Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2641/13.7TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
CESSAÇÃO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: O princípio geral estabelecido no artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro - que é aplicável à matéria derivada dos contratos individuais de trabalho - é de que as pessoas, independentemente da sua nacionalidade, devem ser judicialmente demandadas no Estado-Membro onde se acham domiciliadas, só o podendo ser em outros Estados membros que não o do seu domicílio, nos termos das normas das secções 2 a 7 do Capítulo II do Regulamento, sobrepondo-se as mesmas às regras de competência nacionais referidas no anexo I.

II - Estando em causa a existência de uma relação de trabalho subordinado firmada entre duas partes domiciliadas em Estados-Membros, a sua cessação (considerada ilícita pelo Autor) e os créditos laborais daí derivados, é aplicável o regime dos artigos 18.º, 19.º e 21.º do referido Regulamento.

III - Os artigos 18.º e 19.º do Regulamento não definem a competência internacional dos tribunais dos Estados-Membros em função do domicílio do trabalhador.

IV - O domicílio das partes é estabelecido de acordo com o disposto nos artigos 59.º e 60.º do Regulamento, possuindo este último dispositivo legal uma natureza especial, por referência à regra geral do artigo 59.º, sendo o regime daquele outro dispositivo legal  que se aplica às sociedades, o que implica que, fora da situação prevista no número 3 do dito artigo 60.º, o juiz não possa recorrer à sua lei interna, para efeitos de determinação do domicílio da parte.

V - O regime constante do número 2 do artigo 18.º do Regulamento só pode ser invocado nas hipóteses em que «uma entidade patronal (...) não tenha domicílio no território de um Estado-Membro mas tenha uma filial, agência ou outro estabelecimento num dos Estados-Membros».     

VI - O artigo 21.º do Regulamento visa alargar aos tribunais de outros Estados-Membros que não os resultantes da aplicação das regras dos artigos 18.º a 20.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro a possibilidade de os trabalhadores demandarem as suas entidades empregadoras.     

Logo, caso uma cláusula denominada de derrogatória das normas da secção 6 do dito Regulamento (CE) se limite a definir como tribunal com competência exclusiva para apreciar os litígios decorrentes do contrato de trabalho em causa um dos que já resultaria da aplicação dos artigos 18.º a 20.º do diploma comunitário em análise, achamo-nos perante um pacto atributivo de jurisdição nulo.

VII - A apreciação e julgamento da exceção de incompetência internacional (assim como de outras) têm de resultar do confronto entre as versões, de natureza fáctica e jurídica, apresentadas pelas partes nos seus articulados e dos documentos e demais meios de prova que os complementam, sem perder de vista, naturalmente, as regras que regulam o ónus de alegação e prova de tal exceção.

VIII - Não existindo norma que no referido Regulamento (CE) defina, para efeitos do artigo 24.º, o que se entende por «comparência», nem que fixe um momento adjetivo próprio ou que deve ser encarado como limite para tal arguição, deveremos recorrer ao direito interno de índole processual em vigor no tribunal do Estado Membro que julga a referida exceção de incompetência internacional.

IX - A atividade de exploração da aviação civil de cariz privado e não regular da Ré, bem como a categoria e a atividade profissional do recorrente pressupõem um conceito difuso ou diluído de local de trabalho.   

X - O segundo requisito constante da última parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento demanda uma atividade com uma continuidade temporal e espacial juridicamente relevantes (um período superior a, pelo menos, 1 mês, dentro de condições normais e não extraordinárias de desenvolvimento das respetivas funções, por forma a se descortinar um padrão ou uma constância no trabalho que está a ser efetuado).

(Elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

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I – RELATÓRIO

AA, Piloto de linha aérea, contribuinte fiscal n.º (…), residente na Rua (…), n.º 45, 1.º Direito, (…) Carcavelos, veio através do preenchimento e entrada do formulário próprio, propor, em 10/07/2013, ação especial regulada nos artigos 98.º-B e seguinte do Código do Processo do Trabalho, mediante a qual pretende impugnar a regularidade e licitude do despedimento de que foi alvo pela sua entidade empregadora BB, CIF n.º (…)e com sede na Rua (…), BL B, (…)Paço de Arcos.

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Designada data para audiência de partes, por despacho de fls. 19, que se realizou, com a presença das partes (fls. 32 e 33) - tendo a Ré sido citada para o efeito a fls. 22 e 24, por carta registada com Aviso de Receção[1] - não foi possível a conciliação entre as mesmas (fls. 75 e 76).

Regularmente notificada para o efeito, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento, conforme ressalta de fls. 84 e seguintes.

(…)

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Notificado para o efeito, o Autora contestou a motivação da Ré pela forma expressa no articulado de fls. 264 e seguintes, (…)

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A Ré veio, na sua réplica, apresentada a fls. 471 e seguintes dos autos, (…)

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Foi então proferido a fls. 755 a 763 e com data de 07/01/2014, despacho saneador que, em síntese, decidiu a exceção arguida pela Ré nos termos seguintes:

“Face ao exposto, julgamos procedente a invocada exceção de incompetência internacional e consequentemente declaramos a incompetência absoluta deste tribunal, absolvendo a R da instância.

Custas pelo Autor – artigo 527.º do Código de Processo Civil.

Fixamos em (€ 187.016,40[2]) o valor desta ação – artigo 98.º-P do Código de Processo do Trabalho.

Registe e notifique.”

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O Tribunal do Trabalho de Lisboa fundou essa sua decisão na seguinte argumentação jurídica:

(…)
O Autor AA, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 770 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 852 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo.
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O Apelante apresentou, a fls. 771 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:

(…)

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A Ré apresentou contra-alegações, dentro do prazo legal, na sequência da respectiva notificação, conforme ressalta de fls. 811 e seguintes, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

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O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 872 e 873), não tendo as partes se pronunciado acerca do referido Parecer, dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificadas para o efeito.

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Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – OS FACTOS

O Tribunal do Trabalho de Lisboa não fixou, de forma especificada e autónoma, a Matéria de Facto dada como Provada (muito embora da leitura da fundamentação do Despacho Saneador, ressaltem alguns factos que o mesmo entendeu como assentes e não assentes), numa atitude que entendemos como fortemente censurável, por coartar direitos às partes e transformar indevidamente o tribunal da relação num tribunal de 1.ª instância, no que toca à sanação de tal omissão, que, excecionalmente, irá ser suprida oficiosamente por este tribunal de recurso, por razões de celeridade e economia processuais e atendendo ao carácter urgente da presente ação.

Sendo assim, consideram-se suficientemente demonstrados os seguintes factos como relevância para a decisão da exceção de incompetência internacional dos tribunais do trabalho:

(…)

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III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).

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A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

(…)

B – COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS DO TRABALHO - REGIME LEGAL

Importa, antes de mais, chamar à colação a legislação que regula a matéria atinente à exceção dilatória que temos entre mãos e que é a constante do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro, possuindo os artigos do mesmo, que poderão ter relevância jurídica para o julgamento da referida questão, a seguinte redação:

 

Secção 5

Competência em matéria de contratos individuais de trabalho

Artigo 18.º

1. Em matéria de contrato individual de trabalho, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º e no ponto 5 do artigo 5.º

2. Se um trabalhador celebrar um contrato individual de trabalho com uma entidade patronal que não tenha domicílio no território de um Estado-Membro mas tenha uma filial, agência ou outro estabelecimento num dos Estados-Membros, considera-se para efeitos de litígios resultantes do funcionamento dessa filial, agência ou estabelecimento, que a entidade patronal tem o seu domicílio nesse Estado-Membro.

Artigo 19.º

Uma entidade patronal que tenha domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada:

1. Perante os tribunais do Estado-Membro em cujo território tiver domicílio; ou

2. Noutro Estado-Membro:

a) Perante o tribunal do lugar onde o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho ou perante o tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho; ou

b) Se o trabalhador não efetua ou não efetuou habitualmente o seu trabalho no mesmo país, perante o tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.

Artigo 20.º

1. Uma entidade patronal só pode intentar uma ação perante os tribunais do Estado-Membro em cujo território o trabalhador tiver domicílio.

2. O disposto na presente secção não prejudica o direito de formular um pedido reconvencional perante o tribunal em que tiver sido instaurada a ação principal, nos termos da presente secção.

Artigo 21.º

As partes só podem convencionar derrogações ao disposto na presente secção, desde que tais convenções:

1. Sejam posteriores ao surgimento do litígio; ou

2. Permitam ao trabalhador recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção.[3]

C - INTERPRETAÇÃO DO REGIME LEGAL

O princípio geral estabelecido no artigo 2.º de tal Regulamento - que é aplicável à matéria derivada dos contratos individuais de trabalho - é de que as pessoas, independentemente da sua nacionalidade, devem ser judicialmente demandadas no Estado-Membro onde se acham domiciliadas, só o podendo ser em outros Estados membros que não o do seu domicílio, nos termos das normas das secções 2 a 7 do Capítulo II do Regulamento, sobrepondo-se as mesmas às regras de competências nacionais constantes do anexo I (transcrito, na parte que interessa na Nota de Rodapé n.º 14).

Ora, estando em causa nos autos a existência de uma relação de trabalho subordinado firmada entre duas partes domiciliadas em Estados-Membros, a sua cessação (considerada ilícita pelo Autor) e os créditos laborais daí derivados, importa lançar mão do disposto nos artigos 18.º, 19.º e 21.º do referido Regulamento[4], podendo desde já excluir-se, no que concerne a esta última disposição, a aplicação concomitante do artigo 23.º, atento as restrições impostas pelo seu número 5, quanto aos pactos atributivos de jurisdição, sendo certo, por outro lado, que não nos movemos no quadro do artigo 22.º.

Temos estar de acordo com as partes quando referem que a circunstância do domicílio do recorrente ser em Espanha ou em Portugal não parece ter qualquer relevância no caso dos autos e face ao regime aplicável, pois os artigos 18.º e 19.º não definem a competência internacional dos tribunais dos Estados-Membros em função de tal elemento (o mesmo já não acontece nas ações do foro laboral que forem propostas pelas entidades patronais, em que existe a obrigação por parte destas últimas em o fazerem no tribunal do Estado-Membro em cujo território o trabalhador tenha domicílio).

O domicílio das partes é estabelecido de acordo com o disposto nos artigos 59.º e 60.º, muito embora entendamos que este dispositivo legal possui uma natureza especial, por referência à regra geral do artigo 59.º, sendo o regime daquela outra disposição que se aplica às sociedades como a aqui Ré e não o derivado da segunda, o que implica que, fora da situação prevista no número 3 do dito artigo 60.º, o juiz não possa aplicar a sua lei interna, para efeitos de determinação do domicílio da parte (logo, não há aqui que chamar as regras dos artigos 82.º e seguintes do Código Civil e 13.º, n.º 2 do Código do Processo do Trabalho, na parte que estende o conceito de domicílio às «sucursal, agência, filial, delegação ou representação».)[5]

Importa dizer também a este respeito que a única norma que alude a um cenário próximo do referenciado nessa regra do Código do Processo do Trabalho é a constante do número 2 do artigo 18.º do Regulamento, mas importa realçar que a mesma só pode ser invocada nas hipóteses em que «uma entidade patronal (...) não tenha domicílio no território de um Estado-Membro mas tenha uma filial, agência ou outro estabelecimento num dos Estados-Membros».     

Convirá não olvidar, finalmente, nesta matéria, a exceção constante do artigo 24.º do mesmo Regulamento (que a Ré denomina de pacto de jurisdição tácito), quando estatui que o tribunal do Estado-Membro será competente desde que o Requerido nele se apresente sem quaisquer reservas (designadamente, com o único propósito de arguir a incompetência internacional do mesmo ou se houver lugar à aplicação do artigo 22.º desse mesmo diploma).                  

D - CLÁUSULA ATRIBUTIVA DE JURISDIÇÃO - SUA VALIDADE

Feita esta primeira abordagem exploratória do regime jurídico em causa, iremos desde já aflorar a legalidade derivada da cláusula 26.6 do referido contrato de trabalho, onde Autor e Ré atribuíram competência exclusiva aos Tribunais Ingleses, relativamente a qualquer reclamação, litígio ou assunto referente ao contrato de trabalho (“The parties to this Agreement submit to the exclusive jurisdiction of the English Courts in relation to any claim, dispute or matter arising out of or relating to this Agreement”).

Ora, tendo o contrato de trabalho dos autos sido firmado em 1/12/2007 (cfr. fls. 133 a 156) e achando-se inserida no seu clausulado inicial a referida cláusula 26.6, nunca se pode afirmar que a mesma foi acordada após a emergência do conflito que se discute no seio desta ação.

Resta-nos saber se poderá então ter sido celebrada segundo a segunda permissão estatuída no número 2 do artigo 21.º do REG., convindo realçar que tal condição de derrogação das regras contidas na secção 5 é estabelecida em benefício dos trabalhadores e já não das entidades empregadoras, pois só assim se compreende o seu teor: «Permitam ao trabalhador recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção».

Se bem interpretamos tal dispositivo normativo, o mesmo visa alargar aos tribunais de outros Estados-Membros que não os resultantes da aplicação das regras dos artigos 18.º a 20.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro a possibilidade de os trabalhadores demandarem as suas entidades empregadoras.     

Logo, caso tal cláusula denominada de derrogatória das normas da secção 6 do dito Regulamento (CE) se limite a definir como tribunal com competência exclusiva para apreciar os litígios decorrentes do contrato de trabalho em causa um dos que já resultaria da aplicação dos artigos 18.º a 20.º do diploma comunitário em análise, então achamo-nos perante um falso ou inócuo pacto atributivo de jurisdição, ao qual não pode nem deve ser reconhecida qualquer validade e eficácia jurídicas.

Admitir uma cláusula dessa natureza é, no fundo, subverter o regime aí instituído e restringir a uma só jurisdição a opção que, em termos normais, o trabalhador teria, com referência às diversas jurisdições dos Estados-Membros eventualmente em presença e confronto (bastará pensar no regime do artigo 19.º e na possibilidade do trabalhador demandar a sua entidade patronal no tribunal do Estado-Membro onde esta última tem domicílio, ou no do Estado-Membro diverso daquele e onde efetua habitualmente o seu trabalho ou ainda naquele onde prestou mais recentemente a sua atividade profissional).

Logo, se, como a própria Ré sustenta, os tribunais do Reino Unido sempre seriam os competentes por força da aplicação das normas constantes dos artigos 18.º, n.º 1 e 19.º, não vemos a utilidade de tal cláusula e, por outro, a sua validade jurídica, dado contrariar manifestamente norma imperativa que não a consente, por ter sido acordada fora dos limites consentidos pelo legislador comunitário[6].                                            

                    

E - COMPETÊNCIA INTERNACIONAL APRECIADA NOS MOLDES EM QUE A AÇÃO É PROPOSTA

O Autor procura sustentar que a base de trabalho sobre a qual o julgador pode e deve trabalhar, para efeitos da análise e decisão da presente exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais do trabalho portugueses, é aquela que resulta da alegação que fez no seu formulário + articulado (contestação/reconvenção) e nada mais, numa postura formal e formalista[7] que nos parece excessiva, até porque facilmente manipulável e permissiva a todo o tipo de fraudes e/ou afirmações faliciosas que, muito embora possam ser eventualmente sancionadas com a litigância de má-fé, não evitam o principal, que é o julgamento do litígio ser feito por um tribunal que, legal ou contratualmente, não tem competência internacional para o fazer.

Diremos mesmo que, no caso desta ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, regulada pelos artigos 98.º-B e seguintes do Código do Processo do Trabalho, a posição das partes surge invertida, como sabemos, em termos substanciais, sendo o empregador o primeiro que verdadeiramente alega de facto e de direito nos autos, cabendo-lhe a ele, nesse articulado, dar cumprimento ao ónus de alegação dos fundamentos do despedimento de cariz subjetivo ou objetivo que promoveu, bem como das exceções de cariz dilatório ou perentório que entenda igualmente se verificarem (recaindo igualmente sobre ele o ónus de prova de uns e outras).

Logo, a versão dos factos e da interpretação do direito aos mesmos aplicável efetuada pelo trabalhador só emerge num segundo momento e articulado, como resposta à referida exceção dilatória arguida no articulado motivador do despedimento junto pela Ré.

De qualquer maneira, afigura-se-nos que a apreciação e julgamento desta exceção de incompetência internacional (assim como de outras) têm de resultar do confronto entre as versões, de natureza fáctica e jurídica, apresentadas pelas partes nos seus articulados e dos documentos e demais meios de prova que os complementam, sem perder de vista, naturalmente, as regras que regulam o ónus de alegação e prova de tal exceção.             

Chegados aqui, diremos que, muito embora a normalidade da vida judiciária não reclame, as mais das vezes, qualquer prova adicional em muitas das exceções dilatórias previstas na lei adjetiva, admitimos perfeitamente que, em situações que o justifiquem, em que a controvérsia entre Autor e Réu demanda um nível mais complexo e aprofundado de averiguação e valoração da realidade em presença, se lance excecionalmente mão do regime contemplado nos artigos 302.º a 304.º do NCPC, de maneira a se chegar a uma conclusão efetiva e de índole material no que concerne à factualidade consubstanciadora da exceção dilatória concretamente invocada (à imagem do que acontece com o incidente de incompetência relativa com a tramitação especial regulada nos artigos 109.º e 111.º do NCPC, não nos parecendo ser sustentável o argumento a contrario sensu, como forma de arredar tal possibilidade no âmbito do incidente de incompetência absoluta).

Ponderada tal problemática, afigura-se-nos que as partes fundaram a prova sobre os factos alegados e que consubstanciam a incompetência ou competência internacional dos tribunais do trabalho portugueses nos documentos juntos conjuntamente com os seus articulados, sendo sobre tal alegação e documentação que iremos fazer incidir a nossa apreciação e julgamento.    

F - ARTIGO 24.º DO REGULAMENTO

O trabalhador lança também mão deste regime de exceção para sustentar que a Ré já não podia arguir na sua Motivação de Despedimento a exceção de incompetência internacional do Tribunal do Trabalho de Lisboa, dado a mesma ter “comparecido” nesse tribunal sem o fazer, de imediato, sendo certo que, como já vimos, não nos movemos no quadro do artigo 22.º (competência exclusiva).

A Apelada começou por suscitar nos autos, a fls. 25 e seguintes e na sequência da citação por carta registada com Aviso de Receção (fls. 24), a falta ou a nulidade da sua citação (tendo silenciado aí a questão relativa à incompetência internacional do Tribunal do Trabalho de Lisboa), irregularidade que veio a ser decidida negativa a fls. 77 e 78, pelos motivos constantes de tal despacho.

Essa exceção dilatória vem somente a ser levantada pela recorrida em sede da sua Motivação de Despedimento (fls. 86 e seguintes), muito embora haja referências nos autos a que a Ré a terá igualmente invocado oralmente no seio da Audiência de Partes, tendo o juiz do processo relegado a sua apreciação para momento posterior, muito embora nada conste da respetiva Ata (fls. 75 e 76).

A dúvida que pode aqui ser legitimamente levantada é se o direito da recorrida arguir tal exceção se precludiu, devido à circunstância de a mesma ter tido a referida primeira intervenção nos autos sem ter, desde logo, qualificado de internacionalmente incompetente o tribunal recorrido, isto é, de ter comparecido, sem reservas, perante o Tribunal do Trabalho de Lisboa.

Ora, não existindo norma que no referido Regulamento (CE) defina o que se entende por tal «comparência», nem que fixe um momento adjetivo próprio ou que deve ser encarado como limite para tal arguição, deveremos recorrer ao direito interno de índole processual, ou seja, aos artigos 101.º a 103.º, 487.º a 489.º e 493.º, n.º 2 e 494.º, alínea a), do Código de Processo Civil de 1961 (por ser o diploma em vigor à data da fase dos articulados aqui em apreço).

Uma correta e adequada interpretação de tal regime adjetivo - que não é contrariado por qualquer regra da mesma natureza, que conste do Código do Processo do Trabalho - legitima a atitude adotada pela Ré nos presentes autos, ou seja, a de invocar na Motivação de Despedimento a exceção em questão[8].

Temos, por isso, de concordar com a Apelada, quando sustenta o seguinte nos seus dois pontos de alegação de recurso:

«77. Com efeito, e valendo-nos das palavras de SOFIA HENRIQUES[9] a este respeito:

Resta-nos analisar em que momento deve ser levantada a exceção de incompetência.

TEIXEIRA DE SOUSA e MOURA VICENTE defendem que o alcance jurídico da expressão «comparecer» e o momento até ao qual o demandando pode suscitar a exceção de incompetência devem ser determinados à luz da lex fori.

O TJCE considerou, no já citado Acórdão ELEFANTEN SCHUH, que a contestação da competência se não for prévia à questão de fundo, pelo menos terá que não se situar após o momento da tomada de posição considerada pelo direito processual nacional como a primeira defesa dirigida ao tribunal requerido. Isto é, a exceção de incompetência e a defesa quanto ao fundo que a acompanha devem ser apresentadas, o mais tardar, ao mesmo tempo que as demais exceções dilatórias.

O demandante e o juiz deve poder perceber, desde a primeira defesa do demandado, que essa defesa visa a invocação da incompetência.

O TJCE reconhece neste caso a aplicação das normas de direito interno da lex fori, mas pautadas por uma norma de direito uniforme comunitário.

Ou seja, as partes têm que respeitar o seu direito nacional no que respeita ao momento em que devem invocar a exceção da incompetência.” (SUBLINHADO NOSSO)

78. Sendo assim, a arguição da exceção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses deve ser efetuada no (ou até ao) momento em que for apresentada a primeira defesa de fundo de acordo com a lei processual aplicável, pronunciando-se o réu sobre o fundo da questão - o que, na ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, ocorre no Articulado de Motivação de Despedimento (articulado em que é apresentada “a defesa propriamente dita”, nas palavras do Mmo. Juiz a quo).»

Logo, pelo conjunto de razões expostas, não se pode encarar como extemporânea a invocação da exceção de incompetência internacional dos tribunais portugueses feita pela recorrida no articulado de Motivação do Despedimento.

G - FILIAL, AGÊNCIA OU OUTRO ESTABELECIMENTO (N.º 2 DO ARTIGO 18.º)

Já tivemos oportunidade de aflorar anteriormente esta problemática, bastando aqui recordar que a Ré BB tem, segundo a certidão do registo comercial à mesma respeitante e o disposto no artigo 60.º, números 1 e 2 do Regulamento, a sua sede social instalada num Estado-Membro da União Europeia (v. g., no Reino Unido), o que, desde logo, afasta a aplicação do número 2 do seu artigo 18.º, bem como o recurso às alíneas b) e c) do número 1 do referido artigo 60.º (administração central ou estabelecimento principal[10]) convindo reiterar, por outro lado e no que concerne ao funcionamento das normas contidas nas secções 2 a 7, o que estipula o número 2 do artigo 3.º: «Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente, as regras de competência nacionais constantes do anexo I.» (logo, as do Código do Processo do Trabalho, entre outras, como as do artigo 13.º, número 2, sendo certo que o Anexo I para onde remete a disposição comunitária possui uma natureza meramente exemplificativa, face à expressão “nomeadamente” do número 2 do citado artigo 2.º do Regulamento).

Realça-se, de qualquer maneira, o que já se deixou afirmado na Nota de Rodapé n.º 18, ou seja, que, em termos estritamente legais e apesar do que se possa ter passado ou passar ainda, em termos práticos, no quotidiano profissional do Autor e demais pilotos, a Ré e a referida empresa (…) - TRANSPORTES AÉREOS, SA, muito embora pertencentes ao mesmo grupo empresarial e manifestamente entrosadas em termos organizacionais e de funcionamento interno daquele, são entes jurídicos autónomos, que não podem ser reconduzidos a meros estabelecimentos (ainda que principais) uma da outra ou, numa outra perspetiva, a simples sucursais, agências, filiais, delegações ou representações (no sentido que estas expressões têm na economia do número 2 do artigo 13.º do Código do Processo do Trabalho e que, para a sua exata compreensão, importará relacionar com o estatuído no artigo 86.º do Código de Processo Civil de 1961 - hoje, artigo 81.º do NCPC)[11].        

H - DOMICÍLIO DA APELADA

Chegados aqui e depois do que se deixou exposto e sustentado nos Pontos anteriores (com especial relevância para os identificados sob as letras C, D e G), tendo o Autor se limitado a propor a presente ação contra a empresa BB, naturalmente por ser ela o ente coletivo que figura como subscritora do contrato de trabalho dos autos e, nessa medida, entidade empregadora do recorrente, não podem existir grandes dúvidas quanto à competência internacional dos tribunais do Reino Unido, dado a sede social daquela se situar em Inglaterra, conforme o registo comercial junto aos autos e em vigor.        

I - TRABALHO HABITUAL OU MAIS RECENTE

Procura o recorrente afastar tal regra geral, alegando que podia demandar a Ré nos tribunais judiciais de Portugal, dado ser aqui que sempre efetuou habitualmente o seu trabalho ou, pelo menos, realizou mais recentemente o mesmo (o último voo teria sido feito de e para o aeroporto de Faro).

Ora, não somente é insuficiente a alegação dos factos pertinentes a sustentar qualquer um desses desvios da regra-tipo da competência internacional dos tribunais do trabalho por parte do trabalhador, como tal versão do cumprimento ou integração do vínculo laboral firmado entre Apelante e Apelada merece a discordância desta última, bem como dos próprios contratos de trabalhos dos autos (cfr. moradas sucessivamente indicadas nos cabeçalhos dos contratos firmados em 10/01/2002, 10/10/2005 e em 1/12/2007, entre a Ré (ou congénere do mesmo grupo) e o Autor - Ilha de Man/Ilha de Man/Reino Unido e Portugal/Espanha/Canadá, respetivamente - e, por exemplo, a Cláusula ou Ponto 5, com o título “Place of work/Local de trabalho”, do último acordo escrito referenciado[12]), sendo certo que a prova documental que foi junta aos autos não sustenta, objetiva e minimamente uma tal ideia (faça-se notar, por exemplo, que os bilhetes de avião juntos a fls. 385 a 424 só respeitam a um ano de contrato de trabalho).

Dir-se-á ainda, a este respeito, que a escolha de uma “Gateway Airport”, por expressa determinação da Ré, não implica a sua automática qualificação como posto ou local de trabalho, conforme igualmente resulta do terceiro contrato de trabalho, na sua cláusula 6 (Gateway Airport/Aeroporto de entrada)[13], não possuindo a demais prova documental a virtualidade de modificar a posição assumida pelas partes em tal clausulado (ou nos dois acordos escritos anteriores, que lhe são equiparados ou muito próximos em termos de conteúdo).

Também a circunstância do artigo 17.º da CONVENÇÃO DE AVIAÇÃO CIVIL INTERNACIONAL, no que concerne à nacionalidade das aeronaves, estatuir que «As aeronaves terão a nacionalidade do Estado em que estejam registradas» não significa que o Apelante tenha estado a desempenhar funções em território nacional ou que o simples facto dos aviões que tripulou, estarem registados em Portugal, lhe permite afirmar a pretendida conexão com o território português, para efeitos de previsão da cláusula do Regulamento (CE) em análise.         

Importa realçar ainda que nem sequer se acha demonstrada a referida última viagem de Faro e para Faro que, ainda assim, a se ter efetivamente verificado, não preencheria, em nossa opinião, o segundo requisito constante da última parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento, pois não se persegue aí um mero ato final e isolado mas antes uma atividade com uma continuidade temporal e espacial juridicamente relevantes (um período superior a, pelo menos, 1 mês, dentro de condições normais e não extraordinárias de desenvolvimento das respetivas funções, por forma a se descortinar um padrão ou uma constância no trabalho que está a ser efetuado).

Não será despiciendo ouvir (ainda que no quadro do Código do Trabalho de 2003), acerca da noção jurídica de “local de trabalho”, o que Maria do Rosário Palma Ramalho, em «Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais», Julho de 2006, Almedina, páginas 407 e 408, sustenta:

«(…) a primeira aproximação ao conceito de local de trabalho aponta para o lugar físico de cumprimento da prestação do trabalhador que coincide, em geral, com as instalações da empresa ou com o estabelecimento do empregador.

Contudo, esta noção não é adequada a diversas situações, em que a atividade laboral desenvolvida influencia diretamente o local de trabalho, tomando-o de mais difícil determinação. Estas situações podem ser dos seguintes tipos:

i) Contratos de trabalho em que a natureza da atividade laboral não se compadece com a fixação de um local de trabalho único ou mesmo preponderante: são os casos de local de trabalho di­luído, que se deixam exemplificar com atividades profissionais como a do motorista do camião, a do trabalhador da empresa de limpezas ao domicílio, a do inspetor itinerante, ou a do dele­gado de informação médica. Nestes casos, o local de trabalho não é fixo, por natureza, ainda que as instalações da empresa possam manter uma relevância acessória para esse efeito (por­que, por exemplo, o trabalhador tem que se apresentar a certas horas do dia nessas instalações).

ii) Contratos de trabalho em que o local de trabalho se sujeita a alterações periódicas por força da atividade desenvolvida pela empresa (por exemplo, os trabalhadores da construção civil que desenvolvem a sua atividade sucessivamente nas diversas obras da empresa, em localidades diferentes).

iii) Contratos de trabalho em que, pela sua especificidade estrutu­ral, a atividade é prestada nas instalações de uma entidade di­versa do empregador, ainda que em moldes estáveis (por exemplo, o contrato de trabalho temporário, ou o contrato de teletrabalho, e ainda o caso da cedência ocasional de trabalhadores). Também nestes casos de local de trabalho externo as instalações físicas do empregador podem ter um relevo acessório (por exemplo, para receber a retribuição), mas não se confundem com o local de trabalho do trabalhador.

iv) As situações de deslocação do trabalhador para o exterior da empresa no exercício das suas funções (por exemplo, o técnico que sai para uma reunião com um cliente ou o paquete que sai para ir ao correio ou ao banco) ou em situações equiparadas ao exercício destas funções (como as deslocações para efeitos de formação profissional). Nestes casos, contemplados no art.º 154.º, n.º 2 do CT embora o local de trabalho coincida com as instalações do empregador, o trabalhador desenvolve ocasionalmente a sua atividade (ou ação equiparada) fora daquelas instalações.

É tendo em conta este tipo de situações que a doutrina a jurisprudência têm aperfeiçoado a noção de local de trabalho, de modo a fazê-la coincidir não com o espaço físico fixo das instalações do empregador, mas com a ideia de centro estável ou predominante do desenvolvimento da atividade laboral (o que permite incluir tanto os casos do local de tra­balho diluído como as deslocações do trabalhador ao serviço da empresa).

Para determinados efeitos, o conceito de local de trabalho é ainda objeto de extensão: é o que se passa com os acidentes que o trabalhador sofra na ida para o trabalho ou no regresso a casa (acidentes in itinere), que são qualificados como acidentes de trabalho nos termos do art.º 285.º, a) do Código do Trabalho».

Ora, cruzando, quer a atividade económica da Ré (melhor dizendo, do Grupo a que ela pertence) e que se traduz na exploração da aviação civil de cariz privado e não regular -, quer a categoria e a atividade profissional do recorrente com esse conceito difuso ou diluído de local de trabalho, temos de concluir que nos achamos perante uma das situações que é referida pela Professora Palma Ramalho, sendo necessário alegar e demonstrar bastante mais do que os factos articulados pelo Autor e os elementos documentais que os suportam, para se lograr situar, com rigor e segurança, em Portugal «o lugar onde o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho» (no fundo, o espaço aéreo que, na sua essência, delimita o seu “local de trabalho”).    

J - ESTABELECIMENTO QUE CONTRATOU O AUTOR

O Autor pretende que o tribunal considere como demonstrado que o estabelecimento que o contratou se situava em Portugal, mas não somente os contratos de trabalhos dos autos (fls. 134 a 156/524 a 543, 348 a 362/678 a 691 e 363 a 378/692 a 708) não evidenciam o local onde tal aconteceu, como a própria documentação junta pelo Autor demonstra que o processo de admissão dos tripulantes parece se estender por diversos países (Portugal, França e Reino Unido), como, finalmente, ainda que se aceitasse que tinha sido a congénere portuguesa da Ré que contratou o Apelante, certo é que, como já vimos, a mesma nunca pode ser encarada como um simples estabelecimento da Apelada e não foi demandada no quadro destes autos[14].                 

K - FRAUDE À LEI?

Não podemos fechar os olhos, naturalmente, a alguns indícios que parecem apontar no sentido do Grupo Económico a que pertence a Ré e a (…) - TRANSPORTES AÉREOS, SA se ter (ao menos parcialmente) estruturado, organizado e dividido por funções, sectores ou atividades, funcionando casa uma das empresas, na sua qualidade de sociedades juridicamente independentes, como departamentos responsáveis por algumas das fases, património ou recursos humanos dedicados à referida atividade de aviação civil não regular e particular ou privada, formando falsos outsourcings e logrando dessa maneira escapar à malha ingénua e lassa das previsões legais do Regulamento (CE) que estivemos a analisar, podendo ainda equacionar-se um outro cenário, também relativamente vulgar e igualmente fraudulento, de coexistência de uma entidade empregadora muito formal (“very british”, no fundo, se nos é permitida a expressão) com uma outra sociedade, que na atividade e vida empresarial de todos os dias, surge como a verdadeira entidade patronal dos trabalhadores como o Autor (neste caso, a referida (…) - TRANSPORTES AÉREOS, SA), mas convirá dizer que a ação não foi direcionada nesse sentido e com tal conteúdo e alcance, não podendo este tribunal sustentar as suas decisões em meras suspeitas nem substituir-se à parte nessa matéria, em termos de alegação e prova (da empregadora real por detrás da empregadora “de palha”).                         

Sendo assim, pelos motivos expostos, tem este recurso de Apelação de ser julgado improcedente, com a confirmação da sentença recorrida.    

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 662.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por AA, confirmando-se, nessa medida, o saneador/sentença recorrido.                          

*

Custas do presente recurso a cargo do Apelante – artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 10 de Setembro de 2014     

 

José Eduardo Sapateiro)

Sérgio Almeida

Jerónimo Freitas
[1] A Ré veio, a fls. 25 a 44 arguir a falta ou nulidade da sua citação, tendo o Autor respondido a tal requerimento nos termos de fls. 50 a 74, sustentando que a empresa citada em Portugal é representante da Ré no nosso país, tendo o Tribunal do Trabalho de Lisboa indeferido tal pretensão por despacho de fls. 77 e 78, datado de 31/7/2013 e já transitado em julgado, considerado ao invés a Ré regular e validamente citada nos autos.        
[2] O Tribunal do Trabalho de Lisboa não fixou, por lapso, no despacho saneador, o valor da ação, tendo-o vindo então a fazer, a convite do relator do presente recurso de Apelação, no despacho de fls. 865, datado de 22/4/2014 e já transitado em julgado.  

[3] Cfr., ainda, com interesse, os seguintes artigos e regras do referido Regulamento:

Artigo 3.º

1. As pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.

2. Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente, as regras de competência nacionais constantes do anexo I.

                                                                                    Artigo 4.º

1. Se o requerido não tiver domicílio no território de um Estado-Membro, a competência será regulada em cada Estado-Membro pela lei desse Estado-Membro, sem prejuízo da aplicação do disposto nos artigos 22.º e 23.º

2. Qualquer pessoa, independentemente da sua nacionalidade, com domicílio no território de um Estado-Membro, pode, tal como os nacionais, invocar contra esse requerido as regras de competência que estejam em vigor nesse Estado-Membro e, nomeadamente, as previstas no anexo I.

Secção 2

Competências especiais

Artigo 5.º

Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro:

1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

- No caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

- No caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);

2. Em matéria de obrigação alimentar, perante o tribunal do lugar em que o credor de alimentos tem o seu domicílio ou a sua residência habitual ou, tratando-se de pedido acessório de ação sobre o estado de pessoas, perante o tribunal competente segundo a lei do foro, salvo se esta competência for unicamente fundada na nacionalidade de uma das partes;

3. Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso;

4. Se se tratar de ação de indemnização ou de ação de restituição fundadas numa infração, perante o tribunal onde foi intentada a ação pública, na medida em que, de acordo com a sua lei, esse tribunal possa conhecer da ação cível;

5. Se se tratar de um litígio relativo à exploração de uma sucursal, de uma agência ou de qualquer outro estabelecimento, perante o tribunal do lugar da sua situação;

6. Na qualidade de fundador, de «trustee» ou de beneficiário de um «trust» constituído, quer nos termos da lei quer por escrito ou por acordo verbal confirmado por escrito, perante os tribunais do Estado-Membro em cujo território o «trust» tem o seu domicílio;

7. Se se tratar de um litígio relativo a reclamação sobre remuneração devida por assistência ou salvamento de que tenha beneficiado uma carga ou um frete, perante o tribunal em cuja jurisdição essa carga ou o respetivo frete:

a) Tenha sido arrestado para garantir esse pagamento; ou

b) Poderia ter sido arrestado, para esse efeito, se não tivesse sido prestada caução ou outra garantia, a presente disposição só se aplica quando se alegue que o requerido tem direito sobre a carga ou sobre o frete ou que tinha tal direito no momento daquela assistência ou daquele salvamento.

Secção 7

Extensão de competência

Artigo 23.º

1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou

b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou

c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.

2. Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à «forma escrita».

3. Sempre que tal pacto atributivo de jurisdição for celebrado por partes das quais nenhuma tenha domicílio num Estado-Membro, os tribunais dos outros Estados-Membros não podem conhecer do litígio, a menos que o tribunal ou os tribunais escolhidos se tenham declarado incompetentes.

4. O tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro, a que o ato constitutivo de um «trust» atribuir competência, têm competência exclusiva para conhecer da ação contra um fundador, um «trustee» ou um beneficiário de um «trust», se se tratar de relações entre essas pessoas ou dos seus direitos ou obrigações no âmbito do «trust».

5. Os pactos atributivos de jurisdição bem como as estipulações similares de atos constitutivos de «trust» não produzirão efeitos se forem contrários ao disposto nos artigos 13.º, 17.º e 21.º, ou se os tribunais cuja competência pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 22.º

Artigo 24.º

Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.º

ANEXO I

Regras de competência nacionais referidas no artigo 3.º, n.º 2, e no artigo 4.º, n.º 2

 (…)

— Em Portugal: artigo 65.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, na medida em que sejam contemplados critérios de competência exorbitante, como os dos tribunais do lugar onde se encontra a sucursal, a agência, filial ou delegação (se localizada em Portugal), sempre que a administração central (se localizada num Estado terceiro) seja a parte requerida, e artigo 10.º do Código de Processo do Trabalho, na medida em que sejam contemplados critérios de competência exorbitante, como os dos tribunais do lugar do domicílio do requerente nos processos referentes a contratos de trabalho instaurados pelo empregado contra o empregador,

(…)

— No Reino Unido: as disposições relativas à competência com base:

a) No ato que iniciou a instância citado ou notificado ao requerido que se encontre temporariamente no Reino

Unido; ou

b) Na existência no Reino Unido de bens pertencentes ao requerido; ou

c) No pedido do requerente de apreensão de bens situados no Reino Unido.
[4] Mostrando-se assim arredada a aplicação do artigo 4.º do Regulamento, o mesmo se podendo dizer relativamente ao número 5 do artigo 5.º, por não estar em causa no processo a exploração de uma sucursal, de uma agência ou de qualquer outro estabelecimento, perante o tribunal do lugar da sua situação (o n.º 1 do artigo 18.º ressalta estas duas disposições normativas).
Desenvolvendo um pouco a última afirmação produzida, importa realçar que o recorrente não funda a ação por si proposta, quer em termos de causa de pedir, como de pedidos formulados, na exploração de um estabelecimento, sucursal ou agência específica, mas antes procura integrar a sua entidade empregadora - BB - num determinado grupo económico e numa lógica empresarial conjugada e interna, de divisão de atividades, patrimónios e responsabilidades (designadamente laborais), que envolve também a empresa do grupo sediada em Portugal (… - TRANSPORTES AÉREOS, SA), que não só constitui o centro de operações de voo do mesmo como é ainda proprietária das aeronaves pilotadas pelo Autor e demais comandantes contratados pela Ré ou suas congéneres e que o mesmo pretende ver unicamente qualificada como representação ou estabelecimento da Apelada em território nacional, para efeitos de alargamento do domicílio daquela.                  
[5] Cfr., neste sentido, muito embora sem se referir ao Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro mas a outros instrumentos de direito internacional e se situarem, por vezes, no âmbito dos acidentes de trabalho ou doença profissional, os seguintes Arestos do Supremo Tribunal de Justiça, todos publicados em www.dgis.pt
- De 13/07/2011, processo n.º 190/2001.P1.S1, relator: Sampaio Gomes (Sumário parcial):
IV - A ação judicial em que se pede a reparação de danos emergentes de doença profissional contraída no estrangeiro contra uma ré domiciliada num Estado Membro da União Europeia vinculado à Convenção de Bruxelas está sujeita à disciplina deste instrumento jurídico, não lhe sendo aplicáveis os artigos 10.º e 15.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
- De 03/03/2005, processo n.º 04A4283, relator: Barros Caldeira (Sumário parcial):
«I - Na aferição da competência dos tribunais de um Estado-membro da Comunidade Europeia (com exceção da Dinamarca) é aplicável o Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, desde que as ações:
a) Respeitem a matéria civil e comercial (âmbito material de aplicação);
b) O réu tenha domicílio (ou sede, administração central ou estabelecimento principal) no território de um Estado membro (âmbito espacial de aplicação);
c) E tenham sido intentadas após o dia 01-03-2002, data de entrada em vigor do Regulamento (âmbito temporal de aplicação).
II - Quando na aferição da competência internacional dos tribunais portugueses sejam aplicáveis as normas constantes do Regulamento, estas prevalecem sobre as normas de Direito Processual consagradas no Código de Processo Civil, não sendo aplicável a Convenção de Bruxelas, por ter sido substituída pelo Regulamento, nem tão pouco a Convenção de Lugano.»
- De 24/10/2007, processo n.º 07S2098, relator: Pinto Hespanhol (Sumário integral):
1. Só nos casos indicados nos artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, existem conexões suficientes com a ordem jurídica portuguesa para justificar a aplicação da legislação portuguesa relativa à proteção das vítimas de acidente de trabalho, pelo que o acidente de trabalhador português ao serviço, no estrangeiro, de entidade com sede no estrangeiro, não se encontra abrangido pelas pretensões de aplicação da lei infortunística portuguesa.
2. A ação judicial em que se pede a reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ocorrido no estrangeiro contra uma ré domiciliada num Estado--Membro da Comunidade Europeia vinculado ao Regulamento n.º 44/2001 e outra domiciliada num Estado Contratante da Convenção de Lugano está sujeita à disciplina daqueles instrumentos jurídicos, não lhe sendo aplicáveis os artigos 10.º e 15.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.
3. Em qualquer dos casos, os fatores de conexão acolhidos em ambos os instrumentos jurídicos apontam no sentido de que os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para conhecer daquela ação.
[6] Cfr., com algum interesse, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2004, processo n.º 04B4076, relator: Neves Ribeiro, publicado em www.dgsi.pt (Sumário parcial):
«1. A competência judiciária internacional dos tribunais portugueses pode resultar da vontade das partes, no domínio de relações jurídicas por elas disponíveis;
2. É exclusiva, a competência resultante de pactos atributivos de jurisdição, previstos pelo artigo 23º, n.º1, com as limitações do n.º 3 e do n.º 5, do Regulamento comunitário n.º 44/01 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, a que corresponde o artigo 17.º, 1.º §, com as limitações do § 2.º e do § 4.º, da Convenção de Bruxelas, de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões, em matéria civil e comercial;
3. O sistema de competência judiciária, de reconhecimento e de execução de decisões judiciais em matéria civil e comercial do Regulamento Comunitário n.º 44/01 e da Convenção de Bruxelas, sobre a mesma matéria, incluindo a que resulta de pactos atributivos de competência judiciária, visa o reconhecimento automático dessas decisões, o favorecimento da sua exequibilidade e da sua livre circulação no espaço territorial da União Europeia.
4. O n.º 1 do artigo 23.º do Regulamento, a que corresponde o § 1.º do artigo 17.º da Convenção, prevê que os pactos atributivos conferem competência exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário.
5. Convencionada a competência pelas partes, é irrelevante que uma delas, contra a vontade da outra, venha, posteriormente, denunciar unilateralmente o estipulado.
6. Porém, a denúncia será possível, se a cláusula atributiva de competência tiver sido estabelecida apenas a favor da parte denunciadora, podendo esta recorrer a qualquer tribunal competente.(…)»    
[7] Que costuma ser normalmente defendida no campo da legitimidade processual, surgindo também, por vezes, no quadro da competência em razão da matéria, como deriva do seguinte Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2009, processo n.º 09S0470, relator: Sousa Peixoto, publicado em www.dgsi.pt (Sumário parcial):
«1. A competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de determinado litígio de natureza laboral afere-se, na falta de convenções de direito internacional ao caso aplicáveis, pelo disposto no Código de Processo do Trabalho.
2. Para aferir dessa competência, atende-se aos termos em que a ação foi proposta.»     
[8] Cfr., neste preciso sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/10/2007, processo n.º 07S922, relatora: Maria Laura Leonardo, publicado em www.dgis.pt (Sumário parcial): 
«X - Não pode considerar-se que configure a aceitação tácita da competência do tribunal português, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º da Convenção de Bruxelas, a contestação apresentada em que o réu, além de arguir a incompetência, apresenta subsidiariamente a sua defesa quanto ao fundo da causa, uma vez que a impugnação da competência teve lugar no momento da tomada de posição considerada pelo direito processual nacional como o primeiro ato de defesa dirigido ao juiz do processo (cfr. o art.º 132.º do CPT/81). (…)»
[9] «Cfr. “Os pactos de jurisdição no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pp. 101-103)» (Nota de Rodapé das alegações de recurso da Apelada).
[10] Dir-se-á, ainda assim, que os autos não nos permitem determinar onde funciona a administração central da Ré ou o seu estabelecimento principal, não se confundindo tais realidades com a sociedade portuguesa (…) - TRANSPORTES AÉREOS, SA, entidade jurídica autónoma, ainda que nela esteja organizado e funcione o centro de operações de voo do Grupo (pelo menos, no quadro do espaço europeu).     
[11] Cfr., a este respeito, o que dizem o Dr. Alberto Leite Ferreira, “Código de Processo do Trabalho Anotado “ (1981), Coimbra Editora, 4.ª Edição, 1996, Nota I ao artigo 14.º, págs. 84 a 86, Carlos Alegre, “Código de Processo do Trabalho - Anotado e Atualizado”, Almedina, Coimbra, 6.ª Edição, 2004, Nota 4, pág. 85 e Albino Mendes Baptista, “Código de Processo do Trabalho Anotado”, Quid Juris, Lisboa, 2000, Nota 4, pág. 53.
[12] «5. Place of work
5.1 It is the nature of the Flight Crew Member’s position that job mobility is essential. The Flight Crew Member will not have a normal place of work. The Flight Crew Member will be expected to travel as necessary for the proper performance of his duties under this Agreement. The Address of the office from which the Flight Crew Member will report and address any queries concerning his employment is 5 Young Street, Kensington, London, W8 5EH.
5.2 The Flight Crew Member may be asked to perform services required at the Company or any Group Company premises for periods of short duration»
«5. Local de Trabalho
Faz parte da natureza do cargo de Tripulante de Voo que a mobilidade no emprego é essencial. O Tripulante de Voo não disporá de um local de trabalho normal. Espera-se que o Tripulante de Voo viaje na medida do necessário para o adequado desempenho das suas funções previstas no presente Contrato. O endereço do escritório a partir do qual o Tripulante de Voo se apresentará ao serviço e colocará quaisquer questões relativas à sua contratação é 5 Young Street, Kensington, London, W8 5EH.
5.2 Pode ser pedido ao Tripulante de Voo que preste serviços necessários nas instalações da Sociedade ou de qualquer Sociedade do Grupo, por períodos de curta duração»          
[13] «6. Gateway Airport
6.1 The Flight Crew Member will be required to select an airport from witch, subject to such airport being agreed by the Company, he/she will be transported to his/her aircraft for the start of commencement of his/her duties under this Agreement (“The Gateway Airport”). In the event that the Flight Crew Member chooses makes his/her own travel arrangements to travel to the aircraft, such arrangements shall be made at his/her own expense.
6.2 For the avoidance of doubt, the Gateway Airport is not, and shall not be deemed to be      the Flight Crew Member’s place of work or base, it being hereby acknowledged by both parties that the location where the Flight Crew Member performs the entirely of his/her duties depends entirely on where the aircraft and the trip being undertaken».
«6. Aeroporto de entrada
6.1 Pode ser solicitado que o Tripulante de Voo escolha um aeroporto a partir do qual, observada a existência de acordo entre esse aeroporto e a Sociedade, será transportado para a sua aeronave para o arranque inicial das suas funções nos termos do Presente Contrato (“o Aeroporto de entrada”). Caso o Tripulante de Voo opte por ser ele a tratar das disposições necessárias para se deslocar até à aeronave, tais disposições serão tomadas a expensas suas.
6.2 No sentido de evitar qualquer dúvida, o Aeroporto de entrada não é nem será considerado como local de trabalho ou base do Tripulante de Voo, sendo desde já reconhecido por ambas as partes que o local onde o Tripulante de Voo desempenha a totalidade das suas funções depende, exclusivamente, do local onde a aeronave se encontra e a viagem começa.»
[14] Cfr., com algum interesse nesta matéria, para além de alguns dos Arestos anteriormente referenciados, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
- De 03/10/2007, processo n.º 07S922, relatora: Maria Laura Leonardo, publicado em www.dgsi.pt (Sumário parcial): 
«I - As normas da “Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial”, celebrada em Bruxelas, em 27 de Setembro de 1968 e em vigor para Portugal desde 1 de Julho de 1992, que determinam a competência das jurisdições dos Estados contratantes na ordem jurídica intra-comunitária afastam (substituindo) as legislações processuais internas nas matérias por ela reguladas.
II - A uniformização do quadro delimitativo da competência judiciária internacional nas matérias às quais se aplica a Convenção ultrapassou o plano regulativo uniforme, atingindo o nível da própria interpretação e aplicação das regras (Protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968, alterado com as Convenções de adesão de 1978, 1982 e 1989).
III - De acordo com a jurisprudência constante do TJCE, para a aplicação da Convenção de Bruxelas releva a natureza civil ou comercial da matéria a julgar, devendo estes conceitos ser interpretados de maneira autónoma, com base em critérios uniformes que cabe ao TJ definir, em primeiro lugar baseando-se no esquema e objetivos da própria Convenção e em segundo lugar perante os princípios gerais que emergem da globalidade dos sistemas jurídicos nacionais.
IV - Além disso, para aferir da natureza civil ou comercial da matéria a julgar há que analisar os fundamentos da ação (o objeto do litígio e a natureza dos argumentos jurídicos utilizados pelas partes) e as modalidades do seu exercício.
V - A matéria dos acidentes de trabalho, enquanto matéria de direito civil, inscreve-se no âmbito objetivo de aplicação material da Convenção de Bruxelas traçado no seu art.º 1.º.
VI - Segundo a Convenção de Bruxelas, em ação em que existam elementos de conexão com mais do que um dos respetivos Estados Contratantes, a regra geral é a da competência (internacional) do tribunal do domicílio do réu.
VII - Porém, tratando-se de matéria de contrato individual de trabalho, a ação pode ser proposta no tribunal do lugar da execução habitual do trabalho ou, se o trabalhador não efetuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, no tribunal do lugar onde se situa ou situava o estabelecimento que o contratou.
VIII - Em matéria extracontratual, pode a ação ser proposta no tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso.
IX - No que diz respeito às ações emergentes de acidente de trabalho, inexiste disposição específica atributiva de competência internacional, pelo que o enquadramento correto deste tipo de ações deve efetuar-se, ou na regra geral do domicílio do réu constante do art.º 2.º, ou, quanto muito, na regra especial relativa à responsabilidade extracontratual constante do n.º 3 do art.º 5.º.
- De 17/01/2007, processo n.º 06S1832, relator: Fernandes Cadilha, publicado em www.dgis.pt (Sumário parcial): 
«Interposta ação emergente de contrato de trabalho contra diversas rés, uma das quais sediada no Reino Unido, e não tendo sido possível determinar um elemento de conexão com território português por referência ao local da situação do estabelecimento que contratou o trabalhador, para efeito do funcionamento da regra especial de competência do artigo 5.º, n.º 1, da "Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial" (designada Convenção de Bruxelas), o tribunal internacionalmente competente para conhecer da ação é o inglês, por efeito da regra geral que resulta das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 3.º da mesma Convenção.»
Ver ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/03/2007, processo n.º 8894/2006-4, relator: José Feteira, publicado em www.dgsi.pt (Sumário integral):
«Face à Convenção de Lugano de 1988 e ao Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho de 22/12/2000, os tribunais ingleses são os internacionalmente competentes para a apreciação e decisão de acidente sofrido, a bordo de navio matriculado em Nassau – Bahamas em viagem pelo Oceano Pacífico, por trabalhador de nacionalidade portuguesa, contratado em Inglaterra por uma empresa inglesa que ali tem a sua sede e escritórios e em que a seguradora é uma empresa norueguesa com sede em Oslo – Noruega, sendo que ambas as empresas não possuem qualquer estabelecimento ou representação em Portugal.» 

Decisão Texto Integral: