Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
484/12.4TYLSB-CK.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: INSOLVÊNCIA
GARANTIA BANCÁRIA AUTÓNOMA
CADUCIDADE
CONTRATO DE EMPREITADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Nos procedimentos cautelares, com excepção das situações de declaração da inversão do contencioso, verifica-se uma não eficácia da decisão da providência cautelar em relação à acção principal.
II- O carácter sumário, bem como a circunstância perfunctória das diligências probatórias, a celeridade imposta pela natureza e objectivos da providência, levam a que a decisão proferida tenha uma natureza precária/indiciária, insusceptível de influenciar a decisão na acção definitiva (principal), razão pela qual nas providências cautelares não se forma caso julgado definitivo.
III- A garantia bancária autónoma à primeira solicitação ou on first demand cria uma situação jurídica que impõe que o garante, ao ser interpelado pelo credor, esteja, em princípio, obrigado a pagar a quantia garantida sem contestar o pagamento do que lhe é exigido. 
IV- A declaração de insolvência do mandante não implica a caducidade da garantia bancária validamente constituída anteriormente à declaração da insolvência.
V- A automaticidade da garantia on first demand não é, porém, absoluta, podendo o garante opor ao beneficiário determinadas excepções, não fundadas nessa relação e assentes em factos relativos ao contrato base, quando exista manifesta má fé ou a má fé patente, fraude manifesta ou de abuso evidente por parte do beneficiário, quando o contrato garantido ofender a ordem pública ou os bons costumes ou quando exista prova irrefutável de que o contrato-base foi cumprido.
VI- É igualmente admissível que, nas relações entre ordenador da garantia e beneficiário, haja lugar à discussão sobre se o contrato base foi, ou não incumprido, com vista a impedir quer o accionamento da garantia pelo beneficiário, quer o reembolso da quantia que recebeu por ter accionado indevidamente a garantia.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Massa Insolvente de A…, SA, …, representada pelo senhor administrador de insolvência …, intentou contra E…, CRL, …, com sede em …, acção declarativa comum pedindo que:
1. seja declarado que a R. actua em abuso de direito ao executar as garantias bancárias prestadas pelo Banco … pelo seu valor total de 93.469,94 € e 115.377,08 € e que
2. a R. seja condenada a pagar à Autora o respetivo valor com vista ao reembolso ao Banco …   
Alegou, em síntese, que a insolvente e a ré celebraram um contrato de empreitada para a construção de um edifício composto por 5 pisos a implementar no Lote …, no Parque das Nações.
Para garantia da boa execução da obra foram constituídas, além de outras, duas garantias bancárias prestadas pelo Banco …, as quais foram accionadas em 2013 já depois da declaração de insolvência e pagas pelo banco em 2017.
A recepção provisória da obra deu-se em 09 de outubro de 2003 e o mandato no qual assenta a garantia bancária caducou com a declaração de insolvência.
A massa insolvente enquanto tal nunca recusou uma reparação da sua responsabilidade por causa da sua situação de insolvência e nunca foi interpelada para proceder a qualquer reparação.
A Ré não reclamou créditos e o accionamento das garantias bancárias abalou a credibilidade da insolvente.
Invocou igualmente que as garantias só foram accionadas por causa da declaração de insolvência.
Não obstante não o tenha feito no pedido a final, a autora no corpo do articulado invocou e pediu a declaração de caducidade do direito da ré em accionar as garantias bancárias, com base na caducidade do mandato que sustenta o próprio contrato de garantia bancária e com base no decurso do prazo de garantia.
Citada para o efeito, contestou a ré pedindo a absolvição do pedido. Para tanto alegou, em suma, que a obra nunca foi definitivamente recebida por culpa da insolvente que não reparou os defeitos que foram sistematicamente denunciados após a recepção provisória da obra em 2003. Sustentou que a insolvente assumiu alguns dos defeitos, tendo procedido a reparações, que pela assunção dos defeitos e denúncia regular dos mesmos não operou a caducidade do direito da ré no accionamento das garantias bancárias e ainda que os defeitos se mantêm, razão pela qual accionou as garantias.
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Após a prestação de esclarecimentos pelas partes, teve lugar audiência prévia.
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Foi proferido despacho saneador-sentença, tendo sido decidido que a excepção de caducidade do mandato se encontrava abrangida por caso julgado e sido absolvida a R. no que à mesma concerne.
Foi julgada improcedente a excepção de caducidade do direito da R. a accionar as garantias bancárias prestadas pelo Banco …, que o exercício de tal direito não configurava acto ilícito causador de responsabilidade civil e que não estavam verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa, tendo a acção sido julgada improcedente e a R. absolvida dos pedidos.
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Inconformada a A. interpôs recurso dessa sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES, que se reproduzem:
1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença, que julgou improcedente a acção, absolvendo a R. do petitório, e bem assim do despacho que imediatamente a antecede.
2. Começando pelo referido despacho, constata-se que o mesmo padece de erro de julgamento uma vez que inexiste «caso julgado» entre um procedimento cautelar e uma acção declarativa.
3. Termos em que, julgando improcedente a excepção em causa e lançando mão do poder de substituição que impende sobre a Relação, se requer a V. Exas. se dignem apreciar, reconhecendo-a, a questão da caducidade do mandato ínsito à formação das garantias bancárias em crise nos presentes autos.
4. Em consequência, deve a acção ser julgada integralmente procedente, por provada e a R. condenada nos pedidos contra si formulados.
5. Caso assim não se entenda sem conceder, deve o facto provado 6 ser alterado, de modo a que à formulação actual se adite: “A receção provisória da obra ocorreu em 09 de outubro de 2003, nos termos do auto junto a fls. …, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, estando os trabalhos a rectificar até 15.11.2003 listados no anexo àquele auto” [cfr. Doc. n.º 6 junto com a PI].
6. Revela-se relevante e inarredável na economia da presente ação apurar da existência, natureza, extensão e quantum dos “defeitos” da obra e sua imputabilidade à Apelante.
7. Ao se ter eximido a tal conhecimento, recusando a produção de prova constituenda, o Tribunal a quo cometeu nulidade nos termos do artigo 195.º CPC.
8. Termos em que deve a Sentença ser anulada e ordenada a produção da prova pericial e testemunhal oportunamente requerida (aliás) por ambas as partes.
9. Ainda que não procedam as conclusões (5) a (8) supra, sempre se impõe – o que, desde já, se requer – a impugnação da Sentença na sua vertente jurídica.
10. Com efeito, o direito da Recorrida a accionar as garantias bancárias extinguiu-se, por caducidade, contrariamente ao decidido pelo Mmo. Juiz recorrido.
11. Em primeiro lugar, resulta do auto de vistoria provisória que as partes listaram defeitos que deveriam ser corrigidos até 15.11.2003, logo esta é a data relevante para efeitos de vigência da garantia de obra, nos termos do artigo 330.º/1 CC.
12. Em segundo lugar, somente os defeitos detectados no quinquénio sequente a 09.10.03 (data da conclusão e entrega da obra), ou seja, até 9.10.08, seriam relevantes e, porventura, oponíveis à aqui Apelante. Encontram-se caducos (eventuais) direitos da Recorrida por reporte a (pretensos) defeitos surgidos após 9.10.2008.
13. Ora, o último auto de vistoria exarado pelas partes (sendo que sequer estão assinados pelos representantes legais), datado de 12.1.0.2007 (facto provado 12), atesta que “se encontram corrigidas as reparações, objeto da reclamação e no âmbito da garantia da obra”.
14. Eventuais reclamações posteriores, a terem sido reparadas, foram-no, sem conceder, como obrigações naturais, não podendo a Apelante ser penalizada por ter procedido a reparações após 9.10.2008.
15. Em terceiro lugar (sem abdicar do antedito), sempre se mostrava caducado o prazo de 1 ano para reparação/ indemnização após denúncia, quando as garantias foram accionadas.
16. Contrariamente ao aventado pelo M. Juiz recorrido, não houve reconhecimento, pela A. dos “defeitos” apontados pela R. – basta ler, com atenção, o teor do Doc. n.º 22 junto à contestação.
17. Não se verificou reconhecimento apto a travar os prazos de caducidade aplicáveis.
18. Note-se que, como bem decidiu o TRG, “O reconhecimento do direito à eliminação dos defeitos só tem efeito impeditivo da caducidade na medida em que tenha ocorrido em momento anterior ao decurso do prazo de caducidade em questão”.
19. Termos em que, revogando a Sentença recorrida, deve este Tribunal da Relação concluir pela caducidade dos direitos da Recorrida e pela consequente ilicitude do acionamento das garantias bancárias.
20. Como já referido, efetivamente importava conhecer da existência, extensão, imputabilidade, etc… dos defeitos apontados pela Recorrida à obra realizada pela Recorrente. 
21. Na realidade, não obstante a autonomia da garantia prestada pelo Banco, resulta insofismável que a A. pode bem discutir perante a R. a validade/ legitimidade do acionamento das garantias bancárias no quadro do contrato de empreitada celebrado com a R. e do qual emergiu a obrigação de constituição de uma garantia pessoal a favor desta demandada (cfr. clausulado reproduzido no facto provado 3).
22. A presente acção posiciona-se no campo das relações internas (sendo demandada a R. e não o Banco emitente das garantias).
23. Não se provou que existissem defeitos imputáveis à Recorrente – aliás, não se provou que os mesmos ascendessem ao valor avultado das garantias bancárias em tela nestes autos.
24.  Não basta a afirmação de que a Recorrida atuou convicta da sua razão para daí se retirar que não atuou em abuso de direito.
25. Inexistiu qualquer conduta contraditória da Recorrente nos presentes autos falimentares no que concerne às garantias ora em colação.
26. Ao julgar a ação improcedente, o Mmo. Juiz recorrido violou as seguintes normas jurídicas: o Artigos 334.º, 1220.º; 1221.º, 1223.º e 1225.º CC; o Artigos 3.º; 364.º/1 e 4; 580.º; 581.º CPC.
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A R. contra-alegou, CONCLUINDO:
A. A sentença recorrida não padece de erro de julgamento na medida em que a decisão final do procedimento cautelar, desde que não seja passível de recurso ordinário, adquire a força de caso julgado material, vinculando as partes e o Tribunal à sua observância, dentro e fora do processo, nos termos do artigo 619.º, n.º 1, do CPC.
B. A garantia autónoma não constitui um contrato de mandato típico e, por isso, não lhe é aplicável o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CIRE, que se reporta aos contratos de mandato com representação, o que não é, manifestamente, o caso do contrato de garantia bancária autónoma à primeira solicitação.
C. A caducidade dos contratos de mandato com representação não faz caducar as obrigações de mandato inseridas em negócios validamente celebrados pela insolvente anteriormente à declaração de insolvência, pelo que não ocorreu a caducidade do contrato de garantia autónoma à primeira solicitação com a declaração de insolvência da Autora. 
D. A impugnação da matéria de facto referente ao facto provado número 6 supunha que houvesse algo a alterar quanto a este facto, que não há, uma vez que foi admitido por acordo, ao não ter sido impugnado pela Recorrida e tem relevância para a causa, como a Recorrente admite nas suas alegações de recurso.
E. A Recorrente pretende adicionar ao facto provado número 6 outros factos, referentes à correcção de situações de defeitos de obra, nomeadamente uma lista de trabalhos a rectificar e o prazo para que tal rectificação viesse a ocorrer, factos que não foram, sequer, alegados pela Recorrente na sua petição inicial, constituindo factos novos.
F. Impugnam-se, desde já, tais factos, o que impede que sejam adicionados à matéria de facto provada por não estarem admitidos por acordo.
G. Tais factos deveriam ter sido objecto de um facto a provar autónomo, visto que não se confundem com a recepção provisória da obra, que é um facto com relevância própria e teriam de ter sido provados para que pudessem, efectivamente, constituir matéria de prova com relevância na presente fase processual.
H. Não é admissível a invocação de factos novos posteriormente ao encerramento da discussão da matéria de facto, pelo que não tem qualquer fundamento o aditamento destes factos nesta fase processual e muito menos como factos provados, visto que não houve discussão das partes sobre os mesmos, nem nos articulados nem posteriormente.
I. Existem no processo factos provados suficientes que permitiram ao Tribunal tomar uma decisão definitiva sem haver necessidade de produção de prova testemunhal, e muito menos pericial, pois a resolução das questões jurídicas levantadas pelos pedidos formulados pela Recorrente basta-se com a prova já existente nos autos.
J. O não pagamento das garantias por parte da entidade bancária apenas poderia ter por fundamento, além das disposições constantes do texto da própria garantia, como fossem o prazo de accionamento da mesma, uma clara e inilidível ausência de boa-fé da dona da obra e ora Recorrida. 
K. A Recorrente não poderia sequer obter, pela via judicial, um efeito jurídico impeditivo da operacionalidade da referida garantia com base noutros pressupostos que estivessem negados ao garante da obrigação
L. A matéria de facto dada como provada na sentença demonstra a actuação legítima da Recorrida, perfeitamente conforme aos ditames da boa-fé.
M. As excepções ao pagamento das garantias bancárias, oponíveis pela Recorrente, apenas poderiam advir de situações de fraude evidente ou de abuso manifesto, o que a Recorrente não logrou alegar nem provar.
N. Não havendo prova líquida e evidente de um tal abuso ou má-fé, era manifesta a improcedência do pedido, como aliás foi decidido, e bem, pelo juiz a quo.
O. Não seria a produção de mais prova, quer incidisse sobre o conteúdo das comunicações entre as partes ou sobre os danos concretos, que alteraria o rol dos factos desde já provados, em termos tais que pudesse alterar a qualificação jurídica dos mesmos e autorizar uma outra solução de direito.
P. Não caducou o direito da Recorrida de accionar as garantias bancárias, nem as referidas garantias se extinguiram, pois o reconhecimento, pela Recorrente, da obrigação de reparar os defeitos da empreitada, impede o decurso do prazo de caducidade dessa mesma obrigação, nos termos do artigo 1220.º, n.º 2, do Código Civil, e evitou que caducasse o direito da Recorrida de accionar judicialmente a Recorrente pela reparação dos alegados defeitos
Q. A data fixada para a correcção dos defeitos listados em anexo ao auto de recepção provisória não invalida que novos defeitos sejam encontrados e denunciados posteriormente ao mesmo, pelo que o argumento da Recorrente não tem qualquer fundamento.
R. A Recorrente faz uma leitura errónea e falaciosa do documento n.º 12 junto à contestação, baseando-se na leitura apenas da primeira página do referido documento.
S. Os defeitos que se encontravam reparados eram os constantes da segunda página desse documento com o título “Auto de Vistoria (pós-venda)”, na qual são elencados determinados trabalhos efectuados ao abrigo da garantia de obra e não todos os defeitos que já haviam sido reclamados pela Recorrida e reconhecidos pela Recorrente como sendo da sua responsabilidade.
T. Deste modo, o referido auto de vistoria apenas reflecte as reparações que dele constam e não quaisquer outras, nem se destina a dar como reparados defeitos que o não foram. 
U. Diz ainda a Recorrente que são irrelevantes eventuais defeitos participados após a data-marco de 09/10/2008, e que, ainda que, posteriormente a tal data a Recorrente tenha procedido a reparações, estas não serão enquadráveis no âmbito da garantia de obra, antes constituindo prestações reconduzíveis a obrigações naturais, que não são susceptíveis de exigibilidade judiciária.
V. Como já se deixou dito acima, o prazo dos cinco anos terminou em 09/10/2008, terminando o prazo de denúncia dos defeitos em 09/10/2009, e, uma vez que a acção judicial destinada a exigir ao empreiteiro a reparação dos defeitos deve ser proposta no prazo de um ano subsequente ao prazo de denúncia, as reparações e o reconhecimento do direito à reparação levados a cabo pela Recorrente são relevantes no prazo de 09/10/2009 a 09/10/2010.
W. Toda a factualidade provada na sentença referente à denúncia e reconhecimento de defeitos está abrangida pelo espaço temporal referido no artigo anterior, pelo que não resulta provada qualquer caducidade ao abrigo da garantia de obra.
X. A prova de que a Recorrente não executou a totalidade das reparações que se propunha realizar é dada pela própria Recorrente, nas comunicações subscritas por responsáveis seus, e que a mesma refere nas suas alegações e juntas aos autos como documentos n.º 16 a 19, 21 e 22.
Y. O resultado destas reparações, ou destas intenções de reparação, é dado pela comunicação seguinte, enviada pela Recorrida, datada de 08/10/2010 e junta aos autos como documento n.º 19, a qual analisa as correcções feitas pela Recorrente e descreve as correções ainda em falta, e ainda pela carta registada enviada pela Recorrida à recorrente em 11/07/2011, e junta à contestação como documento n.º 20, na qual são listados todos os defeitos de obra ainda existentes àquela data.
Z. A responsável da Recorrente pelo pós-venda elaborou o documento n.º 22 junto à contestação, no qual declarou que a Recorrente iria retomar os trabalhos no dia 03/10/2011 e que iria efectuar alguns ensaios de estanquidade, reparar algumas pedras no interior do edifício e que aguardava ainda uma data do fornecedor para a substituição dos vidros, tendo enviado, em anexo a esta mensagem de correio electrónico, a sua análise dos defeitos reclamados pela Recorrida.
AA. Decorre do texto do anexo, e contrariamente ao alegado pela Recorrente, que a Recorrente se comprometeu a fazer as seguintes reparações:
a) Detecção da origem e correcção das impermeabilizações, incluindo situações de remates e juntas, associadas ao aparecimento de humidade junto aos caixilhos de madeira nos vãos das fachadas em todos os espaços dos Pisos 1, 2 e 3;
b) Detecção da origem e correcção das impermeabilizações, associadas ao aparecimento de humidade, em torno das armaduras de iluminação, nos tectos dos vãos das escadas, no Piso 2, dos Edifícios do lado Poente e Nascente; 
c) Detecção da origem e correcção das impermeabilizações, incluindo situações de remates e juntas, associadas à queda de água dentro da loja 1.02.1.1I; 
d) Detecção da origem e correcção das impermeabilizações, associadas ao aparecimento de humidade e entrada de água nos pilares e rodapés tanto ao nível das montras das lojas 1.02.1.1A e B, bem como, através das caixilharias do Escritório 1.02.1.1R, no Piso 1;
e) Após a resolução dos problemas de estanquicidade associados à deterioração de estuques interiores, correcção do estuque nas paredes adjacentes aos caixilhos de madeira (Pisos 1, 2 e 3);
f) Após a resolução dos problemas de estanquicidade associados à deterioração de estuques interiores, correcção do estuque dos pilares e paredes na loja sita na Av. …, Lote 1.02.1.1C, e ainda correcção de fissuras em diversas paredes;
g) Correcção da entrada de água e deterioração dos estuques na loja sita na Alameda …, Lote 1.02.1.1AB, na qual já foi reparado o estuque em várias paredes entre vãos, mas já há novamente vestígios de entrada de água;
h) No hall dos elevadores, Piso 0, do edifício Nascente, pintura da reparação da fissura no tecto, já realizada pela Recorrente, junto à porta do Comércio 1;
i) Reparação da pedra do rodapé e dos degraus das Escadas do Edifício do lado Poente, no Piso 3;
j) Reparação da pedra do rodapé e do pavimento, junto aos tapetes das saídas de emergência para a Av. …, no Piso 0;
k) Reparação de pedras partidas nas lojas 1.02.1.1 A e B;
l) Substituição de dois vidros partidos no escritório T22;
m) Substituição de um vidro partido no escritório Z32, tendo sido identificadas três guardas de vidro danificadas;
n) Substituição dos vidros que se encontrem com vestígios de humidade no interior do escritório Z33;
o) Substituição dos vidros que se encontrem com vestígios de humidade no interior do escritório Z24, tendo sido identificadas três guardas de vidro danificadas; 
p) Substituição do vidro que se encontre com vestígios de humidade no interior do escritório 2 - 1.02.1.1S - guarda de vidro danificada no vão Norte;
q) Substituição dos vidros que se encontrem com vestígios de humidade no interior do escritório 2 - 1.02.1.1S, tendo sido identificada uma guarda de vidro danificada no 1º e 2º vão Sul (canto inferior direito);
r) Substituição dos vidros que se encontrem com vestígios de humidade no interior do escritório 5 - 1.02.1.1V - tendo sido identificada uma guarda de vidro danificada no 1º vão Sul (canto inferior esquerdo); 
s) Substituição dos vidros que se encontrem com vestígios de humidade no interior do escritório 7 - 1.02.1.1Z17 - tendo sido identificada uma guarda de vidro danificada no vão Sul;
t) Substituição dos vidros que se encontrem com vestígios de humidade no interior do escritório 8 - 1.02.1.1AA – tendo sido identificada uma guarda de vidro danificada no 2º vão Sul;
u) Fornecimento de um intercomunicador, cuja falta foi detectada à data da entrega da Áreadelta, no escritório T32, e que ainda não foi entregue, mantendo-se os fios à vista.
BB. Como se extrai da leitura dos referidos documentos, as reparações que a Recorrente se propôs levar a cabo não derivam de uma mera gratuitidade, nem de mera cortesia comercial, antes espelham a convicção dos responsáveis da Recorrente de que estavam a agir ao abrigo da garantia de obra e em resposta a pedidos de reparação validamente apresentados pela Recorrida e, portanto, legalmente obrigados a efectuar tais reparações. 
CC. A Recorrente não se vinculava apenas pelos seus administradores executivos, antes conferindo poderes para contratar aos seus responsáveis hierarquicamente inferiores para que pudesse desenvolver a sua actividade comercial.
DD. O reconhecimento do direito à reparação constitui a Recorrente no dever dessa reparação e esta comprometeu-se a proceder às reparações elencadas no artigo 43º da contestação durante e após o termo dos referidos cinco anos.
EE. Repita-se, aqui, que o prazo dos cinco anos refere-se ao aparecimento e identificação do defeito, correndo depois o prazo de um ano para a denúncia do mesmo e o subsequente prazo de um ano para a exigência da sua reparação.
FF. As reparações identificadas nas alíneas a) a g), j) a o) do artigo 55.º da contestação já haviam sido solicitadas pela Recorrida no relatório de vistoria do dia 18/07/2005, junto à contestação como documento n.º 7.
GG. A reparação dos defeitos referidos nas alíneas q) e cc) do artigo 55.º da contestação já tinha sido solicitada pela Recorrida no relatório de 08/07/2004, junto à contestação como documento n.º 6.
HH. A reparação dos defeitos referidos nas alíneas r) e dd) do artigo 55.º da contestação já tinha sido solicitada pela Recorrida no fax de 14/09/2007, junto à contestação como documento n.º 11.
II. A reparação dos defeitos referidos nas alíneas w) a bb) do artigo 55.º da contestação já tinha sido solicitada pela Recorrida no fax de 29/10/2009, junto à contestação como documento n.º 15.
JJ. Deste modo, a Recorrente ficou obrigada ao cumprimento do dever de reparação, não caducando o direito da Recorrida de exigir essa reparação, e não caducando, consequentemente, o direito de acionar as garantias bancárias em substituição do incumprimento do dever de reparar.
KK. O Tribunal a quo não decidiu exonerar-se da indagação dos defeitos da obra, antes entendeu que já havia prova documental e factos admitidos por acordo bastantes que provassem a existência, a natureza e o valor dos defeitos da obra, bem como a denúncia e o reconhecimento do dever de reparar os mesmos por parte da Recorrente.
LL. Não existe, assim, omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo, uma vez que indagou e recolheu prova bastante para poder dirimir as questões jurídicas suscitadas pelos pedidos formulados na petição inicial.
MM. Uma nota para a referência, pela Recorrente, ao facto de não poder aceitar que os arrogados “defeitos” ascendessem ao valor de €208.847,02 – a que se referem as duas garantias bancárias em causa no presente processo – nem ao valor de €497.418,46, que é o montante total garantido pelas garantias bancárias que a Recorrente constituiu a favor da Recorrida.
NN. Ora, o montante total das garantias não é o actual, uma vez que foi devolvida uma garantia bancária à Recorrente, no valor de €203.754,16, referida na alínea a) do facto provado 4, em 2012, data anterior à declaração de insolvência da Recorrente. 
OO. O valor das garantias é o bastante para o pagamento do orçamento apresentado pela Recorrida na carta que acompanhou a execução das garantias bancárias e junta à petição inicial como documento n.º 5.
PP. O aumento patrimonial da Recorrida derivou do pagamento das garantias bancárias por parte da entidade bancária, por terem sido validamente accionadas face ao incumprimento contratual por parte da Recorrente, o que foi declarado pela sentença da providência cautelar, que julgou improcedente o pedido da Recorrente de impedimento do pagamento das ditas garantias por parte da entidade bancária.
QQ. Havendo um contrato de empreitada celebrado entre ambas as partes, sempre as relações jurídicas existentes entre as mesmas estão balizadas por esse contrato, e qualquer incumprimento ou invalidade terá de ser dirimida no âmbito da responsabilidade civil contratual, nunca nos termos do enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 473.º e 474.º do Código Civil
RR. O enriquecimento sem causa não existe para o caso de não ser reconhecido o direito de indemnização por responsabilidade contratual, existe para o caso em que nenhum vínculo, contratual ou outro, exista entre as partes que permitisse aquele dito empobrecimento. 
SS. Pelo que é plenamente infundado o recurso pela Recorrente ao instituto do enriquecimento sem causa, e andou, assim, bem o Tribunal a quo ao indeferir o pedido da Recorrente de que a Recorrida devesse restituir o valor das garantias accionadas. 
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O Mmº Juiz a quo proferiu despacho admitindo o recurso.
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Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.
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II – Questões a decidir:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações do recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, face das conclusões apresentadas pela recorrente são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
1- se se verifica a “nulidade” da sentença por se ter recusado a produção de prova constituenda;
2- da impugnação da decisão de facto;
3- se se verifica a excepção de caso julgado relativamente à invocada caducidade das garantias bancárias prestadas com fundamento no alegado facto de a declaração de insolvência ter como consequência a caducidade do contrato de mandato que a insolvente celebrou com o Banco … e que deu origem à emissão das garantias bancárias e, no caso de se concluir pela improcedência de tal excepção, se se verifica a caducidade pelos referidos fundamentos;
4- se o accionamento das garantias bancárias pela Ré junto do Banco … consubstancia abuso de direito constitutivo da obrigação da recorrida entregar à massa insolvente a quantia que deste recebeu, a título de responsabilidade civil ou a título de enriquecimento sem causa, com fundamento:
a) na caducidade do direito da Ré de accionar as garantias bancárias pelo seu não exercício, por referência ao tempo decorrido entre o surgimento e conhecimento pela mesma dos defeitos por ela invocados, o que, por sua vez, passa por apreciar se a insolvente reconheceu os defeitos apontados pela recorrida, em que data e em que termos e qual o efeito jurídico de tal reconhecimento sobre o decurso dos prazos de caducidade para denúncia de defeitos e reclamação de reparação;
b) na invocada ausência de direito de crédito da Ré sobre a Insolvente …, por referência ao objeto e efeitos do contrato de empreitada entre elas celebrado, o que, por sua vez, passa pela apreciação da responsabilidade da insolvente pela reparação dos defeitos por aquela denunciados, se tal obrigação de reparação foi cumprida e, na negativa, o custo da mesma.
5- se a sentença deve ser anulada nos termos do art. 662º, nº 2, al. c) do CPC para permitir a ampliação da matéria de facto considerada pelo tribunal recorrido, sob pena de violação do direito à prova e à tutela jurisdicional efetiva.
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III. Fundamentação
A) Matéria de Facto decidida na 1ª Instância:
1. A insolvente tinha como objecto social, além do mais a indústria de construção civil, industrial e obras públicas, elaboração e execução de projectos de urbanização.
2. No âmbito da sua actividade, assinou com a ré documento intitulado de “Contrato de Empreitada” e datado de 11 de Março de 2002 em que esta lhe solicitou a realização de uma obra com vista à construção de um edifício composto por 5 pisos, sendo um de garagem, um piso destinado a comércio, serviços e arrumos e 3 pisos destinados a serviços a implantar no Lote 1.02.1.1 no Parque …
3. No contrato a que se alude em 2- acordaram, além do mais, no seguinte:
“Cláusula Sétima
Garantia de Qualidade
1.No prazo de cinco dias úteis, a contar da data da assinatura deste contrato, o Empreiteiro prestará à Cooperativa, para garantia de boa execução, uma garantia bancária “upon first demand” no montante de 5 % do valor global da obra, sendo certo que nenhum pagamento será efetuado sem que tal garantia tenha sido prestada. 
2.Em cada pagamento, o Empreiteiro reforçará a caução referida no número anterior em 5% do respetivo montante, através de garantia bancária “upon first demand”
4. Para garantia da boa execução da obra a insolvente prestou as seguintes garantias bancárias a favor da ré:
a) Garantia n.º 02/133/94074 no valor de 230.754,16 € - prestada pelo Banco …
b) Garantia n.º 02/134/94154 no valor de 7.571,79 € prestada pelo Banco…
c) Garantia n.º 02/212/96486 no valor de 14.335,35 € prestada pelo Banco…
d) Garantia n.º 125-02-0282962 no valor de 93.469,94 € prestada pelo Banco …
e) Garantia n.º 125-02-0318176 no valor de 115.377,08 €, prestada pelo Banco…
f) Garantia n.º 305663 no valor de 35.910,14 €, prestada pelo Banco…  
5. Nos termos da cláusula décima do referido acordo com a epígrafe “Regulamentação Supletiva”: “Tudo o que não estiver expressamente previsto neste contrato e seus anexos, será regulado pelo Dec.-Lei 59/99 de 02 de Março e restante legislação complementar”.
6. A recepção provisória da obra ocorreu em 09 de Outubro de 2003.
7. Não houve recepção definitiva da obra.
8. Não foi realizada qualquer vistoria na obra visando a recepção definitiva da mesma.
9. A ré denunciou defeitos da obra à insolvente na pessoa, além do mais, da senhora Eng. C… nos dias 08 de Julho de 2004, 19 de Julho de 2005, 08 de Maio de 2007, 08 de Junho de 2007 nos termos que constam de fls. 333, 334 a 335, 336 e 337 verso respectivamente. 
10. Na sequência de denúncias efectuadas, a insolvente na pessoa da Eng. C… enviou no dia 29 de agosto de 2007, dois autos de vistoria datados de 24 de Agosto e 07 de Agosto de 2007, referentes a reparações efectuadas.
11. Em 14 de Setembro de 2007 a ré enviou à insolvente nova “listagem de anomalias”, solicitando à Eng. C…, a sua correcção, nos termos que constam a fls. 340 verso a 341 verso.
12. A insolvente efectuou reparações enviando em 29 de Fevereiro de 2008 fax à ré com o auto de vistoria conjunta das reparações efectuadas, assinada pela Engª C… – fls. 342 verso a 343. 
13. Em 04 de Dezembro de 2008 foi novamente solicitada pela ré a intervenção da insolvente na pessoa, além do mais da Eng. C…, para reparação de defeitos da obra – fls. 344.
14. Em 16 de Julho de 2009, a ré enviou um fax à insolvente que o recebeu na mesma data insistindo pela resolução de “anomalias” verificadas na obra – fls. 345 a 346. 
15. Em 29 de Outubro de 2009, na sequência de uma vistoria conjunta realizada ao edifício, foi enviado fax solicitando novamente a correcção de “anomalias” na obra – fls. 348 a 349.
16. Em 11 de Janeiro de 2010, a insolvente enviou à ré uma mensagem de correio electrónico em resposta a solicitação datada de 04 de Janeiro de 2010, explicando os procedimentos que iriam ser seguidos nas reparações a que iria dar início – fls. 350 e 350 verso.
17. No dia 27 de Janeiro de 2010 a insolvente comunicou que iria iniciar naquela data a reparações “do revestimento de pedras da I.S, reparação de fissuras das IS, bem como outras anomalias reportadas” – fls. 351 verso.
18.  Em 14 de Maio de 2010, a insolvente comunicou que iria “proceder à selagem das juntas horizontais inferiores dos caixilhos de madeira”, mais referindo que “Quanto à substituição dos vidros partidos, cuja substituição pretendíamos promover em simultâneo, ainda não nos é possível indicar a data efetiva uma vez que o fornecedor inicial (VITROPOR) ainda não nos facultou a mesma” – fls. 352 verso.
19. Em 21 de Setembro de 2010, a ré solicitou à insolvente por correio electrónico listagem das anomalias já reparadas e a data previsível das anomalias por reparar – fls. 355
20. Em resposta e pela mesma via, a insolvente informou no dia 22 de Setembro de 2010 que “Faltará apenas a reparação de vidros (para-chamas e vãos exteriores).
Não reparámos, também, pequenas zonas de estuque degradado nas ombreiras dos vãos exteriores uma vez que a substituição de vidros poderá afetar essa zona. O processo referente aos vidros tem sido bastante complexo mas julgo que teremos uma data para lhe comunicar muito em breve.” – fls. 355
21. No dia 08 de Outubro de 2010, a ré enviou à insolvente uma descrição das anomalias que ainda persistiam e tinham sido comunicadas pelos condóminos, solicitando a sua reparação – fls. 353 a 354 verso.
22. A ré enviou à insolvente no dia 11 de Julho de 2011 carta registada com aviso de recepção, contendo, além do mais, o seguinte teor:
“No passado dia 12 de Maio de 2011 reuniu a Assembleia Geral da … Cooperativa de Construção CRL, tendo esta mandatado a Direção da Cooperativa para Vos notificar no sentido de procederem, com urgência, à reparação das anomalias ainda existentes no edifício que constam da lista abaixo e que são do Vosso conhecimento e responsabilidade, cuja reparação tem vindo a ser protelada há muito tempo. Para o efeito deverão dar início aos trabalhos, o mais tardar, dentro de 15 dias e proceder à respetiva execução num prazo máximo de 45 dias. Caso isso não se verifique, a Direção da Cooperativa irá proceder à adjudicação dos trabalhos em causa, que serão custeados com o montante das garantias bancárias. As anomalias que ainda continua, por resolver são:
INFILTRAÇÕES
(…)
ESTUQUES
(…)
CANTARIAS
(…)
FACHADAS – VIDROS PARTIDOS
(…)
GUARDAS DE VIDRO
(…)
DIVERSOS (…)” – fls. 353 verso a 358
23. No dia 29 de Julho de 2011 a insolvente respondeu informando que iriam iniciar os trabalhos no dia 02 de Agosto de 2011 – fls. 359.
24. No dia 27 de Setembro de 2011, a insolvente, na pessoa da Eng. M…, enviou a seguinte comunicação eletrónica à ré através do endereço M…pt:
“Boa tarde Eng. L…
No seguimento da nossa reunião em obra no passado dia 16.09.2011, onde foi efetuada uma visita ao local dos trabalhos com o objetivo de serem identificadas as reclamações por vós apresentadas, vimos pelo presente enviar a nossa análise e medidas que iremos promover ao abrigo da garantia de obra – ver ficheiro em anexo.
Prevemos que os trabalhos sejam retomados na próxima 2.ª feira, dia 03.10.2011 Iremos efetuar alguns ensaios de estanquicidade, assim como reparação de algumas pedras no interior do edifício, pelo que agradecemos que nos sejam dados acessos às referidas zonas.
Quanto à substituição dos vidros ainda não temos data, pois aguardamos informação do nosso fornecedor.”
25. No dia 16 de maio de 2012 foi enviado à autora correio electrónico com o seguinte teor:
“Boa tarde senhora Eng.ª M…
Vimos por este meio solicitar que sejam retomados os trabalhos de reparação das anomalias existentes no Edifício E… e que são da responsabilidade da A...
Solicitamos que seja dada imediata resolução à entrada de água que se verifica pelos caixilhos do escritório 1.02.1.1 AB (Piso 1, lado Poente), visto que, a entrada de água que se verificou com as últimas chuvadas, tem características muito semelhantes com a que se verifica nos restantes caixilhos do edifício.
Verificou-se que entrou água com abundância em caixilhos que apresentam o silicone e as madeiras em bom estado de conservação, tendo mesmo danificado a alcatifa no interior do escritório. Com vista a ser dada continuidade aos trabalhos, solicitamos reunião urgente para agendamento dos mesmos…”
26. No dia 31 de Maio de 2012, foi enviada pela mesma via, insistência com o seguinte teor: “Como até à presente data ainda não obtivemos qualquer resposta da V. parte, vimos novamente solicitar que nos indique uma data para a realização de uma reunião para tratar dos assuntos ainda por resolver.”
27. A insolvência de A… foi declarada no dia 14 de Junho de 2012.
28. O valor correspondente às garantias bancárias a que se alude em d) e e) do ponto 4. dos factos assentes, de 208.847,02€, foi reclamado no processo de insolvência pelo Banco… como crédito sob condição.
29. O aludido crédito foi reconhecido pelo senhor administrador de insolvência na lista a que alude o artigo 129.º do CIRE apresentada em 10 de Outubro de 2012, de um total de 104.446.962,01€ reconhecidos ao Banco… como crédito sob condição e de 13.998.847,35 € reconhecidos a este credor como crédito comum.
30. A ré não reclamou créditos no processo de insolvência.
31. A ré accionou o pagamento das garantias bancárias perante o Banco… no dia 28 de Maio de 2013.
32. A autora intentou procedimento cautelar contra a ré e contra o Banco … que correu termos pela … Vara Cível de Lisboa sob o n.º de processo …, pedindo que fosse a aqui ré impedida de accionar as garantias bancárias e o Banco… impedido de as pagar.
33. O procedimento cautelar foi julgado improcedente por decisão que transitou em julgado após prolação de acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa datado de 05 de Dezembro de 2013.
34.  A autora intentou procedimento cautelar contra a ré, que correu termos pelo apenso AK aos autos principais, pedindo além do mais que fosse a aqui ré compelida a realizar vistoria com a recepção definitiva da obra, elencado eventuais defeitos e compelida a emitir auto de recepção definitiva da obra.  
35. O procedimento cautelar foi julgado improcedente por sentença proferida no dia 23 de Junho de 2017, que transitou em julgado.
36. O Banco… efectuou no dia 09 de Agosto de 2017 o pagamento à ré referente às garantias accionadas a que se alude em 31-.
*
B) Da “nulidade” da sentença
Não obstante a ordem de invocação pela recorrente dos fundamentos do recurso ter sido diversa, entendemos que a ordem pela qual as questões têm que ser decididas é a que a seguir se apresenta, em virtude de a procedência de qualquer delas, nomeadamente da invocada “nulidade” da sentença e da impugnação da matéria de facto poderem ter implicações na decisão das restantes.
Assim, a apelante sustenta a que a sentença deve ser anulada e “na procedência de nulidade oportunamente arguida”, deve este tribunal de recurso ordenar o prosseguimento dos autos, uma vez que é relevante na economia da presente acção apurar da existência, natureza, extensão e quantum dos “defeitos” da obra e sua imputabilidade àquela.
Não obstante não vir concretamente invocada nulidade da sentença por referência ao disposto no artigo 615º do C. P. Civil, por uma questão de clarificação, cumpre referir que não se verifica, efectivamente, qualquer nulidade da sentença nos termos estabelecidos no aludido normativo.
 Em termos de nulidade da sentença, dispõe o referido artigo 615.º do Código de Processo Civil:
“Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018, relator: José Alberto Moreira Dias, disponível em www.dgsi.pt:
Os vícios determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no referido art. 615º do CPC. e reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.).
Diferentemente desses vícios, são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto ou ao nível da decisão de mérito proferida na sentença/decisão recorrida, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa”.
Do que fica dito resulta que a decisão de indeferir a produção de meios de prova requeridos pelas partes não integra nenhuma das nulidades previstas no artigo em causa.
O alegado poderá consubstanciar uma nulidade processual evidenciada pela prolação da sentença e não uma nulidade desta enquanto vício intrínseco dela como tal tipificado na lei [art. 615º/1, als. a) a e) do CPC)].
Nestes termos, não se verifica nulidade da sentença nos termos previstos no artº 615º do C.P.Civil.
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C) Da impugnação da decisão de facto
Sustentou a apelante que deve o facto provado 6 ser alterado, de modo a que à formulação actual se adite: “A receção provisória da obra ocorreu em 09 de outubro de 2003, nos termos do auto junto a fls. …, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, estando os trabalhos a rectificar até 15.11.2003 listados no anexo àquele auto”
No ponto 6 dos Factos Provados ficou a constar: “A recepção provisória da obra ocorreu em 09 de Outubro de 2003”, sendo que, conforme resulta do artº 64º da petição inicial, a A. alegou que a recepção provisória ocorreu na referida data, conforme o que consta do documento 6 junto com tal articulado, ou seja, alegou os factos por remissão para o teor do documento. 
Atento o pedido e a causa de pedir, bem como o invocado pela R. na contestação, poderá assumir relevância para a decisão o que demais consta do documento em apreço, o qual não foi impugnado pela R.
Assim, altera-se o ponto 6. dos Factos Provados, o qual passará a ter a seguinte redacção:
6. A recepção provisória da obra ocorreu em 09 de outubro de 2003, nos termos que constam do documento de fls 262 e anexo de fls 263, cujo conteúdo se dá por reproduzido, constando do mesmo:
“(…) Após vistoria efectuada, foi reconhecido por todos os presentes que os trabalhos se encontravam em conformidade de serem recepcionados provisoriamente, tendo fixado a data de 15 de Novembro de 2003 para a correcção das situações em anexo”.
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D) O Direito
Importa começar por decidir do alegado erro de julgamento consistente no facto de o tribunal a quo ter considerado que o invocado pela A., ora recorrente, em termos de caducidade das garantias bancárias, com fundamento na circunstância de o contrato de mandato que a insolvente celebrou com o Banco… e que deu origem à emissão das garantias bancárias ter caducado com a declaração de insolvência, se encontrava decidida por decisão transitada em julgado e, como tal, abrangida pela excepção de caso julgado.
Com efeito, consta da decisão recorrida que sobre esta mesma questão já se tinha pronunciado o Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do procedimento cautelar nº  …, processo esse que aqui A. instaurou contra a R. e no qual invocou a caducidade das garantias com o referido fundamento. Concluiu-se na decisão em recurso que, tendo ali sido decidido que, a admitir-se que a emissão da garantia bancária assentou num contrato de mandato, a eventual caducidade desse mandato não se repercute na garantia bancária, validamente constituída na vigência do contrato, a suscitada questão se encontrava abrangida pela excepção de caso julgado. Com este fundamento decidiu o tribunal a quo não conhecer da caducidade do contrato de mandato subjacente à emissão da garantia bancária e, em consequência, absolver a R. da instância em relação à excepção em apreço.
Vejamos.
Segundo o disposto no artigo 580º, nº1, do Cód. Proc. Civil, a excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário. Trata-se de uma excepção dilatória, que, caso seja julgada procedente, determina a absolvição da instância – arts 577º, alínea i) e 278º, e), do referido diploma.
Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica e identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico – cfr artigo 581º do mesmo código.
O caso julgado destina-se a evitar uma contradição prática de decisões e não propriamente a sua colisão teórica ou lógica.
 “Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º (…)” – art. 619º, nº1, do CPC.
“A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)” – art. 621º do CPC.
Como se sabe, o caso julgado pode ser formal ou material. Aquele só tem valor intraprocessual, ou seja, só é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida (art. 620º CPC); em contrapartida, o caso julgado material, além de uma eficácia intraprocessual, é susceptível de produzir os seus efeitos para além do processo em que foi proferida a decisão transitada (art. 619º, CPC) – cfr Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, III vol., pág. 383 e ss.
As decisões proferidas num processo podem ser decisões de forma, se incidirem (apenas) sobre aspectos processuais, ou, decisões de mérito, se apreciarem substantivamente as relações jurídicas que constituem o objecto do processo, concluindo pela procedência ou improcedência da acção.
Em regra, somente as decisões de mérito são susceptíveis de adquirir a eficácia do caso julgado material, não podendo ser contrariadas ou negadas noutro processo (art. 619º, nº 1 CPC).
“Daqui resulta que a definição que lhe for dada tem que ser acatada em todos os tribunais quando lhes for submetida, a qualquer título, quer a título principal (repetição de uma causa), quer prejudicial (como fundamento ou base de qualquer outro efeito da mesma relação).” – Anselmo de Castro, ob. cit., pag. 384.
No que respeita aos limites objectivos do caso julgado, não restam dúvidas que o caso julgado abrange a parte decisória da decisão, isto é, a conclusão extraída dos fundamentos (art. 607º, nº 3, do CPC).
Além disso, como ensina Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 578 e ss., uma vez que “toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto ou de direito) o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.
No que concerne aos procedimentos cautelares, estabelece o nº 4 do artigo 364º do CPC que nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento têm qualquer influência no julgamento da acção principal de que o procedimento cautelar depende. Assim e conforme decidido no Ac STJ de 12/07/2018, relator: Gonçalves Rocha, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt, nas providências cautelares não se forma caso julgado definitivo.
Citando A. Geraldes, in Temas da Reforma do Proc. Civil, III Vol. Procedimento Cautelar Comum, Almedina, 1998, p. 252: “A providência cautelar não tem vida própria; está sujeita às vicissitudes da acção principal (…)”.
Refere também Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, VoI. I, Coimbra Editora, Limitada, 1983, 3ª edição, 623: a «providência cautelar surge como antecipação e preparação duma providência ulterior; prepara o terreno e abre caminho para a providência final", não é, por isso, "um fim, mas um meio; não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material. Portanto a providência cautelar é posta ao serviço duma outra providência, que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa. Este nexo entre a providência cautelar e a providência final pode exprimir-se assim: aquela tem carácter provisório, esta tem carácter definitivo».
Salvo nas situações de declaração da inversão do contencioso, nos procedimentos cautelares resulta da lei uma não eficácia da decisão da providência cautelar em relação à acção principal. Na verdade, naquela, o carácter sumário, bem como a circunstância perfunctória das diligências probatórias, a celeridade imposta pela natureza e objectivos da providência, levam a que a decisão proferida tenha uma natureza precária/indiciária, insusceptível de influenciar a decisão na acção definitiva (principal).
Deste modo, não se pode manter o decidido na parte que o tribunal a quo decidiu não conhecer da caducidade das garantias bancárias e que absolveu a R. da instância no que concerne à referida excepção com fundamento em caso julgado.
Passa-se, deste modo, a conhecer da invocada excepção de caducidade.
Nos artigos 7 a 37 da petição inicial a autora invocou a caducidade das garantias bancárias, sustentando que a declaração de insolvência tem como consequência a caducidade do contrato de mandato que a insolvente celebrou com o Banco… e que deu origem à emissão das garantias bancárias. 
Encontra-se demonstrado que, no âmbito da sua actividade, a sociedade A…, SA, celebrou com a R., em 11 de Março de 2002, um “Contrato de Empreitada”, através do qual aquela sociedade, a solicitação da R., se obrigou à realização de uma obra com vista à construção de um edifício composto por 5 pisos, sendo um de garagem, um piso destinado a comércio, serviços e arrumos e 3 pisos destinados a serviços a implantar no Lote 1.02.1.1 no Parque…
Para garantia da boa execução da obra a sociedade insolvente prestou as seguintes garantias bancárias a favor da ré:
a) Garantia n.º 02/133/94074 no valor de 230.754,16 € - prestada pelo Banco… 
b) Garantia n.º 02/134/94154 no valor de 7.571,79 € prestada pelo Banco…
c) Garantia n.º 02/212/96486 no valor de 14.335,35 € prestada pelo Banco…
d) Garantia n.º 125-02-0282962 no valor de 93.469,94 € prestada pelo Banco…
e) Garantia n.º 125-02-0318176 no valor de 115.377,08 €, prestada pelo Banco…
f) Garantia n.º 305663 no valor de 35.910,14 €, prestada pelo Banco…  
Consta das garantias bancárias prestadas pelo Banco… que este se obrigava como principal pagador, a fazer as entregas de quaisquer importâncias que se tornassem necessárias, ao primeiro pedido, até ao limite estabelecido nas garantias.        
Está igualmente demonstrado que a insolvência da A… foi declarada no dia 14 de Junho de 2012.
Ora, a garantia bancária autónoma é uma forma contratual típica quanto à sua existência e atípica quanto à sua regulamentação, a qual tem como fonte o princípio da liberdade contratual consagrado no artº 405º C.Civil. E é pelas cláusulas contratuais inseridas no texto da convenção negocial e sua interpretação e das correspondentes declarações de vontade e contexto em que foram proferidas que será possível definir a específica caracterização do contrato de garantia.
Tal espécie de contrato, segundo José Maria Pires, “Direito Bancário”, 2º vol., p. 284, pode definir-se como “o contrato pelo qual um banco, por mandato do seu cliente, se obriga a pagar certa importância à outra parte (beneficiário), ficando esta com o direito potestativo de exigir a execução dessa garantia, sem que lhe possam ser opostos quaisquer meios de defesa baseados nas relações entre o banco e o ordenador ou entre este e o beneficiário”.
O processo de formação do negócio tem uma estrutura complexa, decompondo-   -se em três relações distintas, a saber:
1) o contrato base celebrado entre o devedor mandante da garantia e o beneficiário;
2) o contrato de mandato celebrado entre o mesmo mandante e o banco garante, pelo qual aquele mandata (mandato sem representação) este para emitir a garantia a favor do beneficiário;
3) o contrato de garantia, pelo qual o garante, emitindo o competente título, se obriga a pagar ao beneficiário o montante convencionado, caso o devedor não cumpra as suas obrigações.
Ou, por outras palavras, “no processo genético de emissão de uma garantia bancária autónoma existe, em primeiro lugar, um contrato-base entre o mandante da garantia e o beneficiário, a que se segue um contrato, qualificável como de mandato, mediante o qual o mandante incumbe o banco de prestar garantia ao beneficiário e, por último, o contrato de garantia, celebrado entre o banco e o beneficiário, em que o banco se obriga a pagar a soma convencionada, logo que o beneficiário o informe de que a obrigação garantida se venceu e não foi paga e solicite o pagamento, sem possibilidade de invocar a prévia excussão dos bens do beneficiário ou a invalidade ou impossibilidade da obrigação por este contraída.”- Ac. do STJ de 21.11.2002, CJ III-148.
A garantia bancária autónoma tem como característica essencial a autonomia, ou seja, é independente do contrato base.
O garante, perante o credor, responsabiliza-se pelo pagamento de uma obrigação própria e não pelo cumprimento de uma dívida alheia (do garantido).
Daí a autonomia da obrigação, que se estabelece de modo independente, sem qualquer subordinação à obrigação garantida.
Donde não possa confundir-se com a fiança, na medida em que não é, como esta, acessória da obrigação garantida, antes é autónoma com respeito à dívida que garante, ou seja, o garante não pode invocar em sua defesa quaisquer meios relacionados com o contrato garantido.
Sendo que o garante não pode sequer, para obstar ao funcionamento da garantia, invocar a invalidade formal ou a insubsistência da obrigação garantida (aqui distinta do próprio aval.).
Dentro das garantias bancárias importa destacar a chamada garantia à primeira vista ou “on first demand”, a qual cria uma situação jurídica por força da qual o garante, ao ser interpelado pelo credor, terá de pagar a quantia garantida sem poder contestar o pagamento do que lhe é exigido.
Este tipo de garantia reforça ainda mais o sentido da autonomia/independência da garantia bancária e introduz-lhe a característica da automaticidade, no sentido de que o banco garante fica obrigado a pagar imediatamente a quantia garantida, logo que o beneficiário lho solicite, sem que lhe seja permitido discutir as razões do pedido do pagamento, bastando tão somente ao beneficiário alegar o incumprimento da obrigação principal do devedor.
A garantia on first demand ou à primeira solicitação é isso mesmo … à primeira solicitação. Sob pena de total inversão da configuração normal da garantia on first demand, com prejuízo para a utilidade que pode extrair-se da mesma, deve ser encarada, como literalmente o indica a respectiva designação, como instrumento que, uma vez accionado pelo credor, permite obter do garante uma resposta imediata, a qual não poderá ser paralisada por alegações mais ou menos fundadas respeitantes ao contrato subjacente ou ao relacionamento entre o beneficiário e o dador ou entre o beneficiário e a entidade que assumiu o compromisso traduzido na garantia autónoma.
No dizer de Galvão Telles, "Garantia Bancária Autónoma ", in "O Direito", Ano 120º (1988), III/IV, pag. 283, neste tipo de garantias: “O garante paga ao credor sem discutir; depois o devedor tem de reembolsar o garante, também sem discutir. E será, por último, entre o devedor e o credor que se estabelecerá controvérsia, se a ela houver lugar, cabendo ao devedor o ónus de demandar judicialmente o credor para reaver o que houver desembolsado, caso a dívida não existisse e ele portanto não fosse, afinal, verdadeiro devedor".
Para tornear o rigor da garantia à primeira interpelação pura e simples, os contratos podem exigir que o beneficiário ao fazer a interpelação, declare que o devedor principal não cumpriu as suas obrigações, sem, no entanto, ser obrigado a especificar essas obrigações.
Mas, apesar da natureza da garantia “on first demand”, a sua automaticidade não é absoluta, havendo que estabelecer alguns limites à exigência da garantia, sempre que o imponham as regras da boa fé (artº 762º, nº 2 do C.Civil) ou o abuso de direito (artº 334º do mesmo diploma).
Assim, tem sido entendido que obsta à obrigação do pagamento pelo garante da quantia garantida os casos de prova inequívoca e notória de fraude manifesta (com ou sem falsificação de documentos) ou de abuso evidente por parte do beneficiário - v. a propósito, Almeida Costa e Pinto Monteiro, Garantias Bancárias, CJ 1986, V, p. 15 ss., Francisco Cortez, Garantia Bancária Autónoma, ROA II Julho/92, 52º, 597 a 603. Mónica jardim, A Garantia autónoma, Almedina, pág. 288 a 294 e Ac. do STJ de 14.10.2004, in CJ, STJ, 2004, III, pág. 55 e também consultável in www.dgsi.pt/jstj.
A legitimidade da recusa por parte do garante tem sido defendida nas seguintes circunstâncias (cfr. Duarte Pinheiro, Garantia bancária autónoma, na ROA, ano 52º, pág. 448; Manuel Castelo Branco, A garantia bancária autónoma no âmbito das garantias especiais das obrigações, ROA ano 53º, pág. 80; José Maria Pires, Direito Bancário, vol. II, págs. 285 e 286; Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, 2ª ed., pág. 148; Cortez Neves, A garantia bancária autónoma, ROA, 52º, págs. 513 e segs):
- Manifesta má fé ou a má fé patente, isto é, que não oferece a menor dúvida, por decorrer com absoluta segurança de prova documental em poder do ordenante ou do garante;
- Casos de fraude manifesta ou de abuso evidente por parte do beneficiário;
- Quando o contrato garantido ofender a ordem pública ou os bons costumes;
- Sempre que exista prova irrefutável de que o contrato-base foi cumprido.
Sob a epígrafe Contratos de mandato e de gestão prevê o art. 110º do CIRE que:
1 - Os contratos de mandato, incluindo os de comissão, que não se mostre serem estranhos à massa insolvente, caducam com a declaração de insolvência do mandante, ainda que o mandato tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, sem que o mandatário tenha direito a indemnização pelo dano sofrido.
2 - Considera-se, porém, que o contrato de mandato se mantém:
a) Caso seja necessária a prática de actos pelo mandatário para evitar prejuízos previsíveis para a massa insolvente, até que o administrador da insolvência tome as devidas providências;
b) Pelo período em que o mandatário tenha exercido funções desconhecendo, sem culpa, a declaração de insolvência do mandante.
3 - A remuneração e o reembolso de despesas do mandatário constituem dívida da massa insolvente, na hipótese da alínea a) do número anterior, e dívida da insolvência, na hipótese da alínea b).
4 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as devidas adaptações, a quaisquer outros contratos pelos quais o insolvente tenha confiado a outrem a gestão de assuntos patrimoniais, com um mínimo de autonomia, nomeadamente a contratos de gestão de carteiras e de gestão do património.
Pretender que o contrato de garantia bancária é abrangido pelo âmbito de aplicação da norma citada, é pretender equipará-lo ou reduzi-lo a um contrato de mandato e afirmar que com a declaração da insolvência se extinguiu a obrigação de pagamento a terceiro a que o Banco garante se vinculou com a garantia bancária celebrada pela insolvente anteriormente à declaração da sua insolvência implicaria que com a declaração da insolvência se extinguiam ou a partir dali deixavam de ser reconhecidos os efeitos de actos (designadamente, processuais) validamente praticados por mandatário da devedora anteriormente à declaração da sua insolvência.
Este entendimento implicaria afirmar, com fundamento na referida norma, que com a declaração da insolvência se extinguiria a obrigação de pagamento a terceiro a que o Banco garante se vinculou com a garantia bancária celebrada pela insolvente anteriormente à declaração da sua insolvência. Seria o mesmo que dizer, estabelecendo paralelismo com o mandato forense, que com a declaração da insolvência se extinguiam ou a partir dali deixavam de ser reconhecidos os efeitos de actos praticados por mandatário da devedora anteriormente à declaração da sua insolvência ou que a prestação de fiança ou a subscrição de aval, a solicitação e para garantia do cumprimento da obrigação de devedor que é posteriormente declarado insolvente, caduca com a referida declaração da insolvência.
Resulta evidente que o invocado não pode merecer acolhimento.
Relativamente à questão suscitada e que se prende com a invocada caducidade das garantias bancárias com fundamento no facto de a declaração de insolvência ter como consequência a caducidade do contrato de mandato que a insolvente celebrou com o Banco pronunciou-se o STJ em Acórdão de 28/06/2018 – Proc. n.º 487/13.1TVPRT.P1.S1 -, disponível em www.dgsi.pt: «A insolvência da ordenante e a falta de reclamação do crédito pela beneficiária não impede o acionamento das garantias bancárias»
Na fundamentação desse Acórdão pode ler-se:
«Diz a doutrina nacional (Cf. a síntese de Rui Pinto Duarte disponível em http://rpdadvogados.pt/wp-content/uploads/bsk-pdf-manager/74_2015-03-13.PDF) – e a internacional – que aqui se introduz pela posição de Pestana de Vasconcelos, a propósito da finalidade e utilidade da garantia bancária autónoma no comércio jurídico: “Sendo a garantia prestada por um banco do seu Estado, o credor afasta o risco de incumprimento ou da insolvência da outra parte, de que ele em regra tem um conhecimento escasso…”(…) É, nessa medida, em particular na modalidade à primeira solicitação (on first demand), e este aspecto é de grande relevo, um catalizador das trocas e prestações de serviços, que de outra forma, sem o afastamento do risco de incumprimento e da insolvência do outro contraente, grande parte das vezes não seriam sequer realizadas, ou, então, eventualmente, sê-lo-iam em condições mais onerosas” (Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 2ª ed., 2013, p. 126-7).
As garantias bancárias on first demand visam precisamente oferecer aos interessados instrumentos negociais alternativos aos facultados pelo legislador através de modelos (relativamente) padronizados, como sucede com a fiança, onde se insere a norma do art.º 653.º do CC, invocada pelo recorrente
Como se refere no Ac. da RL proferido nos autos de Procedimento Cautelar nº … e referido na decisão em recurso: “(…) De facto, a caducidade de um contrato é a sua extinção, em regra automática, como mera consequência de algum evento a que a lei atribua esse efeito. E, ao menos em regra, não tem efeitos retroativos, subsistindo inalterados todos os efeitos jurídicos produzidos na sua vigência. Pelo que, a admitir-se que a emissão da garantia bancária assentou num contrato de mandato, a eventual caducidade desse mandato não se repercute na garantia bancária, validamente constituída na vigência do contrato. Reiterando-se que a caducidade de um contrato apenas faz cessar o contrato, não importando a caducidade de quaisquer direitos validamente adquiridos na sua vigência, e no seu âmbito.”
Aquando da emissão da garantia bancária, o mandato estaria válido e a sua posterior caducidade não inquina as garantias bancárias constituídas em data anterior à declaração de insolvência da ordenante.
Improcede, pois, a invocada caducidade das garantias bancárias com fundamento em caducidade derivada da declaração de insolvência, absolvendo-se a R. do pedido no que a tal concerne.
*
Invocou também a recorrente que o direito da Recorrida accionar as garantias bancárias se extinguiu por caducidade, contrariamente ao decidido pelo Mmo. Juiz recorrido, sustentando que resulta do auto de vistoria provisória que as partes listaram defeitos que deveriam ser corrigidos até 15.11.2003 e que somente os defeitos detectados no quinquénio sequente a 09.10.03 (data da conclusão e entrega da obra), ou seja, até 9.10.08, seriam relevantes e, porventura, oponíveis à Apelante. Concluiu que se encontram caducos (eventuais) direitos da Recorrida por reporte a (pretensos) defeitos surgidos após 9.10.2008 e que sempre se mostrava caducado o prazo de 1 ano para reparação/ indemnização após denúncia, quando as garantias foram accionadas.
Diz que, contrariamente ao aventado pelo M. Juiz recorrido, não houve reconhecimento pela A. dos “defeitos” apontados pela R., devendo concluir-se pela caducidade dos direitos da Recorrida e pela consequente ilicitude do accionamento das garantias bancárias.
Invocou igualmente que importa conhecer da existência, extensão e imputabilidade dos defeitos apontados pela Recorrida à obra realizada pela Recorrente, uma vez que a A. pode discutir perante a R. a validade/ legitimidade do accionamento das garantias bancárias no quadro do contrato de empreitada celebrado com a R. e do qual emergiu a obrigação de constituição de uma garantia pessoal a favor desta demandada.
Considerando o 1º pedido formulado pela A. é possível qualificar tal pretensão como correspondendo a acção de simples apreciação negativa.
Face à factualidade que resultou demonstrada, não restam dúvidas que entre a sociedade insolvente e a R. foi celebrado um contrato de empreitada.
A este contrato aplica-se, em primeiro lugar, o disposto pelo Dec.-Lei 59/99 de 2/3, em vigor à data da celebração do contrato.
Relativamente ao prazo de garantia estabelece o artigo 226º do diploma em causa que: “O prazo de garantia é de cinco anos, podendo o caderno de encargos estabelecer prazo inferior, desde que a natureza dos trabalhos ou o prazo previsto de utilização da obra o justifiquem”.
Por sua vez, o artigo 227º estabelece que:
“1 - Findo o prazo de garantia e por iniciativa do dono da obra ou a pedido do empreiteiro, proceder-se-á a nova vistoria de todos os trabalhos da empreitada.
2 - Se pela vistoria se verificar que as obras não apresentam deficiências, deteriorações, indícios de ruína ou de falta de solidez pelos quais deva responsabilizar--se o empreiteiro, proceder-se-á à recepção definitiva.
3 - Serão aplicáveis à vistoria e ao auto de recepção definitiva os preceitos correspondentes da recepção provisória”.
Se, em consequência da vistoria, se verificar que existem deficiências, deteriorações, indícios de ruína ou de falta de solidez, de responsabilidade do empreiteiro, somente se receberão os trabalhos que se encontrem em bom estado e que sejam susceptíveis de recepção parcial, procedendo o dono da obra, em relação aos restantes, nos termos previstos para o caso análogo da recepção provisória – cfr nº 1 do artigo 228º.
De acordo com o que resulta do artigo 229º, nº1, feita a recepção definitiva de toda a obra, serão restituídas ao empreiteiro as quantias retidas como garantia ou a qualquer outro título a que tiver direito e promover-se-á, pela forma própria, a extinção da caução prestada.
No caso sub judice não teve lugar a recepção definitiva da obra, sendo que, como resulta do regime previsto para a recepção provisória da obra (para a qual remete o art.º 227º, n.º 3), o qual se encontra estabelecido nos artigos 217.º a 219º do mesmo diploma, a iniciativa para a realização daquela vistoria, com vista a receber definitivamente a obra, tanto cabe ao dono da obra, como ao empreiteiro, pelo que a sociedade insolvente poderia ter marcado a mesma.
No que respeita a eventuais defeitos na obra, o empreiteiro é responsável por todas as deficiências e erros relativos à execução dos trabalhos ou à qualidade, forma e dimensões dos materiais aplicados, quer nos casos em que o projecto não fixe as normas a observar, quer nos casos em que sejam diferentes dos aprovados. Tal responsabilidade cessa quando os erros e vícios de execução hajam resultado de obediência a ordens ou instruções escritas transmitidas pelo fiscal da obra, ou que tenham obtido a concordância expressa deste, através de inscrição no livro de obra – cfr artº 36º do diploma em causa.
O artigo 200º refere-se aos defeitos de execução da obra nos termos ali previstos e finalmente e para o que não se mostrar especialmente estabelecido neste Dec.-Lei, o art.º 44º manda atender “subsidiariamente a este contrato, e em particular à responsabilidade pela concepção e execução da obra, as disposições respeitantes às outras modalidades de empreitada que não forem incompatíveis com a sua natureza específica.”
Ora, atenta a natureza privada do contrato, coloca-se a questão da aplicação subsidiária do disposto no Código Civil relativamente ao contrato de empreitada – arts 1207º e ss.
De acordo com o art.º 1225.º do Código Civil, “…no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vicio do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.”
E dispõe o n.º 2 deste normativo: “2. A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia”, estipulando ainda o n.º 3 que: “Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previsto no artigo 1221º”.
De acordo com este artigo, o direito de reparação/eliminação de vícios e defeitos de construção há-de ser exercido dentro do prazo de cinco anos a contar da entrega do imóvel, devendo a denúncia dos mesmos ser efectuada dentro do prazo de um ano a contar do seu descobrimento e, devendo a respectiva acção ser proposta no ano seguinte à denúncia.
Atento o disposto no nº 2 do art. 298º do Código Civil verifica-se que estamos perante um prazo ao qual são aplicáveis as regras da caducidade.
Invocou a Apelante que caducou o direito da R. e que atenta a data da entrega da obra - 09/10/2003 -, apenas serão oponíveis à recorrente os defeitos detectados até 09/10/2008, encontrando-se caduco o direito da R. relativamente a eventuais defeitos denunciados a partir dessa data.
Diz que a 09/10/2008 todos os defeitos denunciados foram reparados pela recorrente e que só em 4/12/2008 – isto é, já fora do arco temporal de cinco anos legalmente admitido à reclamação de defeitos de empreitada – é que surge a comunicação referida em 13-, defeitos esses que diz serem irrelevantes no quadro da garantia da obra.
Sustentou ainda que quando as garantias foram accionadas sempre se mostrava ultrapassado o prazo de 1 ano para reparação/indemnização após denúncia.
A R. impugnou a factualidade alegada pela A. relativa à reparação dos defeitos – cfr artigos 55 e ss -, sustentando que aquela sempre assumiu a obrigação de os reparar, o que não fez. Invocou ainda que o reconhecimento impede a caducidade do direito à reparação e que o valor das garantias bancárias será utilizado no pagamento do custo das reparações dos defeitos da obra, o qual ascende a € 263.831,86. 
Compulsada a matéria de facto assente e a alegação da Apelante, que se acabou de referir, verifica-se que esta não põe em causa que foram sendo reclamadas diversas reparações pela R., desde 8 de Julho de 2004 até 31 de Maio de 2012 (factos 9. a 26.).
A insolvência da A… foi declarada no dia 14 de Junho de 2012.
Após esta data, há que ter em consideração o disposto pelo art.º 100º do CIRE: “A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo”.
Considerando o que fica referido e a posição assumida pelas partes, não é possível concluir, sem mais, pela improcedência (ou pela procedência) da caducidade do direito da R. relativo ao accionamento das garantias dado que este se prende com a caducidade do direito da R. à reparação e no que a este concerne o reconhecimento da existência de defeitos e a disponibilidade para os reparar poderá funcionar como facto impeditivo da caducidade, de acordo com o disposto no artº 331º, nº1, do C. Civil – cfr neste sentido Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 11/4/2013, Proc. n.º 6914/10.2TBMTS.P1, disponível em www.dgsi.pt.
Conforme a recorrente invoca, há a necessidade de apurar factos que se encontram impugnados e que assumem relevância para a decisão da causa, atento o pedido e a causa de pedir. Tal actividade tem em vista apurar:
- a existência, natureza, extensão e quantum dos “defeitos” da obra, da sua imputabilidade ao objeto da prestação devida executar pela insolvente em cumprimento do contrato de empreitada que celebrou com a Ré, em que data ocorreu a denúncia, a existência de reconhecimento dos ditos “defeitos” por parte da ora Apelante, se os mesmos foram, ou não reparados e ainda o montante em que importa a reparação dos defeitos ocorridos.
É que estamos no âmbito do contrato base e como se viu, pode o devedor intentar procedimento judicial contra o credor para reaver a importância paga pelo garante, invocando, nomeadamente, que o credor/beneficiário procedeu sem fundamento.
Há assim que anular a sentença proferida nos termos e para os efeitos do art. 662º, nº 2, c) e 3, c) para, sem prejuízo dos factos já assentes, permitir a ampliação e julgamento da matéria de facto alegada nos autos para integrar e considerar na nova decisão a proferir, tendo como objeto os temas de prova a fixar de acordo com o que imediatamente supra ficou referido.
Procedem, assim, as conclusões 6. a 8. das alegações de recurso e, em consequência, resulta prejudicado o conhecimento do invocado em termos de actuação da R. em termos de abuso de direito e da existência por parte desta de enriquecimento sem causa.
*
IV - DECISÃO
Por todo o exposto, os juízes desta 1ª secção acordam em:
1. Julgar parcialmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente e, consequentemente:
a) revogar a decisão de absolvição da R. da instância por verificação da excepção de caso julgado, no que concerne à invocada caducidade das garantias bancárias com fundamento na declaração de insolvência;
b) julgar improcedente a caducidade das garantias bancárias com o fundamento referido em a), absolvendo-se a R. do pedido no que a tal concerne e
c) no demais anular a sentença recorrida proferida para, sem prejuízo dos factos já assentes, ter lugar a ampliação e julgamento de matéria de facto, tendo como objecto os temas de prova relativos à existência, natureza, extensão e quantum dos “defeitos” da obra, da sua imputabilidade ao objecto da prestação devida executar pela insolvente em cumprimento do contrato de empreitada que celebrou com a Ré e ao objecto da garantia que celebrou com o banco, em que data ocorreu a denúncia, a existência de reconhecimento dos ditos defeitos por parte da ora Apelante, se os mesmos foram, ou não reparados e ainda o montante em que importa a reparação dos defeitos ocorridos.
Custas do recurso são a cargo da apelante e da apelada na proporção de 1/3 para a 1ª e 2/3 para última.
Registe e notifique.

Lisboa, 30-06-2020
Manuela Espadaneira Lopes
Fernando Barroso Cabanelas
Paula Cardoso