Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10390/18.3T8LSB.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
TRANSIÇÃO PARA O NRAU
COMUNICAÇÃO AO LOCATÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Não se encontrando o prédio constituído em propriedade horizontal a determinação do respectivo valor patrimonial tributário, realizada nos termos dos arts. 38 e ss. do CIMI, respeita apenas ao edifício no seu todo e não a partes do mesmo, designadamente aos espaços locados que não correspondam a unidades independentes assim inscritas na matriz predial;
II- O art. 50 do NRAU permite ao senhorio, ainda que prescindindo das especiais condições legalmente previstas para a actualização da renda, obter a simples transição para o NRAU do contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes do DL nº 257/95, de 30.9, caso não possa obter o valor patrimonial do locado (nos termos do art. 38 e ss. do CIMI) em virtude do prédio não se encontrar constituído em propriedade horizontal ou do espaço locado não corresponder, ou vier a corresponder, a fração autónoma;
III- Nesse caso, e constituindo iniciativa do senhorio a simples transição do contrato de arrendamento para o NRAU, sem qualquer atualização de renda, estará o mesmo desobrigado de indicar, na comunicação ao inquilino realizada nos termos do art. 50 do NRAU, o valor do locado, determinado nos termos dos arts. 38 e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana e de enviar cópia da caderneta predial urbana (als. b) e c) do referido art. 50), sendo válida e eficaz a comunicação realizada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:
A [ Imobiliária …, S.A. ], veio intentar, em 2.5.2018, contra B [ Banco …, S.A., ] ação declarativa comum pedindo que seja “declarada a eficácia das comunicações de transição para o NRAU dos contratos de arrendamento em vigor entre A e o R. da Loja 2 e da Loja no piso térreo, com acesso pela Praça Marquês de Pombal e passagem através do imóvel, zona da Galeria com frente para aquela Praça e zona da cave do prédio sito na Praça Marquês de Pombal, n.º …, em Lisboa; concretamente que os contratos de arrendamento em vigor entre A. e o R. se consideram sujeitos ao regime do NRAU e celebrados pelo prazo de 5 anos, a contar de 1 de Outubro de 2016.”
Alega, para tanto e em síntese, que sendo proprietária do prédio sito na Praça Marquês de Pombal, nº , em Lisboa, arrendou a Loja 2 do mesmo, em 24.5.1961, para fins não habitacionais, a Petróleos de Portugal, Petrogal, S.A., que veio a ceder, com autorização da A., a sua posição contratual ao então Banco …..., atual RÉ.
Por sua vez, em 13.7.1960, a A. arrendou ao Banco …..., atual RÉ, para fins não habitacionais, a Loja no piso térreo com acesso pela Praça Marquês de Pombal e passagem através do imóvel, zona da Galeria com frente para aquela Praça e zona da cave do prédio sito na Praça Marquês de Pombal, nº  , em Lisboa.
Uma vez que o prédio não está constituído em propriedade horizontal, e dispondo a A. apenas do valor patrimonial tributário do prédio no seu conjunto, e não de cada um dos espaços arrendados, a A. ficou impedida de proceder à atualização das rendas nos termos do art. 50 da Lei 6/2006, na redação conferida pela Lei nº 31/2012, de 14.8, por não se verificarem os requisitos exigidos para o efeito. 
No entanto, não ficou a A. impedida de promover a transição para o NRAU dos contratos de arrendamento celebrados antes de 30.9.1995.
Assim, em 5.7.2016, a A. enviou ao R. cartas registadas com aviso de receção a comunicar-lhe a sua intenção de proceder à transição para o regime do NRAU de cada um dos aludidos contratos de arrendamento, dando cumprimento às exigências de informação estabelecidas no artigo 50 do NRAU, exceto as que respeitavam à atualização da renda.
Sucede que o R. recebeu as cartas, mas entende que não foi dado cumprimento ao disposto no referido art. 50 do NRAU porque os locados não foram avaliados nos termos do disposto no art. 38 do CIMI e a caderneta predial urbana enviada respeita à totalidade do prédio, não discriminando o valor de cada locado.
A A. informou então o R. que as comunicações efetuadas eram válidas e eficazes, pelo que os contratos ficariam submetidos ao regime jurídico do NRAU a partir de 1.10.2016, passando a ser de prazo certo e com a duração de 5 anos, reiterando, porém, o R. a sua anterior posição.
Conclui que a situação prejudica gravemente a A., porque a impede não só de planear as obras que no prédio é necessário realizar, como de ver definido, com segurança, o regime jurídico e o prazo dos contratos em questão.
Contestou o R., defendendo, no essencial, que a pretendia transição dos contratos para o NRAU não é legalmente admissível, por não se verificarem os requisitos legais, uma vez que, nas comunicações realizadas, a A. não indicou, como competia, o valor do locado avaliado nos termos do disposto no artigo 38 do CIMI constante da respetiva caderneta predial nem remeteu cópia da mesma com menção do dito valor. Assim, conclui, são ineficazes as referidas comunicações, devendo a ação ser julgada improcedente.
Entendendo o Tribunal que seria de conhecer de imediato do mérito da causa, e sendo facultada às partes a respetiva discussão de facto e de direito, veio o R. remeter para os termos da contestação e a A. desenvolver a argumentação por si já deduzida na p.i..
Em 1.8.2019, foi dispensada a realização de audiência prévia, fixado à causa o valor de € 30.000,01, e proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância. Mais se entendeu conhecer do pedido formulado pela A., decidindo-se nos seguintes termos: “(...) julga-se totalmente improcedente a presente ação, e, em consequência, absolve-se o réu do pedido.
Custas pela autora.”
Inconformada, recorreu a A., culminando as alegações por si apresentadas com as conclusões a seguir transcritas:

1. Na presente acção está em causa a eficácia da comunicação efetuada pela Rte. à Rda, de transição do contrato de arrendamento para fins habitacionais celebrado entre as partes em data anterior ao DL 257/95, de 30 de Setembro;
2. Esta comunicação teve por objecto apenas a transição do contrato para o NRAU e não a atualização do valor da renda;
3. Com efeito, a Autoridade Tributária determinou apenas o valor tributário do prédio no seu conjunto, não tendo atribuído valor patrimonial tributário aos espaços locados;
4. Neste contexto, a Rte. entendeu poder despoletar apenas a transição do regime do contrato para o NRAU, não podendo proceder à actualização da renda por não poder cumprir as exigências estabelecidas nas alíneas b) e c) do artigo 50° do NRAU;
5. Assim, na interpretação que a Rte. faz do artigo 50°, não tendo esta despoletado o procedimento de actualização da renda, mas tão somente o de transição do contrato para o NRAU, não era exigível que a comunicação contivesse os referidos elementos, por não ser aplicável as alíneas b) e c) do referido dispositivo, pelo que considera que a mesma foi validamente efectuada;
6. A sentença recorrida considerou a referida comunicação ineficaz por falta de cumprimento dos requisitos estabelecidos nas alíneas b) e c) do referido dispositivo legal;
7. A Rte. discorda da sentença, pelas seguintes razões:
i) Por considerar que a interpretação que se fez do artigo 50° do NRAU é ilegal por violação do disposto no artigo 9° do Código Civil;
ii) A entender-se não ocorrer a referida ilegalidade, ocorre inconstitucionalidade na leitura feita na sentença da norma do artigo 9° do Código Civil, por desconformidade com os princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade, dos quais resulta o impedimento de normas arbitrárias, injustificadamente discriminatórias e injustas por desproporcionadamente lesivas dos direitos e dos interesses de uma categoria de cidadãos e de situações (ínsitos nos artigos 2° e 13° da Constituição);
iii) De todo o modo, a norma do artigo 50° da Lei n° 31/2012, de 14 de Agosto, interpretada e aplicada nos termos da sentença recorrida é inconstitucional por desconformidade com os princípios acima indicados da igualdade, da justiça, da proporcionalidade, da boa fé e da confiança jurídica, dos quais resulta o impedimento de normas arbitrárias, injustificadamente discriminatórias e injustas por desproporcionadamente lesivas dos direitos e dos interesses de uma categoria de cidadãos e de situações.
8. Para apreciar a questão de fundo é necessário definir, com precisão, qual é o alcance da norma;
9. O sentido da norma do artigo 50° da Lei n° 31/2012, de 14 de Agosto, só pode ser alcançado, como o de qualquer normativo, por via da interpretação a efectuar nos termos das regras legais estabelecidas no artigo 9º do Código Civil;
10. No que para os presentes autos releva, podem suscitar-se de imediato as seguintes hipóteses:
- O art. 50° estabelece um procedimento único, qual seja, o de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e atualização da renda? Ou estabelece dois procedimentos distintos: um de atualização da renda e outro de transição para o NRAU, cabendo distinguir a aplicação das alíneas b) e c)?
- Independentemente de serem ou não procedimentos distintos, as alíneas b) e c) do artigo 50° são aplicáveis, cada uma delas, indistintamente, à transição para o NRAU e à atualização da renda? Ou, cada alínea tem um campo de aplicação próprio em função da ratio legis, a estabelecer por inferências lógicas?
11. A Lei 31/2012, de 14 de Agosto, teve como objetivo reformar o regime do arrendamento urbano aprovado pela Lei n 6/2006, na sequência e em conformidade com o compromisso constante do Memorando de Entendimento subscrito por Portugal em 17 de Maio de 2011. Nos termos deste Memorando, o Governo português comprometeu-se a alterar a “Lei do Arrendamento Urbano”, a Lei 6/2006, a fim de garantir um equilíbrio de direitos e obrigações dos senhorios e inquilinos, tendo em conta os mais vulneráveis socialmente - disponível em https:// memorando troika.pt:
12. Desta forma, o regime de arrendamento fixado pela referida lei tem de ser interpretado no contexto da aprovação da Lei 31/2012, de 14 de Agosto, que expressamente teve como principais objetivos:
- Dinamizar o mercado de arrendamento criando condições para que o mercado funcione plenamente ao se pretender garantir um equilíbrio de direitos e obrigações dos senhorios e inquilinos;
- Permitir e promover a atualização do valor das rendas;
13. Da Exposição de Motivos da Proposta de Lei 38/XII salienta-se o seguinte excerto determinante para apurar o sentido da norma do artigo 50ª do NRAU: "Volvidos mais de cinco anos sobre a entrada em vigor da Lei n.° 6/2006, de 27 de Fevereiro, afigura-se justificada uma aproximação do regime de tais contratos antigos ao regime aprovado por aquela lei para os novos contratos.
14. Os “contratos antigos” cujo regime se pretende aproximar do previsto na Lei 6/2006, são os contratos de arrendamento para fins não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do DL n.° 257/95, de 30 de Setembro;
15. Com efeito, só estes contratos, celebrados antes da entrada em vigor do DL 257/95, mantinham as restrições ao direito extintivo do contrato por parte do senhorio, especialmente o impedimento do direito à livre denúncia (só permitido nas situações excecionais previstas nas alíneas a) e b) do artigo 28°;
16. Todos os contratos celebrados posteriormente permitiam ao senhorio optar por celebrar contratos de duração determinada, em que podia opor-se à sua renovação no final do prazo;
17. A interpretação do artigo 50° feita na sentença obsta a que os senhorios que celebraram os contratos de arrendamento para fins não habitacionais antes da entrada em vigor do DL 257/95, de 30 de Setembro, promovam a transição dos mesmos para o NRAU quando os espaços locados não constituam/ não correspondam a unidades independentes e não estejam como tal inscritos na matriz predial;
18. Não se descortina qualquer razão ou justificação para fazer depender a transição de um regime contratual para outro de circunstâncias pretéritas, como seja a correspondência da área arrendada à fração, a inscrição matricial do prédio feita há décadas, ou a decisão da AT sobre a forma da concreta composição do prédio a avaliar;
19. O conceito de prédio em Direito Civil é distinto do conceito de prédio para efeitos tributários;
20. Os contratos em causa nos presentes autos foram celebrados na década de 60 do século passado;
21. À época - e até 2012 - era impensável e inimaginável que o regime aplicável aos contratos de arrendamento fosse um ou outro, em função de circunstância fortuitas, como por exemplo, a de a área arrendada coincidir ou não com a área da fração indicada na caderneta predial, ou como a de espaço arrendado poder ou não ser uma unidade independente para efeitos de tributação;
22. O princípio da confiança jurídica e da proteção das legítimas expectativas inerentes a um Estado de Direito, não se conformam com interpretações partilhadas na sentença como o do art° 50° do NRAU que não atenta nas consequências profundamente infestas, discriminativas, excessivas e preclusivas de direitos e interesses de um grupo de cidadãos, sem qualquer justificação, nem razoabilidade;
23. Atendendo a que na ponderação do sentido da norma se deve ter em atenção as consequências de cada uma das interpretações, é forçoso concluir que cabe ponderar os efeitos dos sacrifícios impostos e a importância dos direitos em conflito;
24. Na tese perfilhada na sentença recorrida, o proprietário fica impedido de gozar e fruir da sua propriedade, do mesmo passo que fica impossibilitado de atualizar a renda. Por seu turno, o arrendatário fica com o gozo e fruição do locado, que só cessará quando e se este quiser, mantendo uma renda há décadas desatualizada;
25. A interpretação do artigo 50°, perfilhada pela Rda, e pelo Mmo. Juiz na sentença, deve ser afastada porque não existe, nem o legislador indica, qualquer fundamento ou razão justificativa para fazer depender a transição do regime do contrato da verificação dos requisitos para proceder à atualização da renda, penalizando duplamente o senhorio; aquele que não pode aumentar a renda também não pode fazer cessar o contrato de arrendamento;
26. Resulta de todo o exposto que a interpretação feita na sentença da norma do artigo 50° da Lei n° 31 /2012 não se enquadra na unidade do sistema, não se adequa às circunstâncias em que a lei foi elaborada nem às condições específicas do tempo em que a situação ocorreu, pelo que é ilegal por violação do artigo 9° do Código Civil;
27. A interpretação da Rte. ao contrário e insere-se na unidade do sistema jurídico, de forma equitativa, legal e justa.
28. A ser entendido que a sentença recorrida interpretou a norma do artigo 50° do NRAU em conformidade com o disposto no artigo 9º do Código Civil e considerando que o resultado desta interpretação é desconforme, entre outros, aos princípios da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, da proteção da confiança e da boa fé consagrados nos artigos 2º e 13º da Constituição, e ocorre inconstitucionalidade do artigo 9º do CC na leitura que dele se faz na sentença, por estar em direta contradição com o texto constitucional.
29. É certo que os poucos acórdãos que se têm pronunciado sobre o artigo 50° do NRAU, têm referido que “a razão de ser da comunicação do valor do locado, avaliado nos termos do artigo 38° e seguintes do CIMI, prende-se com a possibilidade de esse valor vir a ser determinante no cálculo da renda, nas situações previstas nos artigos 33°, ai. b), 35°, n.° 2 alíneas a) e b), 54° n°2, do NRAU”;
30. Porém, esta justificação só é racionalmente válida para a atualização da renda; o valor do locado e a caderneta predial não têm qualquer relevância para feitos do regime contratual;
31. Cremos, ser errónea e destituída de fundamento, a extrapolação da relevância do valor da renda e do valor do locado na alteração do regime contratual de vinculístico para o de prazo certo;
32. É necessário apurar da conformação da interpretação e aplicação da norma do artigo 50° do NRAU feita na sentença com o princípio da igualdade, da proporcionalidade e da proibição do excesso consagrados nos artigos 2° e 13° da Constituição, na medida em que esta delimita um âmbito de aplicação que implica um tratamento desigual e preclusivo de um grupo de pessoas e de situações;
33. O fim da norma do artigo 50° é o de definir o procedimento para que os contratos não habitacionais celebrados antes do DL 257/95, “transitem para o NRAU (isto é, passem a ter um prazo certo, podendo o senhorio opor-se à sua renovação) e se proceda à atualização do valor das rendas há muito tempo desatualizadas;
34. Cremos não existir qualquer razão justificativa, racionalmente sustentável, nem o julgador nem o legislador a indicaram, para a norma ser interpretada de forma a excluir os proprietários/senhorios que arrendaram espaços que não são suscetíveis de serem avaliados nos termos dos artigos 38° e seguintes do CIMI;
35. Desta forma, a exclusão destes senhorios e destas situações é totalmente arbitrária, pelo que ocorre desconformidade entre a norma ou a interpretação que dela faz o Mmo. Juiz e o princípio da igualdade estabelecido no artigo 13º, n° 1 da CRP;
36. Por outro lado, na aplicação do princípio da proporcionalidade (integrado ou não no princípio da igualdade) pondera-se a razoabilidade do sacrifício face à satisfação do interesse que se visa tutelar, atendendo às exigências de equidade e justiça na repartição desses sacrifícios;
37. A interpretação da norma do artigo 50° do NRAU nos termos do artigo 9º do Código Civil impõe a desaplicação das alíneas b) e c) às situações em que esteja em causa apenas a transição do contrato para o NRAU, sem concomitante actualizada do valor da renda;
38. Por todo o exposto, considera a Recorrente que uma interpretação ou aplicação da norma do artigo 50° do NRAU no sentido efetuado na sentença, isto é, a de fazer depender a eficácia da comunicação de transição do contrato de arrendamento para o NRAU da concomitante informação do valor do locado, avaliado nos termos do art. 38° e seguintes do CIMI e do envio da caderneta predial com aquele elemento, é inconstitucional, designadamente por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça, adequação e necessidade, segurança jurídica, princípio do Estado de Direito, da proteção do direito de propriedade, ínsitos nos artigos 13, n.º 2 do artigo 18º e artigo 2º, todas da CRP.”
Pede a revogação da sentença e a procedência da causa.
Em contra-alegações, o recorrido defende o acerto do julgado.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***
II- Fundamentos de Facto:
A sentença fixou como provada a seguinte factualidade:
1) A autora é proprietária do prédio sito na Praça Marquês de Pombal, n.º , em Lisboa.
2) Em 24.5.1961, a autora celebrou um contrato de arrendamento para fins não habitacionais relativo à LOJA 2, com PETRÓLEOS DE PORTUGAL, PETROGAL, S.A., que cedeu a sua posição contratual ao BANCO …., atual réu.
3) Em 13.7.1960, a autora celebrou com BANCO …, atual réu, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais relativo à LOJA no piso térreo, com acesso pela Praça Marquês de Pombal e passagem através do imóvel, zona da Galeria com frente para aquela Praça e zona da cave do prédio sito na Praça Marquês de Pombal, n.º , em Lisboa.
4) O prédio não está constituído em propriedade horizontal.
5) Em 4.2.2013, a avaliação efetuada pela Administração Tributária determinou apenas o valor patrimonial tributário do prédio no seu conjunto, não tendo sido atribuído qualquer valor patrimonial tributário específico aos espaços arrendados, conforme documento de fls. 7V-8.
6) Em 5.7.2016, a autora enviou ao réu cartas registadas com aviso de receção a comunicar-lhe a sua intenção de proceder à transição para o regime do NRAU de cada contrato de arrendamento.
7) Nestas cartas, além do mais, consta:
“(…) pretendemos que o contrato de arrendamento transite para o regime do NRAU, propondo que o mesmo passe a ser do tipo certo, e com a duração de 5 anos. (…)
Para efeitos de cumprimento do disposto no artigo 50.º do NRAU informamos que:
a) O valor da renda não é alterado porquanto o locado não foi avaliado nos termos do artigo 38.º e seguintes do CIMI, conforme resulta da caderneta predial que se junta; (…)”
8) O réu recebeu as cartas em 7.7.2016, cf. fls. 17-V.
9) Por cartas datadas de 2.8.2019, o réu respondeu que a comunicação é ineficaz.
“Com efeito, conforme resulta expressamente do previsto nas alíneas b) e c) do artigo 50.º da Lei 6/2006, de 27/2 (…) na comunicação de transição para o NRAU o senhorio deve indicar o valor do locado avaliado os termos do artigo 38.º do CIMI, constante da caderneta predial e remeter cópia da mesma.
Conforme referem na carta a que se responde o locado não se encontra avaliado nos termos do artigo 38.º do CIMI, não estando, por isso, cumprido este requisito legal. Acresce que a cópia da caderneta enviada respeita, sem qualquer discriminação, à totalidade do prédio em que se integra o locado, pelo que não cumpre o outro requisito legal supra citado. (…)”
10) A autora enviou cartas ao réu informando que as comunicações efetuadas eram válidas e eficazes, pelo que os contratos ficariam submetidos ao regime jurídico do NRAU a partir de 1.10.2016, passando a ser de prazo certo e com a duração de 5 anos, cf. fls. 19-20V.
11) Em 30.8.2016, o réu reiterou a posição assumida anteriormente, cf. fls. 21V.                                              ***
III- Fundamentos de Direito:

Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Compulsadas as conclusões acima transcritas, em causa está apreciar se são eficazes as comunicações feitas ao arrendatário R. no sentido da transição dos contratos de arrendamento dos autos para o NRAU, nos termos e para os efeitos previstos no art. 50 do NRAU, e se interpretação diversa contraria os princípios constitucionais.
Na sentença decidiu-se pela improcedência da causa, discorrendo-se sobre o caso e a concreta aplicação do referido art. 50 do NRAU: “(…) Aplicando aos autos, não se pode considerar cumprida a exigência prevista na alínea b), do artigo 50.º do NRAU, porquanto não está estabelecido o valor de cada locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana. 
Por outro lado, não foram enviadas cópias das respetivas cadernetas prediais urbanas de cada locado, incumprindo-se a alínea c).
Em consequência, considera-se ineficaz a comunicação efetuada pela autora de transição dos contratos arrendamentos para ao NRAU, tal como decorre do sumário do acórdão: “VI - Considera-se ineficaz – e, por conseguinte, inexiste fundamento para a pretendida resolução do contrato de arrendamento – a comunicação efectuada pela autora (senhoria) à ré (arrendatária) do valor do locado, avaliado nos termos do CIMI, ao indicar, para esse efeito, o valor patrimonial tributário correspondente ao 2.º andar, no seu todo, quando o arrendado respeita a uma parte deste – o seu lado direito – sendo, portanto, prédio distinto daquele que figura na matriz.”
***
A autora invoca o princípio da igualdade, proclamado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, concluindo que a interpretação do réu conduziria a uma discriminação sem fundamento.
Para o efeito, a autora consigna que o senhorio pode promover a transição do contrato de arrendamento para o NRAU no caso de prédio em propriedade total, tal como o pode fazer quando o prédio foi constituído em propriedade horizontal.
Todavia, a situação jurídica é efetivamente diferente, consoante o prédio tenha sido constituído ou não em propriedade horizontal.
Por outro lado, a inexistência de constituição de propriedade horizontal não é certamente imputável ao arrendatário.
Aliás, no caso, a autora é a única proprietária do prédio. 
Pelo exposto, inexiste qualquer tratamento diferenciado da lei sem fundamento na realidade dos factos.
Acresce que tal como consta do douto acórdão citado, a razão de ser da exigência da comunicação do valor do locado prende-se com a possibilidade desse valor vir a ser determinante no cálculo da renda.
A autora considera desproporcional que o incumprimento pelo senhorio do ónus de envio da caderneta predial relativa ao locado possa conduzir à impossibilidade de promover a transição para o NRAU. Referindo “designadamente o juízo de inconstitucionalidade feito no Acórdão 277/2016, publicado em 14/06/2016 na II Série do DR nº 112/2016, no sentido de que é excessivamente severo e desproporcionado fazer associar ao incumprimento do ónus da prova que compete ao inquilino das consequências graves que para ele resulta de não poder beneficiar do regime legal excepcional legalmente previsto nos artigos 35º e 36º do NRAU, por não ter enviado atempadamente ao senhorio os documentos comprovativos dos factos impeditivos que invocou.”
O dispositivo do douto acórdão é o seguinte: “Pelo exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 30.º, 31.º e 32.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, segundo a qual «os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de exceção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou ao grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias, mesmo que não tenham sido previamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da sua não junção», por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição;”
Todavia, no douto Acórdão, o Tribunal Constitucional considerou como inconstitucional a sanção legal prevista para o inquilino que não enviasse atempadamente certos documentos, para poder beneficiar de regime excecional legalmente previsto.
Trata-se de situação completamente diversa da sub judice, em que o locador tem a iniciativa do procedimento tendente à transição para o NRAU e não diligencia pela avaliação do locado e consequente emissão da caderneta predial.
Não se considerada desproporcionado que o incumprimento pelo senhorio do ónus de envio da caderneta predial relativa ao locado possa conduzir à impossibilidade de promover a transição para o NRAU.
Improcede pois o pedido. (…).”  
Como vimos, a argumentação da apelante passa pela defesa de que o art. 50 do NRAU não pode ser interpretado de forma a excluir os proprietários/senhorios que arrendam espaços insuscetíveis de avaliação nos termos dos artigos 38 e ss. do CIMI, nomeadamente por os edifícios não se encontrarem constituídos no regime da propriedade horizontal, quando esteja em causa apenas a transição do contrato para o NRAU sem simultânea atualização do valor da renda. Mais sustenta que interpretação diversa viola os princípios consagrados nos arts. 2, 13, e 18, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos.
Os contratos de arrendamento para fins não habitacionais sub judice, respeitantes às duas lojas, foram celebrados em 13.7.1960 e 24.5.1961 e a presente acção foi instaurada em 2.5.2018, invocando-se como fundamento que a A., locadora, comunicou ao R., locatário, a transição de cada um desses contratos para o NRAU em 5.7.2016.
Cumpre, por isso, considerar o quadro normativo introduzido pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27.2 (entrado em vigor em 28.6.2006), tendo ainda em conta as sucessivas alterações que no mesmo foram introduzidas e as que concretamente vigoravam à data da referida comunicação ao inquilino (em 5.7.2016).
Assim, “O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias” (nº 1 do art. 59 do respetivo Diploma). A regra é, por isso, a de que o NRAU se aplica imediatamente às relações contratuais mesmo constituídas antes da nova lei, ressalvado o regime transitório previsto.
Por seu turno, o art. 27 do NRAU estabelece o regime aplicável, nomeadamente, aos contratos para fins não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do DL nº 257/95, de 30.9, como é aqui precisamente o caso.
De acordo ainda com o art. 28 do mesmo NRAU, na redação dada pela Lei nº 79/2014, de 19.12 (vigente à data das comunicações realizadas pela A. ao R.), aos referidos contratos (bem como aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU), aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 26, com as especificidades resultantes, além do mais, dos arts. 50 a 54 (respeitantes ao arrendamento para fim não habitacional).
Dispõe o art. 50 do NRAU (na versão da dita Lei nº 79/2014, de 19.12):
“A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:
a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;
b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana;
c) Cópia da caderneta predial urbana;
d) Que o prazo de resposta é de 30 dias;
e) O conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos do n.º 3 do artigo seguinte;
f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta prevista na alínea anterior, e no mesmo prazo, conforme previsto no n.º 4 do artigo seguinte, e a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, nos termos do disposto no n.º 6 do mesmo artigo;
g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo seguinte.”
Na situação em análise, a A., locadora, comunicou ao R., locatário, em 5.7.2016, por cartas registadas com A/R, a intenção de proceder à transição para o regime do NRAU de cada contrato de arrendamento, mas sem qualquer atualização da renda, informando expressamente: “(…) pretendemos que o contrato de arrendamento transite para o regime do NRAU, propondo que o mesmo passe a ser do tipo certo, e com a duração de 5 anos. (…)
Para efeitos de cumprimento do disposto no artigo 50.º do NRAU informamos que: a) O valor da renda não é alterado porquanto o locado não foi avaliado nos termos do artigo 38.º e seguintes do CIMI, conforme resulta da caderneta predial que se junta; (…).” (ver pontos 6 e 7 supra).
Assim, a comunicação da A. não fez qualquer alusão ao valor do locado, avaliado nos termos dos art. 38 e ss.do CIMI (determinação do valor patrimonial tributário), constante da caderneta predial urbana, nem foi remetida cópia desta ao R. inquilino de acordo com o art. 50 do NRAU, aplicável aos arrendamentos para fim não habitacional.
Por sua vez, o R. veio responder dizendo que não foi dado cumprimento ao previsto no art. 50, als. b) e c), do NRAU (ponto 9).
A A. enviou então cartas ao R. informando que as comunicações realizadas eram válidas e eficazes, pelo que os contratos ficariam submetidos ao regime jurídico do NRAU a partir de 1.10.2016, passando a ser de prazo certo e com a duração de 5 anos (ponto 10 supra).
Trata-se, pois, de apreciar se estava a A. dispensada de cumprir o formalismo previsto nas indicadas alíneas do art. 50 do NRAU por não estar em causa a atualização da renda mas apenas a transição para o NRAU, que somente teria a ver com o tipo e a duração do contrato.
Ou seja, tudo está em saber, em primeira mão, se o senhorio pode optar apenas pela transição para o NRAU – e já não pela atualização da renda – estando, nesse caso, desobrigado de indicar o valor do locado, determinado nos termos dos arts 38 e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana e de enviar cópia da caderneta predial urbana (als. b) e c) do art. 50 do NRAU).
Merece, a nosso ver, acolhimento a tese da apelante, desde logo se tivermos em conta os motivos que terão justificado a não atualização da renda por parte desta.
Com efeito, não se encontrando o prédio constituído em propriedade horizontal a determinação do respetivo valor patrimonial tributário, realizada nos termos dos arts. 38 e ss. do CIMI, respeita apenas ao edifício no seu todo e não a partes do mesmo, designadamente aos espaços locados que não correspondam a unidades independentes assim inscritas na matriz predial.
Donde, nessas condições, a avaliação de cada concreto locado não se mostra viável, não podendo, naturalmente, constar tal valor individualizado da respetiva caderneta predial urbana.
Somos assim levados a concluir que para obter a transição do arrendamento para o NRAU e a atualização da renda, nos termos do art. 50 do NRAU, terá o locador, em bom rigor, que constituir primeiramente o prédio no regime da propriedade horizontal.
O que se compreende, de algum modo, porque, estando em causa a correção do valor da renda, este pode ser justificado em função do valor patrimonial tributário do locado. Conforme se assinala no Ac. do STJ de 24.5.2018 citado na sentença([1]): “(…) A razão de ser da exigência da comunicação do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, prende-se com a possibilidade de esse valor vir a ser determinante no cálculo da renda, nas situações previstas nos artigos 33.º, n.º 5, al. b), 35.º, n.º 2, als. a), e b), 54.º, n.º 2, do NRAU, na versão dada pela Lei n.º 31/2012, especialmente, quando se verifique oposição do arrendatário, conforme sucedeu no caso dos autos.
Se in claris non fit interpretatio e a norma em apreço não podia encerrar maior grau de clareza, o valor do locado que o senhorio deve comunicar ao arrendatário é o valor patrimonial tributário que lhe foi atribuído pelos Serviços de Finanças competentes, com base em declaração do sujeito passivo e após avaliação realizada de acordo com os critérios previstos no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), para efeitos de incidência do imposto municipal sobre imóveis (IMI).(…).”
Mas será que não pode mesmo o locador optar simplesmente pela transição para o NRAU, sem propor qualquer atualização do valor da renda, ainda que sofrendo as consequências de tal escolha?
Pensamos que nada obstará, em princípio, a essa solução, embora se aceite a interligação entre a transição para o NRAU e a atualização extraordinária da renda no regime legalmente previsto e se reconheça que se alude impropriamente à palavra “atualização” no art. 50 do NRAU, quando deveria falar-se em correção. Como explica Francisco Castro Fraga([2]): “(…) o termo “actualização” não parece o mais correcto, quer porque é também usado para as situações de “actualização anual de rendas”(..), gerando confusão e dificuldades na exposição, quer porque se dirige a uma realidade que pode nada ter que ver com a expressão em si mesma (actualização significa tornar actual uma realidade, sendo pois aplicável à situação de correcção de rendas por efeito da inflação; uma correcção feita com base numa avaliação pode distanciar-se, em maior ou menor grau, da renda inicialmente estabelecida por vontade das partes).(…).”
Mas vejamos, então, como poderá admitir-se a simples iniciativa da transição para o NRAU à luz do referido art. 50 do NRAU.
Ainda que provavelmente um contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do DL nº 257/95, de 30.9, possa ter sofrido atualizações ordinárias([3]), não se afigura que as decorrentes do art. 50 do NRAU, associadas à transição para o NRAU, se proponham diminuir o valor da renda em vigor.
Assim, não propondo o senhorio um aumento na renda vigente, não se vê como se oporia o inquilino a essa manutenção, de acordo com os arts. 52 e 33, nºs 1 e 2, do NRAU.
Mas ainda que pudesse opor-se, oferecendo um valor inferior ao estabelecido, restaria ao senhorio ou aceitar a contraproposta do inquilino (art. 52 e 33, nº 4, do NRAU) ou, não aceitando o valor de renda proposto pelo arrendatário, denunciar o contrato e indemnizar o mesmo (art. 52 e 33, nº 5, al. a), do NRAU), já não podendo atualizar a renda de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 35 (art. 52 e 33, nº 5, al. b), do NRAU) por não dispor do valor patrimonial do locado avaliado nos termos do art. 38 e ss. do CIMI.
Quer isto significar que tal solução permite ao senhorio, ainda que prescindindo das especiais condições legalmente previstas para a atualização da renda, obter a transição deste particular contrato de arrendamento para o NRAU quando o prédio não se encontre constituído em propriedade horizontal ou o espaço locado não constitua fração autónoma (e não constitua unidade independente para efeitos do CIMI).
De resto, se a falta de constituição do prédio em propriedade horizontal será em si mesma ultrapassável, em termos de definição do valor patrimonial de cada fração (nos termos do art. 38 e ss. do CIMI), já assim não sucederá sequer se o espaço locado não corresponder, ou vier a corresponder, a uma qualquer unidade independente assim inscrita na matriz predial.
Não se ignora o entendimento diverso sobre a interpretação do art. 50 do NRAU que foi defendido no Ac. da RP de 27.9.2016([4]): “(…) Não cabendo a actualização extraordinária da renda prevista pelo NRAU, e não optando o senhorio, seja pela denúncia do contrato, seja pela actualização da renda, nos termos do artº 33º nº5 NRAU, diz a doutrina que o “processo de transição para o NRAU” se torna ineficaz, mantendo-se o contrato em vigor como se nada tivesse sucedido”, sem prejuízo de o senhorio poder reiniciar o processo – assim, Dr. Francisco Castro Fraga, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas (coord. Prof. Menezes Cordeiro), pg. 496.
Existe assim uma correlação, que a doutrina citada divisa, entre prazo do contrato e aumento extraordinário da renda - não cabendo esta, não cabe o primeiro.(…).”
Cremos, no entanto, que a rigidez de tal posição inviabiliza a possibilidade do senhorio obter a transição para o NRAU do arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do DL nº 257/95, de 30.9 (e sujeito a especiais restrições), caso não possa obter o valor patrimonial do locado (nos termos do art. 38 e ss. do CIMI) em virtude, como vimos, do prédio não se encontrar constituído em propriedade horizontal ou do espaço locado não constituir uma fração autónoma.
Nestas circunstâncias, o locador ficaria não só impossibilitado de atualizar a renda, mas também sujeito a um arrendamento por tempo indeterminado, sem possibilidade de o converter ao novo regime do arrendamento, beneficiando o arrendatário, em contrapartida, de uma situação especialmente vantajosa e injustificada no mercado respetivo.
A este propósito, convém recordar, como propõe a apelante, os propósitos que estiveram na origem da Lei nº 31/2012, de 14.8 (que procedeu à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, alterando designadamente, a Lei nº 6/2006, de 27.2). Assim, segundo se refere na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 38/XII: “(…) Na linha da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, entendeu-se adequado manter a distinção entre, por um lado, as normas transitórias aplicáveis aos contratos habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, e aos contratos não habitacionais celebrados depois do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, e, por outro, as aplicáveis aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e aos contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro.
Volvidos mais de cinco anos sobre a entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, afigura-se justificada uma aproximação do regime de tais contratos antigos ao regime aprovado por aquela lei para os novos contratos. (…).
Relativamente aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e aos contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, não obstante os dados provisórios dos Censos 2011 darem nota de que, em dez anos, o número de contratos de arrendamento celebrados antes de 1990 decresceu de 430 mil para 255 mil, verifica-se que tais contratos representam ainda 33% do total de arrendamentos em vigor em 2011, sendo que 40% dos mesmos têm rendas inferiores a € 50, em muitos casos sem qualquer justificação de ordem social. Nesta medida, entende-se justificado intervir, tratando separadamente as situações que devem ainda ser salvaguardadas, daquelas que, por não justificarem uma especial protecção do ponto de vista social, devem passar a regular-se integralmente, num curto período de tempo, pelo novo regime.(…).”
Por isso, concordamos que a interpretação do art. 50 do NRAU no sentido de que o senhorio pode propor ao inquilino a mera transição para o NRAU, ainda que prescindindo das especiais condições legalmente previstas para a atualização da renda, é a que melhor se coaduna com o art. 9 do C.C.: “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Nestas circunstâncias, por isso, e constituindo iniciativa do senhorio a simples transição para o NRAU do contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do DL nº 257/95, de 30.9, estaria o mesmo desobrigado de indicar, na comunicação ao inquilino, o valor do locado, determinado nos termos dos arts. 38 e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana e de enviar cópia da caderneta predial urbana (als. b) e c) do art. 50 do NRAU), sendo válida e eficaz a comunicação realizada.
Na situação em análise, como vimos, a A. senhoria comunicou ao R. arrendatário em 5.7.2016, por cartas registadas com A/R, a intenção de proceder à transição para o regime do NRAU de cada contrato de arrendamento, mas sem qualquer atualização da renda, informando expressamente: “(…) pretendemos que o contrato de arrendamento transite para o regime do NRAU, propondo que o mesmo passe a ser do tipo certo, e com a duração de 5 anos. (…)
Para efeitos de cumprimento do disposto no artigo 50.º do NRAU informamos que: a) O valor da renda não é alterado porquanto o locado não foi avaliado nos termos do artigo 38.º e seguintes do CIMI, conforme resulta da caderneta predial que se junta; (…).” (pontos 6 e 7 supra).
Por sua vez, o R. respondeu, em 2.8.2016, limitando-se a dizer que não fora dado cumprimento ao previsto no art. 50, als. b) e c), do NRAU (ponto 9). Ou seja, o R. não se opôs à manutenção da renda, limitando-se a sustentar a ineficácia da comunicação realizada pela A..
A A. enviou, então, cartas ao R., ainda em Agosto de 2016, informando que as comunicações realizadas eram válidas e eficazes, pelo que os contratos ficariam submetidos ao regime jurídico do NRAU a partir de 1.10.2016, passando a ser de prazo certo e com a duração de 5 anos (ponto 10 supra), o que está em conformidade com o disposto nos arts. 51, nº 7, e 31, nº 10, do NRAU.
Deste modo, e não tendo o R. deduzido concreta oposição seja quanto à manutenção da renda, seja quanto ao tipo e duração do contrato, devem ter-se as referidas comunicações da A. como efetivamente válidas e eficazes, nos termos e para os efeitos dos arts. 52 e 33 do NRAU, não se considerando verificada a falta de requisitos materiais da comunicação inicial do senhorio de acordo com o art. 50 do NRAU.
Procede, pois, desta forma, o recurso interposto.
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IV- Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em, julgando procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e declarar a eficácia das indicadas comunicações de transição para o NRAU dos contratos de arrendamento em vigor entre a A, e o R., contra B , – respeitantes à Loja 2 e à Loja no piso térreo, com acesso pela Praça Marquês de Pombal e passagem através do imóvel, zona da Galeria com frente para aquela Praça e zona da cave do prédio sito na Praça Marquês de Pombal, nº …, em Lisboa – considerando-se os mesmos sujeitos ao regime do NRAU e celebrados pelo prazo de 5 anos, a contar de 1 de Outubro de 2016.
Custas pelo apelado/R..
Notifique.
***
Lisboa, 19.5.2020
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho             
Luís Filipe Pires de Sousa
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[1] Proc. 1848/16.0YLPRT.L1.S2, em www.dgsi.pt.
[2] “O regime do novo arrendamento urbano - AS NORMAS TRANSITÓRIAS (Título II da Lei 6/2006)”, ROA,   Ano 2006, Ano 66, Vol. I, Jan. 2006.
[3] Como as realizadas ao abrigo do DL nº 330/81, de 4.12, que estabeleceu um novo regime de atualização de rendas nos arrendamentos destinados a comércio, indústria ou profissões liberais.
[4] Proc. 5538/15.2T8PRT.P1, em www.dgsi.pt.