal, nos seguintes termos:
79. “1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
80. O instituto da suspensão tem um carácter pedagógico e reeducativo, traduz-se num voto de confiança que se concede ao agente de um crime no sentido de assumir futuramente uma vida de acordo com os parâmetros social e legalmente estabelecidos, servindo a própria ameaça da pena como aval a esse voto pois constitui um estímulo para que a pessoa passe a comportar-se em conformidade com a lei.
81. Tal regime não é aplicação automática. Para que o tribunal proceda à suspensão da execução da pena é necessário que o crime em causa não esteja associado a uma elevada danosidade social e/ou que exista da parte do agente um sinal claro e evidenciador do merecimento do mencionado voto de confiança, de modo a que, mesmo que ocorra mal social intenso, se revele que o comportamento do arguido é ocasional, que haja profundo arrependimento e sinais evidentes de reinserção social, sendo possível fazer um juízo de prognose favorável de que no futuro o arguido não cometerá mais crimes.
82. Nos termos prevenidos no artº 50º do Código Penal, a averiguação de tal capacidade deve ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou. Se, dessa análise, resultar que é possível esperar que a ameaça da pena de prisão e a censura do facto são idóneos a permitir a formulação do referido juízo de confiança na capacidade do arguido para não cometer novos crimes, deverá ser decretada a suspensão da execução da pena.
83. Ora, é esse juízo de prognose favorável que no caso concreto dos arguidos não se mostra possível efectuar, tendo em conta os factos dados como provados e os elementos constantes dos autos.
84. Em primeiro lugar, os arguidos não prestaram nunca declarações, não havendo assim, confissão dos factos nem assunção das suas responsabilidades.
85. E é claro que não existe arrependimento nem interiorização do desvalor da sua conduta.
86. Ora só pode ser inserido socialmente quem reconhece os seus erros e está disposto a mudar de vida, não quem não reconhece os crimes que cometeu.
87. Acresce que ambos os arguidos possuem antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza aos imputados nos presentes autos.
88. Acresce que estes crimes, roubo contra idosos indefesos pelas consequências nefastas na vida em sociedade, produz alarme social.
89. Também se nos afigura que não estão acautelados adequadamente os fins de prevenção geral do crime, com a simples censura dos factos e a mera ameaça da pena.
90. Ora estes crimes ocorrem com muita frequência e produzem sentimentos de insegurança na comunidade, para além da lesão do património que o mesmo provoca.
91. Pelo que as necessidades de prevenção geral são muito acentuadas.
92. A gravidade e violência dos crimes de roubo, cometidos contra idosos, conjugada com as situações pessoais dos arguidos, aconselham, em nosso entendimento, à aplicação de penas de prisão efectiva, únicas adequadas a realizar as finalidades da punição.
93. Em suma, não se mostram verificados em concreto os pressupostos da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão exigidos pelo artº50º do Código Penal, preceito que se mostra violado.
(…)”.
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Foram admitidos ambos os recursos, nos termos do despacho proferido a 07-07-2022.
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I.3 Resposta aos recursos
Efetuada a legal notificação:
«» O arguido BB respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
“A. O MP motiva o seu recurso com base em duas ordens de ideias:
i) As buscas realizadas não são nulas;
ii) O arguido BB não devia ter sido absolvido dos factos de que foi acusado e que tiveram origem nos inquéritos 35/20.7SULSB (processo principal), 407/20.7POLSB, 23/20.3PEALM, 996/20.6PSLSB.
B. Quanto às buscas, diz a defesa que as mesmas, foram corretamente julgadas nulas pelo Tribunal a quo, por entre o mais, não terem sido precedidas de prévio ou posteriormente consentimento, de quem tem que o prestar, in casu, da mãe e sogra do arguido, proprietárias, com domínio efetivo das habitações sujeitas às buscas;
C. Dos autos de fls. 233, resulta que os agentes da PSP que realizaram as buscas, sabiam que os locais em causa, eram pertença de terceiros que não o arguido. E prova desse facto, é o próprio auto, que refere e individualiza, o quarto da mãe do arguido, onde foram aliás, apreendidos bens. Portanto, bem sabiam os agentes da PSP, onde estavam a realizar buscas;
D. Mas mais, os agentes da PSP que realizaram as buscas, não só não diligenciaram no sentido de confirmar de quem eram as habitações (como explicado pelo arguido), como inclusivamente acabaram por “entregar” ou “libertar” as mesmas, à própria mãe do arguido, que ali se encontrava no momento da diligência, sem que se tivessem dirigido sequer à mesma pedindo nomeadamente, qualquer consentimento para o efeito, (que a e mesma não deu, sob qualquer forma), tudo contra lei e com espírito justiceiro;
E. Se inicialmente pudessem existir dúvidas, acerca do domínio em exclusivo, por parte do arguido, dos referidos imóveis habitacionais, as mesmas dissipar-se-iam a partir do momento em que os OPC´s entraram nos mesmos, e se depararam com habitações com sinais de presença de terceiros, nomeadamente do sexo feminino (roupas, etc);
F. Tal consentimento não é um mero capricho, mas sim consequência do respeito por direitos individuais tutelados quer pela Constituição quer pelo Direito Penal (e ainda pelo Direito Civil), tais como o direito à intimidade da vida privada (art. 26.º, n.º1 da CRP; 190.º, 192.º do Código Penal e art. 80.º do Código Civil), à não intromissão na vida privada (art. 32.º, nº8 do CRP, art. 192.º e art. 193º do Código Penal), à não intromissão em lugares reservados ou não livremente acessíveis ao público (art. 32.º, n.º8 da CRP e 191.º do Código Penal).
G. Recorda a defesa, que estas buscas tiveram a iniciativa, do próprio órgão de polícia criminal que investigava os arguidos e nunca foram precedidas, de ordem ou autorização, por parte de qualquer autoridade judiciária.
H. Se é verdade que os OPC´s podem por sua iniciativa realizar buscas, nos termos do disposto nas alíneas a), b) e c) do art. 174.º do CPP, não é menos verdade, que não estando em causa um caso de flagrante delito, e não tendo sido invocada qualquer situação de prática iminente de crime que pusesse em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa, sempre a boa prudência aconselharia, que se tivesse pedido autorização ao titular do inquérito – MP – para a efetivação das buscas, evitando-se assim situações de abuso de poder (como a confirmada nestes autos pelo MM. JIC no apenso de Habeas Corpus).
Relativamente aos demais fundamentos do recurso apresentado pelo MP,
I. Da prova produzida, apenas as declarações da arguida AA vão no sentido de incriminar o arguido BB,
J. Tendo a mesma declarado que o conheceu num bairro sito no ….., e que iniciou um relacionamento de amizade que se transformou em relação amorosa, ao mesmo tempo que o arguido mantinha uma relação marital com filhos, com a sua companheira.
K. Mais declarou que a relação amorosa tida com o arguido BB terminou após a data dos factos, não apresentando, porém, as razões para o términus da relação.
L. Mais alegou que antes de conhecer o arguido BB já vendia artigos (de variada natureza) na rua ao público em geral;
M. No processo principal (35/20.7SULSB), ninguém reconheceu o arguido, tendo a vítima GG, afirmado que “eram dois homens” que estavam com a arguida.
N. O MP reduz-se á afirmação de que o arguido, costumava estar sempre com a arguida e que com esta, nenhum indivíduo do sexo masculino foi visto naquele período,
O. E de que foi, em nome do arguido, que os veículos automóveis foram alugados, sem mais alegar,
P. Terminando por afirmar que a arguida estava dependente do arguido.  Nada mais falso. É a
própria arguida quem ao longo do seu depoimento confessa ter experiência de vendas na rua, que foi por sua iniciativa e vontade, praticar os factos que deram origem ao inquérito n.º 443/20.3POLSB, cujo ofendido foi OO (Factos dados como provados no Ponto 13 do douto acórdão), deslocando-se sozinha num veículo automóvel, à Encarnação, Lisboa, para o efeito, tendo ficado com os referidos anéis, propriedade do ofendido, e não tendo entregado quaisquer quantias aos demais arguidos;
Q. Foi à arguida, a quem foram apreendidos, os bens reclamados pelas vítimas, e a quem foram
encontrados cartões de multibanco, pelo que cai por terra, a alegada dependência desta ao arguido, como alega o MP;
R. No inquérito 407/20.7POLSB, o MP no seu recurso parece esquecer-se que o reconhecimento
não foi positivo, ou melhor dito, o reconhecimento do arguido foi negativo. (Cf. fls. 249 e 250 do Volume II dos autos).
S. Ora, se a própria testemunha da acusação LL, não reconheceu, inclusivamente em audiência de julgamento, o arguido BB como o autor dos crimes, como é que este reconhecimento pode contribuir para a certeza jurídica de que o mesmo foi autor, ou coautor dos factos(?),
T. Nenhuma outra prova foi produzida no sentido de envolver o arguido nos factos ilícitos deste
inquérito crime.
U. Relativamente ao inquérito crime n.º 23/20.3PEALM, o douto acórdão continuou a andar bem, ao notar que:
a. Nenhum reconhecimento pessoal foi feito ao arguido BB;
b. A testemunha MM, confirmou que vira o arguido na entrada do seu prédio antes dos factos e foi confrontada (pelos OPC´s) previamente à audiência de julgamento com fotografias do arguido BB, conforme fls. 81-82;
c. A testemunha MM não viu o arguido BB (nem a arguida AA) a entrar no apartamento do ofendido;
d. As vigilâncias feitas aos arguidos, pelos OPC´s, neste dia, foram feitas de modo exaustivo e durante um longo período de tempo, não resultando das mesmas, que o arguido tivesse estado naquele local.
V. Resulta claro, que esta testemunha, quando se apresentou em audiência de julgamento, já tinha sido confrontada na esquadra de polícia, pelos senhores agentes da PSP, que também se encontravam nas instalações do Tribunal, com fotografias do arguido BB.
W. Só podia o Tribunal a quo, como o fez aliás, chegar á conclusão de que nenhuma prova razoável e bastante foi produzida para concluir que o arguido praticou estes factos.
X. No que toca ao inquérito n.º 996/20.6PSLSB, o Tribunal a quo, confirma que dos autos de vigilância realizados, os arguidos apenas frequentavam juntos, restaurantes, um casino e um hotel, nada mais.
Y. Igualmente o Tribunal a quo, chega à conclusão de que do exame pericial ao telemóvel apreendido à arguida AA (fls. 723 e ss), apenas resultam fotografias de artigos que a mesma comprara naquele período de tempo, e que de facto mantinha um contacto próximo com o arguido BB, nomeadamente encontros em hotéis, não resultando daí que o arguido BB fosse autor dos factos.
Z. Em suma, em todos os inquéritos acima mencionados, nenhuma prova (suficiente, robusta e
capaz), foi produzida que pudesse munir o Tribunal a quo de fundamentação para condenar o arguido BB dos factos de que vinha acusado,
AA. Aliás, tal seria impossível, na justa medida em que ao arguido jamais praticou os factos em
causa; jamais esteve sob qualquer forma ligado direta ou indiretamente a estes crimes.
BB. O arguido não se esconde ao seu passado, cujas consequências já pagou.
CC. O arguido há muito que conduz a sua vida com o trabalho honesto, dedicando o tempo livre
às suas filhas e família.
DD. O arguido temendo a “tatuagem” do seu passado com a Justiça, sempre acabou por confiar
na mesma, precisamente por saber que estava inocente, e que não seria vítima de um sentimento de vingança (não és para mim, não és para ninguém...).
Por todo o exposto, e sempre com muito douto suprimento de V. Exas., sempre o recurso apresentado pelo Ministério Público deverá ser julgado improcedente por não provado, e assim, mantidos nos seus exatos termos o douto acórdão em crise, com todas as legais e devidas consequências”.
«» O arguido CC respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
“CONCLUSÕES
1. Foi o arguido e ora recorrido CC absolvido quanto à prática de todos os crimes de que vinha acusado;
2. E de tal decisão veio o Ministério Público recorrer, por discordar da absolvição do arguido CC e ora recorrido, quanto aos inquéritos 407/20.7 POLSB e 23/20.3PEALM;
3. Contudo, e salvo o devido respeito, não assiste razão ao Ministério Público, já que no inquérito 407/20.7 POLSB, não foi feita prova razoável e suficiente quanto à participação do arguido CC e ora recorrido;
4. A testemunha Sr. LL referiu ter visto dois indivíduos em passo apressado, explicou que os viu desde a sua varanda numa posição superior em relação à rua, e que eles estavam de costas, não tendo conseguido identificar nenhum dos arguidos presentes em audiência de julgamento;
5. E a própria ofendida Sra. HH também não esclareceu se o ora recorrido esteve em sua casa na data dos factos (não se recordando de quem lá terá estado para além da arguida AA);
6. Por sua vez no inquérito 23/20.3PEALM também não foi feita prova suficiente da participação do arguido CC e ora recorrido nos factos descritos;
7. Sendo que a testemunha Sra. MM não identificou o arguido CC e ora recorrido;
8. Na verdade, para além das declarações da arguida AA, nenhuma outra prova foi feita no sentido de colocar o arguido e ora recorrido CC no tempo, modo e lugar dos factos enunciados;
9. Pelo que, o Tribunal a quo decidiu, e bem, que “(…) no que respeita à imputada intervenção dos arguidos BB e CC nas várias situações acima referidas, nenhuma prova se produziu para além das declarações da co-arguida AA, sendo assim tal prova, face às suas particulares características, insuficiente para a demonstração de tal factualidade, com a segurança que se impõe em matéria criminal.”, absolvendo, assim, o arguido e ora recorrido CC;
10. Efectivamente, não tendo sido produzida prova razoável e suficiente de que o ora recorrido tenha praticado os factos, o Tribunal a quo não poderia ter tomado outra decisão que não a absolvição;
11. E sempre se dirá, mais uma vez, que o ora recorrido CC não praticou os factos de que estava acusado, nem esteve ligado a qualquer um dos crimes em causa.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V.Exas. doutamente suprirão, requer-se que o recurso apresentado pelo Ministério Público seja julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo, assim fazendo V.Exas a esperada e costumada JUSTIÇA!”
«» O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pela arguida AA, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
“IV - CONCLUSÕES:
1. O acórdão impugnado não merece qualquer censura, pois que não enferma de omissões, nulidades ou vícios.
2. A pena aplicada à arguida não excede a culpa daquele, sendo justa e adequada, respeitando as exigências de prevenção geral e especial, não enfermando a sua fixação de qualquer violação ao disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do C. Penal.
3. O douto acórdão recorrido não merece qualquer censura, porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, não violou qualquer disposição legal, optou pela aplicação à arguida/recorrente de pena de prisão que se mostra adequada, atentas as circunstâncias que se verificam no caso concreto, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.
(…)”.
»
I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de acompanhar o recurso interposto pela colega da 1.ª instância e, consequentemente, pela sua procedência.
Quanto ao recurso apresentado pela arguida AA nada referiu.
»
I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao sobredito parecer.
»
I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir:
»
II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2].
Assim, face às conclusões extraídas por cada um dos recorrentes da motivação do respetivo recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
No que respeita ao recurso interposto pela arguida AA:
- Da medida das penas parcelares e da pena única concretamente aplicadas à arguida;
- Da suspensão da execução da pena.
No que respeita ao recurso interposto pelo Ministério Público:
- Da nulidade/validade das buscas domiciliárias;
- Do erro notório na apreciação na prova/da errada valoração da mesma;
- Da pena a aplicar aos arguidos BB e CC.
»
II.2- Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objeto de recurso]:
“II – FUNDAMENTAÇÃO
A. FACTOS PROVADOS
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados, com relevo para a decisão, os factos seguintes:
(do processo principal – ofendida GG)
1. No dia 17 de Maio de 2020, a ofendida GG, nascida em 05.12.1934, dirigia-se apeada para a sua residência, sita na Rua …..
2. Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, encontrava-se a arguida AA juntamente com um individuo de identidade não apurada, a bordo do veículo automóvel de matrícula …., marca …., cinzento, que previamente alugaram em Setúbal.
3. Nesse momento, a ofendida foi abordada pela arguida AA, que lhe disse “ser a … da Farmácia” e ter interesse em mostrar-lhe umas amostras.
4. A ofendida GG informou onde residia, tendo ficado combinado que as amostras seriam deixadas na caixa do correio.
5. No dia seguinte, cerca das 09h45m, a arguida AA tocou à campainha da residência da ofendida, que abriu a porta.
6. A arguida, de imediato, mostrou à ofendida um catálogo de relógios de marca …, para o ano 2019/2020, e foi entrando em casa da ofendida, apesar desta não lhe dar autorização para tal, não fazendo o que tinham combinado, que era deixar as amostras na caixa de correio.
7. Atrás da arguida AA, entrou um individuo de identidade não apurada.
8. A determinada altura, a arguida perguntou à ofendida se tinha alguma coisa na mala, e o indivíduo que acompanhava a primeira agarrou a ofendida pelo braço esquerdo e levou-a para o quarto, onde a arremessou para cima da cama, após o que a colocou de bruços, e com uma mão coberta com uma luva tapou-lhe a boca, impossibilitando a ofendida de reagir, desde logo de gritar por socorro.
9. Enquanto isso, a arguida AA remexia na mala da ofendida e procurava objectos de valor.
10. O indivíduo que acompanhava a arguida AA retirou à ofendida três alianças que esta usava no dedo anelar da mão esquerda, com os valores de 200€, 100€ e 150€.
11. A arguida AA e o indivíduo que a acompanhava, encontraram dinheiro e objectos em ouro que a ofendida tinha em sua casa, como uma gargantilha em ouro no valor de 700€, um fio em ouro de malha batida no valor de 400€, um coração em ouro trabalhado no valor de 150€, uma pulseira de homem no valor de 400€, uma pulseira de senhora, larga e trabalhada, no valor de 650€, uma pulseira de pérolas com medalha em forma de coração no valor de 150€, 4 anéis de senhora no valor de 900€, um colar, pulseira e brincos de contas de Viana, no valor de 480€ e 50€ em dinheiro que a ofendida tinha na sua carteira.
12. Na posse desses bens (jóias no valor de 4.280€ e 50€ em dinheiro) que fizeram seus, a arguida AA e o indivíduo que a acompanhava abandonaram o local, colocando-se em fuga.
(do inquérito n.º 443/20.3POLSB – ofendido OO)
13. No dia 20 de Maio de 2020, entre as 14h e as 14h30m, o ofendido OO, nascido em 08.01.29, circulava apeado na zona …, momento em que foi abordado pela arguida AA, que circulava no veículo automóvel de matrícula ….,  cinzento, previamente alugado em Setúbal.
14. A arguida parou o veículo junto do ofendido, tendo perguntado pelos filhos daquele, após o que o convidou a entrar no veículo e o chamou à atenção para os anéis amarelos que trazia consigo, dizendo “então você anda com estes anéis todos amarelos”, dizendo que os podia retirar para limpar.
15. O ofendido retirou os anéis e entregou-os à arguida que lhe entregou uma caixa de cartão de pequenas dimensões, julgando o ofendido que continha os seus anéis e aliança.
16. A arguida abandonou o local e momentos depois o ofendido constatou que no interior da caixa não se encontravam os seus anéis.
17. Na posse destes bens, de que se apropriou, a arguida, colocou-se em fuga, num veículo automóvel.
(do inquérito n.º 407/20.7POLSB – ofendida HH)
18. No dia 22 de Maio de 2020, pelas 10h30m, a ofendida HH, nascida em 16.09.1936, encontrava-se no interior da sua residência, quando tocaram à campainha da porta, pedindo para que a abrisse.
19. A ofendida abriu a porta do prédio.
20. Pouco depois tocaram à campainha da porta da residência, que a ofendida abriu, sendo a arguida AA, que lhe perguntou se estava sozinha, colocando o seu pé de forma a impedir que a ofendida fechasse a porta, o que conseguiu.
21. Perante a resposta negativa da ofendida, a arguida entrou na residência, seguida de um indivíduo cuja identidade não se apurou.
22. De imediato o indivíduo que acompanhava a arguida agarrou a ofendida, tapou-lhe a boca e arrastou-a para dentro de casa, onde a forçou a sentar-se num sofá, exigindo que dissesse onde tinha o ouro.
23. A arguida AA e o indivíduo que a acompanhava foram remexendo os móveis do quarto e da sala de estar.
24. A arguida já tinha estado anteriormente em casa da ofendida, a pretexto de lhe vender toalhas bordadas da Ilha da Madeira.
25. A arguida AA e o indivíduo que a acompanhava colocaram-se em fuga e abandonaram o local.
26. Não lograram levar consigo, fazendo-os seus, bens da ofendida, por motivos alheios à sua vontade, por não terem encontrado na casa desta bens de valor.
(…)
(do inquérito n.º 23/20.3PEALM – ofendido II)
28. No dia 1 de Julho de 2020, cerca das 15h, a arguida AA e dois indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, lograram entrar na residência do ofendido II, de 88 anos de idade, no …., a pretexto de pertencerem a uma operadora de telefone, a quem imobilizaram e amordaçaram, logrando retirar-lhe pelo menos o cartão de débito emitido pelo Banco …, em nome daquele, que lhe subtraíram.
29. O referido cartão tinha um valor não apurado mas necessariamente superior a € 2,00.
30. A arguida AA e os indivíduos que a acompanhavam retiraram ainda da casa do ofendido, fazendo-a sua, a quantia de, pelo menos, € 100,00 em dinheiro.
(do inquérito n.º 996/20.6PSLSB – ofendida JJ)
31. No dia 9 de Junho de 2020, cerca das 10h, a arguida AA, acompanhada de indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, aproximou-se da residência da ofendida JJ, sita na Rua …., incentivando-a a deslocar-se até ao portão da entrada, pedido a que a ofendida acedeu.
32. Uma vez junto ao portão, a arguida propôs vender à ofendida um relógio, o que conseguiu, por ser muito insistente, após o que ambas, e ainda o individuo que acompanhava a arguida, se deslocaram de carro até ao banco para que a ofendida levantasse dinheiro para pagar o relógio.
33. A certa altura, aquando da realização de tal levantamento, a ofendida transmitiu à arguida o código do seu cartão e, posteriormente, sem que a ofendida se apercebesse, a arguida e o indivíduo que a acompanhava lograram apropriar-se do referido cartão, emitido pelo Banco …, em nome da ofendida.
34. A arguida em conjunto com pessoa de identidade não apurada, na posse de tal cartão, que utilizaram contra a vontade da ofendida, efectuou os seguintes levantamentos e pagamentos, no valor total de 14.535,74€.
35. A arguida e quem a acompanhava, munidos do cartão da ofendida, efectuaram as seguintes compras e levantamentos:
-Levantamento de em dinheiro em ATM’s diversas, no valor de 1250,00 euros;
- Ourivesaria …, em Lisboa, no valor de 4379,00 euros;
-Ourivesaria …., Almada, no valor de 275,00 euros;
-Ourivesaria …., em Corroios, no valor de 5090,00 euros;
-F…, Rua do Carmo, em Lisboa, no valor de 917,88 euros;
-P…, em Vila Franca de Xira, no valor de 664,55 euros;
-Loja de Perfumes, …, no valor de 214.50 euros.
36. Procederam assim aos seguintes movimentos na conta bancária da ofendida:
(…)
Somatório dos valores subtraídos à ofendida JJ através do cartão 14.536,74€
37. Na sequência da realização de buscas domiciliárias, no dia 20 de Julho de 2020, a arguida tinha na sua posse:
NO QUARTO DE HOTEL
No interior da primeira gaveta do aparador:
-1 (um) Fio de cor amarela com três bolas;
-1 (um) Fio de cor amarela malha batida;
-1 (um) Fio prateado com sete corações, encontra-se partido;
-1 (um) Fio de cor amarela malha batida encontrava-se no interior de uma caixa de cor branca com as inscrições “OURIVESARIA …”;
-1 (um) Fio de cor amarela fininho, encontrava-se no interior de uma caixa de cor branca com as inscrições “OURIVESARIA…”;
-1 (um) Relógio de bolso prateado com a inscrição “…”;
-1 (um) Relógio de senhora prateado com a inscrição;
-1 (uma) Pulseira de senhora prateada com brilhantes “…”;
-3 (três) Anéis prateados com pedras;
-1 (um) Pendente para fio na forma de coração;
-1 (um) Cartão de Crédito …., titular JJ;
No interior de um saco com as inscrições …:
-1 (um) Alfinete na forma de folha com brilhantes;
-2 (dois) Botão de punho de cor amarela.
No interior da segunda gaveta do aparador:
-1 (um) Relógio prateado com a inscrição “…”;
-1 (um) Relógio prateado com a inscrição “…”;
-1 (um) Pulseiras de pérolas com um coração;
-1(um) Fio de cor prateada;
-1 (um) Fio de cor prateada com três bolas;
-1 (um) Pendente para fio em cor amarela com um aro e folhas;
-4 (quatro) Anéis;
-2 (dois) Brincos;
-12 (doze) Botões de punho;
-1 (um) Fio de pérolas com uma palma de viana, encontra-se partido.
Interior da gaveta da mesa-de-cabeceira lado direito:
-1 (um) Fio de malha grossa com medalha com a inscrição “…”, o mesmo encontra-se no interior de uma caixa branca com a mesma inscrição.
-1 (um) Relógio bordeaux com as inscrições “…”;
-1 (um) Fio prateado;
-1 (uma) Pulseira de aros largos;
-1 (um) Anel prateado com a inscrição da letra “M”;
-2 (dois) Brinco de cor amarela;
-1 (um) Anel prateado;
-1 (um) Alfinete na forma de cão;
No interior da mala de viagem:
-1 (um) Body branco com a imagem de um tigre;
-1 (uma) Calças de ganga clara da marca …;
-1 (uma) Saia branca;
-1 (um) Cartão de Crédito do Banco …, titular …;
-1 (uma) Mala de cor amarela.
38. A arguida tinha ainda no interior de uma mala em pele, de cor creme e castanha:
-1 (uma) Mala em pele de cor creme com efeitos castanhos contendo no seu interior os seguintes objectos:
-1 (um) talão multibanco da conta …, de um levantamento de 200€ (duzentos Euros), numa conta à ordem com 32.935.41€ (trinta e dois mil novecentos e trinta e cinco Euros e quarenta e um cêntimos).
-1 (um) pedaço de papel contendo senhas de acesso à internet com um contacto telefónico no verso (…).
-1 (uma) factura simplificada:
…., da venda de um Anel em Ouro A.800% oco, com a bandeira de cabo Verde Larga, no valor de 455,00, (quatrocentos e cinquenta e cinco Euros).
-3 (três) folhas de contrato de aluguer de viaturas na empresa …. (contrato de Aluguer …, contrato de Aluguer … e contrato de Aluguer …)
-1 (uma)factura … no valor de 19.95Euros (dezanove Euros e noventa e cinco cêntimos)
-1 (uma) factura … no valor de 45.97€ (quarenta e cinco Euros e noventa e sete cêntimos.
-1 (uma) factura … no valor de 5.99€ (cinco Euros e noventa e nove cêntimos).
-1 (um) talão de carregamento de operadora móvel … no valor de 15€ (quinze Euros).
-1 (um) talão de carregamento de operadora móvel … no valor de 10€ (dez Euros).
-1 (um) talão de pagamento de portagem na Ponte de Vasco da Gama no valor de 2.85€ (dois Euros e oitenta e cinco cêntimos)
-1 (uma) factura recibo da estalagem …, numero … em nome de AA no valor de 35€ (trintae cinco Euros)
-1 (uma) factura recibo da estalagem …, numero …
-1 (uma) factura com a reserva …. no valor de 165€, (cento e sessenta e cinco Euros)
-1 (um) par de luvas pretas da marca …
-1 (um) Telemóvel de marca …, danificado, uma capa.
-4 (quatro) perfumes e 4 (quatro) caixas.
-2 (duas) pulseiras em metal dourado
-8 (oito) pulseiras em metal dourado
-2 (duas) pulseiras em metal dourado
-4 (quatro) relógios
-2 (dois) relógios
-1 (uma) caixa com 1 (um) alfinete em metal dourado
-1 (uma) caixa com 2 (dois) relógios
-1 (uma) caixa com 2 (dois) brincos em metal dourado
-8 (oito) pulseiras em metal dourado
-1 (uma) argola em metal dourado
-1 (um) brinco em metal dourado
-1 (um) coração em metal dourado com o recheio em pedra branca
-1 (um) fio em metal prateado em uma medalha
-2 (duas) medalhas em metal com a Nossa Senhora de Fátima
-1 (um)botão de punho em metal prateado
1 (uma) medalha em metal prateado
-1 (uma) Mala em pele de cor preta alusiva ao Mickey Mouse contendo no seu interior
os seguintes objectos:
-9 (nove) luvas de latex
-1 (uma) peruca de cor loira
-3 (três) folhas de contrato de aluguer de viaturas na empresa … (contrato de Aluguer …, contrato de Aluguer … e contrato de Aluguer …)
-1 (uma) Mala em pele de cor cinza com manchas verdes contendo no seu interior os seguintes objectos:
-1 (um) chapéu branco
-1 (uma) nota de 20€ do Banco Central Europeu
-1 (um) telemóvel de marca …, de cor azul, e respectiva capa transparente com o IMEI …
-1 (uma) factura recibo da estalagem … em nome de AA no valor de 35€ (trinta e cinco Euros)
-1 (uma) factura recibo da estalagem … em nome de AA no valor de 38€ (trinta e oito Euros)
-1 (uma) factura recibo da … em nome de AA no valor de 56€ (cinquenta e seis Euros)
-1 (uma) factura recibo da …. em nome de AA no valor de 56€ (cinquenta e seis Euros)
-1 (uma) factura recibo da …. em nome de AA no valor de 59€ (cinquenta e nove Euros)
-1 (um) Fio em metal prateado com medalha
-2 (duas) pulseiras em metal prateado
-2 (dois) brincos em metal dourado
-1 (um) anel em metal de cor prateada e dourada
-1 (uma) moeda
-2 (dois) relógios
-2 (dois) brincos em metal dourado
-2 (dois) anéis em metal dourado com pedras brancas
-1 (um) anel com sete escravas
-1 (um) fio em metal dourado com pedras brancas
-1 (uma) pulseira em metal dourado
-1(uma) pulseira com missangas
-1 (uma) faca tipo de cozinha com o cabo preto
39. O arguido BB, na mesma data, tinha na sua posse um telemóvel e 130€ em dinheiro.
40. No dia 25 de Fevereiro de 2021, a arguida tinha na sua posse, na sua residência sita na …, diversos artigos de vestuário e calçado adquiridos com o cartão de crédito que subtraiu à ofendida JJ, um contrato de comodato celebrado entre a arguida e … relativo à residência acima identificada, uma declaração relativa à entrega da quantia de 850€ por parte da arguida, relativa ao arrendamento daquela habitação.
41. Na prática dos factos descritos, a arguida fazia-se transportar em veículos automóveis alugados, de marca e diferentes matrículas.
42. O arguido BB alugou à empresa …., com a designação comercial de …, os seguintes veículos automóveis:
-…, cinzento, no período das de 13:00 de 08-06-2020 a 12-06-2020;
-…, cinzento, no período das 12:45 de 01-07-2020 a 03-07-2020;
43. Em Julho de 2020 a arguida colocou-se em paradeiro incerto, tendo-se ausentado para França, tendo, entretanto, alterado substancialmente a sua aparência física, pintando o cabelo de um cor escura, e apresentando-se menos cuidada.
44. Agiu a arguida AA, nas situações acima descritas, juntamente com as pessoas que a acompanhavam, em conjugação de esforços e na execução de planos previamente delineados, livre e conscientemente, com intenção de se apoderarem dos bens que os ofendidos, todos pessoas de avançada idade e por isso especialmente vulneráveis, a quem previamente vigiavam, tivessem na sua posse, mesmo que no interior das suas residências, onde, quando necessário, entraram, através de encenações, para logo depois utilizarem a força física e violência, imobilizando os ofendidos e atingindo-os no seu corpo e na sua saúde, impedindo-os de reagir, o que conseguiram, apoderando-se de objectos em ouro, dinheiro, cartões bancários e respectivos códigos de utilização, que fizeram seus, bem sabendo que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos seus proprietários, contra quem usaram de violência, apesar de saberem que se tratavam de pessoas muito frágeis física e psicologicamente, e mesmo assim quiseram e agiram da forma descrita.
45. Bem sabia a arguida e as pessoas que a acompanhavam que o cartão por si utilizado não lhes pertencia e que se tinham dele apropriado ilegitimamente, e que a respectiva titular não autorizou quer os pagamentos quer os levantamentos a que procederam e que com esses actos lhe causavam prejuízos, resultado que, em conjunto, quiseram e lograram alcançar.
46. Agiu a arguida AA e as pessoas que a acompanhavam, em conjugação de esforços, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas estas condutas são proibidas e punidas por lei penal.
Mais se provou, que:
47. A arguida AA não tem antecedentes criminais.
48. Os filhos menores da arguida encontram-se aos cuidados de uma tia daquela.
49. A arguida tem recebido visita regular, no EP, de seu padrinho de baptismo, o qual é empresário e está disposto a dar-lhe trabalho, quando a mesma se encontrar em liberdade.
50. O arguido CC foi condenado, no processo n.º 514/15.8PAABT, pela prática, em 11.12, 2015, de dois crimes de roubo, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, por sentença de 24.02.2017, transitada em julgado a 27.03.2017.
51. No âmbito de tais autos, veio a ser revogada a suspensão da execução da referida pena de prisão.
52. Mais foi condenado, no processo n.º 848/18.0PGALM, pela prática, em 24.09.2018, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de € 5,50, por sentença de 02.10.2018, transitada em julgado a 02.11.2018.
53. A referida pena de multa (processo n.º 848/18.0PGALM) veio a ser convertida em 106 dias de prisão subsidiária.
54. Foi ainda condenado, no processo n.º 727/18.0PGALM, pela prática, em 17.08.2018, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de € 5,00, por sentença de 13.01.2021, transitada em julgado a 27.04.2021.
55. O arguido CC é visto pelos que lhe são próximos como trabalhador e correcto.
56. O arguido BB foi anteriormente condenado, no processo n.º 1128/09.7GCALM, pela prática, em 15.09.2009, de um crime de roubo, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por doze meses, por sentença de 08.04.2011, transitada em julgado a 16.05.2011.
57. Mais foi condenado, no processo n.º 1675/12.3PAALM, pela prática, em 23.10.2012, de um crime de roubo, na pena de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por sentença de 09.11.2012, transitada em julgado a 29.11.2011.
58. Foi também condenado, no processo n.º 39/13.6PEALM, pela prática, em 03.09.2013, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, por sentença de 10.09.2013, transitada em julgado a 14.10.2013.
59. Mais foi condenado, no processo n.º 106/12.3PEALM, pela prática, em 24.07.2012, de um crime de tráfico de estupefacientes de quantidades diminutas ou de menor gravidade, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período com sujeição a regime de prova, por sentença de 22.01.2014, transitada em julgado a 13.11.2014. Nos referidos autos, veio a ser prorrogado o período da suspensão da execução da pena em mais um ano e, posteriormente, revogada tal suspensão.
60. Foi também condenado, no processo n.º 510/13.0PGAMD, pela prática, em 20.12.2013, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário e um crime de condução sem habilitação legal, nas penas de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período com sujeição a regime de prova, e de 240 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, por sentença de 06.01.2015, transitada em julgado a 17.10.2015. Nos referidos autos, a pena de multa aplicada ao arguido veio a ser substituída por 160 dias de prisão subsidiária.
61. Foi ainda condenado, no processo n.º 1851/13.1PGALM, pela prática, em 02.12.2013, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, por sentença de 23.02.2015, transitada em julgado a 03.03.2015. A referida pena de multa veio a ser substituída por 133 dias de prisão subsidiária.
62. Foi também condenado, no processo n.º 605/15.5PHSNT, pela prática, em 04.06.2015, de um crime de detenção de arma proibida e um crime de furto simples, na pena única de três anos e três meses de prisão, por acórdão de 30.05.2016, transitado em julgado a 27.10.2016.
63. Mais foi condenado, no processo n.º 51/15.0SOLSB, pela prática, em 01.09.2015, de um crime de furto qualificado e, em 02.09.2015, de um crime de falsas declarações, na pena única de três anos e dois meses de prisão, por acórdão de 15.07.2016, transitado em julgado a 05.01.2017.
64. Foi também condenado, no processo n.º 1773/13.6PGALM, pela prática, em 18.11.2013, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis meses, por sentença de 30.09.2016, transitado em julgado a 31.10.2016.
65. O arguido BB é visto, pelos que lhe são próximos, como trabalhador, correcto, e pai dedicado aos seus filhos.
66. A arguida AA é natural do município …..
67. De modo a encontrar melhores condições de vida, o núcleo familiar constituído pelos avós maternos e mãe da arguida emigrou para o Brasil, para a região de Balneário Camboriú, município localizado no litoral norte do estado de Santa Catarina.
68. No período da sua infância, o pai deixou de integrar o agregado familiar, na sequência da separação dos progenitores, num contexto de divergências e de hábitos aditivos em substâncias psicoativas da parte de ambos.
69. No país de acolhimento, na região de …., no litoral norte do estado de Santa Catarina, com vista a encontrar melhores condições de vida, o núcleo familiar constituído pelos avós maternos e pela mãe da arguida subsistia do produto da atividade comercial que seu avô materno exercia, como comerciante de jaquetas de coro, por conta de outrem.
70. Ainda no Brasil a arguida frequentou a escola dos 5 aos 8 anos de idade, em contexto doméstico, em virtude de o meio envolvente à região de …. se caracterizar pela exclusão social e prática de crimes.
71. Não chegou a concluir o ensino básico de escolaridade, tendo apenas completado o 3º ano.
72. Numa primeira fase do processo de emigração, a família vivia num quadro habitacional e económico aparentemente mais adaptado às necessidades, o que todavia não se chegou a estabilizar.
73. A família regressou a Portugal e AA, com 8 anos de idade, foi viver para casa de sua avó materna, ….
74. Nesse período, os proventos da família provinham das reformas da avó e também de uma tia que padecia de doença mental.
75. Dos 8 aos 9 anos de idade, a arguida integrou o agregado familiar da avó materna, tendo durante esse período da sua infância sofrido uma queda de bicicleta, que, de acordo com a mesma, lhe terá causado traumatismo craniano e demandado intervenção cirúrgica de urgência.
76. Após um período de difícil recuperação, quando tentou retomar a atividade escolar, essa intenção não se chegou a consolidar, em virtude de ter mais idade do que a idade padrão prevista, a frequentar o grau de ensino do ensino básico que iria retomar.
77. A arguida estabeleceu o seu primeiro relacionamento afetivo, em regime de coabitação, “casamento”, aos 13 anos de idade, segundo o padrão da cultura …, conforme ditames de familiares ascendentes, umas tias. Esta situação é relatada pela arguida com grande pesar e mesmo sentimento traumático, em resultado de ter sido uma situação imposta e sem opção de escolha.
78. Face a tal clima de tensão e de significativa opressão, em que não foi capaz de reconhecer no parceiro, 15 anos mais velho, a figura de seu marido, o relacionamento marital apenas perdurou cerca de um mês.
79. Aos 18 anos de idade estabeleceu a arguida segunda relação marital, da qual teve quatro filhos, agora com idades de 13, 11, 7 anos e os 5 anos de idade.
80. Quando viveu esta segunda relação marital, ocorreu a detenção de sua mãe, pela prática de crime de homicídio qualificado, facto que se manifestou marcadamente traumático.
81. Nesse período da vida da arguida, o agregado familiar dependia do apoio dos serviços da Segurança Social, designadamente pelo Rendimento Social de Inserção, abonos de família dos descendentes e ainda da atividade exercida pelo companheiro, de modo precário, como vendedor ambulante de vestuário, atividade exercida porta a porta.
82. A coabitação de AA com o companheiro perdurou cerca de 11 anos, ou seja, entre os 18 e os 29 anos de idade da arguida, vindo a dar-se a rutura nessa altura, segundo a arguida por a vivencia comum se ter começado a revelar conflituosa e problemática, decorrente da problemática de violência doméstica a que a mesma foi sujeita.
83. Desde então, deixou a casa que habitava com o pai dos filhos, na localidade da …, e foi viver para o …, na casa de sua avó materna….
84. Em outubro de 2019, do acompanhamento pelos serviços de Ação Social do Seixal e no âmbito do Plano do Rendimento Social de Inserção, a arguida beneficiou dessa intervenção e no que respeitou aos descendentes também se registou a intervenção da Equipa Multidisciplinar de Apoio ao Tribunal E.M.A.T. de Almada – Seixal, de modo a assegurar as necessárias condições de proteção e do bem-estar dos filhos da arguida.
85. Aos 32 anos, emigrou para França, onde trabalhou de agosto a setembro de 2021, como empregada num supermercado português.
86. Neste local de trabalho, exerceu diversas funções, nos diferentes sectores, designadamente padaria, grelhador de frangos, reposição e queijaria e, ao cabo de uma semana, ainda que condicionada pela sua iliteracia, passou a trabalhar como operadora de caixa.
87. Já em Portugal e entre os meses de janeiro e inicio do mês de fevereiro de 2021, arrendou casa na cidade do Barreiro, zona antiga, em habitação reabilitada, tendo em vista fixar-se neste concelho.
88. À data dos fatos que compõem a matéria acusatória a arguida vivia na morada indicada nos autos, …., numa casa arrendada, que segundo descreveu dispõe de suficientes condições de habitabilidade, com uma renda mensal de 450.00€.
89. Actualmente na sua casa habita o pai dos filhos e o descendente mais novo de 5 anos de idade.
90. O relacionamento familiar entre AA e o companheiro é descrito como inexistente e não gratificante. Nesse âmbito, a arguida referiu que tem sido essencial ao seu equilíbrio emocional-afetivo o contato estabelecido, com a Avó materna designadamente aquando das visitas ao Estabelecimento Prisional de Tires.
91. Tem contado com o suporte da avó materna … e da família do excompanheiro, para cuidarem dos seus filhos.
92. No Estabelecimento Prisional de Tires, a arguida não assinala registos de infrações.
93. A arguida demonstra preocupação quanto as passíveis repercussões da sua situação jurídico-penal.
94. Reconhece a sua conduta como inadequada, evidenciando capacidade de autocrítica relativamente à sua conduta e pensamento consequencial inerente ao bem jurídico em causa, sendo a sua situação jurídico-penal vivenciada com grande constrangimento.
95. AA deu entrada no E. P. Tires em 26.01.2021 à ordem dos presentes autos.
Apresenta uma atitude correta perante os serviços e um comportamento também adequado
às normas prisionais, não havendo registos de infrações associados.
96. Como fatores mais vulneráveis no contexto atual de vida da arguida, são apontados, a iliteracia, baixa qualificação profissional e subsequentes baixos rendimentos adquiridos que limitam uma gestão satisfatória do quotidiano do seu núcleo familiar constituído.
97. No seu contexto vivencial atual, pese embora a arguida se depare com algumas fragilidades, a mesma dispõe de apoio familiar da avó materna.
98. AA não revela dificuldades no relacionamento interpessoal e parece ser capaz de resolver problemas.
99. O arguido CC nasceu em Lisboa, sendo o terceiro de sete irmãos.
100. O processo de socialização e desenvolvimento do arguido decorreu no seio do seu núcleo familiar, em contexto pouco securitário e associado a problemáticas diversas, que justificaram a intervenção do sistema de promoção e proteção de menores, tendo sido integrado em Lar de Infância e Juventude pela primeira vez com 10 anos de idade.
101. A nível escolar, registou um trajeto desinvestido, associado a absentismo e abandono precoce, tendo apenas frequentado o 5º ano de escolaridade, sem o concluir.
102. A aproximação a pares problemáticos, perante os quais evidenciou sentimentos de gratificação, terão justificado os primeiros contactos com o sistema de Justiça Juvenil, sendo que desde então o estilo de vida foi pautado por uma certa errância e ausência de atividade estruturada, laboral e ou formativa, e no convívio com o grupo de pares, elementos conotados com a adoção de comportamentos socialmente problemáticos, nomeadamente consumos de haxixe que o arguido assumiu ter mantido.
103. Com cerca de 17 anos voltou a viver com o pai e madrasta, bem como os três filhos menores do casal.
104. A situação económica, embora de nível baixo, não colocava em questão a satisfação das necessidades básicas do agregado, assentando no vencimento auferido pelo progenitor, responsável por uma quinta, e pelo benefício do Rendimento Mínimo Garantido.
105. Os progenitores do arguido separaram-se há vários anos, tendo CC vivido com a mãe numa fase inicial, tendo o seu comportamento problemático e dificuldades de contenção por parte da mãe justificado a sua integração no agregado do pai. Este também vivenciou alguma dificuldade de contenção do filho, nomeadamente na imposição de regras, sendo frequente que aquele se ausentasse e permanecesse fora de casa sem o seu consentimento.
106. O arguido apresentava, nesse período, rotinas pouco ajustadas, não revelando qualquer interesse em atividades estruturadas (trabalho e/ou formação), passando o seu tempo livre junto de outros companheiros, associados a consumos de estupefacientes.
107. Em 2018, após duas experiências de trabalho falhadas e de curta duração, o arguido passou a integrar o agregado familiar de uma irmã, residindo com esta, respetivo companheiro e dois sobrinhos na zona de Almada.
108. Nessa altura passou a desenvolver atividade laboral mas de cariz informal na distribuição de publicidade, mantendo uma postura correta no desempenho das suas funções.
109. À data dos factos CC vivia com uma namorada (relação que entretanto terminou), tendo ficado sem trabalho devido ao facto de não pretender efetuar um contrato formal, para evitar a sua localização por haverem sido emitidos mandados de detenção contra si.
110. Ainda que o cunhado fosse o chefe da empresa, não lhe era possível continuar a trabalhar naquelas condições dado o aumento de fiscalização devido à emergência da pandemia Covid 19.
111. Preso há cerca de 18 meses, foi transferido do EP de Setúbal para o do Linhó a 30 dezembro de 2021, encontrando-se em período de observação e por isso inativo.
112. Existe a perspetiva de ser colocado a trabalhar, assim que a sua situação institucional o permitir dado que mantém uma postura adaptada, sem registos disciplinares,
113. Mantém apoio dos pais e irmãos, beneficiando de visitas dos segundos.
114. Relativamente à sua problemática aditiva, o arguido aparenta e verbaliza ter abandonado os consumos em meio institucional, mantendo-se abstinente.
115. Actualmente apresenta uma postura normativa e adaptada, evidenciando desejo de investir no seu processo de ressocialização, nomeadamente desenvolver hábitos de trabalho.
116. O arguido beneficia de muito apoio familiar, o que se constitui como um fator de proteção no seu percurso presente e futuro, aparentando estar actualmente, com o cumprimento da pena privativa de liberdade, mais sensibilizado para a necessidade de mudança e aparentar maior consciência crítica, nomeadamente em relação ao desvalor da sua conduta pretérita.
117. À data da instauração dos presentes autos, o arguido BB encontrava-se em situação de desemprego, após desenvolvimento de atividade profissional de curta duração, no transporte de viaturas auto, exercida através de empresa junto do aeroporto de Lisboa, da qual refere ter sido dispensado em face das dificuldades daquela em prover ao pagamento do vencimento dos funcionários (na sequência da situação pandémica vivenciada por covid-19).
118. BB encontrava-se, à data dos factos descritos na acusação, em liberdade condicional, tendo iniciado o cumprimento de pena de prisão a 21-11-2015, o termo da mesma ocorreu a 10-12-2020.
119. Libertado condicionalmente a 09-10-2019, BB veio a reintegrar o agregado nuclear, composto pela companheira e duas filhas menores do casal.
120. A situação de desocupação, estabelecimento de relações sociais anti-normativas e iniciados consumos de cocaína, terão, todavia, promovido divergências entre o casal marital, na sequência das quais veio o arguido a integrar temporariamente o agregado da progenitora, residente próxima.
121. Terá sido neste contexto que terá travado conhecimento com os demais arguidos dos presentes autos, vindo a evidenciar um trajeto pessoal e social desviante, patenteado por comportamentos anti-sociais, nomeadamente com vista às necessidades de consumo.
122. A 25-03-2021, iniciou cumprimento de uma pena de dois anos de prisão no âmbito do processo nº 106/12.3PEALM, do Juiz 3, do Juízo Local Criminal de Almada, pena que veio a ser perdoada ao abrigo da lei nº 9/2020, que ditou a sua libertação a 05-02-2021.
123. Ao nível familiar, regressou ao agregado nuclear, junto da companheira e filhas, onde se mantém.
124. Com habilitações ao nível do 9º ano (concluído em meio prisional, em anterior pena efetiva de prisão), veio no domínio profissional a desenvolver funções em unidade fabril, onde refere ter estado até outubro de 2021, encontrando-se desde dezembro do mesmo ano a trabalhar num snack bar, na sua área de residência.
125. Tem atualmente de um vencimento na ordem dos 705 euros mensais ilíquidos, sujeitos aos respetivos descontos legais, que serão acrescidos de subsídio de refeição de 4,50€ por dia útil de trabalho prestado.
126. A estes acrescerão os rendimentos da companheira, de cerca de 600 euros, fruto do suporte daquela à respetiva progenitora - proprietária de loja de vestuário - contexto que é atualmente sentido como suficiente para a manutenção de um modo de vida economicamente estável com vista à satisfação das necessidades familiares.
127. O arguido refere encontrar-se abstinente de consumos de estupefacientes.
128. Demonstra dificuldades em responder adequadamente a situações sentidas por si como frustrantes, agindo tendencialmente sob impulso – lacunas que aparentam ter subjacentes fragilidades pessoais decorrentes de um percurso de desenvolvimento e socialização pautado por disfuncionalidades e sentimentos abandónicos relativamente aos progenitores: pai toxicodependente, entretanto falecido, mãe sentida como abandónica em face de se ter autonomizado junto de novo companheiro e dificuldades dos avós maternos (que assumiram a responsabilidade do seu processo educativo) em assegurar a supervisão/contenção e estabelecimento de limites adequados às suas necessidades.
129. No que concerne ao presente processo, BB apresenta atualmente um discurso consentâneo com o socialmente expectável, assumindo uma postura de resignação face às consequências penais que advierem do mesmo.
130. No presente, BB encontra-se a desenvolver atividade profissional estruturada e beneficia de suporte familiar por parte da companheira e familiares de origem daquela.
***
B. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou, que:
(do processo principal – ofendida GG)
1. Os arguidos BB e CC estavam, na ocasião e local descritos, juntamente com a arguida AA, a praticar os factos acima enunciados.
(do inquérito n.º 407/20.7POLSB – ofendida HH)
2. Os arguidos BB e CC estavam, na ocasião e local descritos, juntamente com a arguida AA, a praticar os factos acima enunciados.
3. A pessoa que tocou à parta da ofendida identificou-se como a “vizinha Linda” e a ofendida confiou ser a sua vizinha …, uma vez que tem uma vizinha com esse nome.
4. Os dois arguidos afirmavam ser brasileiros e não terem qualquer problema em lhe tirar a vida caso a ofendida fizesse alguma coisa, não cooperasse e não dissesse onde tinha o dinheiro e o ouro.
5. A ofendida respondeu negativamente, e os arguidos foram remexendo os móveis do quarto e da sala de estar, acabando por encontrar vários pares de brincos e relógios que se encontravam guardados numa caixa no quarto da ofendida, 100€ em dinheiro e o telemóvel no valor de 650€, bens de que se apropriaram.
6. Os arguidos abandonaram o local na posse dos bens da ofendida.
(do inquérito n.º 483/20.2POLSB – ofendido PP)
7. No dia 27 de Maio de 2020, pelas 12h30m, o ofendido PP, nascido em 02.09.41, estava a chegar à sua residência sita na Rua …, e preparava-se para abrir a porta, quando foi surpreendido pela arguida AA, acompanhada do arguido BB, que ali se tinham deslocado a bordo do veículo automóvel de matrícula …, preto, que previamente alugaram em Setúbal, ficando o arguido CC no seu interior.
8. Ao ver duas pessoas que não conhecia o ofendido ficou atemorizado, temendo pela sua vida e pela sua integridade física.
9. Aproveitando o estado do ofendido, que se sentiu impossibilitado de reagir, os arguidos retiraram-lhe 60€ em dinheiro que o mesmo tinha no bolso da sua camisa.
10. De seguida, empurraram com força o ofendido, que caiu ao chão, desamparado, magoando-se
11. Na posse do dinheiro do ofendido, que fizeram seu, os arguidos colocaram-se em fuga e abandonaram o local.
12. Os arguidos AA e BB quer no dia dos factos, quer nos anteriores, foram vistos naquela rua, acompanhados do arguido CC.
13. Efectivamente, no dia 15 de Junho de 2020, os arguidos voltaram ao local, mas quando se preparavam para abordar novamente o ofendido, um sobrinho deste foi em seu auxílio e abordou-os, pelo que se afastaram, colocando-se em fuga no veículo automóvel de matrícula ….
14. Este veículo automóvel, registado a favor de …., encontrava-se alugado ao arguido BB, no período compreendido entre 12 a 19 de Junho de 2020.
(do inquérito n.º 23/20.3PEALM – ofendido II)
15. Os arguidos BB e CC estavam, na ocasião e local descritos, juntamente com a arguida AA, a praticar os factos acima enunciados.
(Do inquérito n.º 996/20.6PSLSB – ofendida JJ)
16. Os arguidos BB e CC estavam, na ocasião e local descritos, juntamente com a arguida AA, a praticar os factos acima enunciados.
*
17. A 20.07.2020, o arguido BB tinha, na sua residência anéis, pulseira e 1 relógio, bem como 3780€ em dinheiro.
18. O arguido BB alugou através das empresas …., com as designações comerciais de …., os seguintes veículos automóveis:
-…, cinzento, no período das 15:30 de 08-05-2020 a 22-05-2020;
-…, preto no período das 13:00 de 22-05-2020 a 29-05-2020;
-…, branco no período das 15:00 de 29-05-2020 a 08-06-2020;
-…, preto, no período das 11:00 de 12-06-2020 a 19-06-2020;
-…, preto, no período das 10:40 de 23-6-2020 a 01-07-2020;
-…, branco, no período das 14:30 de 03-07-2020 a 20-07-2020;
19. Agiram os arguidos BB e CC, durante vários meses, em conjugação de esforços e na execução de planos previamente delineados, livre e conscientemente, com intenção de se apoderarem dos bens que os ofendidos, todos pessoas de avançada idade e por isso especialmente vulneráveis, a quem previamente vigiavam, tivessem na sua posse, mesmo que no interior das suas residências, onde, quando necessário, entraram, através de encenações, para logo depois utilizarem a força física e violência, imobilizando os ofendidos e atingindo-os no seu corpo e na sua saúde, impedindo-os de reagir, o que conseguiram, apoderando-se de objectos em ouro, dinheiro, cartões bancários e respectivos códigos de utilização, que fizeram seus, bem sabendo que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos seus proprietários, contra quem usaram de violência, apesar de saberem que se tratavam de pessoas muito frágeis física e psicologicamente, e mesmo assim quiseram e agiram da forma descrita.
20. Bem sabiam os arguidos BB e CC que os cartões por si utilizados não lhes pertenciam e que se tinham deles apropriado ilegitimamente, e que os respectivos titulares não autorizaram quer os pagamentos quer os levantamentos a que procederam e que com esses actos lhes causavam prejuízos, resultado que, em conjunto, quiseram e lograram alcançar.
21. Mais sabiam os arguidos BB e CC que a arguida AA que se fazia passar por pessoas eventualmente conhecidas dos ofendidos, o que não correspondia à verdade, como forma de lhes ganhar a sua confiança, para dessa forma se conseguir aproximar e que os motivos que indicava para que lhes entregassem os objectos em ouro que usavam eram falsos e que apenas se destinavam a que os ofendidos lhes entregassem tais objectos para, de seguida, se apropriarem dos mesmos.
22. Agiram os arguidos BB e CC, em conjugação de esforços, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas estas condutas são proibidas e punidas por lei penal.
23. Sabiam os arguidos que a arguida AA que se fazia passar por pessoas eventualmente conhecidas dos ofendidos, o que não correspondia à verdade, como forma de lhes ganhar a sua confiança, para dessa forma se conseguir aproximar e que os motivos que indicava para que lhes entregassem os objectos em ouro que usavam eram falsos e que apenas se destinavam a que os ofendidos lhes entregassem tais objectos para, de seguida, se apropriarem dos mesmos.
*
Não foi considerada matéria conclusiva, de direito, ou irrelevante para o mérito da causa, sendo designadamente, quanto a esta, a respeitante ao crime de abuso de cartão a que respeita o inquérito n.º 23/20.3PEALM (ofendido II), relativamente ao qual foi declarado extinto o procedimento criminal.
*
C. MOTIVAÇÃO
O Tribunal fundou a sua convicção, quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, com base no conjunto da prova produzida, analisada criticamente, à luz das regras do bom senso e da experiência comum.
Da invocada nulidade das buscas domiciliárias
Em sede de audiência de julgamento, veio o arguido BB invocar a nulidade das buscas domiciliárias realizadas, para tanto e em síntese referindo resultar dos depoimentos prestados em julgamento e da decisão já proferida nos autos – no apenso de habeas corpus – que a autorização por si subscrita para a realização de tais buscas teve lugar quando o mesmo se encontrava já privado da liberdade, por força da actuação dos agentes policiais, que, tendo-o abordado na manhã do dia 20.06.2020, o levaram do local em viatura policial e já algemado.
A arguida AA subscreveu tal requerimento, considerando aplicáveis à sua situação os mesmos fundamentos invocados, quanto à autorização para busca que igualmente subscreveu.
O M. Público pronunciou-se no sentido de não se verificar a nulidade invocada, nos termos expostos na douta promoção de 22.04.2022.
Cumpre apreciar.
Dos autos resulta terem sido subscritas, pelos arguidos BB e AA, autorizações para a realização de buscas domiciliárias.
As autorizações subscritas pelo arguido BB constam de fls. 231 e 235, cada uma delas correspondendo a uma das casas que o arguido terá referido usar, e a da arguida AA consta de fls. 136, respeitando ao quarto do hotel onde se encontrava hospedada.
Resulta efectivamente dos depoimentos prestados em julgamento pelos agentes da PSP FF, QQ e RR que os termos de autorização para realização de buscas domiciliárias acima referidos, foram apresentadas aos arguidos BB e AA após abordagem dos mesmos a 20.06.2020, junto da locadora automóvel, e que ambos foram levados do local transportados em viaturas policiais – para deslocação ao local das buscas – tendo sido algemados, em conformidade com normas de segurança a observar aquando do transporte em viaturas de tal natureza.
Por outro lado, resulta do apenso de habeas corpus ter sido tal medida julgada procedente precisamente por se ter considerado estarem os arguidos privados da liberdade desde a manhã desse dia 20.06, e portanto em momento anterior ao que consta da certidão de fls. 296 (onde se refere que a detenção teve lugar pelas 16h30 do mesmo dia, já na Esquadra).
Está, pois, em causa, face ao invocado, apurar se os arguidos teriam subscrito tais autorizações para realização de buscas de forma livre.
Ora, nada mais se tendo apurado nesse sentido, não cremos que o facto de a detenção dos arguidos pode ter-se como verificada antes da subscrição de tais autorizações – ou em simultâneo com as mesmas – permita concluir, por si só, não ter a esta última sido livre.
Com efeito, o facto de os arguidos estarem – ou crerem estar – naquele momento, impedidos de se deslocar livremente do local onde se encontravam, não é, só por si (e nada mais se apurou nesse sentido) apto a privá-los da liberdade de assinar, ou não, documentos onde expressamente se refere darem autorização à realização de buscas.
Tanto assim que, aliás, quanto aos autos de busca e apreensão de fls. 232 e 236 (respeitantes às buscas subsequentes à autorização que prestara), o arguido BB se recusou a assiná-los, como resulta do respectivo teor.
Entendemos pois não se ter demonstrado que os arguidos BB e AA não tenham subscrito livremente as autorizações de busca domiciliária juntas aos autos, improcedendo como tal, e quanto a esse fundamento, a invocada nulidade das buscas realizadas.
Por outro lado, contudo, verifica-se que ambas as autorizações de fls. 232 e 236 se mostram apenas subscritas pelo arguido BB, sendo que, de acordo com o relatado pela testemunha FF, agente da PSP, aquelas correspondem, respectivamente, às casas da mãe e da sogra do referido arguido, segundo por este lhes foi informado, casas estas onde o arguido residiria em diferentes períodos, e sem que às referidas mãe e sogra do arguido tivesse sido tomado qualquer consentimento para a realização das buscas.
Resultando assim ter sido informado à entidade policial que ambas as referidas casas – que o arguido usaria, residindo, ou numa ou noutra - é pertença de terceiro e não do arguido, deveria também a essas pessoas ter sido tomado consentimento para a realização das buscas, o que não sucedeu.
Está em causa o fundamental direito da reserva da intimidade da vida privada e familiar e da inviolabilidade do domicílio (artigos 26º, nº 1 e 34º da Constituição da República Portuguesa); o disposto no artigo 12.º do DUDH o qual dispõe “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação sendo que contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei” e o disposto no artigo 8.º, n.º 2, do CEDH, o qual dispõe “1.Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência”.
Em consonância com tais normativos, estabelece o art. 126º/3, do CPP, que “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.
De acordo com o art. 174º/2 do CPP, uma busca apenas pode e deve ser realizada quando houver indícios de que objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.
As buscas são, em princípio, ordenadas ou autorizadas por despacho da autoridade judiciária competente, podendo, no entanto, nos casos delimitados no n.º 5 dessa mesma disposição legal, ser efectuadas por órgão de polícia criminal sem a mencionada ordem ou autorização.
Tratando-se de busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada a competência para a ordenar ou autorizar esse acto pertence ao juiz (art.º 177.º, n.º 1), sem prejuízo de, em determinados casos, ela poder também ser ordenada pelo Ministério Público ou efectuada por órgão de polícia criminal (n.º 3 desse mesmo preceito).
Tal acontece, nomeadamente, quando «os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado» [al.ª b) do n.º 5 do art.º 174.º e n.º 3 do art.º 177.º do Código de Processo Penal].
Ora, na situação em apreço, não foi prestado consentimento , em cada uma das casas, pela mãe e pela sogra do arguido que, segundo informado à entidade policial, nelas residiam, nem resulta que se tenha apurado da existência de espaços exclusivamente usados pelo arguido, por forma a que as buscas se restringissem aos mesmos. Pelo contrário, resulta do auto de fls. 232 ter a busca incluído o quarto usado pela mãe do arguido, no qual foram inclusivamente apreendidos bens.
As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aqueles puderem afectar (cf. art.º 122.º do CPP).
A proibição da prova implica a sua inadmissibilidade no processo. Os elementos recolhidos por métodos proibidos de prova não poderão por via de regra ser ali valorados. O art.º 126.º descreve métodos proibidos da prova, ferindo de nulidade as provas deles resultantes; o seu n.º 1 refere-se a provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensas da integridade física ou moral das pessoas, não podendo ser utilizadas, enquanto o n.º 3 considera igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicilio, na correspondência nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
A prova obtida por métodos proibidos não pode ser utilizada pelo tribunal (artº 125/126 do CPP).
Expressamente o nº3 do artº 126 do CPPenal consagra “não podem ser utilizadas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.
Em síntese, no nº1 estão previstos métodos absolutamente proibidos, no nº 3 métodos (apenas) relativamente proibidos, enquanto susceptíveis de consentimento relevante do respectivo titular. Neste último caso as provas obtidas também serão nulas, mas tal nulidade, porque sanável, depende da arguição do interessado.
As proibições de prova implicam a nulidade das mesmas (artºs 125 do CPP e artº 32, nº 8, da CRP).
A nulidade das provas proibidas obedece um regime distinto da nulidade insanável e da nulidade sanável. Trata-se de um regime complexo que distingue dois tipos de proibições de provas consoante as provas atinjam a integridade física e moral da pessoa humana ou a privacidade da pessoa humana
O regime da nulidade da prova proibida é o seguinte: a nulidade da prova proibida que atinge o direito à integridade física e moral previsto no artigo126, nº 1 e 2 do CPP é insanável; a nulidade da prova proibida que atinge os direitos à privacidade previstos no artigo 126, nº 3 é sanável pelo consentimento do titular do direito.
A legitimidade para o consentimento depende da titularidade do direito em relação ao qual se verificou a intromissão ilegal. O consentimento pode ser dado “ex ante ou ex post facto”.
Se o titular do direito pode consentir na intromissão na esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade ou aceitar expressamente os efeitos do acto, tudo com a consequência da sanação da nulidade da prova proibida. Em síntese, o artigo 126º, nºs 1 e 2 do CPPenal prevê nulidades absolutas de prova e o n.° 3 prevê nulidades relativas de prova.
A nulidade da prova é conhecida oficiosamente ou a requerimento do interessado. No caso do artº 126º, nºs 1 e 2 do CPPenal é oficiosa ou a requerimento, já na prescrição do artº 126, nº3 do CPP - direito à privacidade ou intromissão na vida privada – tem que ser arguida pelo lesado na esfera do direito.
Numa situação como a dos autos, correspondente a domicílios com vários usuários, onde há espaços comuns e privativos, por via de dúvida e como forma de evitar a recolha de prova proibida, o órgão de polícia criminal, entre outros requisitos, deve observar o consentimento de todos os titulares do espaço o que in casu não sucedeu.
Mais: tendo o arguido indicado duas moradas, correspondentes às casas da sua mãe e da sua sogra, serão efectivamente estas – e não o arguido – quem habita permanentemente cada uma das casas em questão, sendo como tal o respectivo consentimento essencial.
A ausência de consentimento das referidas pessoas implica, pois, a nulidade da prova assim obtida, que é proibida.
Face ao exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 118º/1, 177º/1, 2 e 3, 126º/1 e 3 e 122º, todos do CPP, declaram-se nulas as buscas domiciliárias efectuadas em 20.06.2020 às residências sitas na R. DD e R. EE e, em consequência, das apreensões daí resultantes.
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Face ao acima decidido quanto à nulidade das buscas e apreensões realizadas, não serão consideradas as mesmas para a formação da convicção do Tribunal.
Quanto à primeira das situações acima descritas (processo principal, tendo como ofendida GG) foram desde logo consideradas as declarações prestadas pela arguida AA, a qual descreveu o ocorrido, no que respeita à sua própria actuação, nos termos acima descritos, mais referindo ter praticado tais factos acompanhada de outra pessoa, de sexo masculino – que referiu ser o arguido BB, o que não se julgou provado pelos motivos que abaixo se explicitarão – que levou a ofendida para o quarto.
Foi também considerado o depoimento, tido por credível, coerente e espontâneo, da ofendida GG, a qual, descrevendo o ocorrido, no essencial, em termos coincidentes com o descrito pela arguida, deu ainda conta dos factos contra si praticados pelo individuo que a levou para o quarto (ponto 8) e dos bens e quantias que lhe foram subtraídos (pontos 10 e 11). Quanto a estes, tendo a referida testemunha identificado parte dos mesmos, remeteu, no depoimento prestado, para a lista de bens e valores por si elaborada e junta a fls. 21, resultante, como referiu, do apuramento que fez, juntamente com o filho, dos objectos cuja falta detectou após os factos, e do cálculo feito quanto aos seus valores, imediatamente após o ocorrido, lista essa cujo teor confirmou e que como tal foi valorada pelo Tribunal.
Foram ainda considerados, quanto a tal episódio, o auto de notícia de fls. 17-18, do qual resulta ter sido chamada ao local a entidade policial, na sequencia do ocorrido, o relatório de exame pericial de fls. 838 e ss – do qual resulta terem sido encontrados vestígios lofoscópicos correspondentes às impressões palmares da arguida AA no catálogo da marca Y encontrado na casa da ofendida – e o reconhecimento pessoal da mesma arguida, feito pela ofendida (fls. 220).
A matéria de facto respeitante ao inquérito n.º 443/20.3POLSB (ofendido OO) foi julgada provada com base nas declarações da arguida AA, a qual admitiu integralmente o acima descrito.
Mais se teve em conta o teor do auto de noticia de fls. 16-17 e o auto de apreensão da caixa de cartão de fls. 20-21, tudo do apenso correspondente.
Quanto ao descrito nos pontos 18 a 26 (inquérito 407/20.7POLSB, sendo ofendida HH), foram mais uma vez consideradas as declarações prestadas pela arguida AA, a qual, admitindo a generalidade dos factos acima descritos, referiu tê-lo feito acompanhada dos arguidos BB e CC (não se tendo demonstrado a identidade destes, nos termos que abaixo se explicitarão).
Foi também considerado o depoimento da ofendida HH, que descreveu, em termos coerentes e credíveis, e em conformidade com o acima descrito, o modo como a arguida entrou na sua casa, referindo que a mesma foi seguida por um homem (não se recordando se mais um além desse), mais referindo que este lhe tapou a boca com a mão, e que a fez sentar-se, dizendo-lhe para ficar quieta para que fossem buscar o ouro.
Referiu ainda a mesma testemunha recordar-se, na altura, da arguida, que costumava andar a vender toalhas da Madeira.
Mais resulta das declarações da arguida não ter a mesma – e quem a acompanhava – levado consigo quaisquer bens da ofendida, apesar de ser essa a finalidade por si visada, por nada de valor terem encontrado, o que foi corroborado pelo depoimento da ofendida, a qual referiu, nesta parte, que as pessoas que entraram na sua casa remexeram tudo à procura de bens, mas que apenas terão levado um relógio avariado e sem qualquer valor.
Face a alguma insegurança notada no depoimento da ofendida – que aparentou não se recordar bem dos factos em apreço – porque o relógio por si referido é insusceptível de especificação entre os “relógios” a que se refere a acusação, e porque a arguida – que, no mais, admitiu a prática dos factos – não referiu ter subtraído qualquer relógio, não se tem a subtracção do mesmo como demonstrada.
Foi ainda considerado o depoimento – tido por isento e credível – da testemunha LL, vizinho da ofendida, o qual referiu encontrar-se na varanda e ter daí visto uma senhora na rua a dirigir-se (vinda, aparentemente, do seu prédio onde igualmente reside a ofendida) em passo apressado para uma viatura Z, que conduziu até uma esquina, pouco depois surgindo dois homens, igualmente em passo apressado, que entraram nesse carro, o qual foi de imediato posto em marcha, abandonando o local.
Pouco depois, e segundo relatado pela referida testemunha, viu a mesma NN, empregada doméstica da ofendida (que também trabalha para si), ficando a saber que esta última teria sido assaltada.
Igualmente ouvida como testemunha, NN referiu ter chegado a casa da ofendida, onde trabalha, e constatado que esta se encontrava muito nervosa, tendo encontrado em cima da cama desta as caixas que geralmente estavam na cómoda.
Embora as duas testemunhas acabadas de referir não tenham assistido aos factos acima descritos, os respectivos depoimentos, na parte acabada de referir, mostram-se compatíveis com a ocorrência de tal factualidade, nessa medida reforçando a demais prova produzida (declarações da arguida e da ofendida) quanto à mesma.
Do mesmo modo, o auto de visionamento de fls. 18 e ss do apenso revela a entrada de uma mulher (de características físicas compatíveis com a arguida) no apartamento da ofendida, e, logo após, a entrada de dois homens, nada permitindo contudo concluir (apenas por si) qual tenha sido a intervenção de qualquer deles no interior da casa, e designadamente se todos eles se deslocaram pelas suas divisões ou eventualmente algum permaneceu na zona da entrada, assim podendo não ter sido visto pela ofendida.
A factualidade descrita no ponto 27 dos factos provados foi assim julgada com base na análise do teor da informação do registo automóvel (fls. 53 e ss).
Quanto aos factos respeitantes ao inquérito n.º 23/20.3PEALM (ofendido II), foram desde logo e mais uma vez consideradas as declarações prestadas pela arguida AA, a qual admitiu integralmente a prática dos factos, em conjunto com duas outras pessoas (que identifica como sendo os demais arguidos, o que, pelos motivos adiante expostos, não se julgou provado), tal como acima descritos, sendo igualmente quanto à quantia em dinheiro subtraída ao ofendido.
Mais se teve em conta, em reforço de tais declarações e por compatíveis com o acima descrito, o teor do auto de notícia (fls. 3 do apenso respectivo), de que resulta ter sido chamada a policia ao local, das fotografias do ofendido (fls. 177 e ss do apenso) nas quais são visíveis marcas e vestígios de sangue compatíveis com o descrito e do depoimento da testemunha MM, vizinha do ofendido.
Esta última, em termos tidos por credíveis e coerentes, referiu que, no dia dos factos, tocaram à campainha de sua casa, após o que, abrindo a porta do apartamento, viu no piso inferior (rés do chão, correspondente à entrada do prédio) um senhor que referiu ser da …, a quem disse não ter interesse, voltando de imediato para dentro de casa. Mais referiu ter de seguida ouvido abrir a porta do ofendido, seu vizinho do mesmo piso e que, cerca de 30 minutos depois, foi contactada pelo filho deste, dizendo que o pai tinha sido assaltado, tendo então ido a casa do ofendido, que constatou apresentar sangue nos cantos da boca.
No que respeita aos factos que têm como ofendida JJ (inquérito n.º 996/20.6PSLSB), mais uma vez foram desde logo consideradas as declarações prestadas, em audiência de julgamento, pela arguida AA, a qual admitiu a prática dos factos em questão, descrevendo-os contudo em termos diversos do descrito na acusação. Concretamente, deu conta de ter vendido à ofendida um relógio (e não bijutaria) e de se ter deslocado com a mesma até ao banco, para que a ofendida levantasse dinheiro para lhe pagar. Mais referiu que, a propósito do levantamento a efectuar, a ofendida lhe transmitiu o código do seu cartão bancário, e que, já de volta ao carro, o arguido BB, que se encontrava ao volante (e cuja identificação como sendo a pessoa que acompanhava a arguida não se julgou provada, pelos motivos abaixo expostos), se apropriou do cartão bancário da ofendida.
Reconheceu ainda a arguida ter mantido consigo o cartão da ofendida, com o qual efectuou – referindo tê-lo feito sempre juntamente com o arguido BB – diversos movimentos, até que tal deixou de ser possível por as operações passarem a ser recusadas.
Em depoimento prestado na qualidade de testemunha, a ofendida JJ, esclarecendo desde logo não se recordar bem de alguns aspectos da situação em apreço (designadamente por ter entretanto cegado, o que lhe causou alguma desorientação), confirmou ter sido abordada por uma senhora junto de sua casa, mais afirmando recordar-se de ter ido com a mesma levantar dinheiro, deslocando-se de carro, para pagar algo que lhe comprara, e ter constatado posteriormente que não tinha consigo o seu cartão bancário, altura em que apresentou queixa.
Referiu ainda a ofendida ter verificado que haviam sido realizados diversos movimentos com o seu cartão, e que a conta bancária a que o mesmo respeitava estava previamente provisionada com uma quantia considerável.
O modo, acima descrito, da ocorrência dos factos, mostra-se assim compatível com o relatado, quer pela arguida, quer pela ofendida, razão pela qual foi nesses termos julgado provado.
Mais foram tidos em conta, para demonstração dos movimentos realizados através do cartão da ofendida, o extracto da respectiva conta bancária (fls. 9-10 do apenso correspondente) e demais informação bancária junta aos autos, e o auto de visionamento de imagens de fls. 56 e ss do apenso, correspondente às imagens captadas por videovigilância na ourivesaria Ancora, na data dos factos (pelas 16h09m), nas quais se pode constatar a presença de uma senhora, de características físicas compatíveis com a arguida, a escolher artigos, sendo mesmo visível, na mão da mesma, um cartão bancário do Banco ….
A factualidade acima descrita sob os pontos 37 a 40 foi julgada provada com base no teor dos autos de apreensão correspondentes e documentos (apreendidos) juntos com os mesmos.
O descrito no ponto 41 dos factos provados foi assim julgado com base no teor dos autos de vigilância e das informações do registo automóvel de fls. 53 e ss (de que resulta que as viaturas em que a arguida se fazia transportar, juntamente com outras pessoas, pertenciam a empresas de aluguer de automóveis, enquanto a matéria enunciada sob o ponto 42 foi considerada provada com base no teor dos contratos de aluguer de viaturas que constam de fls. 195 e 196.
Foram ainda considerados os depoimentos das testemunhas SS, FF, QQ, TT e RR, todos agentes da PSP, que deram conhecimento dos termos da respectiva intervenção nas vigilâncias e buscas efectuadas, tendo confirmado o teor dos respectivos relatórios/autos.
A matéria descrita no ponto 43 dos factos provados foi assim julgada com base nas análise dos autos principais, quanto às diligências efectuadas com vista ao apuramento da localização da arguida (quanto ao desconhecimento do seu paradeiro, durante certo lapso de tempo) e nas fotografias da mesma constantes dos autos e relativas à altura da prática dos factos.
Os aspectos subjectivos, quanto a cada uma das situações, resultaram provados – para além das declarações da arguida, que, quanto aos factos que admitiu ter praticado, igualmente reconheceu a intenção visada e a consciência da sua ilicitude - com base na aplicação de regras da lógica e da experiência comum, em face da verificação dos factos objectivos apurados, os quais, pelas circunstâncias em que ocorreram, revelam claramente ter a arguida agido de forma livre, deliberada e consciente, e com os fins indicados na acusação e, nas situações em que actuou juntamente com outras pessoas, de forma concertada e em conjugação de esforços e intentos.
A prova dos antecedentes criminais dos arguidos resultou da análise dos respectivos CRC, juntos aos autos, enquanto a matéria relativa às suas condições pessoais, económicas, sociais e familiares, resultou provada com base no teor dos relatórios socias elaborados.
Para prova do descrito nos pontos 47 a 49 foi tido em conta o depoimento da testemunha UU, padrinho da Arguida, enquanto a demonstração do descrito nos pontos 55 e 65 assentou, quanto ao primeiro, nos depoimentos das testemunhas VV (irmã do arguido CC) e XX (amiga da família do mesmo) e, quanto ao segundo, nos depoimentos de ZZ (amiga de infância do arguido BB, que explora o café onde o mesmo trabalha) e YY (amiga do arguido BB e da sua companheira).
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Os factos não provados foram assim julgados por não ter sido produzida prova suficiente da sua verificação
É o caso, desde logo, as imputadas intervenções dos arguidos BB e CC em cada uma das situações descritas na acusação.
Referiu a arguida AA, em declarações prestadas em audiência de julgamento, quanto às situações a que respeitam os inquéritos n.º 35/20.7SULSB (processo principal) e 996/20.6PSLSB, ter praticado os factos em questão juntamente com (apenas) o arguido BB, e quanto às respeitantes aos inquéritos n.º 407/20.7POLSB e 23/20.3PEALM, que praticou os factos descritos juntamente com ambos os arguidos, BB e CC.
Estes últimos, por seu turno, exercendo o seu direito ao silêncio, não prestaram declarações em audiência de julgamento.
As declarações de co-arguido podem ser valoradas, conforme decidido em douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 113/2010 (DR, II Série de 18-05-2010), onde se decidiu não julgar inconstitucional “a norma do artigo 345.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, conjugada com os artigos 133.º, 126.º e 344.º, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do co-arguido que entenda não prestar declarações sobre o objecto do processo”.
São por outro lado, tais declarações admissíveis, na situação em apreço e face ao regime legal actualmente vigente, ao abrigo do disposto no art. 345º/4, do CPP, a contrario.
É certo que nos termos do art. 133º al. a) do Código de Processo Penal (C.P.P.), “estão impedidos de depor como testemunhas (…) os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade”. Tal impedimento tem a sua razão de ser na incompatibilidade que pode verificar-se, quanto à produção de prova, entre a posição de arguido e a de testemunha. É que, enquanto o arguido tem direito a remeter-se ao silêncio, quanto aos factos que lhe são imputados, por força do disposto no art. 61º n.º 1 al. c) do C.P.P., sendo proibida pelo legislador a valoração desfavorável desse silêncio (artigos 343º n.º 1 e 345º n.º 1 do C.P.P.), a testemunha, por seu turno, presta juramento e deve responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas (art. 132º n.º 1 al. b) e d)), apenas cessando tal dever quando alegue que das respostas dadas resulta a sua própria responsabilização penal (art. 132º n.º 2). Consequentemente, o regime aplicável, em especial em caso de serem prestadas falsas declarações, é também distinto, consubstanciando as mesmas, quando proferidas por testemunhas, o crime de falso testemunho, p. e p. no art. 360º do Código Penal (C.P.), o que já não sucede quanto ao arguido que, na mesma hipótese, não sofrerá quaisquer consequências.
Ora, é esta diferença de regimes, assente numa ideia de protecção do arguido, que leva a que o legislador tenha estabelecido, no referido art. 133º do C.P.P., o impedimento do arguido para depor como testemunha.
Pelos mesmos motivos, as declarações de co-arguido, no que respeita a factos imputados a arguidos que exerceram o direito ao silencio, embora admissíveis, impõem particular cuidado na respectiva análise, a efectuar sempre de forma conjugada com a demais prova.
Como explica Teresa Pizarro Beleza (“Tão amigos que nós éramos: o valor probatório do depoimento de co-arguido no Processo Penal Português”, in Revista do Ministério Público, n.º 74, p. 39) há aspectos no nosso regime processual penal que apontam para uma menor credibilidade das declarações de arguido, enquanto meio de prova a usar contra outro, como é o caso da impossibilidade de o arguido prestar juramento, da impossibilidade de submissão a contraditório do depoimento do co-arguido (contrariamente ao que é imposto pelo art. 32º n.º 5 da CRP para a generalidade da prova) e da inviabilidade de “cross examination” de tais depoimentos, na medida em que o CPP não prevê que os defensores dos arguidos possam pedir esclarecimentos aos co-arguidos que contra eles deponham. Conclui assim a referida autora, que o depoimento de co-arguido, não sendo uma prova proibida, é “um meio de prova particularmente frágil”, devendo ser corroborado por outras, por forma a poder sustentar uma condenação.
Não pode deixar de ter-se em conta que, não estando em causa prova proibida, nem prova legalmente tarifada, vigora o principio geral da livre apreciação da mesma pelo julgador, o que implica que caiba a este, face às circunstâncias concretas de cada caso, avaliar da credibilidade a conferir ao depoimento em causa.
Contudo, entendemos, nos termos acima expostos, estar efectivamente em causa um meio de prova que, pelas suas particularidades, acima enunciadas, demanda especial cuidado na sua análise, não devendo, designadamente, ser julgados provados factos que implicam a responsabilidade criminal de um arguido com base, apenas, em declarações prestadas por outro arguido.
Na situação em apreço, as referidas declarações da arguida AA, relativas à intervenção dos arguidos BB e CC, não se mostram corroboradas por outros meios de prova.
Com efeito, e no que a tal intervenção respeita, verifica-se o seguinte:
- no processo principal (ofendida GG) a própria ofendida referiu que a arguida AA se encontrava acompanhada por um homem (e não dois), não tendo sido realizado o reconhecimento pessoal de qualquer dos arguidos BB e CC, nem tendo sido efectuadas vigilâncias na data em causa e nenhuma outra prova tendo sido produzida quanto à invocada intervenção dos arguidos em causa.
- quanto à situação a que respeita o inquérito n.º 407/20.7POLSB, foi realizado reconhecimento fotográfico, por parte da testemunha LL (cfr. fls. 31-32 do apenso respectivo. Este carece, contudo, de valor probatório, para o efeito em causa, por não corresponder ao prescrito no art. 147º do CPP, ao que acresce resultar do depoimento, já acima referido, da testemunha em questão, ter esta apenas visto as pessoas visadas reconhecer a partir da varanda de sua casa e a andar em passo apressado (o que sempre dificultaria a sua capacidade de as reconhecer posteriormente), para além do que, tendo sido realizado pessoal, nos termos previstos no art. 147º do CPP (cfr. fls. 249 dos autos principais) pela mesma testemunha, com a intervenção do arguido BB, o mesmo veio a resultar negativo.
- quanto à situação a que respeita o inquérito n.º 23/20.3PEALM, não foi realizado qualquer reconhecimento pessoal do arguido BB. Ouvida em julgamento, a testemunha MM(vizinha do ofendido), já acima mencionada, confrontada com a presença do referido arguido durante a audiência, manifestou reconhecê-lo como a pessoa que vira, na entrada do seu prédio, antes da ocorrência dos factos. Contudo, não só tal “reconhecimento” (que não oferece a segurança própria dos efectuados nos termos do art. 147º, do CPP) pode ter sido condicionado pela situação em que foi confrontada com o arguido e pelo facto de lhe terem sido previamente exibidas fotografias do mesmo (cfr. fls. 81-82 do apenso respectivo), como não é forçoso que a pessoa que viu nessa ocasião, no seu prédio, seja a mesma que veio a entrar no apartamento do ofendido, tanto mais que, nessa altura, não viu a arguida AA, a qual veio a saber-se (por tê-lo admitido) ter aí entrado. Finalmente, o relatório de vigilância de fls. 59-60 dos autos principais, respeitante à mesma data, mostra o resultado do acompanhamento feito aos arguidos BB e AA, ao longo de extenso período de tempo, não resultando do mesmo a passagem destes pela morada do ofendido.
- quanto à situação a que respeita o inquérito n.º 996/20.6PSLSB, no depoimento prestado e já acima referido, a ofendida mostrou não se recordar, sequer, da presença de outra pessoa para além da senhora que a abordou (e que será a arguida AA, como admitido pela própria), não resultando assim deste nem de qualquer outro elemento de prova – para além das declarações de co-arguida - que fosse o arguido BB a pessoa que acompanhava a arguida AA em tal situação.
Dos relatórios de vigilância constantes dos autos resulta ter sido frequentemente constatado que os três arguidos – ou os arguidos BB e AA – se deslocavam juntos de carro a vários locais. Contudo, em nenhum deles é constatada a presença dos arguidos junto de qualquer dos ofendidos das situações descritas, antes se deslocando os mesmos, enquanto observados, a locais como restaurantes, um Casino e um Motel.
No mesmo sentido, do exame pericial ao telemóvel da arguida AA (fls. 723 e ss) resulta terem sido encontradas no mesmo, para além de fotografias de artigos que terá comprado e de dinheiro, diversas mensagens, demonstrativas de que a mesma mantinha convívio próximo e combinava encontros com o arguido BB, de modo algum, contudo, se podendo extrair das mesmas que este tivesse estado presente em qualquer das concretas situações em apreciação nos autos.
Conclui-se assim que, no que respeita à imputada intervenção dos arguidos BB e CC nas várias situações acima referidas, nenhuma prova se produziu para além das declarações da co-arguida AA, sendo assim tal prova, face às suas particulares características, insuficiente para a demonstração de tal factualidade, com a segurança que se impõe em matéria criminal.
Quanto ao descrito nos pontos 5 e 6 dos factos não provados, não foi produzida prova, tendo sido referido pela própria ofendida que nada – para além de um relógio sem qualquer valor e que não funcionava – foi levado da sua casa, na ocasião em apreço.
Assim, o depoimento da testemunha NN(empregada doméstica da ofendida) – que referiu que a ofendida tinha no quarto pelo menos dois anéis grossos de ouro, que já ali não se encontravam após os factos, quando lá se deslocou – mostra-se insuficiente para demonstração da subtracção de qualquer bem, por não ter sido corroborado pela própria ofendida, e também porque, resultando do depoimento daquela que “pensava” ter visto tais anéis, pela última vez, cerca de uma semana antes, não permite que se conclua com segurança que os mesmos tivessem sido subtraídos do local na ocasião em apreço.
Finalmente, a arguida AA negou ter levado qualquer bem da casa da ofendida, sendo que, no mais, admitiu os factos que lhe são imputados, não se vislumbrando – na falta de outros elementos apurados que para tanto apontassem – por que motivo não admitiria igualmente ter a mesma subtraído bens, caso assim tivesse ocorrido.
Quanto aos factos a que respeita o inquérito n.º 483/20.2POLSB (factos não provados n.º 7 a 13, a sua prática foi totalmente negada pela arguida AA, não tendo os demais arguidos prestado declarações.
Ouvido como testemunha, o ofendido PP relatou ter sido atacado por três homens, que o terão agredido com um pontapé, fazendo-o caír, não se recordando contudo do que lhe foi levado por essas pessoas, embora soubesse que tinha dinheiro.
Igualmente ouvida como testemunha, WW, sobrinha do ofendido, deu conta de ter visto, pela janela do terceiro andar onde mora, o tio sair sozinho, como era seu hábito, e depois um homem e uma mulher a falar com aquele. Mais referiu que, já no fim desse dia, o irmão lhe disse que o tio/ofendido tinha sido assaltado.
Relatou ainda a mesma testemunha que, dias depois, viu, novamente pela janela, indivíduos – que não conhecia como habitantes do bairro – nas proximidades do seu prédio, os quais se terão aproximado do ofendido quando ali passou, acabando por se ir embora quanto a testemunha chegou junto deles.
Segundo referido pela testemunha EEE (vizinha) anotou a mesma a matrícula da viatura em que essas pessoas saíram do local, e que corresponde à indicada no ponto 27 dos factos provados.
Dos autos resulta ainda que a aludida testemunha WW reconheceu pessoalmente os arguidos AA (fls. 216) e BB (fls. 246-247).
Contudo, face ao relatado pela referida testemunha como tendo sido por si efectivamente visto, não pode concluir-se, com a segurança necessária, que as pessoas que viu, na primeira e, sobretudo, na segunda das situações (aquela em que terá visto a pessoa que reconheceu como sendo o arguido BB), correspondam às que praticaram, contra o ofendido, os factos por este descritos, tanto mais que o mesmo refere três pessoas e do sexo masculino.
Finalmente, o reconhecimento pessoal, pela testemunha, da arguida AA, é apto a levantar dúvidas sobre se a mesma se trata, sequer, da pessoa que viu junto ao seu prédio, uma vez que, confrontada com a mesma em audiência de julgamento, a testemunha afirmou perentoriamente não se tratar da mesma pessoa (o que, podendo ser explicável pela mudança de visual demonstrada, não deixa de abalar a consistência do reconhecimento em causa).
Tudo ponderado, entende o Tribunal não haver sido feita prova suficiente, quanto ao episódio em questão, da autoria dos factos por qualquer dos arguidos.
Quanto ao descrito nos pontos 14 e 18 dos factos não provados, não foi produzida qualquer prova, sendo naturalmente insuficiente para sua demonstração a constatação, através de vigilâncias, de o arguido a ir buscar as viaturas a empresas rent-acar, ou a referência nos relatórios de vigilância a ter sido “apurado” (não se mencionando como) que as mesmas estavam alugadas ao arguido, tanto mais que – para além daqueles a que respeita o ponto 42 dos factos provados – não se encontram juntos aos autos quaisquer contratos que o demonstrem.
A matéria descrita no ponto 17 dos factos não provados foi assim julgada em consequência do acima decidido quanto à nulidade das buscas efectuadas e subsequentes apreensões.
Finalmente, no que respeita aos aspectos subjectivos, relativamente aos arguidos BB e CC (pontos 19 a 23 dos factos não provados, resultam os mesmos logicamente excluídos, por não se ter demonstrado a prática, por qualquer dos referidos arguidos, dos correspondentes factos objectivos que lhes são imputados.
*
D. DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
Dos crimes de roubo
(…) Quanto às demais situações – e no que respeita, apenas, à arguida AA - , face à matéria de facto apurada nos presentes autos, facilmente se constata:
- quanto à situação a que respeita o processo principal (ofendida GG) que a arguida, juntamente com o individuo que a acompanhava, subtraiu coisa alheia, usando para tanto de violência e pondo a ofendida na impossibilidade de resistir (ponto 8 dos factos provados) e visando com tal conduta apropriar-se ilegitimamente de bem alheio, sendo concretamente os descritos nos pontos 10 e 11 dos factos provados.
- quanto à matéria a que respeita o inquérito n.º 23/20.3PEALM (ofendido II) que a arguida, juntamente com os indivíduos que a acompanhavam, subtraiu coisa alheia, usando para tanto de violência e pondo o ofendido na impossibilidade de resistir (ponto 28 dos factos provados) e visando com tal conduta apropriar-se ilegitimamente de bem alheio, sendo concretamente o cartão e a quantia monetária referidos nos pontos 29 e 30 dos factos provados.
Relativamente a ambas as situações, resulta ainda da factualidade apurada ter a arguida AA e as pessoas que a acompanhavam agido desse modo explorando situação de especial debilidade das vitimas em causa, decorrente das respectivas idades avançadas e do facto de, qualquer delas, se encontrar sozinha na sua casa, sem qualquer possibilidade, perante a presença de duas ou mais pessoas nos termos acima descritos, de tentarem sequer defender-se ou pedir ajuda.
Mais se verifica, em ambos os casos, que a arguida e as pessoas que a acompanhavam se introduziram ilegitimamente nas casas das vitimas, sendo no primeiro caso claramente contra a vontade da ofendida e, no segundo, sob um falso pretexto.
Verificam-se assim as circunstâncias agravantes previstas no art. 204º/1 als. d) e f) (por remissão do art. 210º/2, al. b), todos do C. Penal.
O mesmo já não sucede quanto à imputada circunstância agravante a que respeita o art. 204º/2, al. g), do C. Penal, porquanto, não se tendo apurado a identidade das pessoas com quem a arguida AA praticou os factos em questão, desconhece-se se seriam sempre as mesmas e, em consequência, se em conjunto compunham bando destinado à prática reiterada de crimes contra o património, ou se, pelo contrário, a actuação conjunta correspondeu, em cada caso, a situação pontual.
Resultam assim, quanto a tais situações, preenchidos os elementos típicos objectivos do crime de roubo, na sua forma agravada, mais resultando, da matéria de facto apurada, ter a respectiva prática ocorrido em co-autoria com os individuos que acompanhavam a arguida, e a verificação dos respectivos elementos subjectivos.
No que respeita à situação que deu origem ao inquérito n.º 407/20.7POLSB (ofendida HH) facilmente se constata, da factualidade apurada, que a arguida, juntamente com o individuo que a acompanhava, agiu de molde a subtrair-lhe coisa alheia, usando para tanto de violência e colocando-a na impossibilidade de reagir (cfr. ponto 22 dos factos provados) e visando com tal conduta apropriar-se ilegitimamente de bens alheios de valor que a ofendida tivesse em sua casa.
Verifica-se ainda, da factualidade apurada quanto ao episódio em questão, que a arguida e quem a acompanhava não fizeram seus quaisquer objectos da ofendida por motivos alheios à sua vontade, em virtude de não terem encontrado na casa desta bens de valor (ponto 26 dos factos provados).
Assim, não chegou a consumar-se o crime de roubo – por não concretizada a apropriação dos bens visados subtrair – verificando-se contudo os demais elementos típicos do crime em apreço, aptos a constituírem actos de execução do mesmo.
Verificou-se, assim, no que respeita a tais factos, tentativa da prática do crime de roubo, tal como definida, neste caso, no art. 22º/1 e 2 – a), do C. Penal, sendo a mesma punível por a não consumação ter resultado de motivo alheio à vontade da arguida (art. 24º do C. Penal, a contrario), sendo o crime correspondente punido com pena superior a três anos de prisão (art. 23º/1) e não se verificando a situação prevista no art. 23º/3, todos do C. Penal.
Quanto a tal crime de roubo – na forma tentada – verificam-se, nos exactos termos referidos a propósito das situações anteriores, as circunstâncias agravantes previstas no art. 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (ponto 18 dos factos provados, quanto à idade da ofendida e pontos 20 e 21, quanto ao modo como lograram introduzir-se na sua casa) e não, também pelos mesmos motivos das situações anteriores, a prevista no art. 204º/2, al. g), do C. Penal.
Por outro lado, não se tendo apurado o valor de concretos bens visados subtrair (ou que estivessem em condições de ser subtraídos), não se demonstra ser aquele superior a uma UC, o que implica, nos termos do disposto nos artigos 204º/4 e 210º/2, al. b), do C. Penal, não haver lugar à agravação do crime de roubo (tentado).
Resulta ainda da factualidade apurada quanto a tal situação, o preenchimento do respectivo elemento subjectivo.
Em face de tudo o exposto, conclui-se pela prática, pela arguida AA, em co-autoria, de dois crimes de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal, e de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) e n.º 4 , 22º, 23º e 73º, todos do C. Penal, pelos quais deve ser condenada.
Do crime de abuso de cartão
(…)
No que respeita à arguida AA, da factualidade apurada resulta que esta, em conjunto coma pessoa que a acompanhava, na posse do cartão bancário da ofendida, e no conhecimento do respectivo código, realizou movimentos a débito na conta bancária desta, sem o seu conhecimento e contra a vontade desta, no valor total de € 14.536,747, valor esse correspondente ao necessário prejuízo causado, uma vez que tais montantes foram efectivamente pagos.
Mais resulta dos factos provados que tal uso do cartão ocorreu em abuso da possibilidade inerente à posse do mesmo e respectivo código, porquanto a ofendida não forneceu este último à arguida por forma a permitir-lhe fazer uso do cartão em seu próprio proveito, mas antes no âmbito de um levantamento que foram, em conjunto, realizar.
O valor a considerar para efeito de agravação (art. 225º/5, do C. Penal) há que corresponder, contudo, ao referido montante de € 14.536,747, face aos elementos típicos do crime em apreço, e por o mesmo corresponder ao prejuízo efectivamente causado (integrante da tipicidade objectiva) e não ao total visado utilizar, mas não conseguido na sua totalidade, de € 32.144,72.
Está, pois, em causa, valor elevado (cfr. art. 202º, al. a)) e não consideravelmente elevado (al. b) do mesmo preceito), pelo que a agravante a ter por verificada é a prevista no art. 225º/5, al. a), e não na respectiva al. b).
Assim, e mostrando-se igualmente preenchida, pela factualidade apurada, a tipicidade subjectiva do crime em apreço, conclui-se ter sido praticado, pela arguida AA, em co-autoria, um crime de abuso de cartão, p. e p. no art. 225º/1 e 5, al. a), do C. Penal, pelo qual deve ser igualmente condenada.
Do crime de furto qualificado
(…)
Quanto à arguida AA, resulta da factualidade provada que a mesma e a pessoa que a acompanhava, ao se apoderarem do cartão bancário da ofendida, fazendo-o seu, o qual não lhe pertencia, subtrairam e se apropriaram ilegitimamente do mesmo, sabendo que este não lhe pertencia e que assim agiam contra a vontade do respectivo proprietário.
Mais resulta da matéria de facto provada que a arguida e a pessoa que a acompanhava efectivamente pretendiam fazer seu o referido cartão.
Tal como referido, em análise das situações anteriores e a propósito dos crimes de roubo, tem-se por verificada a circunstância agravante prevista no art. 204º/1, al. d), do C. Penal, por não poder deixar de considerar-se ter sido explorada particular debilidade da vítima, patente no modo como acedeu a comprar bens à arguida e a prontificar-se a ir com a mesma levantar dinheiro (informando o código do seu cartão) para pagamento dos mesmos, numa atitude demonstrativa de grande vulnerabilidade, explorada para subtracção do cartão em apreço.
(…)
Assim, mostrando-se preenchidos os respectivos elementos objectivos e subjectivo, conclui-se pela prática, pela arguida AA, em co-autoria, de um crime de furto, p. e p. nos artigos 204º/1, al. d) e n.º 4, do C. Penal.
(…)
E – ESCOLHA E MEDIDA DA PENA
Resulta do acima exposto terem sido praticados pela arguida AA:
- dois crimes de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (cada um deles punido com pena de prisão de três a quinze anos)
- um crime de roubo na forma tentada, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) e n.º 4 , 22º, 23º e 73º, todos do C. Penal (punido com pena de prisão de um mês a cinco anos e quatro meses)
- um crime de abuso de cartão, p. e p. no art. 225º/1 e 5, al. a), do C. Penal (punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias)
- um crime de furto, p. e p. nos artigos 204º/1, al. d) e n.º 4, do C. Penal (punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa)
A pena de prisão constitui uma última ratio, pelo que estando prevista a pena de multa como alternativa àquela, deve ser dada preferência a esta, sempre que se revele suficiente para garantir as finalidades da punição (art. º 70.º, do Código Penal).
Tal alternativa existe, no que respeita aos crimes de abuso de cartão e de furto, para os quais se prevê a aplicação tanto de pena de prisão como de multa.
Contudo, na situação em apreço, o conjunto de ilícitos em apreço – alguns deles revestindo considerável gravidade – bem como o facto de o primeiro ter implicado a apropriação de valores muito consideráveis e de o segundo ter visado a posterior prática daquele, em circunstâncias de acentuada censurabilidade, não podem deixar de levar a concluir não ser a pena de multa apta a satisfazer as referidas finalidades punitivas, razão pela qual se opta pela aplicação de pena de prisão, quanto a ambos.
Na determinação da medida da pena em concreto, em termos simultaneamente adequados e proporcionais, é necessário atender ao grau de culpa e às exigências de prevenção, nos termos do art. 71º, n.º 1, do Código Penal.
Ora, a aplicação de qualquer pena tem por finalidade a protecção dos bens jurídicos tutelados com a incriminação e, bem assim, a regeneração e reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva).
A culpa releva na fixação de um limite máximo e absolutamente intransponível da medida da pena (art.º 40º, n.º 2, do Código Penal), no respeito pelo princípio da dignidade humana.
Por outro lado, há que considerar as necessidades de prevenção geral, ou de integração positiva, que se reconduzem à necessidade de assegurar a satisfação das exigências da consciência jurídica colectiva, e de reposição da norma jurídica violada.
A pena concretamente fixada deve pois graduar-se entre a medida óptima da tutela dos bens jurídicos, com respeito pela medida da culpa, e as exigências irrenunciáveis da defesa do ordenamento jurídico.
Já quanto à prevenção especial, tendo a mesma em vista a socialização do arguido, a medida adoptada tem naturalmente como limite mínimo um “quantum” que não frustre tal objectivo.
A pena concreta será assim adequada e proporcional se, no respeito pelo princípio da culpa - limite máximo e absolutamente intransponível da medida da pena (art. 40º, n.º 2 do Código Penal) - satisfizer as exigências irrenunciáveis da defesa do ordenamento jurídico e de socialização do arguido.
Tendo por referência tais critérios gerais, há que ponderar, para fixação da pena concreta a aplicar, as circunstâncias enunciadas no art.º 71.º, n.º2 do Código Penal.
No concreto caso dos presentes autos, depõe contra a arguida, em todas as situações, desde logo, a intensidade do dolo, a qual é elevada, uma vez que, face ao que resultou provado, este revestiu a modalidade de dolo directo.
O grau de ilicitude da conduta da arguida, é de considerar médio, quanto ao crime de roubo tentado (factos do inquérito 407/20.7POLSB), sendo elevado quanto aos crimes de roubo a que respeitam os autos principais (ofendida GG) face ao valor dos bens subtraídos e o inquérito 23/20.3PEALM face à intensidade (e mesmo desnecessidade, para os fins visados) da violência empregue contra o ofendido, pessoa de idade avançada.
No que respeita aos factos que têm como ofendida JJ, tem-se por médio o grau de ilicitude relativamente ao furto do cartão, sendo elevado quanto ao crime de abuso de cartão, face ao valor total do prejuízo causado.
Pondera-se positivamente a ausência de antecedentes criminais da arguida e a circunstância de a mesma ter admitido a prática da totalidade dos factos julgados provados, mostrando-se arrependida quanto aos mesmos.
Negativamente, pondera-se a ausência de integração laboral consistente da mesma, e o modo como, perante dificuldades financeiras, lançou mão da prática de ilícitos criminais para obtenção de meios financeiros, os quais se constata, pelas compras efectuadas e julgadas provadas, veio a utilizar na compra de bens que de modo algum correspondem aos adequados à satisfação de necessidades essenciais.
Assim, por tudo quanto foi dito, e atendendo às molduras aplicáveis, acima referidas, entende este Tribunal por adequado fixar em:
- 3 (três) anos e 6 (seis) meses, a pena de prisão a cumprir pela arguida pelo crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (processo principal);
- 3 (três) anos e 8 (oito) meses, a pena de prisão a cumprir pela arguida pelo crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (inquérito n.º 23/20.3PEALM);
- 9 (nove) meses, a pena de prisão a cumprir pela arguida pelo crime de roubo na forma tentada, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) e n.º 4 , 22º, 23º e 73º, todos do C. Penal (inquérito n.º 407/20.7POLSB);
- 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses, a pena de prisão a cumprir pela arguida pelo crime de abuso de cartão, p. e p. no art. 225º/1 e 5, al. a), do C. Penal (inquérito n.º 996/20.6PSLSB);
- 5 (cinco) meses, a pena de prisão a cumprir pela arguida pelo crime de furto, p. e p. nos artigos 204º/1, al. d) e n.º 4, do C. Penal (inquérito n.º 996/20.6PSLSB);
Nos termos do disposto no art. 77º n.º 1 do Código Penal, há que definir uma pena única, correspondente ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas a cada um dos referidos crimes, na qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido, tendo a referida pena como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Temos assim que, no presente caso, a pena única a aplicar à arguida terá como limite mínimo três anos e oito meses e como máximo dez anos.
Ora, tendo em conta tudo o que já atrás se referiu quanto aos vários aspectos que, no presente caso, devem ser tidos em conta na fixação da medida concreta de cada uma das penas aplicadas, e aplicando-os, também, no que toca à graduação da medida concreta da pena única a aplicar pelos dois crimes em concurso, entende-se adequado, dentro das molduras que se acaba de referir, fixar tal pena única em 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão.
(…)”.
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II.3- Apreciação do recurso
II.3.1. - Recurso interposto pela arguida AA:
Insurge-se a arguida recorrente quanto à medida da pena que lhe foi concretamente aplicada [quer no que respeita às penas parcelares, quer no que respeita à pena única], que entende ser excessiva, bem como quanto ao facto de a mesma ter sido efetiva, tendo, no seu entender, sido violadas as normas dos artigos 70.º, 71.º, 50.º, n.º1 e 53.º, todos do Código Penal.
Argumenta, para o efeito, ter assumido a prática dos factos, o que demonstra arrependimento sincero e interiorização da culpa; os crimes foram praticados durante um curto período de tempo[concretamente 3 situações em Maio de 2020 - entre os dias 17 e 22 - e as restantes duas no início do mês seguinte - a 1 e 9 de Junho de 2020], sendo que desde esta última data até à sua detenção, ocorrida em março de 2021, não mais prevaricou, pese embora em liberdade; além disso é primária, tendo os factos dos autos ocorrido em face de circunstâncias pessoais muito peculiares, em que foi abandonada pelo marido com 4 filhos menores nos braços, sem apoio e em grande transtorno emocional, tendo entrado em desespero.
Argumenta, ainda, que por efeito dos factos dos presentes autos, já se encontra em reclusão há mais de 17 meses, tratando-se do primeiro contacto como o meio prisional, período de tempo que foi suficiente para que a mesma tenha interiorizado profundamente o desvalor dos seus atos e tomado a firme determinação de não mais voltar a delinquir.
Pelo que, conclui, as penas parcelares que lhe foram aplicadas deverão ser reduzidas, respetivamente, para:
- 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, no que se reporta ao crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (processo principal);
- na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, no que se reporta ao crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (inquérito n.º 23/20.3PEALM);
- 6 (seis) meses de prisão, no que se reporta ao crime de roubo na forma tentada, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) e n.º 4, 22º, 23º e 73º, todos do C. Penal (inquérito n.º 407/20.7POLSB);
- 1 (um) ano de prisão, no que se reporta ao crime de abuso de cartão, p. e p. no art. 225º/1 e 5, al. a), do C. Penal (inquérito n.º 996/20.6PSLSB); e
- 5 (cinco) meses de prisão, no que se reporta ao crime de furto, p. e p. nos artigos 204º/1, al. d) e n.º 4, do C. Penal (inquérito n.º 996/20.6PSLSB).
E a pena única deve ser fixada em 4 anos e 9 meses de prisão, ou, caso se entenda ser de manter as penas parcelares concretamente aplicadas, a pena única deve ser fixada 5 anos, sempre suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova.
Vejamos:
No que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1.ª instância, cumpre, antes do mais, atentar, seguindo o paralelismo da jurisprudência quanto à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no seguinte:
“A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.
A censura que o tribunal de recurso pode opinar sobre a decisão respeitante à determinação da sanção, incide sobre todos os elementos fornecidos pelo tribunal que, não tendo sido considerados para a questão da culpabilidade, são relevantes para a determinação da sanção, bem como sobre todos os elementos que considerou “adquiridos” (e porque considerou adquiridos uns e outros não) e ainda sobre a forma, fundamentada, porque valorou esses factores na decisão final.
É função do recurso - nos casos, o de Revista -, antes de tudo, analisar criticamente, os “parâmetros” da determinação de sanções.[3]
“Os poderes cognitivos do STJ, como se sabe, abrangem no tocante a esta matéria, entre outras, a avaliação dos factores que devam considerar-se relevantes para a determinação da pena: a questão do limite ou de moldura da culpa, a actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e também o quantum da pena, ao menos quando se encontrarem violadas regras de experiência ou quando a quantificação operada se revelar de todo desproporcionada[4].
Perante tais considerandos, forçoso será concluir que o Tribunal de 2ª Instância apenas deverá intervir alterando o quantum da pena concreta quanto ocorrer manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
Ou seja, mostrando-se respeitados os princípios basilares e as normas legais aplicáveis no que respeita à fixação do quantum da pena e respeitando esta o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir, alterando a pena fixada na decisão recorrida, pela simples razão de que, nesse caso, aquela decisão não padece de qualquer vício que cumpra reparar.
Aqui chegados:
Em primeiro lugar,  porque se refere às finalidades das penas e medidas de segurança, importa ter em conta o disposto no artigo 40.º, nº 1 do Código Penal do qual decorre que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, decorrendo, por sua vez, do seu n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Por sua vez, decorre  do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal que a determinação da pena concreta, dentro da moldura penal cominada nos respetivos preceitos legais, far-se-á “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” geral e especial do agente, determinando o n.º2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do agente, desde que não façam parte do tipo legal de crime (para que não se viole o princípio “ne bis in idem”, uma vez que tais circunstâncias já foram tomadas em consideração pela própria lei para a determinação da moldura penal abstrata), “considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”.
Decorre, por fim, do n.º3 do citado preceito legal, que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-09-2005[5], “na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”.
A culpa traduz-se num juízo de reprovação da conduta do agente, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.
Com efeito, o facto punível não se esgota na desconformidade da conduta do agente perante o ordenamento jurídico-penal, com a ação ilícita-típica, sendo, ainda, necessário que a conduta do agente seja culposa, isto é, que o facto por si praticado possa ser pessoalmente censurado, traduzindo-se, assim, numa atitude pessoal e juridicamente desaprovada, pela qual o agente terá de responder.
Por seu lado, as exigências de prevenção têm a ver com a proteção dos bens jurídicos [prevenção geral] e a reintegração do agente na sociedade [prevenção especial], as quais nos termos do disposto no artigo 40º, n.º 1 do Código Penal constituem as finalidades da aplicação das penas e das medidas de segurança, conforme já referimos supra.
“A medida da pena há de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e ser definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização, não podendo ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
É o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – proteção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exata, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto ótimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (ótima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a proteção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.[6]
Em suma, o limite mínimo da pena deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral que no caso se façam sentir, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva, ao passo que o limite máximo não deve exceder a medida da culpa do agente revelada no facto, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do mesmo; e, dentro desses limites mínimo e máximo, a pena deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível, sendo, pois, as razões de prevenção especial que servem para encontrar o quantum de pena a aplicar.”[7]
Assim sendo, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Conclui-se, portanto, que estaremos perante uma pena justa e proporcional quando esta satisfizer as exigências de prevenção geral e especial, atentando-se no caso concreto, e não exceder a medida da culpa do agente.
Aqui chegados:
Analisando o caso concreto, à luz dos considerandos acabados de expor, constata-se que a arguida foi condenada nas penas parcelares de:
- 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, no que respeita ao crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (processo principal);
- 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, no que respeita ao crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) do C. Penal (inquérito n.º 23/20.3PEALM);
- 9 (nove) meses de prisão, no que respeita ao crime de roubo na forma tentada, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b) e 204º/1, al. d) e f) e n.º 4 , 22º, 23º e 73º, todos do C. Penal (inquérito n.º 407/20.7POLSB);
- 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão, no que respeita ao crime de abuso de cartão, p. e p. no art. 225º/1 e 5, al. a), do C. Penal (inquérito n.º 996/20.6PSLSB);
- 5 (cinco) meses de prisão, no que respeita ao crime de furto, p. e p. nos artigos 204º/1, al. d) e n.º 4, do C. Penal (inquérito n.º 996/20.6PSLSB);
E, de facto, como o conclui o tribunal a quo, dos factos provados decorre que:
Com exceção do furto do cartão, cujo grau de ilicitude do facto é mediano, já assim não o é nas restantes situações, cujo grau de ilicitude do facto é elevado mesmo, no nosso entender, na situação respeitante aos factos do inquérito 407/20.7POLSB [que o tribunal a quo considerou consubstanciar um grau de ilicitude médio], pois, pese embora, neste caso, estejamos perante um crime de roubo tentado, o desvalor da ação afigura-se grave [estamos perante uma vítima com 83 anos de idade, que viu a sua casa invadida e remexida por dois estranhos, tendo sido agarrada, arrastada para dentro de casa, forçada a sentar-se no sofá e amordaçada].
Em todas as situações estamos perante um dolo intenso [dolo direto], que qualifica a culpa como elevada, sendo o dolo direto a forma mais grave da culpa.
É verdade que a arguida não tem antecedentes criminais, confessou os factos e mostrou-se arrependida, o que abona a seu favor e, diga-se, assim já foi tido em conta pelo Tribunal a quo. [“Pondera-se positivamente a ausência de antecedentes criminais da arguida e a circunstância de a mesma ter admitido a prática da totalidade dos factos julgados provados, mostrando-se arrependida quanto aos mesmos.”].
Também é verdade que os cinco crimes cometidos pela arguida ocorreram dentro de um período curto [maio e junho do mesmo ano - 2020], além de não ter antecedentes criminais também não se lhe conhecem comportamentos posteriores de natureza criminal, designadamente até à sua detenção e que já se encontra privada da sua liberdade desde fevereiro de 2021, o que, à partida, nos poderia levar a concluir, como o faz a arguida, que as exigências de prevenção especial seriam diminutas.
Porém, embora se tenham presentes esses factos, basta uma análise cuidada da factualidade provada para facilmente se apreender que a arguida possui uma “especial qualificação” na indução das vítimas para as levar a fazer o que pretende; atua num contexto de recurso à violência física e psicológica, quando se afigura entender ser necessário fazê-lo e não atua sobre qualquer pessoa, mas sim sobre “alvos” frágeis, com vista a levar a efeito os seus intentos, sendo de notar que estamos perante pessoas idosas, especialmente vulneráveis.
Também não se descortina que a arguida tenha aproveitado o período de tempo entretanto decorrido, designadamente até à sua reclusão, para, de alguma forma, reparar o mal do crime.    
Numa apreciação global dos factos, constata-se que a pluralidade criminosa não se pode considerar fortuita, nem ocasional, antes resulta de um projeto criminoso, sucessivamente concretizado.
E não se venha argumentar que os crimes apenas ocorreram porque a arguida vivenciava condições pessoais muito peculiares, em que foi abandonada pelo marido com 4 filhos menores nos braços, sem apoio e em grande transtorno emocional, tendo entrado em desespero, pois, na verdade, da factualidade provada o que decorre é que a arguida sempre revelou ao longo da sua vida uma ausência de integração laboral consistente e, perante dificuldades financeiras, lançou mão da prática de ilícitos criminais, cujo produto se destinou a adquirir bens que não são, de todo, bens de primeira necessidade, como são, exemplo disso, bens adquiridos em lojas de perfumes e ourivesarias.
Tal factualidade demonstra que a arguida possuiu uma personalidade mal formada e que as exigências em sede de prevenção especial não são, de todo, diminutas, pese embora o período em que já se encontra privada da sua liberdade.
De qualquer forma, como facilmente se percebe, as exigências da prevenção geral são muito elevadas, sendo incontestável a danosidade social que factos desta índole provocam, os sentimentos de intranquilidade, de insegurança e de agitação que lhe estão associados, sobretudo junto dos idosos da faixa etária das vítimas destes autos [octogenários], pessoas que, em virtude da própria idade, são física e psicologicamente mais frágeis, muitas delas a viver sozinhas, entregues à sua sorte, sendo facilmente aliciadas e especialmente vulneráveis, o que significa uma maior necessidade de assegurar a proteção dos bens jurídicos que as normas em causa visam proteger [que é também uma das finalidades da pena afirmadas no referido artigo 40.º n.º 1 do Código Penal], por forma a incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos.
Em suma, atentando nas circunstâncias supra enunciadas, à moldura penal abstrata prevista para cada um dos crimes em apreço [no que aqui importa, tendo em conta a opção pela pena de prisão, que aqui não foi posta em causa, nos casos em que era uma alternativa à pena de multa], respetivamente:
- pena de prisão de três a quinze anos – quanto a cada um dos crimes de roubo agravado;
- pena de prisão de um mês a cinco anos e quatro meses – quanto ao crime de roubo na forma tentada;
- pena de prisão até cinco anos – quanto ao crime de abuso de cartão; e
- pena de prisão até três anos – quanto ao crime de furto;
e os referidos critérios de determinação da pena concreta, entendemos ajustadas e proporcionais à culpa da recorrente e às necessidades de prevenção geral e especial, as penas concretamente fixadas de, respetivamente:
- prisão de 3 anos e 6 meses e 3 anos e 8 meses – quanto a cada um dos crimes de roubo agravado;
- prisão de 9 meses – quanto ao crime de roubo na forma tentada [sendo que, como vimos supra, se esta se afigurasse desproporcional sempre seria por defeito e não por excesso];
- prisão de 5 meses – quanto ao crime de furto;
tal como assim decidiu o tribunal a quo não se revelando violada qualquer disposição legal na sua determinação.
O mesmo já não se dirá quanto à pena aplicada relativamente ao crime de abuso de cartão, pelo qual a arguida foi condenada na pena parcelar de 2 anos e 5 meses de prisão, ou seja, metade da moldura penal abstrata [de 1 mês a 5 anos],  pois, face aos considerandos já supra expostos, esta pena concreta revela-se desajustada, entendendo-se ser proporcional à culpa da arguida e adequada às necessidades de prevenção geral e especial, a pena concreta de 1 ano e 6 meses de prisão.
Perante tal alteração, à priori, cumpriria reformular a pena unitária resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares dos crimes pelos quais a arguida foi condenada.
Porém, a pena única concretamente aplicada não se mostra desproporcionada, face aos factos e à personalidade da arguida [artigo 77.º, n.º1, do Código Penal], bem como às exigências de prevenção especial e geral elencadas na decisão em apreço e já supra apreciado, sobretudo no que toca a esta última, sendo que os crimes em análise foram praticados contra pessoas de idade avançada – octogenárias -, são objetiva e subjetivamente graves, carregam elevada reprovação ético-social e, por outro lado, cumpre atentar que a violência contra as pessoas se tem vindo a alastrar, gerando insegurança coletiva, reclamando uma aplicação vigorosa do direito, o que legitima  a conclusão de que a arguida carece de emenda cívica,  de refrear os seus impulsos agressivos, para  o que o tempo de reclusão  se prestará,  perfilando-se, portanto, não apenas razões de prevenção especial, mas sobretudo fortes razões de prevenção geral.
A comunidade, na verdade, não compreenderia, nem aceitaria, que crimes da gravidade dos praticados pela arguida [referimo-nos aos crimes de roubo agravado], nas circunstâncias contextuais respetivas, fossem sancionados com uma pena única mais branda [note-se que excecionando a pena parcelar mais elevada, ou seja, a mínima a ter em conta,  a esta foi adicionado cerca de 1/3 de cada uma das restantes penas parcelares], deixando a sociedade em sobressalto, sobretudo as pessoas de idade.
A adoção de uma pena inferior àquela que foi adotada violaria o seu imanente sentido de justiça, além de que faria descrer a força e eficácia da lei e a crença nos seus órgãos aplicadores, ante a sua imprescindível salvaguarda de potenciais delinquentes, interesse a que importa prestar a necessária reflexão e análise.
Consequentemente, face a todo o exposto, conclui-se não ser de alterar a pena única que foi aplicada à arguida de 5 anos e 8 meses de prisão, que se mantém, e, como tal, necessariamente, terá de ser efetiva, face ao disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
Impõe-se, portanto, a improcedência do recurso interposto pela arguida, com exceção da redução da supra apontada pena parcelar.
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II.3.2. - Recurso interposto pelo Ministério Público:
Quanto à invocada validade das buscas domiciliárias:
Insurge-se o Ministério Público/recorrente quanto ao facto de o Tribunal a quo ter declarado a nulidade das buscas domiciliárias respeitantes ao arguido BB, efetuadas, em 20-06-2020, às residências sitas na R. DD e R. EE e, em consequência, das apreensões daí resultantes.
Argumenta, para o efeito, que o tribunal a quo não o poderia fazer, pois:
- Já em sede de primeiro interrogatório judicial o arguido BB havia arguido a nulidade das referidas buscas domiciliárias, por não as ter autorizado de forma livre e sobre tal requerimento incidiu despacho da Sr.ª Juíza de Instrução que indeferiu a nulidade das buscas.
-  Em sede de julgamento veio, novamente, o arguido BB arguir a nulidade dessas mesmas buscas domiciliárias, com o mesmo fundamento do requerimento apresentado em sede de 1.º interrogatório judicial, ou seja, defendendo que o arguido não consentiu as buscas de forma livre, nunca questionando a sua legitimidade para as consentir, mas o tribunal a quo, pese embora, não acolha os fundamentos invocados pelo arguido, declara nulas as buscas com o fundamento na falta de consentimento de terceiros residentes nas habitações, sem que o arguido, ou qualquer terceiro, tivesse vindo aos autos invocar a nulidade das buscas com esse fundamento, tendo o tribunal a quo extraído tal conclusão do depoimento prestado pelo agente da PSP FF, quando deste não resulta que o arguido quando autorizou as buscas ou enquanto estas decorriam lhes tivesse transmitido que as casas não eram suas e, como tal, não tinha legitimidade para dar a respetiva autorização.
- Ainda que se considerasse que o consentimento prestado não era válido, o tribunal a quo não podia oficiosamente declarar nula as buscas, sendo certo que a mesma teria de ter sido arguida, no prazo a que alude o artigo 120.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Conclui, portanto, no sentido de que as buscas em causa deverão ser consideradas válidas e, consequentemente, deverá ser revogado o respetivo despacho que declarou a sua nulidade.
Vejamos:
Antes do mais, cumpre dizer que, ao contrário do defendido pelo Ministério Público/recorrente o facto de o juiz de instrução, mediante despacho proferido em sede de 1.º interrogatório judicial, ter considerado válidas as buscas em questão,  essa decisão não se tornou definitiva, pois não se enquadra na figura do caso julgado formal, sendo certo que a questão concretamente apreciada, no que aqui releva, não se repete, ou seja, não é a mesma [veja-se que naquele despacho, proferido em sede de primeiro interrogatório judicial, foi apreciada a questão suscitada pelo arguido da invocada invalidade das buscas, por, alegadamente, o respetivo consentimento não ter sido prestado de forma livre, enquanto que no acórdão recorrido a validade das buscas foi apreciada pelo tribunal a quo, na vertente da necessidade do consentimento de terceiros, no caso da mãe e sogra do arguido]. A questão da necessidade do consentimento de terceiros com vista a considerar as buscas realizadas válidas, agora apreciada pelo tribunal a quo, não foi, sequer, colocada ao juiz de instrução, nem este a conheceu oficiosamente, pelo que o despacho por este proferido não impedia a apreciação da validade/nulidade das referidas buscas domiciliárias por parte do tribunal a quo em sede de julgamento.
Argumenta, ainda, o Ministério Público/recorrente que o Tribunal a quo não podia ter conhecido oficiosamente a questão da nulidade das buscas domiciliárias, pois, assim, o impedia o artigo 120.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Porém, não lhe assiste razão.
Com efeito, como é consabido, a lei adjetiva penal consagra o “princípio da liberdade e legalidade da prova”, dispondo que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei” [artigo 125.º do Código de Processo Penal].
E relativamente aos “métodos proibidos de prova”, no que ao caso releva, dispõe o n.º 3, do artigo 126.º, do Código de Processo Penal que “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.”.
Trata-se, atenta a redação das normas, de uma nulidade relativa, na medida em que essa “intromissão” pode estar legitimada pelo consentimento do visado.[8]
Cumpre fazer a distinção entre as chamadas proibições de prova [artigo 126º do Código de Processo Penal] e o regime das nulidades processuais [artigos 118º e ss. do Código de Processo Penal].
O Código de Processo Penal distingue as nulidades insanáveis [nulidades absolutas], a que se refere o artigo 119.º, das nulidades dependentes de arguição [nulidades relativas], previstas nos artigos 120.º e 121.º.
Ao contrário das nulidades ditas insanáveis, as restantes nulidades ficam sanadas se os interessados renunciarem expressamente à sua arguição, tiverem aceitado expressamente os efeitos do ato ou se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o ato anulável se dirigia [artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo Penal].
Já o artigo 126.º do Código de Processo Penal apresenta-nos os métodos proibidos de prova, considerando como nulas as provas deles resultantes.
E repare-se que o artigo 118.º do Código de Processo Penal, no seu nº 3, refere expressamente que “As disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova.”, ou seja, trata tais questões de forma autónoma.
O n.º 3, do artigo 126.º do Código de Processo Penal, único que aqui interessa, consagra como nulas, e, como tal, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular.
Da leitura do preceito decorre que se o titular do direito der o seu consentimento à realização da diligência, a nulidade é afastada, pois encontramo-nos perante bens jurídicos pessoais disponíveis.
E é neste aspeto que radica a grande diferença entre esta estipulação e a verificada nos n.ºs 1 e 2 do artigo 126.º do Código de Processo Penal, pois nestes a prestação de consentimento é irrelevante, pois a lei leva a censura destes métodos ao ponto de impor e sobrepor a proibição à renúncia de tutela por parte do portador do bem jurídico concretamente atingido.
Mas será que a nulidade prevista no artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, nulidade sanável, depende da arguição do interessado, ficando sujeita à disciplina dos artigos 120.º e 121.º do Código de Processo Penal?
Assim o defende o Ministério Público ora recorrente.
Porém, entendemos que não lhe assiste razão.
Na verdade, as proibições de prova previstas no n.º 3, do artigo 126.º do Código de Processo Penal, referem-se a direitos que se enquadram na tutela da reserva da intimidade da vida privada, e, por isso, a sua violação carreia para a comunidade um sentimento de insegurança jurídica, algo que não deve suceder no processo penal.
Assim, entendemos, como Germano Marques da Silva, que a nulidade proveniente de prova proibida não está sujeita a arguição[9], sendo de conhecimento oficioso.
No mesmo sentido, Teresa Beleza[10] considera que “se alguém obtiver qualquer prova através de um destes métodos proibidos, essa prova será totalmente inútil porque em absoluto não utilizável. Ou melhor, ela poderá ser utilizada com o fim exclusivo de basear uma condenação da pessoa que ilegalmente a obteve: (…) é o que dispõe o nº 4 do artigo 126º”.
Também perfilha desta ideia Costa Andrade[11], que refere que “proibições de prova e nulidades perfilam-se (entre si) como sistemas (normativos) distintos e, por isso, interpenetrados”.
Seguindo este raciocínio, Germano Marques da Silva, considera, que em face de ser “no título dedicado às nulidades que o CPP inscreve o preceito segundo o qual as disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova (artigo 118º, nº 3) ” e de, frequentemente, a lei enunciar “as proibições de prova, cominando precisamente com a sanção de nulidade a violação dos pertinentes imperativos legais”, o regime das proibições de prova não se reconduz “pura e simplesmente ao regime das nulidades”, pois se assim ocorresse “seria dificilmente explicável o nº 3 do artigo 118º”.
Acresce dizer que a redação do artigo 449.º, nº 1, e), introduzida pela Lei 48/2007, de 29 de agosto, veio incluir entre os fundamentos da revisão de sentença transitada em julgado quando “se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º” [sublinhado nosso], o que, a nosso ver, afasta o entendimento de que os casos a que se refere o artigo 126.º, n.º3, do Código de Processo Penal, enquanto nulidade relativa, constituem uma nulidade dependente de arguição, pois a lei equipara expressamente os casos do nº1 e do nº3 para efeitos de revisão da sentença já transitada em julgado, ou seja, concede idêntica relevância as nulidades a que se reporta o artigo 126.º do Código de Processo Penal - sem distinguir - mesmo para além do caso julgado.
Do ponto de vista formal não há, pois, qualquer norma legal que faça depender de arguição as proibições de prova, pelo que pode a mesma ser conhecida oficiosamente, independentemente de arguição pelos interessados[12].
Aqui chegados, cumpre, portanto, concluir que a nulidade em causa, a que alude o artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, é de conhecimento oficioso e, como tal, podia ser apreciada pelo tribunal a quo, independentemente de ter sido, ou não, invocada.
No caso, a questão, a nosso ver, prende-se é em saber se o tribunal a quo a apreciou corretamente, o que chama à colação o que se deve entender por “consentimento do respetivo titular”.
Vejamos:
As buscas integram o âmbito da atividade probatória e abrangem todos os atos materiais destinados à obtenção de indícios que permitam à autoridade policial formar a sua convicção sobre a existência e relevância criminal de certos factos. Tal diligência processual “encontra-se associada a uma entrada em espaço de acesso restrito ou vedado e a uma atividade direcionada à descoberta de algo (objetos ou indivíduo a deter) que se encontrará tendencialmente escondido ou dissimulado”.
A “vida privada compreende aqueles atos que, não sendo secretos em si mesmos, devem subtrair-se à curiosidade pública por naturais razões de resguardo e melindre, como os sentimentos e afetos familiares, os costumes da vida e as vulgares práticas quotidianas, a vergonha da pobreza e as renúncias que ela impõe e, até por vezes, o amor da simplicidade, a parecer desconforme com a grandeza dos cargos e a elevação das posições sociais; em suma tudo: sentimentos, ações e abstenções, que podem ser altamente meritórios do ponto de vista da pessoa a que se referem mas que, vistos do exterior, tendem a apoucar a ideia que delas faz o público em geral”.[13]
O Tribunal Constitucional formulou, pela primeira vez, uma definição do conteúdo do direito à reserva da vida privada no Acórdão n.º 128/92, como constituindo o direito de cada um a ver protegido o espaço interior ou familiar da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias, isto é, como um direito a uma esfera privada onde ninguém pode penetrar sem autorização do respetivo titular.[14]
Idêntica formulação se retira do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 216/2012, Proc. nº 166/12, ao afirmar que “o caráter intrusivo da busca – que abrangerá a abertura, nomeadamente com recurso a arrombamento, de portas, armários, gavetas; a visualização e o manuseamento de objetos de uso lícito, estranhos à investigação em curso – tem uma incidência virtualmente lesiva, de devassa, sobre as pessoas que ocupam o espaço que é alvo da busca”. E acrescenta que “tal intromissão acentua-se no caso das buscas domiciliárias, face ao caráter especialmente reservado desse espaço”.
O sacrifício do direito à inviolabilidade do domicílio por razões imperiosas de investigação criminal consubstancia uma restrição ao conteúdo constitucional daquele direito fundamental. O direito à inviolabilidade do domicílio não é, pois, um direito absoluto, visto que a Constituição da República Portuguesa autoriza uma intervenção normativa do legislador, para salvaguarda de outros valores constitucionais, nomeadamente de bens jurídicos dotados de dignidade penal [bens jurídico-penais], ao serviço dos quais se encontra o processo criminal.
O legislador processual penal teve um especial cuidado na admissibilidade das buscas domiciliárias, sendo prova disso o facto de ter consagrado a nulidade das provas obtidas mediante intromissão na vida privada e no domicílio, ressalvados os casos previstos na lei [n.º 3, do artigo 126º do Código de Processo Penal].
Porém, existindo consentimento do respetivo titular, ou seja, do respetivo visado, não há necessidade de se verificarem os outros pressupostos de admissibilidade, nomeadamente o despacho de autorização da diligência, figurando, invariavelmente no nosso processo penal, o consentimento como uma via de legitimação dos correspondentes meios de prova.
Parece-nos incontroverso que no que diz respeito ao direito à reserva da vida privada e familiar a possibilidade de consentimento é unânime, pois trata-se de um direito disponível e, como tal, as pessoas podem consentir em limitações voluntárias do direito à proteção da vida privada.
Porém, já no que respeita à questão de saber quem deve prestar o consentimento as posições não são uniformes.
A lei fala em “consentimento do respetivo titular [artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal] e “consentimento do visado” [artigo 177.º, n.º 3, al. a) ex vi 174.º, n.º 5, al. b), ambos do Código de Processo Penal], mas, na verdade, o visado pode não ser o disponente do bem. Muitas vezes não é sobre este (proprietário, arrendatário, possuidor, por exemplo) que recaem as suspeitas de ocultar os objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova. E é neste aspeto que se colocam mais dúvidas no seio da nossa jurisprudência.
Ora, da mesma forma que o consentimento dado por uma pessoa que partilha a habitação e que, portanto, não é o visado processual, não deve ser suficiente para se realizar a busca, pela mesma ordem de razões afigura-se-nos não ser necessário o consentimento de pessoas que nada têm a ver com o processo, porque em ambos os casos o visado, que é a quem respeita o processo, não é chamado a dar ou não o seu consentimento.
Como resulta clara e inequivocamente daquelas normas do Código de Processo Penal é o visado, ou seja, o visado pela diligência processual, que terá de dar o seu consentimento à realização da busca, o que não se verificando impede a execução da diligência e, no caso, o arguido deu o seu consentimento.
Refira-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 126/2013, Proc. 850/12, que considera que “diversas pessoas podem ter, e normalmente têm, sobretudo, no âmbito de relações familiares, domicílio no mesmo espaço de habitação. Mas cada uma delas é titular do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio (da sua esfera espacial de privacidade e segredo), que não se transforma, em função da coincidência do objeto material sobre o qual incide, num direito coletivo”. E acrescenta que “não é admissível entender que, da convivência de diversas pessoas na mesma habitação, deriva a cotitularidade do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio”. E apesar de reconhecer que “a vida familiar, nomeadamente a relação conjugal, pressupõe vinculações e práticas de confiança recíproca, o que implica a aceitação de que um dos membros permita a entrada de terceiros nesse espaço que se compartilha”, todavia, “a essas situações comuns, inerentes à convivência familiar, tem de contrapor-se a situação excecional que consiste em facultar a entrada no espaço comum de domicílio a órgãos de polícia criminal com o objetivo de recolher provas contra o outro membro do casal. Aqui a entrada no domicílio vai intencionada à intromissão em domínios de intimidade e privacidade do investigado para obtenção de provas que possam incriminá-lo. Não se trata de uma ocorrência inerente à vida familiar ou às situações correntes de convivência; é a privacidade e, indiretamente, o direito de defesa do outro cônjuge que a entrada no domicílio permite atingir. Perante essa incidência específica da intrusão na esfera espacial de privacidade e segredo do investigado, o radical de tutela da privacidade presente no direito de inviolabilidade do domicílio não consente que se considere o outro cônjuge legitimado a prestar o consentimento, ou se presuma o daquele que é visado pela diligência processual”. Neste sentido, conclui que “o consentimento previsto no n.º 3 do art.º 34.º da CRP tem necessariamente de provir do titular do domicílio que seja visado pela diligência processual”. [sublinhado nosso].
Concorda-se com esta posição, como já dito anteriormente, pois o consentimento pressupõe a intervenção do titular do direito lesado, visado no processo, e não de qualquer pessoa que tenha a livre disponibilidade sobre o domicílio.
A reserva da intimidade privada obriga a que não se possa prescindir do consentimento do visado. A não existência do consentimento da pessoa visada configuraria “um cerceamento da autonomia pessoal, cuja ineficácia apresentar-se-ia igualmente onerosa para o Estado”. E mais assim porque à justiça penal cumpre “proteger bens jurídicos, reafirmar a validade das normas e reforçar a confiança na sua vigência, restabelecer a paz jurídica e prosseguir a verdade preordenada à realização da justiça material” e nunca, como afirma Hassemer, encurtar a diferença “ética que deve subsistir entre a perseguição do crime e o próprio crime”.
Em suma, reafirmamos que a interpretação a fazer é a de que o consentimento para a realização da busca domiciliária deverá ser prestado pelo visado com a diligência processual.
Donde se infere que o visado da busca é a pessoa que está a ser investigada e é esta quem tem de dar o consentimento para a busca.
Seja como for, a interpretação que seguramente fere a Constituição da República portuguesa é a que postula ser bastante o assentimento de pessoa que tão só tenha a disponibilidade do lugar, tendo o Tribunal Constitucional, no acórdão 507/94, considerado essa interpretação violadora do artigo 34.º, n.º2 da CRP, sublinhando que a leitura das normas questionadas à luz do texto fundamental implicaria que o consentimento legitimante teria de provir do “visadocom a diligência, interpretação que, aliás, é a única compatível com o teor literal das normas processuais penais que regulam tal questão.
Aqui chegados, concluímos que pese embora o tribunal a quo pudesse apreciar oficiosamente a validade das buscas domiciliárias, ao abrigo do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o facto é que, ao contrário da conclusão a que chegou, a mesma foi consentida por quem de direito, por quem a tinha de prestar, ou seja, pelo respetivo titular, pelo visado neste processo, no caso, pelo arguido BB, pelo que não estamos perante um método proibido de prova.
Assim sendo, cumpre revogar tal segmento decisório, considerando as buscas em apreço válidas e as apreensões de bens daí decorrentes.
Consequentemente, cumpre considerar provado o facto vertido em 17. da factualidade não provada [correspondente ao artigo 46. da acusação], ou seja, “a 20-07-2020, o arguido BB tinha na sua residência anéis, pulseira e um relógio, bem como €3.780, em dinheiro.”.
Quanto ao invocado erro notório na apreciação da prova/errada valoração da mesma:
Insurge-se o Ministério Público contra à decisão absolutória dos arguidos BB e CC da prática dos crimes que lhes vem imputados nos autos, em coautoria com a arguida AA.
Argumenta que o tribunal a quo violou as normas previstas pelos artigos 127.º e 410.º, n.º 2, alínea c), ambos do Código Processo Penal, ao dar como não provados os factos vertidos nos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23 do respetivo capítulo do acórdão recorrido, factos esses atinentes à alegada participação dos arguidos BB e CC na prática dos referidos crimes, e que, no âmbito do presente recurso, pugna para que sejam considerados provados.
Vejamos:  
Como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: através do âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do referido diploma legal.
No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios formais, também designados de vícios decisórios, que se encontram previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, que, conforme decorre do referido precito legal, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não se estendendo, pois, a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte daquela decisão, sendo, portanto, inadmissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[15]. Tratam-se, portanto, de vícios intrínsecos da sentença que visam o erro na construção do silogismo judiciário.
No segundo caso estamos perante um erro do julgamento [designadamente na apreciação da prova] cuja apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, sempre tendo presente os limites fornecidos pelo recorrente em obediência ao ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008[1], a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que se debruçando sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e ás concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b), do nº 3, do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal] [sublinhado nosso].
Não se poderá esquecer, portanto, que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio jurídico com vista a colmatar erros do julgamento na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, sendo, portanto, manifestamente errado pensar que basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova.
Tem sido este o sentido defendido quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, designadamente:
Assim refere Germano Marques da Silva[16] que “o poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância”.
No mesmo sentido se pronuncia Damião Cunha[17], ao afirmar que os recursos são entendidos como juízos de censura crítica e não como «novos julgamentos».
“O recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros[18].
Aqui chegados, e analisada a motivação do recurso, constata-se que o Ministério Público/recorrente confunde erro de julgamento com o invocado vício de erro notório na apreciação da prova.
Com efeito:
Defende o recorrente que o tribunal a quo deveria ter considerada provada a matéria dada como não provada atinente à participação dos arguidos BB e CC na prática dos crimes que aqui lhes são imputados, concretamente os vertidos em 1, 2, 3, 4, 5, 6, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23 do respetivo capítulo do acórdão recorrido.
Pugna, consequentemente, pela condenação do arguido BB pela prática dos crimes que lhe vêm imputados quanto aos inquéritos 35/20.7SULSB [processo principal], 407/20.7POLSB, 23/20.3PEALM e 996/20.6PSLSB e pela condenação do arguido CC pela prática dos crimes que lhe vêm imputados quanto aos inquéritos 407/20.7 POLSB e 23/20.3PEALM.
Para tal, aponta:
- A existência de erro na apreciação da prova, em violação do artigo 127.º do Código de Processo Penal, pois da prova produzida impunha-se que o Tribunal tivesse dado como provado que os arguidos BB e CC agiram em conjunto e em comunhão de esforços com a arguida AA;
- A indevida desvalorização das declarações prestadas em audiência de julgamento pela coarguida AA;
Vejamos:
A este respeito cumpre trazer aqui à colação o disposto no artigo 410.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe, “Fundamentos do recurso”, de onde decorre que:
“1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”
Da análise de tal preceito legal decorre, portanto, que a decisão sobre a matéria de facto é suscetível de ser posta em causa por via da invocação dos apontados vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, vícios decisórios esses que, conforme se referiu supra, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.
O erro notório na apreciação da prova, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, aqui invocado pelo Ministério Público, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis.
Trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido[19].
“Com a invocação do vício de erro notório questiona-se, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, na medida em que o tribunal valorizou a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou então quando da decisão se extrai de modo óbvio que optou por decidir, na dúvida, contra o arguido”[20].
Resumindo, “o erro notório traduz-se, basicamente, em se dar como provado [no caso como não provado] algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido [no caso, que aconteceu], ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo”.[21]
Tal erro já não se verifica se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não conduz ao referido vício[22].
Importa, porém, não esquecer, quando a este vício – erro notório na apreciação da prova – que, salvo no caso de prova vinculada, o tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, tal como o dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Rege, pois, o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminados de valor a atribuir à prova [salvo exceções legalmente previstas, como sucede com a prova pericial] e, por outro lado, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre convicção da prova e na sua convicção pessoal.
O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada, sempre sem esquecer que a liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova não visa criar um poder arbitrário e incontrolável.
Por fim, relembre-se, os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detetar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento.
Aqui chegados, cumpre, desde já, referir que analisado o texto da decisão recorrida não se constata a existência do apontado vício de “erro notório na apreciação da prova” a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal, pois do texto do acórdão recorrido não resulta que o tribunal a quo tenha violado as regras da experiência ou que tenha efetuado uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, e, muito menos, que tenha violado qualquer regra sobre prova vinculada ou da legis artis. 
Na verdade, no caso, a impugnação da matéria de facto efetuada pelo recorrente, nos termos supra descritos, não se integra nos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, uma vez que a discordância sobre a factualidade dada como não provada não se limita, como exigem estes vícios, “ao texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum”. Efetivamente, o recorrente invoca, designadamente, a prova produzida oralmente em audiência de julgamento, remetendo para alguma dessa prova, bem como para a prova documental [sendo exemplos disso: “a testemunha apesar de não o ter reconhecido fez uma descrição desse indivíduo que corresponde à estrutura deste arguido”, “das vigilâncias documentadas nos autos verifica-se que este arguido está quase sempre presente”, “as mensagens e conversas existentes no telemóvel da arguida confirmam que dependia deste para praticar os factos”].
Em suma, o que está verdadeira e unicamente em causa no recurso em apreço é que o recorrente não se conforma com a circunstância de o Tribunal a quo ter considerada não provada a participação dos arguidos BB e CC na prática dos factos em questão juntamente com a arguida AA, quando esta, em julgamento, confessou os factos a si respeitantes e envolveu os arguidos na prática dos mesmos, declarações essas que, no entender do recorrente, encontra-se corroborada por diversos meios de prova. É aí que o recorrente faz radicar o aludido vício que apontou à decisão recorrida e que expressamente apodou, erradamente, de erro notório na apreciação da prova.
Destarte, é forçoso concluir, face à concreta argumentação expendida nas conclusões do recurso, complementadas com a respetiva motivação, que o recorrente limita-se a extrair as ilações que tem por pertinentes da prova produzida, que contrapõe à do julgador, sem que da análise da leitura do próprio texto do acórdão recorrido decorra a existência de qualquer ilogismo de percurso ou conclusão contrária à lógica das coisas, ao alcance, pela sua evidência, do homem comum.
 Não existe, portanto, qualquer vício a que alude o artigo 410.º do Código de Processo Penal, designadamente o invocado pelo Ministério Público/recorrente.
Conforme decorre da fundamentação da matéria de facto do acórdão, nos termos explicitados pelo tribunal recorrido, a arguida confessou, genericamente, os factos pelos quais veio a ser condenada e, de facto, envolveu na sua prática os arguidos BB e CC.
Mas, ao contrário do que refere o Ministério Público/recorrente, o tribunal a quo teve-o em atenção, não o ignorou, e, caso a caso, explicou as razões pelas quais entendeu que tais declarações incriminatórias prestadas pela arguida AA se lhe afiguravam insuficientes.
Na verdade, as declarações incriminatórias prestadas pelo coarguido estão sujeitas às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, e no que aqui importa, às regras da livre apreciação e do princípio in dubio pro reo.
«É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseado somente na declaração do coarguido porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o animo de vingança, ódio ou ressentimento ou o interesse em auto exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados. Para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas é razoável que o coarguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal e se converte numa declaração objectivada e superadora de uma eventual suspeita inicial que pesa contra a mesma. Assim, estamos em crer que é importante, em sede de credibilização do depoimento que o mesmo seja corroborado objectivamente”.[23]
Não se trata de à partida criar, em termos abstractos, uma exigência adicional ao depoimento do coarguido incriminatório dos restantes arguidos em termos de admissibilidade como meio de prova, entrando, como já se afirmou, num zona de uma inadmissível prova tarifada, mas sim de uma questão de credibilidade daquele depoimento em concreto.
As declarações de um coarguido podem destruir a presunção de inocência dos restantes, desde que o tribunal se convença de que as mesmas são credíveis, e, no caso, o tribunal a quo não se convenceu, pelas razões que explicou, caso a caso, e que, no nosso entender, sustentam a chamada à colação do princípio in dubio pro reo.
Como se refere no Acórdão deste TRL, datado de 23-11-2021[24], citando Carlos Clement Duran, “a imputação que um coacusado realiza contra outro coacusado tem o grande atractivo de que a faz quem aparece como um directo conhecedor do facto em juízo e incluso nada perde ou ganha ao incriminar o coacusado porque, assim, está a assumir a sua própria responsabilidade penal. Porém pelo seu próprio peso específico já que as possibilidades defensivas do incriminado são reduzidas importa um juízo crítico rigoroso sobre o valor de tal imputação e que permita concluir que a incriminação que a mesma contem não corresponde a um interesse espúrio. Compreende-se, assim, a importância que se atribui ao facto de tais manifestações incriminatórias estarem acompanhadas de algum dado ou elemento de carácter objectivo que lhes dê credibilidade e devam ser uniformes e reiteradas, evidenciando a credibilidade do acusado que as realiza.
Na esteira do Autor citado entendemos que a credibilidade do depoimento incriminatório do coarguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto inculpação. Igualmente assume uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação.»
No caso, como resulta claramente da motivação da matéria de facto supra transcrita, o tribunal a quo deu como não provados os factos aqui controvertidos, explicando, de forma razoável, clara, lógica, racional e plausível, porque assim o fez, no caso, explicou porque considerou os factos em apreço como não provados e, ao fazê-lo, pôs, necessariamente, em causa a credibilidade das declarações prestadas pela arguida AA ao incriminar os demais arguidos.
A análise crítica das declarações/depoimentos prestados pelo julgador e o grau de credibilidade, ou de descrédito, atribuído aos mesmos mostra-se irrepreensivelmente conferido, de acordo com a perceção própria permitida pelo imediatismo que acompanhou a produção daqueles meios de prova.
No caso dos autos, o que o Ministério Público/recorrente faz é discordar da avaliação probatória que o tribunal recorrido fez da apreciação da prova produzida, pretendendo substituir a convicção do tribunal pela sua.
Ou seja, o que realmente resulta, desde logo, das conclusões do recurso, é a divergência entre a convicção pessoal do Ministério Público/recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal não firmou, e que no entendimento do recorrente deveria ter firmado, sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, do qual decorre que, salvo no caso de prova vinculada, o tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção.
A apreciação da prova não pode deixar de ser “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - , mas em todo o caso , também ela (deve ser) uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.” [25]
A convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialética de dados objetivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.[26]
Dos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, podemos concluir que a valoração das provas, reportada à credibilidade dos depoimentos que é eminentemente subjetiva, depende, essencial e substancialmente, da imediação, princípio que, pressupondo a oralidade, domina a recolha das provas de índole testemunhal, permite, num quadro de emissão e receção de sinais de comunicação - que não apenas de palavras, mas também de gestos ou outras formas de ação/reação, como o próprio silêncio - potenciar a adequada apreciação dos depoimentos[27], sendo as declarações indissociáveis da atitude e postura de quem as presta, dos seus olhares, trejeitos, hesitações, pausas e demais reações comportamentais às diversas perguntas e questões abordadas, isoladas ou entre si combinadas, bem como a regras de experiência e senso comuns à luz da normalidade dos comportamentos humanos.
Tal não significa, como dissemos, que a apreciação, eminentemente subjetiva, conducente a conferir maior ou menor credibilidade de um depoimento, é insindicável, pois ao julgador é imposto o dever de explicitar as razões da sua convicção pessoal, na fundamentação da decisão, isto é, que revele não só os motivos por que certo depoimento mereceu maior credibilidade do que outro, mas também que explicite o raciocínio lógico que utilizou na apreciação global e lógica de toda a prova no cumprimento do dispõe o nº 2 do artigo 374º, do Código de Processo Penal, e, no presente caso, o tribunal a quo fê-lo.
Não interessa, assim, neste recurso, o que os juízes desta Relação decidiriam se tivessem efetuado o julgamento em primeira instância. Também não está em causa o modo como decidiria o recorrente se fosse o tribunal a quo. Na verdade, como se referiu, o recurso em matéria de facto não tem por finalidade a realização de um segundo julgamento, mas tão só a apreciação da decisão proferida na 1ª instância, apreciação essa limitada ao exame [controlo] dos elementos probatórios valorados pelo tribunal recorrido e feita à luz das regras da lógica e da experiência, mas sempre sem colidir com os fundamentos da decisão que só a imediação e a oralidade permitem atingir - imediação e oralidade que não estão presentes no julgamento do recurso, porque aos juízes do tribunal superior apenas são facultados registos [em suporte magnético].
Por isso ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respetiva produção, nomeadamente, no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade, verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. E só em caso de inexistência de provas, para se decidir num determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório [nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica] cometida na respetiva valoração feita na decisão da primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do artigo 431.º do Código de Processo Penal.
Se o Tribunal a quo, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicou racionalmente a opção tomada, e o Tribunal da Relação entender que da reapreciação da prova não se impõe decisão diversa, nos termos do art.127.º do Código de Processo Penal, deve manter a decisão recorrida.
Ou seja, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum.
No caso, o recorrente não concorda com a análise que o Tribunal a quo fez da prova produzida em audiência de julgamento. Porém, o Tribunal a quo, imbuído da imediação, explicitou, de forma lógica e ponderada, as razões da sua convicção [no caso, da falta dela], explicou a formulação do juízo que formou sobre a falta de credibilidade ou de credibilidade das declarações/depoimentos apreciados e, da respetiva fundamentação decorre que ficou com dúvidas razoáveis, pelo que lhe cumpria fazer uso do princípio in dubio pro reo.
Com efeito, no que se refere ao:
Processo principal – ofendida GG :
Na acusação imputa-se a prática do crime em apreço aos três arguidos: AA, BB e CC.
Da fundamentação da matéria de facto plasmada no acórdão recorrido decorre que a arguida declarou ter praticado os factos juntamente com o arguido BB, tendo, portanto, incriminado este e ilibado o arguido CC.
E, de facto, a ofendida referiu que a arguida AA se encontrava acompanhada por um homem, porém não o reconheceu, ao contrário do que se passou com a arguida AA, que foi reconhecida por esta [mediante reconhecimento pessoal], sendo certo que a argumentação feita pelo recorrente de que, pese embora não o tenha reconhecido, a referida testemunha fez uma descrição desse indivíduo que corresponde à estrutura desde arguido, consubstancia uma argumentação genérica insuscetível de abalar a conclusão a que chegou o tribunal a quo, único que dispõe da imediação para o poder percecionar.  
Argumenta o recorrente que das vigilâncias documentadas nos autos verifica-se que este arguido está quase [sic] sempre presente e a arguida não foi vista com mais ninguém do sexo masculino, além, de uma vez ou outra, também com o arguido CC, porém, não é menos verdade que na data dos factos não foi efetuada qualquer vigilância policial e, como o próprio recorrente o refere o arguido BB não estava sempre presente.
Argumenta o recorrente que era o arguido BB que alugava os carros em que se faziam transportar, porém, não indica um único meio de prova que o sustente, muito menos que o veículo usado na data da prática dos factos em apreço tenha, naquele período, sido alugado pelo mencionado arguido.
Por fim, argumenta que as mensagens e conversas existentes no telemóvel da arguida também confirmam que dependia deste para praticar os factos, porém, pese embora não indique um único trecho dessas conversas, como lhe competia fazer no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, sempre se dirá que não assiste razão ao recorrente, bastando, para tanto, atentar nos factos vertidos em 13. a 17. da factualidade provada, respeitante ao ofendido OO, para se constatar que a arguida AA não precisava do apoio de ninguém para atuar sozinha, como o fez naquela situação, diga-se, aliás, fazendo uso do mesmo veículo automóvel que usou na prática dos factos agora em análise [respeitantes ao processo principal].    
Inquérito n.º 407/20.7POLSB – ofendida HH
Na acusação imputa-se a prática do crime em apreço aos três arguidos: AA, BB e CC.
Da fundamentação da matéria de facto plasmada no acórdão recorrido decorre que a arguida declarou ter praticado os factos juntamente com os restantes arguidos BB e CC.
Argumenta o recorrente que na altura dos factos foi realizado reconhecimento fotográfico por parte da testemunha LL. Porém,  como o próprio recorrente o reconhece, aquele reconhecimento não tem valor probatório [não corresponde ao prescrito no artigo 147.º do Código de Processo Penal], logo, não pode ser aqui atendido, só porque, no entendimento do recorrente, existem outros elementos de prova para além das declarações da coarguida que incriminam os restantes dois arguidos, pois se assim fosse, seria dar relevo a um meio de prova que carece dele. Aliás, diga-se, como decorre do acórdão recorrido, tal testemunha diz ter visto os visados no reconhecimento da varanda de sua casa e a andar em passo apressado, o que, tal como o refere o tribunal a quo sempre dificultaria a sua capacidade de as reconhecer posteriormente.
Mais uma vez argumenta o recorrente que a referida testemunha fez uma descrição desse indivíduo que corresponde à estrutura do arguido BB, porém, como já aludimos supra, consubstancia uma argumentação genérica insuscetível de abalar a conclusão a que chegou o tribunal a quo, único que dispõe da imediação para o poder percecionar. Além disso, foi realizada a respetiva diligência de reconhecimento pessoal, nos termos previstos no artigo 147.º do Código de Processo Penal [cfr. fls. 249 dos autos principais] pela mesma testemunha, com a intervenção do arguido BB, e o mesmo veio a resultar negativo
Argumenta, por fim, o recorrente que as imagens captadas no dia e hora dos factos no interior do prédio onde a vítima morava mostram os arguidos BB e CC juntamente com a arguida e a vítima, que refere que a arguida ia acompanhada de outros, e a verdade é que são vistos a sair do prédio em passo acelerado em direção à viatura.
Porém, do acórdão recorrido decorre que a ofendida só se recordava de a arguida AA ter entrado na sua casa seguida por um homem, e não por dois.
O recorrente argumenta que os arguidos foram vistos a sair do prédio, passo acelerado em direção à viatura, mas não indica qualquer meio de prova que o sustente.
De qualquer forma, admitindo que se estava a referir ao testemunho de LL, vizinho da ofendida, o que decorre do acórdão recorrido é algo diverso, ou seja, não decorre que esta testemunha viu os arguidos a sair do prédio da ofendida, mas apenas a arguida AA, tendo os restantes dois individuo se dirigido ao veículo, posteriormente, quando já havia sido conduzido pela arguida até uma esquina, onde entraram [“LL, vizinho da ofendida, o qual referiu encontrar-se na varanda e ter daí visto uma senhora na rua a dirigir-se (vinda, aparentemente, do seu prédio onde igualmente reside a ofendida) em passo apressado para uma viatura …, que conduziu até uma esquina, pouco depois surgindo dois homens, igualmente em passo apressado, que entraram nesse carro, o qual foi de imediato posto em marcha, abandonando o local.] [sublinhado nosso].
É verdade que da fundamentação da factualidade da matéria de facto consta que o auto de visionamento de fls. 18 e ss. do apenso revela a entrada de uma mulher (de características físicas compatíveis com a arguida) no apartamento da ofendida, e, logo após, a entrada de dois homens, nada permitindo contudo concluir (apenas por si) qual tenha sido a intervenção de qualquer deles no interior da casa, e designadamente se todos eles se deslocaram pelas suas divisões ou eventualmente algum permaneceu na zona da entrada, assim podendo não ter sido visto pela ofendida, conclusão que foi retirada pelo tribunal a quo e que se compreende, pois referindo-se a ofendida a apenas um homem e não a dois, não tendo feito o reconhecimento de qualquer deles, ficou o tribunal a quo na dúvida qual dos arguidos teria tido participação nos factos, dúvida essa, que se afigura razoável e, como tal, tais factos só poderiam ter sido dados como não aprovados, da forma como o foram.
Inquérito n.º 23/20.3PEALM – ofendido II
Na acusação imputa-se a prática do crime em apreço aos três arguidos: AA, BB e CC.
Da fundamentação da matéria de facto plasmada no acórdão recorrido decorre que a arguida declarou ter praticado os factos juntamente com os restantes arguidos BB e CC.
Argumenta o recorrente que o tribunal a quo não atendeu ao depoimento da testemunha MM[vizinha do ofendido] mas devia tê-lo feito, pois, contrariamente ao que refere o acórdão recorrido, ao entender que as declarações desta testemunha não foram convincentes e que suscitou dúvidas quanto ao reconhecimento do arguido, o seu depoimento deveria ter sido atendido, pois foi  prestado de forma segura e  com espontaneidade quando indicou em julgamento o arguido BB, pelo que a conclusão deverá ser exatamente inversa à do acórdão recorrido.
Porém, a segurança e a espontaneidade com que uma testemunha depõe só pode ser apreendida pelo tribunal a quo, perante a imediação, pelo que o argumento em apreço não pode vingar.
Acresce dizer que também decorre do acórdão recorrido que a referida testemunha não viu a arguida AA, mas veio a saber-se, por esta o ter admitido, que entrou no referido prédio e o relatório de vigilância de fls. 59-60 dos autos principais, respeitante à mesma data, mostra o resultado do acompanhamento feito aos arguidos BB e AA, ao longo de extenso período de tempo, não resultando do mesmo a passagem destes pela morada do ofendido.
Questiona o recorrente se as fotografias dos três arguidos captadas no interior do prédio da vítima, alegadamente no dia e hora em que os factos ocorreram, não significam nada. Porém, desconhece-se a que fotografias se refere, sendo certo que não pode o tribunal de recurso analisar um alegado meio de prova quando o próprio recorrente não o identifica, não diz qual é, em total violação do ónus da especificação, tanto mais que aos autos foram juntos inúmeros registos fotográficos.
Assim sendo, não pode este tribunal de recurso alterar os respetivos factos e considera-los como provados, como o pretende o recorrente.
Inquérito n.º 996/20.6PSLSB – ofendida JJ
Na acusação imputa-se a prática do crime em apreço aos três arguidos: AA, BB e CC.
Da fundamentação da matéria de facto plasmada no acórdão recorrido decorre que a arguida declarou ter praticado os factos juntamente com o arguido BB, porém, “a ofendida mostrou não se recordar, sequer, da presença de outra pessoa para além da senhora que a abordou (e que será a arguida AA, como admitido pela própria), não resultando assim deste nem de qualquer outro elemento de prova – para além das declarações de co-arguida - que fosse o arguido BB a pessoa que acompanhava a arguida AA em tal situação”.
Entende o recorrente que a vítima em julgamento referiu de facto algumas dificuldades de recordar os acontecimentos, mas explicou a razão pela qual quis ou teve que esquecer o que aconteceu, porém, as razões do esquecimento, por muito traumáticas que sejam, o que se compreende, como é consabido, não podem servir de argumento para se considerar provado um facto que a testemunha/ofendida não se recorda.
E não se pode dizer, como o defende o Ministério Público/recorrente, que a vida que o arguido BB levava, com gastos diários excessivos, com consumos de cocaína, com aluguer de carros e quantia de dinheiro avultada que guardava em casa, era proveniente dos factos ilícitos em apreço e, consequentemente, que este os cometeu, pois, conforme decorre da fundamentação da matéria de facto que consta do acórdão recorrido “dos relatórios de vigilância constantes dos autos resulta ter sido frequentemente constatado que os três arguidos – ou os arguidos BB e AA – se deslocavam juntos de carro a vários locais. Contudo, em nenhum deles é constatada a presença dos arguidos junto de qualquer dos ofendidos das situações descritas, antes se deslocando os mesmos, enquanto observados, a locais como restaurantes, um Casino e um Motel.
No mesmo sentido, do exame pericial ao telemóvel da arguida AA (fls. 723 e ss) resulta terem sido encontradas no mesmo, para além de fotografias de artigos que terá comprado e de dinheiro, diversas mensagens, demonstrativas de que a mesma mantinha convívio próximo e combinava encontros com o arguido BB, de modo algum, contudo, se podendo extrair das mesmas que este tivesse estado presente em qualquer das concretas situações em apreciação nos autos.”.
De qualquer forma, para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla, a que alude o artigo 412.º, n.º3, do Código de Processo Penal, sempre teria o Ministério Público/recorrente de especificar, nas conclusões, quais as provas [específicas] que impunham decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigariam à alteração da matéria de facto, o que este não fez.
Sempre caberia ao Ministério Público/recorrente colocar os segmentos que impugna em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretendesse que fossem ouvidas, se fosse o caso, quais os documentos que pretendesse que fossem reexaminados, sendo o caso, bem como quais os outros elementos probatórios que pretendesse ver reproduzidos, demonstrando a verificação de erro judiciário que entendesse existir, o que o recorrente também não fez.
Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha de algum modo desrespeitado os princípios que regem a livre apreciação da prova, não merecendo, por isso, qualquer censura por parte deste Tribunal de recurso.
Conclui o Ministério Público/recorrente que, “atentas as circunstâncias do caso, a gravidade dos factos e a ausência de qualquer arrependimento por parte dos arguidos BB e CC, deveriam os mesmos ter sido considerados co-autores dos factos imputados nos inquéritos supra referidos” [transcrição].
Porém, pese embora se concorde que estamos perante factos graves, diríamos mesmo, muito graves, a gravidade de um facto não constitui fundamento/meio de prova para se condenar um arguido e muito menos a ausência de arrependimento, que só se poderá analisar à posteriori, ou seja, se a factualidade ilícita resultar provada, e não o contrário. 
Uma última palavra para dizer que pese embora se tenha considerado válidas as buscas domiciliárias efetuadas nas residências da mãe e da sogra do arguido BB, tal facto não altera a conclusão a que chegamos, pois na busca efetuada na residência da sogra do arguido BB nada foi apreendido e relativamente à busca efetuada na residência da mãe deste não há qualquer facto que permita concluir que os bens ali apreendidos [a saber dois anéis, uma pulseira, 1 relógio e €3.780, em dinheiro], tenham qualquer ligação com os crimes que aqui lhe vêm imputados, tanto mais que o tribunal a quo determinou a notificação deste arguido para informar, se possível de forma documentada, a quem pertencem tais bens.
Aliás, diga-se, pese embora tenha pugnado pela validade das referidas buscas o Ministério Público/recorrente não tira qualquer consequência das mesmas com vista à incriminação do arguido BB, não refere, por exemplo, que qualquer um dos referidos bens pertencesse a qualquer um dos ofendidos, insurgindo-se apenas quanto ao facto da quantia em dinheiro ali apreendida ser elevada, o que, como é bom de ver, afigura-se insuficiente para se condenar alguém.
Aqui chegados, cumpre, portanto, concluir pela improcedência do recurso interposto pelo Ministério Público/recorrente quanto a este segmento, ficando prejudicado o conhecimento da questão respeitante à pena a aplicar aos referidos arguidos que o Ministério Público/recorrente pretendia ver aqui condenados.
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III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
A. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida AA, no que se reporta à pena parcelar respeitante ao crime de abuso de cartão, previsto e punido pelo artigo 225.º, n.º 1 e 5, al. a) do Código Penal, que se fixa em: 1 [um] ano e 6 [seis] meses de prisão, mantendo-se, quanto ao mais, no que a si respeita, o acórdão recorrido, designadamente, quanto à sua condenação na pena única de 5 [cinco] anos e 8 [oito] meses de prisão.
B. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, considerando-se válidas as buscas domiciliárias efetuadas, em 20-06-2020, às residências sitas na R. DD e na R. EE, bem como as apreensões daí resultantes efetuadas naquela primeira residência, dá-se como provado o facto vertido em 17. da factualidade não provada [respetivamente artigo 46. da acusação], ou seja, que “a 20-07-2020, o arguido BB tinha na sua residência anéis, pulseira e 1 relógio, bem como €3.780, em dinheiro.”, mantendo-se, quanto ao mais, no que respeita aos arguidos BB e CC, o acórdão recorrido.
Sem custas, quanto ao recurso interposto pela arguida/recorrente AA [artigo 513º, n.º 1, à contrário, do Código de Processo Penal].
Sem custas, no que se reporta ao recurso interposto pelo Ministério Público, pois das mesmas está isento [artigo 4.º, n.º1, al. a) do Regulamento das Custas processuais].
Notifique.
Comunique-se, de imediato, à 1.ª instância, com cópia.
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Lisboa, 24 de janeiro de 2023
Os Juízes Desembargadores
Isilda Maria Correia de Pinho
Luís Almeida Gominho
Jorge Gonçalves
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[1] Proc. nº 07P4375, acessível in www.dgsi.pt
[1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95.
[3] Cfr. Acórdãos do STJ de 09-05-2002, in CJ do STJ, 2002, Tomo 2, pág. 193 e de 27-05-2009, Processo n.º 09P0484, acessível em www.dgsi.pt
[4] Cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime”, pág. 197.
[5] In CJ do STJ, ano 2005, Tomo III, pág. 173.
[6] De acordo com os ensinamentos de Anabela Miranda Rodrigues, in “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, abril/junho de 2002, págs. 147 e ss.
[7] Cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 227 e ss.
[8] Cfr. Acórdão do TRL, de 28-05-2013, CJ III, pág. 108.
[9] In curso de Processo Penal, 2.ª ed., Ed. Verbo, 1999, II , pág. 116 e segs.
[10] In A Prova, Apontamentos de Direito Processual Penal, 1992, II Vol . 151-152.
[11] In Sobre os Meios de Prova em Processo Penal.
[12] Neste sentido, entre outros, Acórdão do TRP, datado de 18-06-2014 e Acórdão do TRE, datado de 03-06-2008, Processo n.º 1991/07-1, ambos in www.dgsi.pt
[13] Cfr. Paulo Mota Pinto, “A proteção da vida privada e a Constituição”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, nº 76, Volume LXXVI, Ano 2000, p. 164.
[14] Acórdão do TC nº 403/2015, Proc. nº 773/15, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordao.
[15] Cfr. Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 279; Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. Pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss.
[16] In Forum Iustitiae, Ano I, maio de 1999.
[17] In «O caso Julgado Parcial», 2002, pág. 37.
[18] Cfr, neste sentido, Acórdão do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt
[19] Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., pág. 74.
[20] Acórdão do TRC de 24-04-2018, P. n.º 1086/17.4T9FIG.C1, in www.dgsi.pt
[21] Acórdão do STJ, de 98-07-09, Proc. 1509/97, citado por Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 77.
[22] A propósito deste vício, veja-se, entre outros, os Acórdãos do TRP de 15.11.2018, do TRC de 24-04-2018 e do STJ de 18.05.2011, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[23] Acórdão do STJ., datado de 12-03-2008, in ww.dgsi.pt 
[24] Processo n.º 7/17.9PHFUN.L2-5, in www.dgsi.pt
[25] Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, 1º volume, Coimbra, ed. 1974, pág. 203 a 205.
[26] Cfr. Acórdão do TRC, de 16-09.2015, in www.dgsi.pt.
[27] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-02-2008, Processo nº 07P4729, acessível em www.dgsi.pt