Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2808/12.5TJLSB.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: VICIAÇÃO DE CHEQUE
PRESUNÇÃO DE CULPA
BANCO SACADO
BANCO TOMADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - O banco tomador que se encarrega da cobrança de um cheque é garante da sua regularidade, devendo verificar se existem ou não sinais de viciação.
- Os direitos e deveres recíprocos dos bancos participantes, decorrentes da sua participação nos subsistemas integrantes do SICOI, não são oponíveis nem afastam a responsabilidade individual de cada participante relativamente aos seus clientes.
- Na relação entre o banco sacado e a sua cliente está em causa a responsabilidade contratual, pelo que, de harmonia com o disposto no art. 799º do Código Civil, competia-lhe ilidir a presunção de culpa na violação da convenção de cheque, através da prova dos factos de onde se pudesse concluir que o banco tomador, usando da diligência que lhe era exigível, não podia ter dado pela viciação do cheque.
- Não estando provado que ao banco tomador não era possível detectar a viciação do cheque, ambos os bancos - sacado e tomador - são solidariamente responsáveis pelo ressarcimento à apelante da quantia que foi indevidamente retirada da sua conta bancária e que não foi reposta.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:



RELATÓRIO:



I... instaurou acção declarativa sob a forma de processo sumário em 25/05/2012 contra B... e M... pedindo que os réus sejam condenados solidária ou isoladamente a pagar-lhe a quantia de 7.455,84 € acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese:

-em 19/04/2010, a A. enviou através de correio azul um cheque no referido montante emitido sobre o B..., cruzado e emitido «não à ordem» ao seu fornecedor “E...”;
-o cheque emitido só poderia ser pago ao seu destinatário mediante depósito na conta deste;
-mas o cheque foi rasurado e adulterado, pois foi apagada a palavra «não» manuscrita sobre a expressão «à ordem»;
-e a quantia inscrita nele inscrita foi indevidamente paga pelo M... e retirada da conta da A., sem que o destinatário do cheque o tivesse recebido e apresentado a pagamento;
-foram violados os deveres de cuidado e de verificação da bondade do cheque apresentado a pagamento;
-a A. está desembolsada do montante de 7.455,84 € e teve de efectuar depois o pagamento à sua credora “E...”.

O 1º R., B..., contestou pugnando pela sua absolvição do pedido, invocando, em resumo:

-o escrutínio da regularidade do cheque foi levado a cabo por um sujeito tecnicamente qualificado, ou, pelo menos, acostumado a lidar com este tipo de títulos de crédito, um funcionário bancário;
-fazendo fé na petição, a aceitação por um bancário de um cheque como o dos autos, cuja irregularidade é evidente e notória, não pode senão qualificar-se como uma conduta grosseiramente negligente e incauta e, portanto, violadora dos princípios e deveres que enformam a prestação de serviços bancários;
-todavia, o R. B... não teve qualquer contacto com o cheque ou imagem deste antes ou aquando do respectivo pagamento,  pois, situando-se seu valor abaixo do valor de truncagem acordado pelo sistema bancário (10.000 €), o 2º R., banco participante, estava dispensado de enviar ao banco sacado, 1º R,. as imagens do cheque (cfr ponto 2.1 – al a) dos procedimentos relativos à compensação de cheques constantes do Anexo III da Instrução nº 3/2009 do Banco de Portugal);
-resulta da al b) do ponto 6.3 do mesmo Anexo, que  o 2º R, participante tomador, era o responsável pela verificação da regularidade do cheque, pelo que, ao dar início ao processo de cobrança de um cheque aparentemente viciado, foi o único responsável pelo prejuízo da A.;
-a A. violou deveres de cuidado ao enviar o cheque através de correio simples.

O 2º R., M... contestou, pugnando pela sua absolvição do pedido, invocando, em resumo:

-é verdade que o cheque lhe foi apresentado a desconto e foi depositado numa conta do B...;
- mas o cheque não se encontrava endossado a “E...” mas sim a “E...”, que o endossou a terceiros;
-conferido o endosso do cheque, não foi detectada nenhuma rasura, imprecisão ou indício de falsificação que levasse à sua devolução;
-conforme se prova por cópia disponibilizada pelos serviços de digitalização do banco, o cheque não exibe a indicação “Não à ordem”, pelo que o seu endosso foi regular;
-para que o cheque não fosse pago, teria de conter a inscrição “Não à ordem”;
-o cheque foi regularmente pago, apesar da divergência agora verificada pela comparação com o “canhoto” do cheque constante do livro de cheques apresentado pelo A. em anexo à p.i.;
-pelo que não tem qualquer responsabilidade no prejuízo sofrido pelo A..

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Realizada audiência final, foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo do pedido ambos os Réus.

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Inconformada, apelou a A., terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) De acordo com a douta sentença proferida foi julgada improcedente, por não provada, a presente acção e em consequência absolvidos os RR. B...  e M....
B) Baseia o Tribunal “A quo” a sua decisão no facto de, alegadamente a ora Recorrente não ter logrado provar que por as RR. não terem procedido com o cuidado e diligência devida viu-se a ora Recorrente despojada do montante de 7.455,84 euros (sete mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), dado que teve que depois efectuar o pagamento desse montante à sociedade “E...”.
C) Não se tendo assim provado quaisquer factos susceptíveis de integrar a existência dos danos alegados pela ora Recorrente, em consequência do desconto do cheque, objecto da presente acção.
D) Ora, salvo o devido respeito não pode a ora Recorrente concordar com tal entendimento.
E) De acordo com a douta sentença proferida pelo Tribunal “A quo” foi dado como não provado no ponto 1 da matéria de facto não provada que o gerente da ora Recorrente, não começou a receber telefonemas a perguntar se tinha entregue determinado cheque a um determinado senhor, ao que a ora Recorrente respondeu que não.
F) No ponto 2 da matéria de facto não provada foi dado como não provado que “tendo então constatado que a correspondência que enviara havia sido violada e os cheques andavam a ser descontados noutras contas”.
G) No ponto 3 da matéria de facto não provada foi dado como não provado que “cancelou então todos os cheques à excepção do identificado nos presentes autos, dado que o mesmo já havia sido pago quando tomou conhecimento da situação”.
H) Mais foi dado no ponto 7 da matéria de facto não provada como não provado que a ora Recorrente nunca foi questionada por nenhum dos RR. sobre a emissão do cheque em causa.
I) Sucede porém que do depoimento da testemunha C..., o qual o Tribunal “A quo”, classificou como objectivo, claro coerente e credível, a mesma afirma a dada altura que: “Nesta altura foram extraviados vários cheques e o gerente da ora Recorrente foi questionado se nos cheques tinham sido emitidos às pessoas que estavam a tentar compensar, sendo esta a única situação em que não foi contactado (depoimento gravado em suporte digital do sistema informático “Habilus Média Studio”, com inicio às 14:20:42h e términus às 14:37:20h de 04:21 a 05:17), repetindo tal afirmação a instância do ilustre mandatário do Recorrido B..., dizendo que nesta altura foram enviados vários cheques e alguém que pensa ser do B..., questionou o gerente da ora Recorrente se teria passado um cheque de determinado valor a determinada pessoa (depoimento gravado em suporte digital do sistema informático “Habilus Média Studio”, com inicio às 14:20:42h e términus às 14:37:20h de 09:32 a 10:18).
J) Resulta assim, claramente, do depoimento da testemunha que esta foi a única situação em que a ora Recorrente, por não ter sido contactada pelas ora Recorridas, não teve a oportunidade de cancelar o cheque, ficando assim lesada no montante inscrito mesmo, devendo assim o Tribunal “a quo” ter dado como provada a matéria de facto contida nos pontos 1, 2, 3 e 7 da matéria de facto não provada.
K) No que respeita ao ponto 4 da matéria de facto não provada, tal matéria encontra-se provada documentalmente, nomeadamente pelo doc.2, junto à P.I., o qual prova que o gerente da ora Recorrente, se dirigiu à entidade bancária B... para averiguar como é que o montante do cheque foi retirado da conta da ora Recorrente, sem que o destinatário nunca tivesse recebido o cheque e o apresentado a pagamento.
L) No que respeita aos pontos 5 e 6, prendem-se os mesmos com o fornecimento da cópia do cheque à ora Recorrente, tendo sido dado como não provado que a ora Recorrente tenha tentado, presencialmente, junto das RR. que as mesmas lhe fornecessem cópia do cheque e que até à presente data não teve a autora acesso à cópia ou ao original do cheque.
M) Como podemos constatar nos autos, a cópia do cheque foi junta pelas RR e quanto ao original do mesmo, nunca foi tal documento junto dos autos, alegando as RR não terem o mesmo na sua posse, isto apesar de ter sido solicitada junto do Tribunal “A quo”, a sua junção, pela ora Recorrente.
N) De acordo com o depoimento prestado pela testemunha A... , os cheques ficam na SIBES processos durante seis meses e, depois a lei diz que tem o banco a obrigação de guardar um registo de imagem tal e qual, igual ao original, passados seis meses pode destruir (depoimento gravado em suporte digital do sistema informático “Habilus Média Studio”, com início às 15:15:15h e términus às 16:46:06h de 18:10 a 18:48).
O) Ora, se nunca o original do cheque foi junto aos autos, alegando as RR. não o terem na sua posse, é por demais evidente que a ora Recorrente nunca teve acesso ao mesmo, até porque não era de todo do interesse das RR que tal sucedesse, por razões óbvias, pois se da cópia do mesmo já é possível ver a grosseira adulteração do mesmo, que se diria do original.
P) É igualmente evidente que a ora Recorrente não teve acesso a nenhuma cópia do cheque, a não ser após a contestação dos presentes autos, até porque seria de todo o interesse da ora Recorrente, proceder à sua junção, com a P.I., o que não fez porque não tinha nenhuma cópia em seu poder, nem nunca teve acesso à mesma.
Q) Face aos argumentos supra expostos, entende a ora Recorrente que não ponderou, devidamente, o Tribunal “A quo” a prova junta aos autos e produzida em sede de julgamento, ao dar como não provados os factos supra expostos elencados nos pontos 1 a 7 da matéria de facto dada como não provada.
R) Bem como ao dar como não provado que por as Rés não terem procedido com o cuidado e a diligência devida, viu-se a ora Recorrente despojada do montante de 7.455,84 euros (sete mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), dado que teve depois que efectuar o pagamento desse montante à sociedade “E...”, ponto 8 da matéria de facto não provada, pois
S) A testemunha C... afirmou, no seu depoimento que até aquela data, o dinheiro não foi recebido pela ora Recorrente, continuando fora da empresa (depoimento gravado em suporte digital do sistema informático “Habilus Média Studio”, com início às 14:20:42h e términus às 14:37:20h de 06:45 a 06:54).
T) Face a estas palavras e da análise da cópia do cheque descontado, junto aos autos, de onde ressalta aos olhos de qualquer um a adulteração do mesmo, o que evidencia a falta de cuidado e negligência do seu tratamento e desconto pelas RR, deveria o Tribunal “A quo” ter dado como provados todos os factos contidos nos pontos 1 a 8 inclusive, da matéria de facto dada como não provada.
U) Também face à restante matéria de facto dada como provada, dúvidas não restam que por não terem procedido com o cuidado e a diligência devida, viu-se a ora Recorrente despojada do montante de 7.455,84 euros (sete mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), dado que teve que depois efectuar o pagamento desse montante à sociedade “E....”, como aliás seria lógico face à realidade comum, pois, certamente não iria a credora perdoar a divida à ora Recorrente em virtude dos factos ocorridos, aos quais a mesma é totalmente alheia.
V) Como comprova o extrato bancário junto aos autos, em 28 de dezembro de 2012 e a cópia do cheque junta aos autos por requerimento enviado em 04 de janeiro de 2013
W) Para além disso, caso dúvidas existissem sobre esse pagamento, cabia igualmente ao Tribunal “a quo” esclarecer essa questão, pois
X) Tem o Juiz do Tribunal “a quo” a incumbência de assegurar que é feita justiça e, de para tanto esclarecer, ainda que a título oficioso, todas as dúvidas quanto aos factos que lhe pareçam relevantes para a boa decisão da causa, de acordo com o disposto no artº 411 do CPC.
Y) Entende-se assim, face ao supra alegado, que julgou mal o tribunal “a quo” a matéria de facto, face a toda a prova carreada para os autos, devendo assim ser dados como provados os pontos da matéria de facto supra expostos.
Z) Para além do supra exposto, acresce ainda que tendo o Tribunal “a quo” dado como matéria de facto provada, que o cheque em causa se destinava ao pagamento de um fornecimento que havia sido efectuado à ora Recorrente pela “E...”.

AA) E que o referido cheque, no montante de 7.455,84 euros (sete mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), foi apresentado a desconto, por depósito de multibanco de uma agência da segunda Ré, a qual procedeu ao pagamento da quantia inscrita no mesmo a um terceiro de nome E..., entende-se que está, desde logo provado o dano, pois

BB) Dúvidas não restam, face aos factos supra expostos, que a ora Recorrente foi despojada desse montante, por um terceiro, desconhecido,
e a quem a mesma não devia qualquer montante, logo, teve a ora Recorrente um dano no montante 7.455,84 euros (sete mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), no momento em que essa quantia sai da sua conta sem ser para efectuar o pagamento à entidade a quem foi emitido o cheque por parte da ora Recorrente, isto independentemente, inclusive, se a ora Recorrente teve ou não que pagar tal montante à “E...” (que já acima provamos que pagou).

CC) Assim dúvidas não existindo de que o montante em causa foi, indevidamente, retirado à ora Recorrente, encontra-se provado o dano, pois como refere a própria sentença, a obrigação de indemnização existe em relação aos danos que o lesado, provavelmente, não teria sofrido se não fosse a lesão.

DD) Isto porque mesmo que arbitrássemos a possibilidade da ora Recorrente não ter pago à “E...”, destinatária do montante em causa, o que já vimos que não ocorreu, a verdade é que a ora Recorrente teria neste momento uma dívida que teria, necessariamente, que pagar.

EE) Existe assim, sem qualquer dúvida, um dano causado à ora Recorrente, dano esse que resulta de uma má actuação das ora Recorridas, existindo assim culpa das mesmas no sucedido, pois como consta da matéria de facto dada como provada, o cheque em causa estava emitido com a menção não “à ordem”, com duas linhas paralelas e oblíquas, no seu canto superior esquerdo e emitido a favor de “E....”.

FF) Sendo a viciação do cheque notória para o comum dos mortais e ainda mais e principalmente para um funcionário bancário, habituado a lidar com cheques.

GG) Em conclusão temos assim um cheque da ora Recorrente cujo conteúdo é adulterado, o qual é descontado por ação das ora Recorridas e, entregue o montante nele inscrito a um terceiro, desconhecido da ora Recorrente, ficando a ora Recorrente despojada desse montante, isto quando, frise-se mais uma vez, a adulteração do cheque era visível e notória para qualquer pessoa, ou pelo menos deveria ter suscitado duvidas a quem o verificou, até porque será alguém com uma experiência superior na análise de cheques, ao comum dos cidadãos e que nem terá reparado que o cheque é emitido a um Siantos e assinado no verso por um S...

HH) Estão assim reunidos todos os elementos necessários, facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano, para justificar a condenação das ora Recorridas, nos termos peticionados pela ora Recorrente.

II) Dúvidas não restam assim que são as ora Recorridas responsáveis pelo pagamento, á ora Recorrida, do montante da qual a mesma foi despojada, nos termos peticionados na presente ação, violando a douta sentença ora recorrida de entre outras disposições legais o disposto nos artº 483º, 562º, 563º, 564º e 566º, todos do C. Civil e o art. 47º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ao não condenar as RR a indemnizar a A, pois

JJ) De acordo com o disposto no art. 483º do C. Civil, aquele que com dolo ou mera culpa violar o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos causados.

KK) Devendo, de acordo com o disposto nos artº 562º, 563º, 564º e 566º, todos do C. Civil ser reconstituída a situação anterior à indemnização de dano.

LL) Por sua vez dispõe o art. 47º do do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que nas relações com os clientes devem as instituições de crédito proceder com diligência, neutralidade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.

MM) Assim, face ao supra exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente serem as ora Recorridas condenadas a indemnizar a ora Recorrente nos termos peticionados na presente ação.

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Apenas contra-alegou o R. B..., defendendo a confirmação do julgado.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Questões a decidir:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso pelo que as questões a decidir são estas:
-se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto.
-se os RR devem ser condenados a indemnizar a A.

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III – Fundamentação:

1. Na sentença recorrida vem dado como provado:

A) A Autora exerce a atividade de importação e exportação de produtos alimentares;
B) No dia 19 de Abril de 2010, a Autora enviou, através de correio, o cheque nº 4187494886, no montante de 7.455,84€ (sete mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), emitido sob o banco B..., aqui primeiro Réu;
C) O referido cheque estava traçado com duas linhas paralelas e oblíquas no seu canto superior esquerdo, emitido com a menção “não à ordem”, a favor de “E...”, conforme documento junto a fls. 121 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
D) O cheque supra mencionado destinava-se ao pagamento de um fornecimento que havia sido efectuado à Autora pela firma“E...”;
E) Para além desse cheque foram enviados outros cheques, na mesma data, para outras entidades usando o mesmo método;
F) O cheque nº 4187494886, no montante de 7.455,84€ foi apresentado a desconto, por depósito num multibanco de uma agência da segunda Ré, a qual procedeu ao pagamento da quantia inscrita no mesmo, 7.455,84€;
G) O cheque descontado estava emitido com a menção “à ordem”, a favor de “E...”, conforme documento junto a fls. 66, 100, 192 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
H) A Autora enviou à primeira Ré, uma carta datada de 03 de Maio de 2010, conforme documento junto a fls. 10 a 12 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual consta:

«(…)A nossa empresa é cliente do B... com a conta n.º 002/200026825, agenciada na sede do Banco (Av. da Liberdade) Banca Corporativa há cerca de treze anos.

No passado dia 19 de Abril de 2010, depositámos em correio azul na estação de correios de Moscavide, um cheque no valor de 7 455,84€ com o n.º 4187494886, com destino ao nosso fornecedor de Espanha, E....

Ao que consta e após participação criminal, as caixas de correio dos CTT de Moscavide foram assaltadas e violada a respectiva correspondência.

Este cheque foi completamente adulterado, conforme cópia do original que se anexa, e depositado no dia 20/04/2010, numa conta do Banco M... pertencente a um cliente deste mesmo banco e levantado à posteriori dessa mesma conta. (…)»;

I) A Autora enviou ao Banco de Portugal, uma carta datada de 03 de Maio de 2010, conforme documento junto a fls. 13 a 15 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual consta:
«(…)A nossa empresa é cliente do B... (Banco B...) com a conta n.º 002/200026825, agenciada na sede do Banco (Av. da Liberdade) Banca Corporativa há cerca de treze anos.

No passado dia 19 de Abril de 2010, depositámos em correio azul na estação de correios de Moscavide, um cheque no valor de 7 455,84€ com o n.º 4187494886, com destino ao nosso fornecedor de Espanha, E....

Ao que consta e após participação criminal, as caixas de correio dos CTT de Moscavide foram assaltadas e violada a respectiva correspondência.

Este cheque foi completamente adulterado, conforme cópia do original que se anexa, e depositado no dia 20/04/2010, numa conta do Banco M... pertencente a um cliente deste mesmo banco e levantado à posteriori dessa mesma conta.(…)»;

J) Na sequência da carta enviada ao Banco de Portugal, a segunda Ré enviou à Autora, uma carta datada de 14 de Junho de 2010, conforme documento junto a fls. 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual consta:

«(…) Após análise efectuada ao cheque, verificou-se a existência de endosso formal em nome do beneficiário, não tendo sido detectados indícios de viciação ou adulteração ou qualquer outra anomalia no preenchimento do referido cheque que, de algum modo, pudessem impedir a sua aceitação para depósito.(…)»;

K) Perante esta situação, a Autora enviou à primeira Ré, uma carta datada de 07 de Março de 2011, conforme documento junto a fls. 17 a 20 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual consta: «(…) agradeço que me comuniquem se V. Exas. pretendem proceder ao pagamento extra judicial da supra referida quantia. (…)»;

L) A primeira Ré respondeu através da carta datada de 07 de Outubro de 2011, conforme documento junto a fls. 21 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual consta:

«(…)No âmbito do exposto, informamos que em conformidade com os procedimentos relativos à compensação de cheques, é da responsabilidade do Banco tomador a verificação da existência de emendas ou rasuras nos cheques ou documentos afins (salvo situações definidas em regulamento), não os devendo apresentar no sistema de compensação.

Nesta conformidade, vimos informar que foram efectuadas diligências junto do M... para a devolução dos fundos, ao qual não foi recebida resposta positiva nesse sentido.(…)»;
M) A Autora enviou à segunda Ré, uma carta datada de 06 de Dezembro de 2011, conforme documento junto a fls. 17 a 20 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual consta: «(…) face à postura assumida pelo B... solicita-se a V. Exas, no prazo de 10 dias, informação se assumem a responsabilidade pelo pagamento da supra referida quantia.(…)»;
N) A..., em representação da sociedade Autora, apresentou queixa crime, tendo sido determinado o respectivo arquivamento, conforme documentos juntos a fls. 29 a 32 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
O) O primeiro Réu não teve qualquer contacto com o referido cheque, ou com qualquer imagem do mesmo, antes ou aquando do respectivo pagamento.

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2. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Sustenta a apelante que deve ser dada como provada a matéria julgada não provada na sentença sob os pontos 1 a 8 e cujo teor é este:

«1) Passados alguns dias, o gerente da Autora começou a receber telefonemas de diferentes instituições bancárias a perguntar se tinha entregue determinado cheque a um determinado senhor, ao que o gerente respondeu que não;
2) Tendo então constatado que a correspondência que enviara havia sido violada e os cheques andavam a ser descontados noutras contas;
3) Cancelou então todos os cheques à excepção do identificado nos presentes autos, dado que o mesmo já havia sido pago quando tomou conhecimento da situação;
4) Dirigiu-se então o gerente da Autora à entidade bancária, a primeira Ré, par averiguar como é que o montante do cheque foi retirado da conta bancária da Autora sem que o destinatário tivesse nunca recebido o cheque e o apresentado a pagamento;
5) O sócio gerente da Autora tem tentado presencialmente, em datas que não consegue precisar, junto do balcão das Rés que as mesmas lhe fornecessem cópia do cheque apresentado a pagamento, o que por ambas tem sido recusado;
6) Até à presente data nunca teve a Autora acesso à cópia ou ao original do cheque;
7) A autora nunca foi questionada por nenhuma das Rés sobre a emissão do cheque em causa;
8) Por as Rés não terem procedido com o cuidado e a diligência devida, viu-se a Autora despojada do montante de 7.455,84 €, dado que teve que depois efectuar o pagamento desse montante à sociedade “E...”».

Quanto a estes pontos, a primeira instância exarou a seguinte fundamentação:

«(…) resultou da falta e/ou insuficiência de elementos probatórios.
Com efeito, a factualidade em causa foi expressamente impugnada pelas Rés, não foi produzida prova documental relevante, sendo que as testemunhas inquiridas não demonstraram qualquer conhecimento directo e pessoal sobre os factos controvertidos.
Pelo que, face à ausência e/ou insuficiência de meios de prova objectivos, consistentes e isentos, o Tribunal não poderia formular uma convicção, certa e segura, no sentido da verificação dos factos acima descritos».

Vejamos.

Está provado que para além do cheque em causa nestes autos foram enviados outros cheques para outras entidades, na mesma data, usando o mesmo método (alínea E) da matéria de facto).

Para prova do que consta nos pontos 1, 2, 3 e 7, invoca a apelante o depoimento da testemunha C....

Esta testemunha disse que é contabilista, trabalha para a apelante desde 1996, explicou que os cheques são emitidos pelo gerente e são-lhe entregues para fazer as cartas nas quais são enviados; disse que na altura supostamente foram extraviados dos CTT vários cheques e que para a maioria deles foi o gerente da empresa questionado se teria emitido os cheques às pessoas que estavam a tentar compensá-los e, perante a resposta negativa, não foram pagos; mais disse que «para este já esta informação não nos chegou e quando soubemos não tinha chegado ao fornecedor, já não fomos a tempo de evitar a compensação porque tinha sido feita», acrescentando que quanto a todos os outros a situação ficou sanada antes que os cheques fossem compensados; disse também que «Nesta altura foram enviados cheques penso que tudo no mesmo dia. Entretanto começou a haver tentativa de compensação de cheques, não posso precisar quem nos avisou, mas depreendo que era do B... porque era o Banco com quem tínhamos a relação. Mas alguém, supostamente do B... há-de ter questionado o Sr A... se teria passado um cheque de determinado valor a determinada pessoa»; e à pergunta se esses cheques relativamente aos quais supostamente o B... terá contactado o Sr A... eram passados a empresas e depois estavam a ser apresentados a pagamento por uma pessoa individual respondeu «Exactamente».

Resulta do depoimento desta testemunha: apenas supõe que os cheques foram extraviados dos CTT, não identificou que cheques foram extraviados e cancelados, não identificou os respectivos beneficiários e não sabe quem questionou o gerente da apelante sobre os beneficiários dos cheques supostamente extraviados.

Assim, improcede a impugnação quanto aos pontos 1, 2 e 3.

*

Porém, resultou claro do depoimento desta testemunha que a apelante nunca foi questionada sobre a emissão do cheque antes de ter sido descontado e paga a quantia nele inscrita, pois foi peremptória ao afirmar que a apelante quando soube que o cheque não tinha chegado ao fornecedor E... «já não fomos a tempo de evitar a compensação, porque já tinha sido feita». Assim, conjugando o seu depoimento com a carta datada de 14/6/2010 enviada pelo R. M... à apelante (cfr fls, 24 dos autos) e a carta datada de 07/10/2011 enviada pelo R. B...  à apelante (cfr fls. 25 dos autos), ambas juntas com a p.i. e com os textos parcialmente transcritos nas alíneas J) e L) , dá-se como provado e adita-se à matéria de facto a seguinte alínea:

«P) A Autora nunca foi questionada por nenhuma das Rés sobre a emissão do cheque em causa».

Em consequência, elimina-se o ponto 7) da matéria de facto dada como não provada.

No que respeita ao ponto 4), invoca a apelante o documento 2 junto com a p.i..

Esse documento consiste numa carta da autoria da apelante parcialmente transcrita na alínea H) dos factos provados. Em tal carta lê-se, além do mais que está transcrito, «Ora, após contacto com o B... foi-me respondido que se recusam a assumir quaisquer responsabilidades (…)».

Assim, porque é da autoria da apelante, essa carta não tem aptidão para, desacompanhada de outro meio de prova, demonstrar que o seu gerente se dirigiu ao apelado B... anteriormente, por que meio e em que termos. Mas essa carta não deixa de ser uma forma de o gerente da apelante se dirigir ao B....
Assim, improcede a impugnação quanto a este ponto, mas para que não haja contradição entre a alínea H) dos factos provados e este ponto 4) acrescenta-se a este último o seguinte: «sem prejuízo do que consta em H) da matéria de facto provada».

No que respeita aos pontos 5 e 6 alega a apelante que os RR só juntaram a cópia do cheque alegando não terem o original e invoca o depoimento da testemunha A..., referindo que esta disse que os cheques ficam no SIBS processos durante seis meses.

O que está em causa no ponto 5) é se o gerente da apelante tentou presencialmente junto do balcão dos apelados que lhe fornecessem cópia do cheque, e nenhum depoimento ou outro meio de prova foi produzido nesse sentido.

Sobre o ponto 6) também não foi produzida prova nesse sentido.
Portanto, improcede a impugnação quanto as estes pontos.

Sobre o ponto 8, invoca a apelante o depoimento da testemunha C... bem como a cópia do extracto bancário de fls 131 e a cópia do cheque de fls 135.

Vejamos.

A expressão «Por as Rés não terem procedido com o cuidado e a diligência devida» é conclusiva, pelo que não pode ser levada aos factos provados nem pode constar na matéria de facto dada como não provada.

Em consequência dá-se como não escrita tal expressão.

Quanto à alegação «viu-se a Autora despojada do montante de 7.455,84 €» tem de se considerar que tal está provado, sob pena de contradição com o que consta na alínea F) e tendo em consideração que resulta claro das contestações de ambos os RR que nenhum deles reembolsou essa quantia à apelante, sendo certo que a testemunha C... afirmou peremptoriamente que essa quantia não foi recebida pela apelante.

Em consequência, dá-se como provado e adita-se à matéria de facto a seguinte alínea:

«Q) A Autora viu-se despojada da quantia de 7.455,84 € referida na alínea F)».

Por outro lado, resulta dos documentos de fls. 131 e 135 que a apelante emitiu depois novo cheque sacado sobre a sua conta no B... a favor da fornecedora E..., no montante de 7.455,84 € e que foi pago em 14/05/2010.

Assim, dá-se como provado e adita-se à matéria de facto a seguinte alínea:
«R) A Autora efectuou depois o pagamento do montante de 7.455,84 € à sociedade E...».

*

3. O Direito:

Decorre dos factos provados que o cheque emitido pela apelante e sacado sobre o apelado B... foi falsificado, tendo sido pago pelo apelado M....

Está provado que o apelado B... não teve qualquer contacto com o referido cheque, ou com qualquer imagem do mesmo, antes ou aquando do respectivo pagamento.

Como se refere no Ac do STJ de 29/01/2015 (P. 2450/10.5TVLSB.C1.S1 – in www.dgsi.pt), por força da convenção de cheque, o banco/sacado está vinculado aos deveres de protecção dos interesses e da confiança legítima do seu cliente, relativamente à segurança dos fundos pecuniários depositados à guarda da instituição, sendo de presumir a sua culpa nos termos do art. 799º nº 1 do Código Civil no caso de ter procedido ao pagamento do cheque falsificado. Assim, e citando esse aresto:

«O entendimento largamente dominante, quer na doutrina, que na jurisprudência, vem enfatizando o relevo a atribuir ao dever especial de protecção da fidedignidade do cheque e da confiança legítima dos clientes, partes na convenção de cheque, na integridade e segurança dos fundos depositados na entidade bancária – revelando-se particularmente exigente quanto aos critérios de apreciação da culpa (presumida) do banco no eventual pagamento de cheque falsificado, considerando que – nos casos em que não pode imputar-se uma culpa exclusiva ou partilhada ao emitente do cheque na ocorrência da falsificação – a instituição bancária deverá, em princípio, responder pelos custos dessa mesma falsificação, não sendo liberatório o pagamento feito ao aparente portador legítimo do cheque.
(…)

Assim, o banco a que é apresentado a pagamento o cheque tem inquestionavelmente a obrigação de verificar, de forma diligente e exaustiva, a legalidade e a regularidade formal ou literal do título, incorrendo obviamente em responsabilidade se procede ao pagamento a portador que se não pode configurar como legítimo, por não estarem plenamente preenchidos os requisitos da própria obrigação cambiária.

Está, porém, adicionalmente obrigado – em função de um especial dever de protecção da fidedignidade do título e dos interesses e da confiança do seu cliente, parte na convenção de cheque, - a ir muito mais além da mera análise da literalidade do título de crédito, em termos de dever apurar da possível ocorrência de uma falsificação que – não resultando da literalidade do cheque ou não sendo sequer manifesta perante uma comparação empírica das assinaturas – poderia ter sido perceptível através de uma cuidada e aprofundada análise de elementos extra literais, implicando a actuação com um grau de diligência adequada ao papel institucional que lhe cabe na garantia da fidedignidade daquele título e proporcional às exigências do tráfico.

Tem, pois, o banco a que é apresentado a pagamento um dever geral de protecção da sua fidedignidade e da genuinidade dos elementos que dele constam que se não esgota no mero plano da estrita verificação dos pressupostos da legitimação aparente do portador do título – implicando a realização de diligências que, sendo viáveis e adequadas e proporcionais às exigências do tráfico, permitam confirmar a legitimidade substantiva da posição de quem se apresenta na veste de portador do título, evitando e obstando, na medida do possível, ao êxito de procedimentos fraudulentos que passem pela respectiva falsificação».

Portanto, como se pondera no Ac do STJ de 23/02/2010 (P. 3404/07.4TVLSB.L1.S1- in www.dgsi.pt), «no que especificamente ao contrato de cheque diz respeito, detecta-se que o conteúdo das relações entre as partes se consubstancia em recíprocas obrigações de diligência», «No cumprimento dos deveres de diligência e informação, sobre o Banco impende o dever de recusar, na dúvida, os cheques menos claros e informar o cliente, obtendo dele os elementos tendentes a clarificar situações que se afastem da normalidade».

No que respeita ao banco tomador, ou seja aquele a quem são apresentados para cobrança cheques emitidos sobre outro banco, explica-se neste Ac do STJ de 23/02/2010, a sua eventual responsabilidade para com o cliente do banco sacado, porque é estranha a qualquer relação contratual de depósito ou de cheque, situa-se no campo da responsabilidade extracontratual ou aquiliana.

Assim, temos a considerar que o banco que se encarrega da cobrança de um cheque é garante da sua regularidade, devendo verificar se existem ou não sinais de viciação. Tenhamos presente que o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF – aprovado pelo DL 298/92 de 31/12 estabelece nos art. 73º e 74º, respectivamente, «As instituições de crédito devem assegurar, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e matérias adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência.» e «Os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.».

É ainda de considerar que no texto da Instrução nº 3/2009 do Banco de Portugal – que entrou em vigor em 02/03/2009 - lê-se que «tem por objecto a regulamentação do Sistema de Compensação Interbancária (SICOI), que é composto por vários subsistemas, nomeadamente, cheques (…)

Fazem parte integrante do presente regulamento os respectivos Anexos (…)».

No ponto 1 dessa Instrução refere-se que «São destinatários da presente Instrução, os participantes no Sistema de Compensação Interbancária – SICOI, (…).».

No ponto 2 do Anexo III consta:

«2.1. O participante tomador é obrigado a enviar ao sacado na mesma sessão de apresentação do registo lógico e dentro do horário definido no manual de funcionamento, as imagens dos cheques e dos documentos afins, sempre que:

a) O seu valor for superior ao do montante de truncagem acordado pelo sistema bancário e divulgado pelo Banco de Portugal aos participantes no subsistema de compensação de cheques, através de carta-circular, com carácter reservado.
(…)».

A factualidade provada evidencia que o apelado M... procedeu ao pagamento da quantia inscrita no cheque na qualidade de participante tomador sem ter enviado qualquer imagem do mesmo ao apelado B..., banco sacado, por tal quantia ser inferior do montante de truncagem acordado pelo sistema bancário.

Repare-se, aliás, que o apelado B... alegou nos art. 17 e 18 da contestação, respectivamente: «(…) situando-se o valor do cheque (€7.455,84) abaixo do valor de truncagem acordado pelo sistema bancário (€10.000,00)», «o banco participante – o 2º R. -, estava dispensado de enviar ao banco sacado – 1º R. , as imagens do cheque (cf. Ponto 2.1. – al. a) dos procedimentos relativos à compensação de cheques constantes do Anexo III da Instrução nº 3/2009 do Banco de Portugal».

No ponto 6.3. do Anexo III da Instrução nº 3/2009 prevê-se, na parte que ora interessa:

«O participante tomador é responsável:
a) (…)
b) Pela verificação, para todos os cheques e documento afins que lhe sejam apresentados, da regularidade:
- do seu preenchimento, com exceção da data de validade do impresso cheque;
(…)».

Mas é de ter em conta, também, que o ponto 26 da Instrução nº 3/99 do Banco de Portugal prevê: «Os direitos e deveres recíprocos dos participantes, decorrentes da sua participação nos subsistemas integrantes do SICOI, não são oponíveis nem afastam a responsabilidade individual de cada participante relativamente aos seus clientes».

Portanto, nem com fundamento nesta Instrução pode o apelado B... eximir-se das suas obrigações perante os seus clientes decorrentes da convenção de cheque. A este propósito, louvamo-nos ainda no acima citado Ac do STJ de 23/10/2010 em cujo sumário se lê que «O regime regulamentar do SICOI – Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária – não afasta o regime de responsabilidade legalmente aplicável em resultado de violação de normas da LUCH ou de direito comum, pelo menos nas relações das instituições bancárias com terceiros ou com clientes (externas)», lendo-se ainda, no texto desse aresto, que tal Regulamento tem como destinatárias as entidades bancárias participantes no SICOI, não sendo fonte directa de direito, pelo que «não é oponível oponível aos Demandantes, sem prejuízo dos efeitos que dele possam retirar as Demandadas em sede de determinação de responsabilidades nas relações entre si». De citar ainda, este trecho do Ac do STJ de 22/10/2013 (P. 272/2001.G1.S1 – in www. dgsi.pt): «(…) o regulamento do Sistema de Compensação Interbancária se destina a estabelecer normas de enquadramento jurídico do sistema, com as respectivas regras operacionais e de funcionamento, as quais assentam nas indicações emitidas pelo Banco de Portugal e nos manuais de especificações técnicas acordadas entre os bancos, a SIBS (como operadora do SICOI) e o Banco de Portugal, sendo divulgadas aos participantes pelo Banco de Portugal: o Regulamento SICOI estabelece as linhas-base do sistema e a relações e responsabilidades dos participantes.

Queremos nós dizer o seguinte: não obstante as instruções decorrentes do Regulamento SICOI possam ser tidas em atenção na apreciação do comportamento das entidades bancárias envolvidas, não constitui o mesmo fonte imediata de direito a ter em atenção pelo Tribunal, nem a sua existência afasta o regime de responsabilidade legalmente aplicável, uma vez que se destina primordialmente a regular as relações interbancárias, cfr AUJ nº 4/2008, de 28 de Fevereiro de 2008(…), de 4 de Abril de 2008, Ac do STJ de 23 de Fevereiro de 2010 (…) e de 8 de Maio de 2012 (…)».

Nestes autos não consta o original do cheque mas sim as cópias de fls. 66, 100, 121 e 192, dadas como reproduzidas nos factos provados, sendo que esta última foi apresentada pelo apelado B... na audiência final e admitida pelo seguinte despacho: «Face ao teor do requerimento apresentado pelo Réu B... e à não oposição da Autora e do Réu B..., considerando que o Réu B... veio alegar que não está na posse do original do cheque em causa e atenta a qualidade da cópia constante de fls. 100 dos autos, ao abrigo do disposto no art. 423º nº 3 do C.P.C., admito a junção aos autos do documento ora apresentado pelo B...».

Mesmo tratando-se de cópias do cheque, consegue-se nelas perceber que o espaço imediatamente acima dos dizeres «à ordem de» se apresenta manchado; além disso, não só o nome «Eluicaderio» é muito estranho, como o apelido «Santos» está manuscrito com as três primeiras letras em maiúsculas e as restantes em minúsculas, e entre a letra «S» e a letra A» deste vocábulo é perceptível um ponto, o que também não se afigura normal.

Convoquemos, a propósito, esta alegação contida nos art. 8º, 9º, 10º, 14º e 15º da contestação do apelado B...:

«Fazendo fé na Petição, do confronto entre a versão alegadamente original, id est, não adulterada (cfr doc. 1 junto com a petição inicial), e aquela que foi apresentada a pagamento junto da 2ª Ré, ressaltam à vista: a) a eliminação da palavra “não” aposta na parte superior da palavra pré-impressa “à ordem de”; b) a alteração da pessoa do beneficiário – tendo o nome “E...” sido substituído pelo nome de um particular.»; «Todavia importa não olvidar que, no caso dos autos – e sem prejuízo de o cheque ter sido apresentado para cobrança via ATM – o escrutínio da regularidade do cheque não foi levado a cabo por um observador comum no sentido próprio dos termos»; «mas antes por um sujeito tecnicamente qualificado, ou, pelo menos, acostumado, a lidar com este tipo de títulos de crédito – um funcionário bancário», «Por conseguinte e fazendo, de novo, fé na Petição, a aceitação por um bancário de um cheque como o dos autos – cuja irregularidade é evidente e notória, não pode senão qualificar-se como uma conduta grosseiramente negligente e incauta»; «e portanto, claramente profanadora dos princípios e deveres que enformam a prestação de serviços bancários».

Além disso, não podemos ignorar que o apelado M... não apresentou nos autos o original do cheque apesar de logo em 14/06/2010 demonstrar que sabia que a apelante invocava a sua adulteração, pois enviou-lhe a carta mencionada em J) dizendo que «(…) Após análise efectuada ao cheque, verificou-se a existência de endosso formal em nome do beneficiário, não tendo sido detectados indícios de viciação ou adulteração ou qualquer outra anomalia no preenchimento do referido cheque que, de algum modo, pudessem impedir a sua aceitação para depósito (…)».

Não podemos também desconsiderar que o apelado M... declarou nos autos em 02/06/2014 que «(…) já não está na posse do original do cheque objecto do presente litígio. Porquanto, nos termos do DL 279/2000 de 10 de Novembro, o mesmo só está obrigado a um prazo de guarda de 6 meses, conforme artº 3 do citado diploma», mas nenhuma justificação apresentou para não ter guardado o original o cheque apesar de estar ciente do litígio que estava a ser desencadeado com a reclamação apresentada pela apelante junto do Banco de Portugal.

Em suma, é evidente que o apelado M... não cumpriu a sua obrigação de verificar a regularidade do preenchimento do cheque imposta pelos art. 73º e 74º pelo RGICF e pela Instrução nº 3/2009 do Banco de Portugal. Como se lê, no sumário do Ac da RL de 21/04/2015 (P. 2566/12.3TJLSB.L1 -7 – in www.dgsi.pt)» «Ao tomador do cheque, enquanto entidade bancária cobradora dos valores inscritos nos cheques do banco sacado, é exigível uma actuação diligente, própria de um “banco prudente, zeloso e cauto”, dispondo de técnicas e funcionários especializados na detecção de falsificação dos elementos constantes daqueles títulos, tal como a data, valor ou quaisquer outras inscrições ali inseridas, constituindo um ónus seu a prova de que agiu em conformidade com a observância de tais princípios».

No que respeita à relação entre o apelado B... e a sua cliente/apelante, está em causa a responsabilidade contratual, pelo que, de harmonia com o disposto no art. 799º do Código Civil, competia-lhe ilidir a presunção de culpa na violação da convenção de cheque, através da prova dos factos de onde se pudesse concluir que o apelado M..., usando da diligência que lhe era exigível, não podia ter dado pela viciação do cheque, prova essa que não foi feita.

Portanto, ambos os apelados são solidariamente responsáveis (cfr art. 100º do Código Comercial) pelo ressarcimento à apelante da quantia que foi indevidamente retirada da sua conta bancária e que não foi reposta. De salientar que, mesmo que não se tivesse provado que a apelante procedeu depois ao pagamento daquela quantia à sua fornecedora, só poderiam os apelados livrar-se da sua obrigação se tivessem provado algum facto extintivo do direito da apelante (cfr art. 342º nº 2 do Código Civil), prova essa que não fizeram.

IV – Decisão:

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e revogando-se a sentença recorrida, condena-se os apelados B... e M..., solidariamente, a pagarem à apelante I... a quantia de 7.455,84 € (sete mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.
Custas pelos apelados.


Lisboa, 12 de Novembro de 2015


Anabela Calafate                                 
Regina Almeida                                  
Maria Manuela Gomes
Decisão Texto Integral: